CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MARCO DARMON

apresentadas em 2 de Julho de 1986 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Este processo é a continuação daquele que foi decidido pelo vosso acórdão de 16 de Outubro de 1984 (processo 257/83, C. Williams/Tribunal de Contas, Recueil p. 3547), pelo qual, a pedido de Williams, foi anulada a decisão de 24 de Março de 1983, relativa à nomeação, na qualidade de funcionário estagiário do grau A 5, na sequência de um concurso interno, de Hartmut Schwiering. Este, ora recorrente, não interveio então naquele processo.

Assessor do gabinete do Sr. Leicht, membro alemão do Tribunal de Contas, a partir de 1 de Dezembro de 1977, Schwiering apresentou-se em 1982 a este concurso interno. Classificado no primeiro lugar da lista de aprovados estabelecida pelo júri, foi nomeado, em 1 de Abril de 1983, funcionário estagiário do grau A 5, para preencher um lugar de administrador principal, tendo passado a funcionário titular em 1 de Janeiro de 1984. Pelo vosso acórdão no processo 257/83, foi decidido que esta nomeação deveria «considerar-se como nunca tendo ocorrido» (n.° 24).

Em execução desta decisão, o Tribunal de Contas tomou as duas medidas seguintes:

em 18 de Outubro de 1984, nomeou Williams, que ficara em segundo lugar na lista de aprovados, para o lugar de administrador principal, que Schwiering já não podia ocupar;

em 24 de Outubro de 1984, comunicou a este último a anulação, com efeitos desde 16 de Outubro de 1984, da decisão que o nomeara funcionário e propôs-lhe, a contar desta última data, um contrato de agente temporário no grau A 7, escalão 3. Além disso, foi decidido que, por força do artigo 85.° do estatuto, «as consequências negativas, de ordem financeira, resultantes da peculiar situação administrativa (do interessado, se tornariam) efectivas a partir do primeiro dia do mês seguinte à comunicação, ou seja, em 1 de Novembro de 1984».

Por carta de 25 de Outubro de 1984, dirigida ao recorrido, Schwiering fez notar que não era responsável pela situação criada pelo acórdão 257/83 e que não aceitava o contrato temporário proposto «senão com a condição expressa de que este possa ser renovado, se necessário, até que (a sua) situação (em especial, as perdas de rendimentos dela resultantes) seja definitivamente regularizada». Registemos aqui que o contrato temporário foi renovado sem interrupção.

Em 19 de Dezembro de 1984, o advogado do recorrente apresentou ao Tribunal de Contas uma proposta de acordo. Com base na ideia de que «a anulação retroactiva da nomeação de Schwiering provocou automaticamente a nulidade jurídica da cessação tácita da sua situação (anterior) de agente temporário», que voltaria então a vigorar, a proposta visava que, a partir de 1 de Abril de 1983 e até uma «data a acordar», Schwiering beneficiasse da remuneração fixada pelo antigo contrato de agente temporário, «ainda em vigor a 1 de Abril de 1983». Na data assim acordada, o antigo contrato a prazo seria substituído por outro contrato relativo a um emprego permanente, do grau A 5 ou do grau A 7/A 6, neste último caso com o pagamento de uma compensação, o que estaria em conformidade com a jurisprudência do Tribunal relativa aos agentes da Comunidade. Além disso, «o Tribunal de Contas (daria) a Schwiering a possibilidade de participar num concurso interno organizado com vista a prover definitivamente o lugar que lhe (“teria”) sido atribuído», correspondente às suas qualificações. Em caso de acordo, Schwiering renunciaria a qualquer procedimento judicial. Nesta carta, Schwiering reservava-se ainda o direito de pedir uma indemnização «em função das consequências jurídicas do contrato de trabalho inicial, de 15 de Dezembro de 1977, com as alterações de 1979, bem como da anulação da sua titularização».

Em 16 de Janeiro de 1985, Schwiering pediu à AIPN que considerasse a carta do seu advogado como uma reclamação, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do estatuto.

