CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JOSÉ LUÍS DA CRUZ VILAÇA

apresentadas em 24 de Setembro de 1986

Senhor Presidente,

Senhores Juizes,

1. 

O recorrente, Marcel Luttgens, tendo entrado ao serviço da Comissão em 15 de Junho de 1964, como tradutor, foi nomeado chefe do serviço especializado IX-D-7 («tradução: língua francesa»), a partir de 1 de Março de 1983.

Em 14 de Dezembro de 1983, requereu a concessão de uma licença sem vencimento de 1 de Março de 1984 a 28 de Fevereiro de 1985, indicando no seu requerimento que durante o período da licença residiria em: Grand-Rue 33, B-6780 Messancy.

Tal requerimento foi deferido por decisão de 14 de Fevereiro de 1984.

Em 12 de Março de 1984, foi publicado um aviso de abertura de concurso para um lugar LA 3 de chefe de divisão IX-D-7. Em 19 de Março de 1984, o recorrente candidatou-se a tal lugar, indicando em carta anexa, como morada, o n.° 3 da rue du Stade, Schouweiler, mas especificando que estaria ausente do Luxemburgo de 24 de Março a 1 de Julho de 1984, não indicando porém qual a direcção onde se encontraria. Na mesma carta, solicitava que a sua reintegração fosse antecipada para o fim de Agosto, «a fim de que a (sua) candidatura ao citado lugar possa ser tomada em consideração».

A esta carta, e para a direcção da mesma constante, respondeu o director de pessoal e administração da Comissão em 23 de Março de 1984, informando o recorrente que não seria possível adiar a publicação e o preenchimento do lugar LA 3 de chefe de divisão de tradução de língua francesa. Nesta resposta, informava-se igualmente o recorrente que, de harmonia com o estatuto, não era admissível a candidatura de um funcionário ná situação de licença sem vencimento, sendo pois demasiado tardia uma reintegração no fim do mês de Agosto. O recorrente sustenta só ter recebido tal carta em Junho de 1984, pois a mesma não havia sido dirigida para a direcção constante do seu pedido de licença sem vencimento.

Reintegrado a seu pedido, mas na categoria de revisor, em 1 de Outubro de 1984, o recorrente, em 29 do mesmo mês, solicita a sua colocação num lugar equivalente ao que ocupava antes da licença sem vencimento. Face à recusa da administração, o recorrente dirige, com data de 6 de Dezembro de 1984, uma reclamação à AIPN, nos termos do artigo 90.° do estatuto, na qual pede a anulação das decisões que o prejudicam. A referida reclamação entrou na Comissão em 12 de Dezembro de 1984, sendo registada na Secretaria-Geral a 4 de Janeiro de 1985.

Em 5 de Junho de 1985, por carta notificada ao recorrente em 11 de Junho, a Comissão indefere tal reclamação.

Em 3 de Setembro de 1985, dá entrada na Secretaria do Tribunal a petição na qual o recorrente pede a anulação da decisão da Comissão de recusar a sua candidatura ao concurso de chefe de divisão de tradução, a anulação de todo o processo relativo a tal concurso, incluindo a eventual nomeação de outro funcionário, e a reabertura do dito processo. Pede ainda o recorrente a anulação dá decisão de o reintegrar no lugar de revisor devendo, pelo menos, ser reintegrado no seu lugar anterior de chefe de equipa.

Todavia, dado que só na tréplica a Comissão, contrariamente ao que até então sucedera, vem afirmar que a candidatura do recorrente ao lugar de chefe de divisão afinal tinha sido tomada em consideração, o recorrente renuncia na audiência ao pedido de anulação da suposta decisão da Comissão de recusar a sua candidatura pedido esse que, tendo aliás por base um acto não definitivo de um funcionário (a carta de 23 de Março), ficaria de qualquer modo sem objecto em face da revelação da Comissão. Também na audiência, renuncia igualmente ao pedido de anulação da nomeação do Sr. Dante Parini no lugar de chefe de divisão, invocando para tal razões de caracter humanitário.

