ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Segunda Secção)

10 de Junho de 1986 ( *1 )

Processos apensos 81 e 119/85,

Union sidérurgique du nord et de l'est de la France (Usinor), sociedade de direito francês com sede em Puteaux (França), patrocinada por Lise Funck-Brentano, advogada no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório da advogada Marlyse Neuen-Kauffmann, 21, rue Philippe-Il,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Etienne Lasnet, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão de 20 de Fevereiro de 1985 da Comissão, que fixou as quotas de produção e de fornecimento de aço da Usinor para o primeiro trimestre de 1985 (processo 81/85), e da decisão de 29 de Março de 1985 da Comissão (processo 119/85), na medida em que recusam à Usinor a atribuição de referências suplementares para os produtos das categorias Ic e Id,

O TRIBUNAL (Segunda Secção),

constituído pelos Srs. K. Bahlmann, presidente de secção, O. Due e F. Schockweiler, juízes,

advogado-geral : C. O. Lenz

secretario: J. A. Pompe, secretano adjunto

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 23 de Abril de 1986,

profere o presente

ACÓRDÃO

(A parte relativa aos factos não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por requerimentos entregues na Secretaria do Tribunal em 1 e 29 de Abril de 1985, a Union sidérurgique du nord et de l'est de la France, «Usinor», sociedade anònima com sede em Puteaux (Hauts-de-Seine, França), interpôs, ao abrigo do artigo 33.°, segundo parágrafo, do Tratado CECA, dois recursos contra a Comissão, tendentes, o primeiro, registado sob o n.° 81/85, à anulação da decisão individual da Comissão de 20 de Fevereiro de 1985, o segundo, registado sob o n.° 119/85, à anulação da decisão individual da Comissão de 29 de Março de 1985 e, se necessário, da carta de 18 de Março de 1985, na medida em que estas decisões recusam a atribuição de referências suplementares para os produtos das categorias Ic e Id. Subsidiariamente, a recorrente pede ainda ao Tribunal que declare ilegais as decisões gerais n.° 2177/83/CECA da Comissão, de 28 de Julho de 1983 (JO L 208, p. 1) e n.° 234/84/CECA da Comissão, de 31 de Janeiro de 1984 (JO L 29, p. 1; EE 13, fase. 15, p. 254), que prorrogam o regime de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica, na parte em que suprimiram as possibilidades de atribuição de referências suplementares. Finalmente, a recorrente pede ao Tribunal a reparação do prejuízo sofrido.

2

Por despacho da Segunda Secção do Tribunal, de 18 de Fevereiro de 1986, os dois processos foram apensados para efeitos da audiência e do acórdão.

3

Antes de examinar estes recursos, convém recordar o contexto das decisões em litígio.

4

A Decisão n.° 1831/81/CECA da Comissão, de 24 de Junho de 1981, que estabeleceu um regime de vigilância e um novo regime de quotas de produção de certos produtos para as empresas da industria siderúrgica (JO L 180, p. 1), determinou que a Comissão procederá, preenchidas certas condições e para certas categorias de produtos, a um ajustamento das produções de referência, se a empresa, na sequência de um programa de investimento sobre o qual a Comissão não se tenha pronunciado negativamente, puser em funcionamento novas instalações produtivas. Esta possibilidade de ajustamento das produções de referência foi limitada pela Decisão n.° 1696/82/CECA da Comissão, de 30 de Junho de 1982, que prorrogou o regime de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica (JO L 191, p. 1), não figurando já nas decisões n.°s 2177/83 e 234/84. A Decisão n.° 470/85/CECA da Comissão, de 25 de Fevereiro de 1985, que altera a Decisão n.° 234/84/CECA, que prorroga o regime de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica (JO L 58, p. 7; EE 13, fase. 18, p.203), restabeleceu a possibilidade de a Comissão atribuir, preenchidas certas condições, quotas adicionais na categoria Id.

5

Em 24 de Maio de 1982, a recorrente enviou à Comissão uma comunicação prévia de um programa de investimento numa nova linha de galvanização, em conformidade com a Decisão n.° 3302/81/CECA da Comissão, de 18 de Novembro de 1981, relativa às informações que as empresas da indústria do aço devem prestar sobre os seus investimentos (JO L 333, p. 35; EE 08, fase. 2 p. 95). Em 10 de Fevereiro de 1983, a Comissão emitiu um parecer favorável, considerando o projecto compatível com os objectivos gerais da Comunidade.

