61985J0352

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 26 DE ABRIL DE 1988. - BOND VAN ADVERTEERDERS E OUTROS CONTRA ESTADO NEERLANDES. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO GERECHTSHOF DA HAIA. - PROIBICAO DE PUBLICIDADE E DE LEGENDAGEM NOS PROGRAMAS DE TELEVISAO EMITIDOS DO ESTRANGEIRO. - PROCESSO 352/85.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 02085
Edição especial sueca página 00449
Edição especial finlandesa página 00455


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Livre prestação de serviços - Serviços - Noção - Difusão além-fronteiras mediante teledistribuição de programas de televisão com mensagens publicitárias

(Tratado CEE, artigos 59.° e 60.°)

2. Livre prestação de serviços - Restrições - Teledistribuição de programas emitidos de outro Estado-membro - Proibição das mensagens publicitárias especialmente destinadas ao público nacional e dos programas legendados - Discriminação - Inadmissibilidade - Derrogações - Fundamentos de ordem pública - Manutenção do carácter não comercial e pluralista do sistema de radiodifusão nacional - Carácter desproporcionado das restrições impostas especificamente aos programas originários de outros Estdos-membros - Inadmissibilidade

(Tratado CEE, artigos 56.°, 59.° e 66.°)

Sumário


1. A difusão, por meio de exploradores de redes de cabos estabelecidos num Estado-membro, de programas de televisão oferecidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros e contendo mensagens publicitárias especialmente destinadas ao público do Estado da recepção implica várias prestações de serviços, para os efeitos dos artigos 59.° e 60.° do Tratado.

2. Contém restrições proibidas pelo artigo 59.° do Tratado, em virtude do seu carácter discriminatório, a lei nacional que submete a teledistribuição de programas difundidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros à não inclusão de mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público nacional, não sendo as cadeias de televisão nacionais sujeitas às mesmas restrições. O mesmo vale para a proibição da legendagem na língua nacional dos referidos programas, quando tenha apenas o objectivo de completar a proibição de publicidade.

Ainda que apresentadas como justificadas por razões de ordem pública, a saber, a preservação do carácter não comercial e, por essa via, pluralista do sistema de radiodifusão nacional, tais restrições descriminatórias não poderiam, em virtude da sua desproporcionalidade face ao objectivo prosseguido, ser englobadas nas derrogações consentidas pelo artigo 56.° do Tratado.

Partes


No processo 352/85,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° Tratado CEE, pelo Gerechtshof da Haia (Países Baixos) e que visa obter, no processo nele pendente entre

Bond van Adverteerders e outros

e

Estado neerlandês,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação dos artigos 59.° e seguintes do Tratado CEE face às proibições de publicidade e legendagem contidas na Kabelregeling, despacho ministerial de 26 de Julho de 1984 (STCRT, n.° 145, de 27.7.1984), proferido nos Países Baixos para regulamentação da difusão por cabo de programas de rádio e de televisão,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, G. Bosco, O. Due, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, K. Bahlmann, Y. Galmot, C. Kakouris, R. Joliet, T. F. O' Higgins e F. Schockweiler, juízes,

advogado-geral: G. F. Mancini

secretário: D. Louterman, administradora

vistas as observações apresentadas:

- em nome da demandante no processo principal, Bond van Adverteerders e outros, representada por B. H. Ter Kuile, advogado em Haia,

- pelo Governo dos Países Baixos, representado por G. M. Borchardt, na qualidade de agente,

- pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado por M. Seidel, na qualidade de agente,

- pelo Governo de República Francesa, representado por G. Guillaume,

- pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelos seus consultores jurídicos H. Étienne e R. Barents, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 17 de Setembro de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Janeiro de 1988,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 30 de Outubro de 1985, entrada no Tribunal em 18 de Novembro do mesmo ano, o Gerechtshof de Haia formulou nove questões prejudiciais sobre a interpretação das disposições do Tratado CEE relativas à livre prestação de serviços e ao alcance dos princípios gerais de direito comunitário, a fim de apreciar a compatibilidade com este direito de uma regulamentação nacional que tem por objectivo a proibição da difusão por cabo de programas de rádio e de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros, quando tais programas contenham mensagens publicitárias destinadas especificamente ao público neerlandês ou legendas em neerlandês.

