61985J0186

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 7 DE MAIO DE 1987. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REINO DA BELGICA. - PRESTACOES FAMILIARES A CARGO DE UM ESTADO-MEMBRO PAGAS AOS BENEFICIARIOS DE PRESTACOES FAMILIARES A CARGO DAS INSTITUICOES COMUNITARIAS - REGRA NACIONAL CONTRA A CUMULACAO. - PROCESSO 186/85.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 02029


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1. Acção por incumprimento - Objecto do litígio - Determinação durante a fase pré-contenciosa - Ampliação posterior - Inadmissibilidade

(Tratado CEE, artigo 169.°)

2. Funcionários - Estatuto e Regime Aplicável aos Outros Agentes - Natureza jurídica - Regulamento - Obrigações dos Estados-membros - Respeito pelo carácter complementar das prestações familiares previstas no estatuto

(Tratato CEE, artigo 189.°, segundo parágrafo; Regulamento n.° 259/68, do Conselho)

3. Funcionários - Remuneração - Prestações familiares - Dedução das prestações pagas ao abrigo de um regime nacional - Disposição excepcional - Regras nacionais contra a cumulação - Proibição - Alcance

(Estatuto dos funcionários, artigos 62.°, 67.°, n.° 2 e 68.°, segundo parágrafo; Regime Aplicável aos Outros Agentes, artigo 20.°)

4. Estados-membros - Obrigações - Modificações da legislação nacional com repercussões na aplicação do estatuto dos funcionários - Consulta prévia das instituições

(Tratado CEE, artigo 5.°)

Sumário


1. O objecto de uma acção nos termos do artigo 169.° do Tratado é delimitado pelo processo pré-contencioso previsto nessa disposição. O parecer fundamentado da Comissão e a acção devem basear-se nos mesmos motivos e fundamentos, pelo que um fundamento que não tenha sido invocado no parecer fundamentado é inadmissível no âmbito do processo perante o Tribunal.

2. Nos termos do artigo 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, o estatuto dos funcionários e o Regime Aplicável aos Outros Agentes, adoptados pelo Regulamento n.° 259/68, do Conselho, têm alcance geral, são obrigatórios emtodos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-membros. Consequentemente, para além dos efeitos que produzem na ordem interna da administração comunitária, obrigam igualmente os Estados-membros, sempre que o seu concurso seja necessário para a aplicação daqueles diplomas.

Uma vez que se baseia numa disposição contida num regulamento, a saber, o artigo 67.°, n.° 2, do estatuto, o carácter complementar das prestações familiares previstas no estatuto, relativamente às prestações da mesma natureza recebidas de outra proveniência, impõe-se aos Estados-membros e não pode ser ignorado por disposições legislativas nacionais.

3. Nos termos do artigo 62.° do estatuto, as prestações familiares são uma componente da remuneração que as Comunidades são obrigadas a pagar aos seus funcionários. O artigo 67.°, n.° 2, ao dispor que as prestações da mesma natureza recebidas de outra proveniência são deduzidas das que se encontram previstas no estatuto, comporta uma excepção à regra do artigo 62.° e não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a obrigação das instituições de pagar prestações familiares sempre que um Estado-membro reconheça um direito a essas prestações a favor do filho de um funcionário, de um antigo funcionário reformado ou de outro agente das Comunidades. Para que o artigo 67.°, n.° 2, do estatuto se aplique, é necessário que exista com esse Estado-membro um vínculo comparável às situações em que se adquire o direito ao recebimento de prestações previstas no estatuto.

É por esta razão que o artigo 67.°, n.° 2, e as disposições análogas do estatuto e do Regime Aplicável aos Outros Agentes não permitem que um Estado-membro disponha que as prestações familiares devidas por força da sua legislação sejam reduzidas no montante das prestações comparáveis previstas pelas disposições do estatuto, quando o cônjuge de um funcionário em serviço ou reformado ou de outro agente das Comunidades exerça ou tenha exercido no seu território uma actividade assalariada, ou quando o próprio funcionário exerça fora das instituições uma actividade assalariada a tempo parcial que implique a sua inscrição no regime nacional de prestações familiares.