6

Baseando-se neste parecer favorável, a recorrente solicitou à Comissão, por carta de 27 de Abril de 1984, a atribuição de referências suplementares para o segundo trimestre de 1984 relativamente aos produtos das categorias Ic e Id.

7

Em 20 de Junho de 1984, a Comissão respondeu que os serviços da Direcção «Aço» examinariam o pedido.

8

Por carta de 5 de Julho de 1984, a recorrente informou a Comissão da entrada em funcionamento da sua nova linha de galvanização

9

Em 31 de Dezembro de 1984, a Comissão notificou a Usinor das quotas de produção e de fornecimento para o primeiro trimestre de 1985, calculadas com base em produções e quantidades de referência anuais fixas. Em 20 de Fevereiro de 1985, dirigiu à recorrente uma nova notificação, adaptando as quotas de produção às novas taxas de redução estabelecidas na Decisão n.° 313/85/CECA, de 6 de Fevereiro de 1985 (JO L 34, p. 23).

10

Após a interposição do recurso 81/85, a Comissão, por carta de 18 de Março de 1985, sugeriu à Usinor que apresentasse um pedido, nos termos da nova Decisão n.° 470/85, sugestão que foi renovada por carta de 29 de Março de 1985.

11

A Comissão suscita a inadmissibilidade dos dois recursos por extemporaneidade.

12

A Comissão, argumenta, antes do mais, que, em virtude de a possibilidade de conceder quantidades de referência suplementares ter sido suprimida pela Decisão n.° 2177/83 e de não ter sido retomada na Decisão n.° 234/84, em vigor no momento da apresentação do pedido, estaria legalmente impossibilitada de o deferir. Cabia à recorrente, se considerava que a supressão da possibilidade de concessão das quantidades de referência suplementares violava os seus direitos, impugnar aquelas decisões gerais.

13

Quanto a este primeiro fundamento de inadmissibilidade, convém assinalar que a recorrente pode, a todo o tempo, mesmo depois de expirar o prazo de recurso contra uma decisão geral, invocar a ilegalidade desta decisão aquando da interposição de um recurso contra uma decisão individual baseada na decisão geral (ver acórdãos de 13 de Junho de 1958, Compagnie des hauts fourneaux de Chasse, 15/57, Recueil, p. 159, de 13 de Junho de 1958, Meroni SpA, 9/56, Recueil, p. 9, de 13 de Junho de 1958, Meroni SAS, 10/56, Recueil, p. 51, e de 17 de Julho de 1959, Snupat, 32 e 33/58, Recueil, p. 275). No caso em análise, há que admitir que a decisão que recusa o aumento das produções de referencia se baseia necessariamente na inexistencia, na Decisão geral n.° 234/84 em vigor no momento em que a decisão individual foi tomada, de qualquer possibilidade de se proceder a um tal ajustamento, e que existe entre esta decisão individual e a decisão geral, uma ligação jurídica directa (ver acórdão de 31 de Março de 1965, Macchiorlati Dalmas e Figli, 21/64, Recueil, p. 227). Por outro lado, assinale-se que, a título principal, a recorrente conclui pedindo não que a Decisão n.° 234/84 seja declarada ilegal, mas sim que seja interpretada de forma a permitir, transitoriamente, os aumentos solicitados, com o objectivo de serem tomados em atenção os direitos adquiridos pela recorrente no passado.

14

A Comissão argumenta, por outro lado, que a falta de decisão expressa em resposta à carta da recorrente de 27 de Abril de 1984 deve ser considerada como uma recusa implícita, abrindo assim a via da acção por omissão prevista pelo artigo 35.° do Tratado CECA. Ora, a recorrente não teria agido no prazo estabelecido por esta disposição.

15

No que respeita ao segundo fundamento de inadmissibilidade, recorde-se que, para que um pedido possa desencadear o processo de acção por omissão instituído pelo artigo 35.° do Tratado CECA, é necessário que seja suficientemente explícito e preciso, de forma a permitir à Comissão um conhecimento concreto do conteúdo da decisão que lhe foi solicitada (ver acórdãos de 6 de Abril de 1962, Meroni, 21 a 26/61, Recueil, p. 149, e de 8 de Julho de 1970, Hake, 75/69, Recueil, p. 535). Por outro lado, o pedido deve explicitar a pretensão de compelir a Comissão a agir.

