61985C0286

Conclusões do advogado-geral Mancini apresentadas em 27 de Janeiro de 1987. - NORAH MCDERMOTT E ANN COTTER CONTRA MINISTER FOR SOCIAL WELFARE E ATTORNEY GENERAL. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO HIGH COURT DE DUBLIM. - IGUALDADE DE TRATAMENTO EM MATERIA DE SEGURANCA SOCIAL - ARTIGO 4., N. 1, DA DIRECTIVA 79/7/CEE. - PROCESSO 286/85.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 01453


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. Por decisão de 13 de Março de 1985, entrada na Secretaria do Tribunal em 23 de Setembro do mesmo ano, o High Court de Dublim solicitou a interpretação do artigo 4.° da Directiva 79/7 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979 L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174). Ao tribunal nacional interessa saber se aquela disposição tem efeito directo na Irlanda desde 23 de Dezembro de 1984 - data limite até à qual os Estados-membros deveriam ter adoptado as medidas necessárias para a transformação da directiva nos seus ordenamentos jurídicos.

O pedido prejudicial foi formulado no âmbito de dois processos movidos por Norah McDermott e Ann Cotter contra o ministro da Segurança Social e o Attorney-General. As requerentes são ambas casadas e queixam-se de, em virtude do seu estado, terem recebido um subsídio de desemprego reduzido no montante e no tempo, relativamente ao benefício usufruído pelos homens, casados ou solteiros, e pelas mulheres solteiras, embora pagassem cotizações iguais às que pagam tais categorias de pessoas.

De facto, no texto em vigor à data dos processos, o capítulo 4.°, Segunda Secção, do Social Welfare (Consolidation) Act 1981, dispunha que:

a) Os homens casados ou solteiros e as mulheres solteiras têm direito ao subsídio de desemprego por um período de 390 dias, a contar do primeiro pagamento do subsídio; pelo contrário, as mulheres casadas só têm direito a recebê-lo durante 312 dias;

b) O montante do subsídio respeitante às mulheres casadas é menos elevado do que aquele que compete aos homens casados ou solteiros e às mulheres solteiras;

c) os homens casados ou solteiros e as mulheres solteiras usufruem das prestações complementares da retribuição durante 372 dias, enquanto que as mulheres casadas apenas têm direito a elas durante 294 dias.

Esta desigualdade de tratamento era justificada por um princípio que, durante muito tempo, informou a legislação irlandesa sobre previdência. Com base naquele, presumia-se que a mulher casada vivia a cargo do marido quando com ele convivesse e este a sustentasse total ou principalmente; pelo contrário, o marido só era considerado como estando a cargo da mulher, quando uma doença física ou mental o tivesse tornado incapaz de prover a si próprio e o seu total ou principal sustento coubesse à mulher.

Em 16 de Julho de 1985, o Oireachtas (Parlamento irlandês) deu execução à Directiva 79/7 adoptando o Social Welfare (n.° 2) Act 1985. Esta lei revoga o princípio de que a mulher casada está automaticamente dependente do marido e adopta a igualdade de tratamento no âmbito da segurança social. A lei entrou em vigor em 15 de Maio de 1986 com eficácia retroactiva limitada, na sequência da aprovação - que tinha tido lugar no dia imediatamente anterior - do Social Welfare (n.° 2) Act, 1985 (Section 6) (Commencement) Order 1986.

2. Os factos

Em 4 de Fevereiro de 1985, as senhoras McDermott e Cotter requereram ao High Court que emitisse duas "conditional orders of certiorari" que anulassem as decisões com que, decorridos os 312 dias previstos na lei, o Ministério da Segurança Social tinha posto termo ao pagamento do subsídio de desemprego relativamente a elas. As requerentes alegaram que tais medidas violavam os direitos que lhes eram atribuídos pelo artigo 4.°, n.° 1, da directiva. De facto, esta norma dispõe que "o princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar... no que respeita: ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes, à obrigação de pagar as cotizações e ao cálculo destas, ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações".