Em substituição de tais pedidos que formulara na petição de recurso pede, na audiência, a condenação da Comissão no pagamento de um ecu, a título de indemnização pelo seu comportamento irregular, com base no artigo 42.° do Regulamento Processual.

Posto por vós perante a questão da viabilidade do pedido nessa fase do processo, o recorrente sugere ao Tribunal que a condenação em tal indemnização seja proferida oficiosamente em termos análogos aos decididos no acórdão Oberthür. Em alternativa, e com fundamento no mesmo motivo, o recorrente sugere a condenação da Comissão nas despesas do processo em termos semelhantes aos decididos por este Tribunal no acórdão List.

Mantém-se todavia intacto o segundo pedido formulado na petição respeitante à anulação da decisão de readmitir o recorrente como revisor.

2. 

Passemos agora à análise das questões de direito suscitadas pelo presente processo.

A — A excepção de inadmissibilidade do recurso

A Comissão suscita na tréplica a questão prévia da admissibilidade do recurso. Segundo ela, o recurso não seria admissível por intempestividade da reclamação, nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do estatuto dos funcionários, pois já tinham decorrido três meses sobre a publicação do aviso COM/736/84, aviso este que se revestiria das características de uma medida de carácter geral.

E óbvio que tal excepção é inoponível ao pedido do recorrente respeitante à sua reintegração. A decisão respeitante à reintegração foi conhecida pelo recorrente em Outubro de 1984 e a reclamação foi apresentada em 6 de Dezembro, ou seja dentro do prazo de três meses previsto no n.° 2 do artigo 90.° do estatuto.

Pelo que respeita ao pedido concernente à anulação do concurso e ao provimento do lugar de chefe de divisão, pareceria, à primeira vista, que a renúncia do recorrente a tal pedido tornaria, de per si, dispensável a análise da sua admissibilidade.

Todavia, o certo é que o recorrente formulou em audiência um novo pedido, o qual, se outras razões não houvesse para o indeferir liminarmente, só poderia, a nosso ver, ser apreciado caso fosse admissível o pedido inicial constante da petição. Pois teria sentido condenar a Comissão em indemnização ou/e nas despesas pelo eventual comportamento ilegítimo revelado em relação aos mesmos factos que fundamentam um determinado pedido, se este não era admissível?

Seríamos, pois, obrigados a examinar, para esse efeito, a questão da admissibilidade de tal pedido.

Sucede, porém, como veremos de seguida, que outra razão, que nada tem a ver com a admissibilidade do pedido inicial, se opõe à admissibilidade do novo pedido formulado pelo recorrente, tornando portanto dispiciendo analisar aqui aquela primeira questão.

B — O pedido de condenação em indemnização por perdas e danos

Na audiência, o recorrente pediu como vimos, a condenação da Comissão em um ecu, a título de indemnização por perdas e danos, com base no estatuído no n.° 2 do artigo 42.° do Regulamento Processual.

O referido artigo do citado regulamento tão-só permite, porém, e em determinadas circunstâncias, que sejam invocados novos fundamentos do recurso. Mas não autoriza minimamente que na audiência seja formulado um pedido inteiramente diverso. Pelo que o pedido de indemnização por perdas e danos formulado na audiência não é admissível.

Já, porém, se nos afigura que podeis oficiosamente condenar a Comissão no pagamento de uma indemnização pelos danos causados ao recorrente se a sua conduta traduzir uma falta de serviço ou por qualquer outro modo o justificar. Na verdade, o Tribunal dispõe nestes casos, em virtude do estatuído no n.° 1 do artigo 91.° do estatuto, de uma competência de plena jurisdição (ver processos 44/59, Fiddelaar/Comissão, Recueil 1960, p. 1077, e 24/79, Ober-thür/Comissão, Recueil 1980, p. 1743).