16

No caso vertente, constata-se que a carta de 27 de Abril de 1984, embora esclareça com suficiente precisão o objecto do pedido da recorrente, que solicita a atribuição de produções de referência suplementares para um total de 155000 toneladas por ano a contar do segundo trimestre de 1984, não explicita claramente o convite para que a Comissão tome uma decisão formal a respeito deste pedido. Pelo contrário, no final da carta, ao declarar-se disponível para prestar os esclarecimentos que a Comissão pretendesse receber, a recorrente encarou, ela própria, a possibilidade de ulteriores conversações, admitindo assim que esta carta não poderia constituir o ponto de partida temporal para compelir a Comissão a agir.

17

Os dois fundamentos de inadmissibilidade suscitados pela Comissão devem ser, consequentemente, rejeitados.

18

Em contrapartida, compete ao Tribunal examinar oficiosamente se a decisão tomada em 20 de Fevereiro de 1985 é, efectivamente, a que contém a primeira resposta da Comissão, ainda que implícita, ao pedido da recorrente.

19

Para tanto convém, antes do mais, determinar o objecto do pedido apresentado pela recorrente.

20

Ao solicitar a atribuição de produções de referência anuais suplementares a partir do segundo trimestre de 1984, a recorrente pretendia, realmente, obter quotas de produção suplementares nas categorias le e Id a partir do segundo trimestre de 1984.

21

A decisão que deve ser considerada como tendo implicitamente rejeitado este pedido e que é, portanto, susceptível de recurso não pode, assim, ser senão a primeira decisão tomada após o pedido e que fixa as quotas de produção para o terceiro trimestre de 1984, não levando em conta o pedido de ajustamento das produções de referência a partir do segundo trimestre de 1984. Ora, a recorrente não impugnou esta decisão no prazo do recurso contencioso.

22

A decisão impugnada — de 20 de Fevereiro de 1985 —, que fixa as quotas de produção para o primeiro trimestre de 1985, não pode constituir mais do que a confirmação das decisões anteriores, uma vez que não toma em consideração o ajustamento das produções de referência solicitado por carta de 27 de Abril de 1984. É o que resulta, aliás, da comparação com a decisão individual de 31 de Dezembro de 1984, anexa à petição do recurso, que fixa as quotas de produção para o primeiro trimestre de 1985 retomando as produções de referência de 1984, sem levar em conta os aumentos solicitados pela recorrente, e que, neste ponto, é idêntica às duas decisões precedentes que fixaram as quotas de produção para os terceiro e quarto trimestres de 1984. A decisão impugnada — de 20 de Fevereiro de 1985 — não fez mais do que ajustar as quotas de produção do primeiro trimestre de 1985 às novas taxas de redução estabelecidas pela Decisão n.° 313/85, sem introduzir qualquer alteração nas produções de referência.

23

Consequentemente, o recurso do processo 81/85 deve ser rejeitado por não ter sido dirigido contra a decisão recorrível.

24

O recurso deve ser igualmente rejeitado, por não ser admissível, na parte em que reclama a reparação de um prejuízo, em virtude do artigo 34.° do Tratado CECA, que só admite a interposição de tal recurso após a anulação da decisão pretensamente originadora do prejuízo e depois de ter sido demonstrado que a Alta Autoridade não pretende tomar as medidas necessárias à reparação da ilegalidade declarada.

25

No que respeita ao recurso 119/85, cabe notar, como justamente o fez a Comissão, que a carta de 29 de Março de 1985, na qual sugeriu à Usinor a apresentação de um novo pedido de adaptação das produções de referência, em aplicação da Decisão n.° 470/85, não constitui mais do que uma mera informação, não revestindo, portanto, o carácter de uma decisão susceptível de recurso jurisdicional.

26

Assim, deve igualmente ser rejeitado o recurso do processo 119/85, por inadmissibilidade.

Quanto às despesas

27

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Segunda Secção)

decide :

 

1)

Os recursos são rejeitados por inadmissíveis.

 

2)

A recorrente é condenada nas despesas.

 

Bahlmann

Due

Schockweiler

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 10 de Junho de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente da Segunda Secção

K. Bahlmann


( *1 ) Lingua do processo: francês.