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Associação Neerlandesa dos Publicitários, catorze agências de publicidade, bem como o explorador de uma rede de cabos (doravante os "publicitários"), ao Estado Neerlandês quanto às proibições de publicidade e de legendagem contidas na Kabelregeling, despacho ministerial de 26 de Julho de 1984 (STCRT n.° 145, de 27.7.1984), que os publicitários consideram contrárias aos artigos 59.° e seguintes do Tratado CEE, bem como à liberdade de

expressão garantida pelo artigo 10.° da convenção europeia dos direitos do homem.

3 As proibições de publicidade e de legendagem em causa resultam do n.° 1 do artigo 4.° da Kabelregeling, em cujos termos é permitida a utilização de um sistema de antenas para transmissão de programas de rádio e de televisão destinadas ao público, quando se tratar de

c) programas oferecidos a partir do estrangeiro por meio de ligação por cabo, por ondas ou satélites, por ou por conta de uma instituição ou grupo de instituições difusoras de programas no país de seu estabelecimento mediante um emissor de radiodifusão ou de uma rede de cabos, com a condição de:

"- o programa não conter mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês,

- não conter, sem autorização ministerial, legendas em neerlandês".

4 Nos termos da fundamentação apresentada pela Kabelregeling, as proibições em causa não se aplicam à retransmissão ("doorgifte"), pelo explorador de uma rede de cabos, de programas difundidos por meio de ondas. A justificação consiste, segundo o Governo neerlandês, em tais programas não conterem, em princípio, mensagens publicitárias destinadas especificamente ao público neerlandês e serem susceptíveis de captação directa, pelo menos por parte dos telespectadores neerlandeses. Segundo o mesmo governo, não contrariado pelos publicitários, as proibições da Kabelregeling opõem-se unicamente a que o explorador de uma rede de cabos proceda à transmissão ("overbrenging") de programas emitidos por um emissor estrangeiro "point to pont" mediante satélite de telecomunicações,

o que se verifica no caso dos programas emitidos por Sky Channel, Super Channel ou TV 5.

5 Nos termos da fundamentação da Kabelregeling, as proibições de publicidade e de legendagem destinam-se a impedir "a realização indirecta nos Países Baixos de um programa comercial de teledistribuição ou de televisão por assinatura que faça concorrência desleal à radiodifusão nacional e à televisão neerlandesa por assinatura, que deve ser ainda desenvolvida".

6 A lei sobre radiodifusão ("Omroepwet") de 1967 (Stbl. 176) visa a instituição, nas duas cadeias nacionais, de um sistema de radiodifusão de carácter pluralista e não comercial. Por força dos artigos 27.° e 29.° desta lei, o tempo de antena disponível para difusão de programas nas duas cadeias é repartido entre a Fundação Neerlandesa de Radiodifusão (a "Nederlandse Omroepstichting", doravante "NOS"), por um lado, e certo número de organismos de radiodifusão autorizados pelo ministro competente (doravante os "Omroeporganisaties"), que representam nomeadamente as grandes correntes de pensamento da sociedade neerlandesa, por outro. Nos termos do artigo 36.° da lei, a NOS deve emitir um programa comum contendo, além do mais, o jornal televisivo. O artigo 35.° da lei impõe,

por outro lado, aos omroeporganisaties, a emissão, por cada um deles, de um programa completo contendo proporções razoáveis de emissões culturais, educativas, de diversão e de informação.

7 O artigo 11.° da Omroepwet proíbe aos omroeporganisaties a difusão de mensagens publicitárias a pedido de terceiros. O direito de difusão de tais mensagens nas duas cadeias nacionas é reservado, por força do artigo 50.° da Omroepwet, à Fundação para a Publicidade Radiotelevisiva (a "Stichting Etherreclame", doravante "STER"). A STER não realiza por si tais mensagens publicitárias; limita-se a organizar a difusão de mensagens preparadas por terceiros, a cuja disposição põe tempos de antena. Nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do respectivo estatuto, a STER é obrigada a entregar as respectivas receitas ao Estado, que as utiliza para subvencionar os omroeporganisaties e, em menor medida, a imprensa escrita. Segundo as informações prestadas pelo Governo neerlandês e não contrariadas pelos publicitários, os recursos financeiros dos omroeporganisaties resultam, à volta de 70%, das taxas de radiodifusão ("omroepbijdragen"), pagas pelos telespectadores e 30% das receitas da STER.

8 Os publicitários consideram demasiado limitadas as possibilidades de publicidade que lhes oferece a STER. Em particular, seria insuficiente a frequência com que as mensagens publicitárias podem ser por ela difundidas. Desejariam, por conseguinte, poder utilizar as possibilidades mais vastas que lhes oferecem os emissores estrangeiros de programas

comerciais, o que lhes é vedado pelas proibições de publicidade e legendagem contidas na Kabelregeling.