Pelo contrário, o referido artigo não é aplicável no caso de o cônjuge de um funcionário em serviço ou reformado ou de outro agente das Comunidades exercer no território de um Estado-membro uma actividade independente, ainda que essa actividade implique a sua inscrição no regime nacional de prestações familiares, gerando, assim, um direito ao recebimento dessas prestações.

4. O dever de cooperação que, nos termos do artigo 5.° do Tratado CEE, deve orientar as relações entre a Comunidade e os seus Estados-membros, impede um Estado-membro de adoptar legislação que afecte a aplicação do estatuto dos euncionários e de modificar uma sua prática anterior constante sem consultar as instituições responsáveis.

Partes


No processo 186/85,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, e por Marie Wolfcarius, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, tendo escolhido como domicílio no Luxemburgo o gabinete de Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

demandante,

contra

Reibo da Bélgica, representado por Robert Hoebaer, director no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, tendo escolhido como domicílio no Luxemburgo a sua embaixada, 4, rue des Girondins,

demandado,

que tem como objecto uma acção visando obter a declaração de que o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo, do estatuto dos funcionários, do artigo 20.° do Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades, do artigo 5.° do Tratado CEE, e dos artigos 15.° e 19.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, ao criar um sistema em que das prestações a pagar em aplicação das leis belgas são deduzidas as prestações familiares devidas por força do Estatuto e do Regime Aplicável aos Outros Agentes, e ao manter um regime de prestações familiares que contraria o carácter complementar das prestações pagas pelas Comunidades,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs.: Mackenzie Stuart, presidente, Y. Galmot e F. A. Schockweiler, presidentes de secção, G. Bosco, T. Koopmans, U. Everling e Joliet, juízes,

advogado-geral: J. Mischo

secretário: D. Louterman, administradora

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 17 de Abril de 1986,

ouvidas as conclusões do advogado-geral, apresentadas na audiência de 15 de Maio de 1986,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal em 18 de Junho de 1985, a Comissão das Comunidades Europeias, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, intentou uma acção para obter a declaração de que o Reino da Bélgica, ao impor que as prestações devidas em virtude da legislação belga sejam reduzidas no montante das prestações a que dá direito o estatuto dos funcionários das Comunidades Europeias (doravante designado por "estatuto") ou o Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades Europeias (doravante designado por "ROA"), afectando assim o carácter complementar destas últimas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo, do estatuto, do artigo 20.° do ROA, do artigo 5.° do Tratado CEE e dos artigos 15.° e 19.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (doravante designado por "PPI").

No que respeita aos factos, à tramitação processual e aos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão retomados na medida em que sejam necessários à fundamentação da decisão do Tribunal.

O n.° 2 do artigo 67.° do estatuto está assim redigido:

"Os funcionários, beneficiários das prestações familiares previstas no presente artigo, são obrigados a declarar as prestações da mesma natureza, recebidas de outra proveniência, sendo estas últimas deduzidas das que forem pagas por força dos artigos 1.°, 2.° e 3.° do Anexo VII."

As prestações previstas neste artigo são o abono de lar, o abono por filho a cargo e o abono escolar.

O segundo parágrafo do artigo 68.° contém uma regra de conteúdo idêntico para os funcionários em situação de disponibilidade ou afastados do lugar no interesse do serviço, ou ainda para os funcionários beneficiários do subsídio previsto nos artigos 34.° e 42.° do antigo estatuto do pessoal da CECA.

A regra do n.° 2 do artigo 67.° é aplicável por analogia aos outros agentes das Comunidades, em virtude do artigo 20.° do ROA.

É igualmente por analogia que esta regra deve aplicar-se aos titulares de uma pensão de aposentação, de invalidez ou de sobrevivência a cargo das Comunidades que, por força do artigo 81.° do estatuto, têm direito, nas condições previstas no Anexo VII, às prestações familiares referidas no artigo 67.°

Como resulta do processo, o Reino da Bélgica, desde a entrada em vigor do estatuto e do ROA, aceitou pagar as prestações correspondentes devidas no âmbito do estatuto ou do ROA.

