ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Terceira Secção)

12 de Junho de 1986 ( *1 )

No processo 50/85,

que tem como objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo «juge de paix» do terceiro cantão de Schaerbeek (Bélgica) destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre

Bernhard Schloh

e

SPRL Auto controle technique,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação dos artigos 30.° e 13.° do Tratado, para efeitos de aplicação das modalidades de admissão e de matrícula dos veículos importados estabelecidas pela legislação belga,

O TRIBUNAL (Terceira Secção),

constituído pelos Srs. U. Everling, presidente de secção, Y. Galmot e C. Kakouris, juízes,

advogado-geral: G. F. Mancini

secretáno: D. Louterman, administradora

considerando as observações apresentadas:

em representação do Governo dinamarquês, por Laurids Mikaelsen, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Michel Van Ackere e Daniel Jacob, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 7 de Maio de 1986,

profere o presente

ACÓRDÃO

(A parte relativa aos factos não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 1 de Fevereiro de 1985, entrada no Tribunal a 21 de Fevereiro do mesmo ano, o «juge de paix» do terceiro cantão de Schaerbeek apresentou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 30.° e 13.° do Tratado, para efeitos de aplicação das modalidades de admissão e de matrícula dos veículos importados estabelecidas pela legislação belga.

2

Tais questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe B. Schloh, funcionário do Conselho das Comunidades Europeias em Bruxelas, à SPRL Auto controle technique, de Schaerbeek, a seguir designada por sociedade de controlo.

3

Em Janeiro de 1979, B. Schloh comprou na República Federal da Alemanha um automóvel de marca Ford, modelo Granada, tipo Break; para a legislação belga, este automóvel é considerado como um automóvel «misto», ou seja, concebido para o transporte de pessoas e de coisas.

4

Após ter obtido um certificado de conformidade do veículo com os tipos de veículos autorizados na Bélgica, emitido em 13 de Fevereiro de 1979 pelo concessionário Ford de Antuérpia, B. Schloh apresentou o seu automóvel à sociedade de controlo em 20 de Março do mesmo ano, para que fosse verificado, antes da matrícula do veículo, como exige o artigo 23.°, n.° 2, 1.°, alínea c), do decreto real de 15 de Março de 1968, alterado, se o estado do veículo correspondia às normas de segurança e de manutenção. O veículo em questão foi matriculado dois dias após o controlo, ou seja, em 22 de Março de 1979; B. Schloh pagou, então, uma primeira taxa de 500 BFR.

5

Por carta de 26 de Março de 1979, a sociedade de controlo solicitou a B. Schloh que apresentasse o seu automóvel a 5 de Abril do mesmo ano, com vista à realização de um novo controlo técnico, exigido por força do artigo 23.°, n.° 2, 1.°, alínea e), do decreto real de 15 de Março de 1968, alterado. Em resposta a urna questão colocada pelo Tribunal, o Governo belga assinalou que o segundo controlo se destinava a obter uma declaração escrita do detentor do veículo, comprovando que a respectiva utilização permitia dispensá-lo de um controlo técnico anual, durante os primeiros quatro anos.

6

Por carta de 2 de Abril de 1979, B. Schloh enviou à sociedade de controlo uma declaração de utilização do veículo, fazendo notar que o segundo controlo lhe parecia abusivo, dado não ser exigido nos termos da lei. Todavia, com vista a obter o certificado de realização do controlo, que todos os veículos que circulam com matrícula belga devem possuir, B. Schloh apresentou o seu automóvel em 11 de Junho de 1979 e pagou de novo uma taxa de 500 BFR.

7

Após uma troca de correspondência com o ministro das Comunicações, que considerou que o processo seguido era regular, e depois de ter visto duas acções rejeitadas por razões processuais, B. Schloh requereu, em acção de 12 de Abril de 1983, intentada no Tribunal de Primeira Instância («juge de paix») do Terceiro Cantão de Schaerbeek, o reembolso das taxas cobradas pela sociedade de controlo, no montante total de 1000 BFR.

8

O «juge de paix», decidiu, assim, colocar as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 30.° e/ou 13.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia ser interpretados de forma a que:

uma disposição do direito de um Estado-membro que exige que um automóvel novo do tipo «automóvel misto», construído e importado de outro Estado-membro e colocado em livre circulação, e que foi objecto de uma verificação/controlo técnico, vindo, dias mais tarde, a ser sujeito a uma nova verificação/controlo técnico, pelo facto de se tratar de um automóvel misto, constitua uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação (artigo 30.°);

a mesma disposição do direito de um Estado-membro que exige o pagamento de duas vezes uma certa quantia para as duas verificações/controlos técnicos seja um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros (artigo 13.°);

(Problema do «duplo controlo técnico», constituindo este controlo o terceiro controlo sistemático antes de um novo automóvel misto, produzido num Estado-membro, ser colocado em livre circulação noutro Estado-membro) ;

2)

Devem os artigos 30.° e/ou 13.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia ser interpretados de forma a que :

uma disposição do direito de um Estado-membro que exige que um automóvel novo (do tipo «automóvel misto» ou não), produzido e importado de outro Estado-membro e colocado em livre circulação, e dotado de um certificado de conformidade, deve ser sujeito a uma verificação/controlo técnico, constitua uma medida de efeito equivalente e restrições quantitativas à importação (artigo 30.°) e/ou

a mesma disposição do direito de um Estado-membro que exige o pagamento de uma certa quantia para essa verificação/controlo técnico seja um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros (artigo 13.°)?