Ora, no caso dos autos, quer na correspondencia trocada com o recorrente quer durante a fase escrita do processo anterior à tréplica, sempre a Comissão afirmou que a candidatura do recorrente ao lugar de chefe de divisão não havia sequer sido considerada. Tão-só na tréplica é que a Comissão, contrariamente ao que até aí sustentara, vem afirmar que a candidatura do recorrente tinha sido apreciada. Tal facto teve necessariamente repercussões na estratégia do recorrente que, como ele mesmo salientou na audiência, bem poderia não ter interposto o recurso ou, caso o tivesse feito, certamente o faria com fundamentos inteiramente distintos dos utilizados. A prová-lo está o facto de os três primeiros fundamentos invocados pelo recorrente não poderem ser considerados como procedentes pois visavam impugnar a pretensa recusa da Comissão de examinar a candidatura do interessado.

A Comissão não usou pois da diligência que lhe seria exigível para evitar tais consequências (tanto mais que dispunha desde o início das actas relativas ao concurso) contrariando assim as regras de uma boa administração em termos susceptíveis de pôr em causa o respeito escrupuloso da boa fé processual. Ter-se-á assim tornado responsável por uma falta de serviço relativamente a um seu funcionário.

Pelo que vos sugerimos que, oficiosamente, condeneis a Comissão ao pagamento de uma indemnização que poderá ser fixada na quantia simbólica de um ecu pelo dano moral sofrido pelo recorrente em virtude da actuação da administração.

C — A decisão de reintegração do recorrente como revisor

Sustenta o recorrente que a sua reintegração na qualidade de revisor, sendo anteriormente chefe de serviço especializado, compromete não só os seus interesses morais mas também as suas perspectivas de futuro, nomeadamente a possibilidade de obter uma promoção no lugar de chefe de divisão. Pede por isso à anulação da sua afectação subsequente à sua reintegração.

Afigura-se-nos, porém, que não deve proceder o seu pedido.

Na verdade, a alínea d) do n.° 4 do artigo 40.° estabelece a obrigatoriedade de a readmissão do funcionário no termo da licença sem vencimento se efectuar num lugar da sua categoria ou do seu quadro correspondente ao seu grau.

Ora, o recorrente tinha o grau LA 4 antes da sua ausência em licença sem vencimento e foi reintegrado no mesmo grau. A correspondência entre tal grau e o lugar de revisor resulta do anexo I do estatuto, não existindo assim, nas funções actuais do recorrente, falta de correspondência entre o seu grau e o seu lugar.

Impressionaram-nos, sem dúvida, as considerações feitas pelo advogado-geral Mayras, a propósito da interpretação do artigo 7.° do estatuto num caso semelhante a este, nas suas conclusões no processo Kuhner/Comissão (Recueil 1980, p. 1700, 1706 e seguintes).

Tratava-se aí de um recurso de um funcionário da Comissão, de grau A 4, exercendo as funções de chefe de serviço especializado na divisão F (estatísticas das relações externas, transportes e serviços) que, na altura de uma reorganização, foi nomeado administrador principal encarregado de tarefas específicas. As circunstâncias em que ocorreu essa alteração na posição do funcionário levaram o advogado-geral Mayras a considerar que, não tendo embora violado a letra dos artigos 5.° e 7 ° do estatuto, a Comissão tinha faltado aos seus «deveres de cuidado» («Fürsorgepflicht») para com um seu funcionário, sujeitando-o a uma despromoção de facto.

No caso sub judice, porém, entendemos que o processo não fornece elementos que nos permitam concluir da mesma maneira.

Na verdade, nem na fase escrita do processo nem na audiência foi esclarecida cabalmente a natureza exacta das funções desempenhadas pelo recorrente antes da sua licença sem vencimento. Chegou mesmo este a utilizar indistintamente as designações de «chefe de equipa», de «chefe de sector» (aparentemente como algo equivalente à de «chefe de serviço especializado»)e até de «chefe de secção», não distinguindo claramente entre as que têm expressão estatutária e as que resultam apenas de uma prática administrativa.