Todavia, o Decreto Real n.° 54, de 15 de Julho de 1982 (Moniteur Belge de 20.7.1982, p. 8393), que modifica a legislação anterior sobre a matéria (artigo 60.° das leis coordenadas pelo Decreto Real de 19 de Dezembro de 1939, relativas às prestações familiares para trabalhadores assalariados), determinou que de futuro, "o montante das prestações familiares é reduzido no montante das prestações da mesma natureza pagáveis a favor de um filho beneficiário, por aplicação de outras disposições legais ou regulamentares estrangeiras ou por força das normas aplicáveis ao pessoal de uma instituição de direito internacional público, ainda que a concessão dessas prestações seja qualificada como complementar, por força das citadas disposições e normas, relativamente às prestações familiares atribuídas em aplicação das presentes leis".

O Decreto Real de 19 de Novembro de 1982 (Moniteur Belge de 17 de Dezembro de 1982, p. 14773) introduziu uma modificação com o mesmo conteúdo no artigo 29.° do decreto real de 8 de Abril de 1976, respeitante ao regime de prestações familiares dos trabalhadores independentes.

Entendendo que os decretos reais de 15 de Julho e 19 de Novembro de 1982 eram incompatíveis com os artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo, do estatuto, bem como com o artigo 20.° do ROA, e que, por outro lado, a sua aplicação se fizera em violação do artigo 5.° do Tratado CEE e dos artigos 15.° e 19.° do PPI, a Comissão dirigiu ao Governo belga uma notificação de incumprimento datada de 15 de Fevereiro de 1983. Tendo o Governo belga contestado o incumprimento que lhe era imputado, a Comissão enviou-lhe, em 29 de Novembro de 1984, o parecer fundamentado previsto pelo artigo 169.° do Tratado. Face às declarações do Governo belga, segundo as quais ele mantinha a sua posição, a Comissão intentou a presente acção.

No quadro do presente processo, a Comissão aduziu três fundamentos, baseando-se o primeiro na violação dos artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo do estatuto e do artigo 20.° do ROA, o segundo na violação dos artigos 15.° e 19.° do PPI e do artigo 5.° do Tratado CEE, e o terceiro na violação do princípio da não discriminação.

O terceiro fundamento, como a própria Comissão reconheceu na réplica, foi invocado na presente acção e não na fase pré-contenciosa.

Ressalta da jurisprudência do Tribunal (ver designadamente o acórdão de 7 de Fevereiro de 1982, Comissão/Itália, 166/82, Recueil, p. 459) que o objecto de uma acção nos termos do artigo 169.° do Tratado é delimitado pelo processo pré-contencioso previsto nessa disposição e que o parecer fundamentado da Comissão e a acção devem basear-se nos mesmos motivos e fundamentos. Consequentemente, o Tribunal não pode apreciar, no quadro do presente processo, um fundamento que não foi formulado no parecer fundamentado.

Assim, deve declarar-se inadmissível o terceiro fundamento apresentado pela Comissão.

Quanto à definição dos casos visados pelo presente processo

Antes de apreciarmos os outros fundamentos aduzidos pela Comissão relativamente à Bélgica, convém sublinhar que o regime de prestações familiares que é objecto dos decretos reais de 15 de Julho e 19 de Novembro de 1982 não apenas concede o direito a receber prestações desse tipo às pessoas filiadas no regime em questão, designadamente devido ao exercício de uma actividade de trabalho assalariado ou independente, e que pagam cotizações para esse efeito.

Assim, como a Comissão especificou na audiência, o presente processo só diz respeito, na realidade, ao caso de um funcionário ou agente das Comunidades cujo cônjuge exerça na Bélgica uma actividade assalariada ou independente e esteja, por isso, inscrito no regime belga de prestações familiares anteriormente descrito, assim como ao caso do funcionário ou agente que exerça ele próprio na Bélgica, fora das instituições comunitárias, uma actividade profissional a tempo parcial que implique a sua inscrição no referido regime. Mais precisamente, a Comissão acusa a Bélgica de ter introduzido na sua legislação disposições que têm a consequência de, nos casos acima descritos, as prestações familiares belgas apenas serem pagas a título de complemento relativamente às prestações do mesmo tipo devidas em virtude das disposições do estatuto.

É, portanto, unicamente em relação a estes casos que o Tribunal é chamado a decidir no presente processo.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação dos artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo, do estatuto e do artigo 20.° do ROA.