A administração requerida opõe-se ao pedido com dois "affidavits" distintos, sustentando que a disposição em que se baseia a reclamação deixa aos Estados-membros ampla margem de discricionariedade na escolha das medidas de recepção; ela não satisfaz, portanto, o requisito - impor obrigações claras e precisas - de que a jurisprudência do Tribunal faz depender a aptidão das normas de uma directiva para produzirem efeitos directos.

Esta divergência de pontos de vista levou o High Court a considerar indispensável a vossa interpretação sobre o alcance da norma em causa. O tribunal suspendeu, portanto, a instância e submeteu as seguintes questões prejudiciais:

"1) As normas da Directiva 79/7/CEE, nomeadamente o artigo 4.° têm eficácia directa na República da Irlanda, com efeito a partir de 23 de Dezembro de 1984, habilitando, assim, as requerentes a reivindicar em juízo os direitos subjectivos em que ficam investidas?

2) Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa, normas nacionais como as contidas nos capítulos IV e VI, secção 2, do Social Welfare (Consolidation) Act 1981, com as alterações nele introduzidas, são inaplicáveis e que as requerentes, na sua qualidade de mulheres casadas, residentes num Estado-membro que não revogou as referidas normas, têm, a partir de 23 de Dezembro de 1984, direito à igualdade de tratamento no que respeita às prestações da previdência em questão, e têm legitimidade para recorrer ao tribunal contra o mesmo Estado, para tutela dos seus direitos?"

3. Responder a estas questões não é difícil. Efectivamente, recordo que o nosso Tribunal se pronunciou sobre o alcance do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7 em dois recentíssimos acórdãos: o de 24 de Junho de 1986, no processo 150/85, Drake/Chief Adjudication Officer (Colect., p. 1995) e a 4 de Dezembro de 1986, no processo 71/85, Reino dos Países Baixos/Federative Nederlandse Vakbeweging (FNV) (Colect., p. 3855).

Na segunda decisão, nomeadamente, afirma-se que a disposição "pouvait, à defaut de mise en oeuvre de la directive, être invoqué à partir du 23 décembre 1984, pour écarter l' application de toute disposition nationale non conforme audit article ... En absence de mesures d' application ..., les femmes ont le droit d' être traitées de la même façon et de se voir appliquer le même régime que les hommes se trouvant dans la même situation, régime qui reste, à defaut d' execution de ladite directive, le seul systeme de référence valable" (n.° 23). No n.° 25 acrescenta-se que "un État membre ne peut invoquer le pouvoir d' appréciation dont il dispose dans le choix des moyens pour mettre en oeuvre la principe d' égalité de traitement en matière de sécurité sociale prévu par la directive 79/7 pour dénier tout effet à son article 4, paragraphe 1, qui est susceptible d' être invoqué en justice en dépit du fait que ladite directive n' a pas été exécutée dans son ensemble".

Não tenho dúvidas de que estas afirmações devem manter-se no caso em apreço. Sobre as razões que militam a seu favor e contra a tese em que se apoia o actual procedimento dos governos irlandês e neerlandês, segundo a qual o artigo 4.°, n.° 1, não impõe aos Estados-membros "uma obrigação clara e precisa", permito-me remeter para as conclusões que apresentei no citado processo 71/85 (ver especialmente o n.° 3).

4. Estas considerações levam-me a sugerir que seja respondido como se segue às questões prejudiciais submetidas pelo High Court de Dublim, por decisão de 13 de Maio de 1985 nos processos que opõem Norah McDermott e Ann Cotter ao ministro da Segurança Social e ao Attorney-General irlandeses:

A partir de 23 de Dezembro de 1984 - dies ad quem do prazo estabelecido para a transposição da Directiva 79/7 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social - o artigo 4.°, n.° 1, que proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente por referência, nomeadamente ao estado civil ou familiar, tem eficácia directa.

Na ausência de normas internas destinadas à recepção da directiva, as mulheres casadas têm o direito de que lhes seja aplicado o regime estabelecido para os homens que se encontrem em situação análoga uma vez que, na falta de uma norma de adaptação, fica em vigor apenas este regime. Elas podem, portanto, invocar perante o juiz nacional os direitos que o artigo 4.°, n.° 1, lhes confere, opondo-se a disposições não conformes ou contraditórias com o princípio da igualdade de tratamento.

(*) Tradução do italiano.