A obrigatoriedade da reintegração do recorrente em funções de chefe de serviço especializado implicaria naturalmente, para a Comissão, a anulação do processo de conversão do serviço em divisão (para cuja chefia não houvera o requerente sido nomeado), recusando assim à instituição os meios de exercer a sua responsabilidade pela organização e melhoria dos serviços, reconhecida na vossa jurisprudência (processos 66/75, Macevičius/Parlamento, Recueil 1976, p. 603, e 61/76, Geist/Comissāo, Recueil 1977, p. 1419, 1434). Sem que tal contribua para a clareza da situação, o recorrente acaba, aliás, no ponto 5 da parte final da sua petição, por pedir a reintegração «pelo menos no seu posto anterior de chefe da equipa francesa», revelando, ao fim e ao cabo, pretender um lugar equivalente ao que ocupava antes da licença sem vencimento.

Não foi, porém, esclarecido com um mínimo de clareza qual a organização da divisão de tradução no Luxemburgo, designadamente se no organigrama dessa divisão existem ou existiram lugares de chefe de equipa no sentido previsto no estatuto, embora tenha sido referida, em carta de 4 de Dezembro de 1984, do director-geral do pessoal, a intenção da administração de lhe confiar um lugar de chefe de equipa.

Não fornece, pois, o processo elementos suficientemente seguros para concluir que tenha havido uma significativa despromoção ou uma diminuição séria das funções do recorrente após a sua reintegração.

Não vemos por isso razões suficientemente fortes para pensar que as circunstâncias deste caso o afastam do âmbito de aplicação da vossa jurisprudência, segundo a qual «a regra da correspondência entre o grau e o lugar, que resulta especialmente do artigo 7.° do estatuto implica, no caso de modificação das funções de um funcionário, não uma comparação entre as suas funções actuais e as anteriores mas entre as suas funções actuais e o seu grau na hierarquia» (processos apensos 33 e 75/79, Kuhner/Comissão, Recueil 1980, p. 1677, 1697 e processo 66/75 Macevičius/Parlamento, Recueil 1976, p. 593, 604).

Com efeito, não é contestada pelo recorrente a correspondência entre o seu grau LA 4 e as suas actuais funções de revisor.

D — Sobre as despesas

Pelas razões que já foram analisadas em relação ao pedido de indemnização derivado da actuação irregular da Comissão, o recorrente, na iminência de sucumbir na maior parte dos pedidos e respectivos fundamentos, desistiu deles. Tal ficou-se a dever, como demonstrado se deixou, ao comportamento da Comissão, que só na tréplica afirmou ter apreciado a candidatura do recorrente.

A interposição do recurso e os fundamentos invocados pelo recorrente foram, sem dúvida, estimulados, senão determinados, por se ter ocultado ao recorrente o que veio a ser afirmado na tréplica.

Em tais circunstâncias, afigura-se-nos não dever o recorrente suportar as suas despesas respeitantes ao recurso, apesar de nele não ter obtido provimento.

Impõe-se pois, a nosso ver, e analogamente ao por vós decidido no acórdão de 27 de Janeiro de 1983 (processo 263/81, List/Comissão, Recueil 1983, p. 103, 118), aplicar a segunda parte do n.° 3 do artigo 69.° do Regulamento Processual, segundo o qual o Tribunal pode condenar uma parte, mesmo vencedora, a reembolsar a outra parte das despesas de um processo em cuja base esteve a sua própria conduta lesiva.

Pelo que, em face das considerações precedentes, concluímos propondo-vos que:

condeneis a Comissão a indemnizar o requerente na quantia simbólica de um ecu pelos danos que a sua conduta lhe acarretou,

rejeiteis o recurso na parte do pedido respeitante à reintegração do recorrente,

condeneis a Comissão na totalidade das despesas do processo.