A Comissão alega que o artigo 67.°, n.° 2, do estatuto prevê uma regra anti-cúmulo em matéria de prestações familiares, retomada pelo artigo 68.°, segundo parágrafo, do estatuto, e aplicável aos outros agentes por força do artigo 20.° do ROA. Esta regra anti-cúmulo obriga os funcionários a declarar as prestações da mesma natureza recebidas de outra proveniência para que elas possam ser deduzidas das que são devidas por força das disposições estatutárias. Ao aprovar o n.° 2 do artigo 67.°, o legislador comunitário teria querido atribuir à prestação prevista pelo estatuto e pelo ROA um carácter complementar relativamente às prestações de igual natureza pagas nos termos dos diferentes regimes nacionais. Este artigo pretende portanto, entre outras coisas, limitar o encargo financeiro das Comunidades.

A Comissão alega que a disposição impeditiva de cumulação adoptada pela Bélgica ignora o carácter complementar das prestações previstas pelas disposições estatutárias, e tem como efeito aumentar o encargo financeiro das Comunidades nesta matéria.

O Governo belga, pelo contrário, contesta que o n.° 2 do artigo 67.° tenha por finalidade impor qualquer obrigação aos Estados-membros. Tratar-se-ia, segundo ele, de uma simples regra anti-cúmulo destinada a evitar que a mesma pessoa beneficie duas vezes de prestações da mesma natureza, e, portanto, apenas de uma regra interna da administração comunitária. Quanto à limitação do encargo financeiro resultante para as Comunidades da aplicação desta regra anti-cúmulo, ela constituiria apenas um efeito indirecto do n.° 2 do artigo 67.°, e não o seu objectivo.

Cabe aqui recordar que o estatuto e o ROA foram aprovados pelo Regulamento n.° 258/68, do Conselho, de 29 de Fevereiro de 1968 (JO L 56, p. 1, EE 01 F1 p. 129), e que, em virtude do segundo parágrafo do artigo 189.° do Tratado CEE, este regulamento tem alcance geral, é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-membros. Consequentemente, como o Tribunal esclareceu designadamente no seu acórdão de 20 de Outubro de 1981 (Comissão/Bélgica, 137/80, Recueil, p. 2393), para além dos efeitos que produzem na ordem interna da administração comunitária, o estatuto e o ROA obrigam igualmente os Estados sempre que o seu concurso seja necessário à aplicação daqueles actos. É preciso, portanto, averiguar se o n.° 2 do artigo 67.° do estatuto comporta, para os Estados-membros, obrigações que eles devam respeitar.

Convém observar, para esse efeito, que as prestações familiares em causa no presente litígio constituem prestações cuja concessão depende da situação familiar do funcionário. Na falta de disposições especiais, a aplicação conjunta do regime comunitário e de um regime nacional poderia, portanto, provocar conflitos, uma vez que a mesma situação familiar daria lugar à concessão automática de prestações dos dois regimes. O n.° 2 do artigo 67.° do estatuto visa precisamente regular este tipo de conflitos.

Com efeito, se os conflitos em questão fossem regulados por disposições da legislação nacional, poderiam ter de receber soluções diferentes consoante o Estado-membro em cujo território o funcionário ou o seu cônjuge exercem as suas actividades ou têm a sua residência. O n.° 2 do artigo 67.° do estatuto permite solucionar os conflitos entre o regime comunitário e os diferentes regimes nacionais, uma vez que as prestações familiares previstas no estatuto apenas são pagas aos beneficiários na medida em que excedam o montante das prestações comparáveis pagas em aplicação de um regime previsto pela legislação de um Estado-membro. Uma vez que se baseia no próprio n.° 2 do artigo 67.°, ou seja, numa disposição contida num regulamento adoptado na acepção do segundo parágrafo do artigo 189.° do Tratado CEE, o carácter complementar das prestações estatutárias impõe-se aos Estados-membros e não pode ser ignorado por disposições legislativas nacionais.