9 Apresentaram, por isso, em processo de medidas provisórias, ao presidente do Arrondissementsrechtbank da Haye um pedido de suspensão provisória das proibições em causa. Este deferiu o pedido quanto à proibição da legendagem mas indeferiu-o quanto à da publicidade. Considerou que a proibição de legendagem é discriminatória uma vez que não se aplica às omroeporganisaties e supérflua visto que a proibição da publicidade seria já suficiente para impedir a difusão de programas estrangeiros legendados em neerlandês que contenham mensagens publicitárias. Tanto os publicitários como o Estado neerlandês recorreram deste despacho para o Gerechtshof de Haia.

10 Este entendeu necessário apresentar nove questões relativas à interpretação dos artigos 59.° e seguintes do Tratado, questões redigidas como se segue:

"1) Cabe falar de uma ou de várias prestações de serviços não realizadas em todos os seus elementos determinantes no interior de um só Estado-membro quando os exploradores de redes de cabos nesse Estado recebam, graças a ligações por cabo, por ondas ou satélites, programas de rádio e de televisão a partir do estrangeiro - contendo ou não mensagens publicitárias - e que difundem mediante redes de cabos?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, está-se perante uma limitação proibida de tais prestações de serviços, para efeitos do artigo 59.° do Tratado CEE, quando uma regulamentação nacional submeta a difusão de programas a partir do estrangeiro pela forma mencionada, mediante redes de cabos nacionais, a disposições limitativas não aplicáveis, pelo menos de forma idêntica, aos programas análogos emitidos a partir do território nacional?

3) Para responder à segunda questão, é necessário que os programas oferecidos do exterior tal como foi referido incluam mensagens publicitárias dirigidas em especial ao público do Estado-membro em causa, quando mensagens publicitárias análogas nos programas emitidos a partir deste Estado-membro só podem ser difundidas por um organismo que detém um monopólio por força da lei para tais emissões e quando os proventos daí resultantes são (quase) inteiramente destinados a financiar as actividades dos organismos de radiodifusão e a imprensa nacionais?

4) No caso de serem aplicáveis as disposições do Tratado CEE relativas à livre prestação de serviços, o facto de uma regulamentação nacional como a acima descrita proibir a difusão de programas emitidos a partir do estrangeiro pela forma mencionada e que contenham mensagens publicitárias dirigidas em especial ao público do Estado-membro da recepção, quando os organismos de radiodifusão nacionais deste Estado não têm o direito de difundir mensagens publicitárias e a difusão de tais mensagens a partir deste Estado-membro é reservada a um organismo que detem o monopólio atribuido por lei para difusão dessas emissões, sendo os proventos delas resultantes (quase) inteiramente reservados aos organismos de radiodifusão e à imprensa nacionais, constitui uma limitação proibida nos termos do artigo 59.° do Tratado CEE?

5) Sendo aplicáveis as disposições do Tratado CEE relativas à livre prestação de serviços, o facto de uma regulamentação nacional como a acima descrita sujeitar a difusão de programas emitidos a partir do estrangeiro, pela forma referida e providos de legendas na língua do Estado-membro de recepção, à autorização das autoridades, apenas com o objectivo de impedir a difusão de emissões comerciais dirigidas ao público do Estado em causa, quando os organismos de radiodifusão nacionais estão sujeitos a condições estritas e não têm o direito de difundir emissões comerciais (seja sob que forma for) e, por outro lado, as circunstâncias são as descritas na última parte da quarta questão, constitui limitação proibida nos termos do artigo 59.° do Tratado CEE?

6) Sendo aplicáveis as disposições do Tratado CEE relativas à livre prestação de serviços, uma regulamentação nacional como a descrita acima deve respeitar, além da exigência de não discriminação, outras condições no sentido de que a referida regulamentação deve ser justificada por razões de interesse geral e proporcionada ao objectivo pretendido?

7) Em caso de resposta afirmativa à sexta questão, objectivos de política cultural, que visem a manutençaõ de um regime de radiodifusão pluralista e não comercial tal como de uma imprensa pluralista e independente, podem constituir tal fundamentação, ainda que a regulamentação diga respeito (quase) exclusivamente às condições financeiras da realização de tais objectivos?