(Problema do primeiro controlo técnico, constituindo este controlo o segundo controlo sistemático antes de um novo automóvel misto, construído num Estado-membro, ser colocado em livre circulação noutro Estado-membro.)»

9

Resulta da redacção destas questões prejudiciais que o Tribunal é, em suma, interrogado acerca dos seguintes pontos :

em primeiro lugar, se o artigo 30.° do Tratado permite sujeitar um automóvel, importado de outro Estado-membro e munido de um certificado de conformidade com os tipos de veículos autorizados no Estado-membro de importação, a um controlo técnico para fins de matrícula neste último Estado;

em segundo lugar, se o artigo 30.° do Tratado permite sujeitar esse mesmo automóvel a um segundo controlo técnico, imposto alguns dias depois da realização do primeiro controlo;

em terceiro lugar, se o artigo 13.° do Tratado autoriza a cobrança de uma taxa por ocasião de cada controlo técnico.

Quanto ao primeiro controlo técnico

10

O Governo dinamarquês e a Comissão consideram que medidas nacionais que sujeitam a um controlo técnico um veículo novo importado, mesmo quando este se encontra munido de um certificado de conformidade com as normas de segurança do Estado de importação, constituem medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas, proibidas pelo artigo 30.° do Tratado, e não justificadas por uma das exigências imperativas consagradas pela jurisprudência do Tribunal ou por uma das razões enumeradas no artigo 36.° do Tratado. O Governo dinamarquês alega que, se, em contrapartida, o veículo for importado em estado de usado, o controlo técnico pode justificar-se pela necessidade de verificar nomeadamente o seu estado de conservação.

11

Convém salientar em primeiro lugar que, se a Directiva 77/143, do Conselho, de 29 de Dezembro de 1976 (JO L 47, p. 47; EE 07, fase. 2, p. 56) adoptou diferentes medidas para harmonizar o controlo técnico dos veículos motorizados, a verdade é que este diploma, nos termos do seu anexo I, não é aplicável aos veículos da categoria a que pertence o automóvel em causa no processo principal. Daqui resulta que, no estádio actual de evolução do direito comunitário, e para os veículos desta categoria, cabe aos Estados-membros, com vista a garantir a segurança nas estradas, regulamentar o controlo técnico, sob reserva do respeito das disposições do Tratado.

12

Nos termos do artigo 30.° do Tratado, são proibidas, no comércio entre os Estados-membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa. Os controlos técnicos são formalidades que tornam a matrícula dos veículos importados mais difícil e dispendiosa e revestem, por conseguinte, a natureza de medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa.

13

Todavia, o artigo 36.° pode justificar tais formalidades, por razões ligadas à protecção da saúde e da vida das pessoas, desde que se demonstre, por um lado, que o controlo técnico em causa é necessario para alcançar o objectivo visado e, por outro, que não constitui, nem uma discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros.

14

No que concerne à primeira condição, há que reconhecer que um controlo técnico exigido antes da matrícula de um veículo importado, mesmo munido de um certificado de conformidade com os tipos de veículos autorizados no Estado-membro de importação, pode ser considerado como necessário à protecção da saúde e da vida das pessoas, nos casos em que o veículo em causa tenha sido anteriormente colocado em circulação. Com efeito, o controlo técnico apresenta, nessas situações, a utilidade de verificar se o veículo não terá sofrido acidentes e se se encontra em bom estado de conservação. Em contrapartida, essa justificação deixa de existir quando o controlo incide sobre um veículo importado, munido de um certificado de conformidade, e que não foi colocado em circulação antes de ser matriculado no Estado-membro de importação.

15

No que toca à segunda condição, saliente-se que o controlo técnico dos veículos importados não pode, porém, colher justificação nos termos do artigo 36.°, segundo período, do Tratado, se se provar que esse controlo não é imposto aos veículos de origem nacional apresentados à matrícula nas mesmas condições. Tal situação, com efeito, demonstraria que a medida em causa não é realmente inspirada por uma preocupação de protecção.da saúde e da vida das pessoas, constituindo, antes, uma discriminação arbitrária ao comércio entre os Estados-membros. Compete ao tribunal nacional verificar que esse tratamento não discriminatório se encontra efectivamente assegurado.

16

Há, portanto, que responder ao tribunal nacional que o artigo 30.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma medida nacional que subordina a matrícula de um veículo importado, munido de um certificado de conformidade com os tipos de veículos autorizados no Estado-membro de importação, a um controlo técnico, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação. Tal medida, no entanto, justifica-se face ao artigo 36.° do Tratado, desde que incida sobre veículos colocados em circulação antes da matrícula, e se aplique sem se fazer distinção consoante a origem nacional ou importada dos veículos em causa.