As disposições belgas em causa no presente processo atentam contra esse carácter complementar. Com efeito, resulta do próprio texto do artigo 60.° das leis coordenadas em matéria de prestações familiares para trabalhadores assalariados, com as modificações introduzidas pelo decreto real de 15 de Julho de 1982, que o montante das prestações familiares pagas em virtude das regras aplicáveis ao pessoal de uma instituição de direito internacional público deve ser deduzido do montante das prestações belgas da mesma natureza, "ainda que a concessão dessas prestações seja qualificada como complementar, por força das citadas disposições e normas, relativamente às prestações familiares atribuídas em aplicação das presentes leis".

Uma vez assente que os Estados-membros são obrigados a respeitar o carácter complementar das prestações familiares previstas pelo estatuto e pelo ROA, é ainda preciso esclarecer em que situações este carácter se impõe e, consequentemente, implica obrigações para os Estados-membos.

A este respeito, é necessário considerar que o n.° 2 do artigo 67.° se integra no sistema geral das remunerações que as Comunidades são obrigadas a pagar aos seus funcionários, nos termos do artigo 62.° do estatuto. Com efeito, segundo esta disposição, as prestações familiares estão incluídas na remuneração a que os funcionários têm direito. Precisamente por este motivo, o artigo 67.° consta da primeira secção do capítulo I do título V do estatuto, intitulada "Remuneração". O mesmo carácter de remuneração é atribuído pelos artigos 19.° e 61.° do ROA às prestações familiares dos outros agentes.

Integrado no contexto do sistema das remunerações, o n.° 2 do artigo 67.°, ao dispor que as prestações da mesma natureza recebidas de outra proveniência são deduzidas das devidas pelas Comunidades, comporta uma excepção ao artigo 62.° do estatuto e não pode, portanto, ser interpretado de maneira extensiva.

Ora, esta disposição, ainda que tenha como efeito limitar o encargo financeiro das Comunidades em matéria de prestações familiares, não poderia esvaziar de conteúdo a obrigação das Comunidades de pagar essa prestação em todas as hipóteses em que um Estado-membro reconhecesse um direito às prestações familiares a favor do filho de um funcionário, de um antigo funcionário reformado ou de outro agente das Comunidades.

A este respeito, é preciso considerar que as prestações familiares, enquanto componentes da remuneração, estão ligadas, na concepção do estatuto, a uma relação de emprego ou, em geral, a uma actividade profissional assalariada.

É necessário reconhecer, consequentemente, que o n.° 2 do artigo 67.° só se aplica quando existe - em relação ao Estado-membro cuja legislação concede, em princípio, o direito ao pagamento de prestações nacionais por um filho que pode beneficiar de prestações estatutárias - um vínculo comparável às situações que concedem direito ao recebimento de prestações estatutárias.

Assim sendo, é apenas no caso de o cônjuge do funcionário ou antigo funcionário reformado ou outro agente exercer ou ter exercido num Estado-membro uma actividade assalariada que o n.° 2 do artigo 67.° do estatuto e as outras disposições análogas proíbem esse Estado de lhe recusar o pagamento das prestações familiares previstas pela sua própria legislação, opondo-lhe a possibilidade de beneficiar, pelo mesmo filho, das prestações estatutárias.

De igual modo, o n.° 2 do artigo 67.° e as disposições análogas impedem um Estado-membro de recusar o pagamento das prestações familiares previstas pela sua legislação em situações - como as que estão em causa na acção da Comissão - em que o próprio funcionário exerce fora das instituições, no território deste Estado, uma actividade de trabalho assalariado a tempo parcial e está, por isso, inscrito no regime nacional de prestações familiares.

Pelo contrário, o n.° 2 do artigo 67.° não pode ser aplicado em situações - igualmente contempladas na acção da Comissão - em que o cônjuge do funcionário exerce no território de um Estado-membro uma actividade profissional como independente, ainda que essa actividade implique a inscrição no regime nacional de prestações familiares e, por esse facto, conceda, em princípio, o direito de receber estas prestações doEstado-membro em causa. Com efeito, as prestações da mesma natureza que, segundo a disposição supracitada, devem ser deduzidas das prestações familiares estatutárias e, portanto, dispensam as instituições da obrigação de as pagar, são apenas as atribuídas em relação a uma actividade de trabalho assalariado.

Portanto, há que concluir que o n.° 2 do artigo 67.° e as disposições análogas do estatuto e do ROA não comportam obrigações a cargo dos Estados-membros em matéria de prestações familiares quando o cônjuge do funcionário, antigo funcionário reformado ou outro agente das Comunidades exerça no território de um Estado-membro uma actividade de trabalho independente.