8) Tal justificação pode consistir no facto de uma regulamentação nacional como a descrita nas questões precedentes dever impedir que programas comerciais emitidos do exterior e pela forma mencionada entrem em concorrência com as emissões nacionais do Estado-membro interessado e as novas formas de mass media a desenvolver ulteriormente nesse Estado-membro?

9) Os princípios gerais do direito comunitário em vigor (nomeadamente o da proporcionalidade) e os direitos fundamentais nele inscritos (em particular a liberdade de expressão e a de recolha de informações) implicam obrigações que incumbem directamente aos Estados-membros, face às quais uma regulamentação nacional como a descrita acima deve ser examinada, independentemente de serem aplicáveis disposições escritas do direito comunitário?"

11 Para mais ampla exposição dos factos, tramitação do processo e observações das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão retomados na medida do necessário à fundamentação do Tribunal.

a) Quanto à existência de prestações de serviço nos termos dos artigos 59.° e 60.° do Tratado

12 Com a primeira questão, o tribunal nacional pretende saber, em substância, se a difusão, através de intermediários que explorem redes de cabos estabelecidos num outro Estado-membro, de programas televisivos oferecidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros e contendo mensagens publicitárias destinadas especificamente ao público do Estado da recepção, constitui uma ou várias prestações de serviços nos termos do artigo 59.° e 60.° do Tratado.

13 Para responder a esta questão, há que identificar, antes de mais, os serviços em causa, examinar seguidamente se têm carácter

transfronteiriço para efeitos do artigo 59.° do Tratado e verificar finalmente se se trata de prestações fornecidas normalmente mediante remuneração, nos termos do seu artigo 60.°

14 Importa ter em conta que as emissões de programas em causa implicam, pelo menos, dois serviços diferentes. O primeiro, o que prestam os exploradores das redes de cabos estabelecidos num Estado-membro aos emissores estabelecidos noutros, ao transmitir aos seus assinantes os programas televisivos que aqueles emissores lhes remetem. O segundo, é o que prestam os emissores estabelecidos em certos Estados-membros aos publicitários estabelecidos nomeadamente no Estado da recepção, ao emitir as mensagens publicitárias que estes prepararam especialmente para o público do Estado de recepção.

15 Estes serviços revestem um e outro um carácter transfronteiriço para efeitos do artigo 59.° do Tratado. Efectivamente, nestes dois casos, os que fornecem os serviços estão estabelecidos em Estado-membro que não é o de alguns dos que deles beneficiam.

16 Os dois serviços em causa são igualmente fornecidos mediante remuneração, nos termos do artigo 60.° do Tratado. Por um lado, os exploradores de redes de cabos são pagos, pelo serviço que prestam aos emissores, pelas taxas que recebem dos seus assinantes. Importa pouco que estes emissores não paguem geralmente eles próprios aos exploradores da rede de cabos para tal transmissão. Efectivamente, o artigo 60.° do Tratado não exige que o serviço seja pago pelos que

dele beneficiam. Por outro lado, os emissores são pagos pelos publicitários pelo serviço que lhes prestam com a programação das suas mensagens.

17 Nestas condições, há que responder à primeira questão colocada pelo tribunal nacional que a difusão, por intermédio de exploradores de redes de cabos estabelecidos num Estado-membro, de programas televisivos oferecidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros e contendo mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público do Estado da recepção, envolve várias prestações de serviços, nos termos dos artigos 59.° e 60.° do Tratado.

b) Quanto à existência de restrições à livre prestação de serviços proibidas pelo artigo 59.° do Tratado

18 Nas suas segunda, terceira, quarta e quinta questões, o tribunal nacional coloca, em substância, o problema de saber se proibições de publicidade e de legendagem como as contidas na Kabelregeling constituem restrições à livre prestação de serviços proibidas pelo artigo 59.° do Tratado, tendo em conta que a lei sobre a radiodifusão nacional proibe aos emissores de programas nacionais a difusão de mensagens publicitárias, que esta mesma lei reserva o direito de difusão das mensagens a uma fundação e que tal fundação é obrigada estatutariamente a ceder as respectivas receitas ao Estado que delas se serve para subvencionar os emissores de programas nacionais bem como a imprensa escrita.

19 Importa responder globalmente às questões, analisando, à partida, a proibição de publicidade e seguidamente a da legendagem.

20 Resulta das circunstâncias específicas invocadas pelo tribunal nacional que as proibições de publicidade e de legendagem da Kabelregeling devem ser examinadas no contexto das disposições nacionais reguladoras do sistema de radiodifusão.