Quanto ao segundo controlo técnico

17

A Comissão, que foi a única a apresentar observações sobre este ponto, entende que o controlo imposto com vista à obtenção da dispensa do controlo periodico anual até ao momento em que o veículo atinja quatro anos de idade constitui uma medida de efeito equivalente, proibida pelo artigo 30.° e não justificada pelo artigo 36.° do Tratado. A Comissão alega, a este propósito, que a dispensa do controlo periódico anual se poderia obter mediante simples declaração relativa à utilização do veículo, efectuada aquando do primeiro controlo técnico.

18

Há que recordar que, de acordo com jurisprudência constante, a legislação nacional não beneficia da derrogação do artigo 36.° do Tratado, quando o objectivo que tem em vista possa ser alcançado com igual eficácia através de medidas menos restritivas do comércio intracomunitário.

19

Deve-se reconhecer, em consequência, que o artigo 36.° não permite justificar um controlo técnico cujo objectivo é obter do detentor do veículo importado uma declaração escrita que comprove que a utilização desse veículo permite dispensá-lo de um controlo anual. A finalidade pretendida pode, com efeito, ser alcançada pela simples exigência dessa declaração escrita por parte do detentor, sem haver necessidade de apresentar o veículo a um organismo de inspecção automóvel autorizado para esse efeito.

20

Assim, há que responder ao tribunal nacional que os artigos 30.° e 36.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que o controlo técnico de um veículo importado, cujo objectivo é obter uma declaração escrita do detentor do veículo, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo Tratado.

Quanto à taxa recebida por ocasião de cada controlo técnico

21

A Comissão considera que a taxa cobrada por ocasião do primeiro controlo técnico constitui um encargo de efeito equivalente, proibida pelo artigo 13.° do Tratado, dado que é imposta devido à passagem da fronteira. A taxa cobrada por ocasião do segundo controlo técnico, pelo contrário, derivaria de um regime geral de taxas internas indiscriminadamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos produtos importados; por conseguinte, essa taxa seria conforme com o disposto no artigo 95.° do Tratado, desde que o controlo correspondente fosse compatível com o direito comunitário.

22

Convém assinalar, em primeiro lugar, que sempre que um controlo técnico seja proibido pelos artigos 30.° e seguintes do Tratado, o encargo pecuniário imposto por ocasião de tal controlo é, em si mesmo, e em consequência da referida proibição, contrário ao Tratado.

23

Em contrapartida, na hipótese de o controlo técnico que antecede a matrícula ser reconhecido como justificado pelo artigo 36.°, a taxa cobrada relativamente a um veículo importado constituiria uma imposição interna compatível com o artigo 95.°, desde que o seu escalão não seja superior ao da taxa que, nas mesmas circunstâncias, recai sobre um veículo de origem nacional.

24

Assim, há que responder ao tribunal nacional que:

a taxa cobrada por ocasião de um controlo técnico contrário ao Tratado é, em si mesma, e em consequência de tal oposição, contrária ao Tratado;

a taxa cobrada por ocasião de um controlo técnico que antecede a matrícula, justificado em face do artigo 36.°, é compatível com o Tratado, desde que o seu escalão não seja superior ao da taxa que, nas mesmas circunstâncias, recai sobre um veículo de origem nacional.

Quanto às despesas

25

As despesas efectuadas pelo Governo dinamarquês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Dado que o processo reveste, relativamente às partes no processo principal, o carácter de um incidente suscitado perante o tribunal nacional, compete a este decidir sobre as despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Terceira Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas por decisão de 1 de Fevereiro de 1985 do «juge de paix» do terceiro cantão de Schaerbeek, declara:

 

1)

O artigo 30.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma medida nacional que subordina a matrícula de um veículo importado munido de um certificado de conformidade com os tipos de veículos autorizados no Estado-membro de importação a um controlo técnico constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação. Tal medida, no entanto, justifica-se em face do artigo 36.° do Tratado, desde que incida sobre veículos colocados em circulação antes da matrícula e se aplique sem se fazer distinção consoante a origem nacional ou importada dos veículos em causa.

 

2)

Os artigos 30.° e 36.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que o controlo técnico de um veículo importado cujo objectivo é obter uma declaração escrita do detentor do veículo constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo Tratado.

 

3)

A taxa cobrada por ocasião de um controlo técnico contrário ao Tratado é, em si mesma, e em consequência de tal oposição, contrária ao Tratado.

A taxa cobrada por ocasião de um controlo técnico que antecede a matrícula, justificado em face do artigo 36.°, é compatível com o Tratado, desde que o seu escalão não seja superior ao da taxa que, nas mesmas circunstâncias, recai sobre um veículo de origem nacional.

 

Everling

Galmot

Kakouris

Proferido em audiência publica no Luxemburgo, a 12 de Junho de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente da Terceira Secção

U. Everling


( *1 ) Lingua do processo: francês.