Em conclusão, há que declarar que o Reino da Bélgica, ao decidir que as prestações familiares devidas por força da legislação belga objecto do presente processo serão reduzidas no montante das prestações do mesmo tipo previstas pelo Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias ou pelo Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades, afectando assim o carácter complementar destas prestações, quando o cônjuge do funcionário, antigo funcionário reformado ou outro agente das Comunidades exerça no território belga uma actividade de trabalho assalariado, ou quando o próprio funcionário exerça fora das instituições uma actividade de trabalho assalariado a tempo parcial, que implique a sua inscrição no regime nacional de prestações familiares, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo, do referido estatuto, assim como do artigo 20.° do referido regime.

Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 5.° do Tratado CEE e dos artigos 15.° e 19.° do PPI

Pelo seu segundo fundamento, a Comissão censura ao Governo belga ter adoptado os decretos reais de 15 de Julho e 19 de Novembro de 1982 sem a consultar.

Segundo a Comissão, existiria para o Governo belga uma obrigação nesse sentido por força do artigo 19.° do PPI, nos termos do qual "para efeitos de aplicação do presente protocolo, as instituições das Comunidades cooperarão com as autoridades responsáveis dos Estados-membros interessados". A Comissão invoca, além disso, o artigo 15.° do mesmo protocolo, segundo o qual "o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta formulada pela Comissão, fixará o regime das prestações sociais aplicáveis aos funcionários e outros agentes das Comunidades", assim como o artigo 5.° do Tratado CEE.

Na opinião do Governo belga, nenhuma das disposições invocadas pela Comissão comporta obrigações para os Estados-membros em matéria de regulamentação da cumulação de prestações familiares devidas em virtude dos diferentes regimes nacionais e prestações do mesmo tipo devidas por força das disposições estatutárias.

Sem que seja necessário decidir se os artigos 15.° e 19.° do PPI impõem obrigações aos Estados-membros no que respeita à matéria que constitui o objecto do presente processo, basta declarar que um Estado-membro não pode, como fez a Bélgica neste caso, adoptar disposições que afectem a aplicação do estatuto e que modifiquem uma sua prática anterior constante, sem efectuar consultas com as instituições interessadas. O Governo belga desrespeitou assim, o dever de cooperação que deve reger as relações entre a Comunidade e os seus Estados-membros e violou o artigo 5.° do Tratado CEE.

Assim sendo, há que declarar que o Reino da Bélgica, ao não efectuar consultas com a Comissão a propósito das disposições que pretendia introduzir a respeito da cumulação de prestações familiares previstas pela legislação belga com as prestações da mesma natureza previstas pelo Estatuto dos Funcionários das Comunidads Europeias e pelo Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades Europeias, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.° do Tratado CEE.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Todavia, segundo o n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, o Tribunal pode repartir as despesas, no todo ou em parte, se cada uma das partes obtiver vencimento parcial. Tendo a Comissão obtido vencimento apenas numa parte dos seus pedidos, deve fazer-se a repartição das despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

decide:

O Reino da Bélgica, ao decidir que as prestações familiares devidas por força da legislação belga objecto do presente processo serão reduzidas no montante das prestações do mesmo tipo previstas pelo Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e pelo Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades Europeias, afectando assim o carácter complementar destas prestações, quando o cônjuge do funcionário, antigo funcionário reformado ou outro agente das Comunidades exerça no território belga uma actividade de trabalho assalariado, ou quando o próprio funcionário exerça, fora das instituições, uma actividade de trabalho assalariado em tempo parcial que implique a sua inscrição no regime nacional de prestações familiares, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 67.°, n.° 2, e 68.°, segundo parágrafo, do referido estatuto, bem como do artigo 20.° do regime referido.

O Reino da Bélgica, ao não efectuar consultas com a Comissão a propósito das disposições que pretendia introduzir a respeito da cumulação das prestações familiares previstas pela legislação belga com as prestações da mesma natureza previstas pelo Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e pelo Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades Europeias, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.° do Tratado CEE.

É negado provimento à acção quanto ao restante.

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.