- Quanto à proibição da publicidade

21 A este respeito, importa lembrar que, nos termos do artigo 59.° do Tratado, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade devem ser suprimidas, no termo do período de transição, em relação aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.

22 Uma proibição de publicidade como a contida na Kabelregeling contém uma dupla restrição à livre prestação de serviços. Por um lado, impede os exploradores de redes de cabos estabelecidos num Estado-membro de transmitir programas televisivos oferecidos por emissores estabelcidos noutros Estados-membros. Por outro, opõe-se a que estes emissores programem, em benefício de publicitários estabelecidos nomeadamente no Estado da recepção, mensagens destinadas especialmente ao público deste Estado.

23 O Governo neerlandês alega que a proibição de publicidade constante da Kabelregeling atinge os emissores estabelecidos noutros Estados-membros de igual maneira que a proibição de publicidade contida na Omroepwet atinge as omroeporganisaties e que seria até menos rigorosa que esta na medida em que não abrange todas as mensagens publicitárias mas apenas as destinadas especificamente ao público neerlandês. O Governo neerlandês conclui daí que, a existir restrição à livre prestação de serviços, não reveste carácter discriminatório e não é, por isso, proibida pelo artigo 59.° do Tratado.

24 Esta argumentação não pode ser aceite. Trata-se de comparar não a situação das omroeporganisaties com a dos emissores estabelecidos noutros Estados-membros mas, efectivamente, a das cadeias neerlandesas no seu conjunto face à dos emissores estrangeiros.

25 A este respeito deve sublinhar-se que a STER apenas tem por missão assegurar a gestão técnica e financeira da difusão da publicidade nas cadeias neerlandesas, conforme as modalidades estabelecidas na Omroepwet e não pode, em si, considerar-se um emissor de programas. Efectivamente, a STER limita-se a organizar a difusão de mensagens publicitárias preparadas por terceiros, a quem vende tempos de antena.

26 Importa ter em conta, por isso, que há discriminação pelo facto de a proibição de publicidade constante da Kabelregeling privar os emissores estabelecidos noutros Estados-membros de qualquer possibilidade de difundirem, na sua cadeia, mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês, ao passo que a lei sobre radiodifusão nacional prevê a emissão de tais mensagens nas cadeias nacionais em benefício do conjunto das omroeporganisaties.

27 Nestas condições, a proibição de publicidade como consta da Kabelregeling contém proibições à livre prestação de serviços proibidas pelo artigo 59.° do Tratado.

- Quanto à proibição de legendagem

28 O Governo neerlandês sustenta essencialmente que, tal como resulta da fundamentação da Kabelregeling, a proibição de legendagem tem por único objectivo impedir que a da publicidade não seja contornada. Tal aconteceria nomeadamente se o programa estrangeiro legendado em neerlandês contivesse, como é habitualmente o caso num programa comercial, publicidade. Nos termos da fundamentação da Kabelregeling, esta publicidade deveria ser considerada dirigida especialmente ao público neerlandês em virtude de o programa em causa ser legendado. O Governo neerlandês concede que a Omroepwet não contém a proibição de legendagem relativamente às omroeporganisaties mas sublinha que, na realidade, estas não podem, por força das normas que regulam o acesso ao sistema da radiodifusão nnerlandesa, legendar os programas que

difundem se não na medida em que não contenham mensagens publicitárias.

29 A este respeito, basta verificar que a proibição de legendagem que atinge os emissores estabelecidos noutros Estados-membros não têm outro objectivo que não seja o de completar a proibição de publicidade que, como resulta das considerações acima feitas, contém proibições à livre prestação de serviços proibidas pelo artigo 59.° do Tratado.

30 Por isso, a proibição de legendagem tal como consta da Kabelregeling contém restrições à livre prestação de serviços proibidas pelo artigo 59.° do Tratado.

c) Quanto à possibilidade de justificação de restrições à livre prestação de serviços tais como as que estão em causa

31 Partindo da hipótese de que uma regulamentação nacional como a que está em causa não tem natureza discriminatória, o tribunal nacional pergunta, na sexta questão, se tal regulamentação deve ser justificada por considerações do interesse geral e constituir meio proporcionado, relativamente aos objectivos que visa realizar. Na sétima e oitava questões, pergunta, além disso, se tais considerações podem resultar da política cultural ou de uma política que vise combater uma forma de concorrência desleal.

32 Deve sublinhar-se, antes de mais, que regulamentações nacionais, não indistintamente aplicáveis às prestações de serviços independentemente da sua origem e que, por isso, são discriminatórias, apenas estarão em conformidade com o direito comunitário se puderem ser abrangidas por uma disposição derrogatória expressa.

33 A única disposição derrogatória que pode ter-se em linha de conta em caso como o pendente é a do artigo 56.° do Tratado, para que remete o artigo 66.°, disposição de que resulta que as regulamentações nacionais que prevejam um regime especial para os estrangeiros escapam à aplicação do artigo 59.° do Tratado se forem justificadas por razões de ordem pública.

34 Importa sublinhar que objectivos de natureza económica tais como os de assegurar a uma fundação pública nacional a totalidade das receitas provenientes de mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público do Estado em causa, não podem constituir razões de ordem pública no sentido do artigo 56.° do Tratado.

35 O Governo neerlandês alegou, porém, que as proibições da publicidade e legendagem têm, em última análise, um objectivo não económico, a saber, a manutenção do carácter não comercial e, por esse meio, pluralista do sistema da radiodifusão nacional. As receitas da STER alimentariam, efectivamente, as subvenções que o Estado concede às Omroeporganisaties para manterem o seu carácter não comercial. Ora,

segundo o Governo neerlandês, um sistema de rádiodifusão pluralista só é concebível se as Omroeporganisaties tiverem um carácter não comercial.

36 Basta observar a este respeito que as medidas tomadas por força deste artigo não devem ser desproporcionadas relativamente ao objectivo visado. Enquanto excepção a um dos seus princípios fundamentais, o artigo 56.° do Tratado deve, efectivamente, ser interpretado por forma que os seus efeitos se limitem ao necessário à protecção dos interesses que visa garantir.

37 O próprio Governo neerlandês reconhece a existência de meios menos restritivos e não discriminatórios para realizar os objectivos visados. Assim, os emissores de programas comerciais estabelecidos noutros Estados-membros poderão escolher entre conformar-se com as restrições objectivas à emissão de mensagens publicitárias, tais como a limitação da publicidade para certos produtos ou em certos dias, a proibição de duração ou da frequência das mensagens, restrições igualmente impostas à radiodifusão nacional ou, se assim o não quiserem, abster-se de emissões de publicidade destinadas especialmente ao público neerlandês.

38 Cabe lembrar a este propósito que, tal como o Tribunal decidiu no acórdão de 18 de Maio de 1980 (Debauve, 52/79, Recueil, p. 833), na ausência de harmonização das disposições nacionais aplicáveis em matéria de radiodifusão e de televisão, cada Estado-membro tem competência para regulamentar, restringir ou mesmo proibir

totalmente no seu território, por razões de interesse geral, a publicidade televisiva, desde que trate de igual modo todas as prestações nesta matéria, independentemente da sua origem e da nacionalidade ou do lugar de estabelecimento do prestador.

39 Nestas condições, deve concluir-se que proibições de publicidade e de legendagem como as contidas na Kabelregeling não podem considerar-se justificadas por razões de ordem pública, no sentido do artigo 56.° do Tratado.

d) Sobre os princípios gerais do direito comunitário e os direitos fundamentais por ele reconhecidos

40 Na última questão, o tribunal nacional pergunta, em substância, se o princípio da proporcionalidade e a liberdade de expressão garantida pelo artigo 10.° da convenção europeia dos direitos do homem impõem, enquanto tais, obrigações aos Estados-membros, independentemente da aplicabilidade das disposições escritas do direito comunitário.

41 Resulta das respostas dadas às questões precedentes que proibições de publicidade e de legendagem tais como as contidas na Kabelregeling são incompatíveis com as disposições dos artigos 59.° e seguintes do Tratado. Porque estas respostas, só por si, permitem ao tribunal

nacional decidir o litígio nele pendente, fica prejudicada a resposta à nona questão, por falta de objecto.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

42 As despesas efectuadas pelos governos alemão e francês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, a este compete decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Gerechtshof da Haia, por decisão de 18 de Novembro de 1985, declara:

1) A difusão, por intermédio de exploradores de rede de cabos estabelecidos num Estado-membro, de programas televisivos oferecidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros e contendo mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público do Estado de recepção, contem várias prestações de serviço para efeitos dos artigos 59.° e 60.° do Tratado.

2) Proibições de publicidade e de legendagem como as contidas na Kabelregeling constituem restrições à livre prestação de serviços proibidas pelo artigo 59.° do Tratado.

3) Estas proibições não podem ser consideradas justificadas por razões de ordem pública, nos termos do artigo 56.° do Tratado.