Por carta de 15 de Fevereiro de 1985, o presidente do Tribunal de Contas confirmou a recepção do pedido, mas, ao mesmo tempo, rejeitou a reclamação. Esta carta indicava, por um lado, que todos os assessores dos gabinetes dos membros do Tribunal de Contas, cujos contratos temporários não continham, como era o caso de Schwiering, uma cláusula nos termos da qual expirariam no final do mandato do membro, tinham recebido uma carta, informando-os de que os seus contratos «terminariam, para todos os efeitos legais, no termo do mandato do membro em causa, caso este não fosse reconduzido», e, por outro lado, que o dever de solicitude em relação a ele havia sido inteiramente respeitado, pois fora colocado na posição mais favorável que era possível, tendo em conta as regras do estatuto.

2. 

No seu recurso, interposto em 14 de Maio de 1985, Schwiering pede-vos,

a título principal,

a anulação da decisão do presidente do Tribunal de Contas, de 15 de Fevereiro de 1985, que indeferiu a reclamação do recorrente, bem como das decisões da mesma autoridade, de 24 de Outubro de 1984,

e a condenação do Tribunal de Contas a mantê-lo na sua carreira anterior ao acórdão de 16 de Outubro de 1984,

a título subsidiário,

a anulação dos trâmites do concurso interno atrás referido e a concessão de uma compensação, para o caso de ser apenas nomeado para um grau ou um escalão inferiores aos que tinha antes de 16 de Outubro de 1984,

a título eventual (ainda mais subsidiário),

a concessão de uma indemnização «correspondente a uma parte equitativa das remunerações que o recorrente receberia até completar 65 anos de idade, na qualidade de administrador principal do grau A 5, em conformidade com a sua situação jurídica anterior a 16 de Outubro de 1984».

3. 

Este recurso, que retoma nas suas grandes linhas os termos da carta do advogado do recorrente datada de 19 de Dezembro de 1984, baseia-se essencialmente, no que respeita ao pedido principal, nas considerações seguintes:

Qualquer que tenha sido a sua diligência, a AIPN não tomou em relação ao recorrente todas as medidas impostas pelo seu dever de solicitude em relação a um agente que sofrera, sem culpa da sua parte, um prejuízo decorrente de um acto administrativo. Em conformidade com as regras da função pública da maior parte dos Estados-membros, haveria que aplicar o princípio segundo o qual os actos administrativos irregulares não podem afectar a carreira dos funcionários atingidos. Funcionário das Comunidades desde 1 de Janeiro de 1984, o recorrente teria direito a conservar este estatuto jurídico depois de o Tribunal de Justiça ter extraído as consequências da irregularidade que viciava o seu processo de nomeação.

Por analogia, devia ter sido aplicada a vossa jurisprudência segundo a qual, após a anulação de uma promoção, o funcionário regressa à sua situação anterior. Por força do princípio da segurança jurídica, o recorrente deveria, pois, regressar ao seu estatuto de agente temporário A 4, ao qual só tacitamente havia sido posto termo, mantendo-se sem interrupção a respectiva remuneração, a fim de lhe evitar, em observância do dever de solicitude, qualquer prejuízo financeiro.

Nos mesmos argumentos se baseia o pedido de concessão de uma compensação.

Quanto aos outros pedidos, a título subsidiário ou eventual, o recorrente sustenta essencialmente que nem Williams nem os outros candidatos teriam, mais do que ele próprio, preenchido as condições exigidas para a admissão ao concurso.

Finalmente, no que respeita ao pedido de indemnização, baseia-se essencialmente na perda de rendimentos sofrida, na «inquietação moral» do recorrente e na «posição equívoca» em relação aos seus colegas, que resultariam de uma situação cuja responsabilidade caberia totalmente ao Tribunal de Contas.

4. 

O Tribunal de Contas contestou a admissibilidade do recurso e concluiu, a título subsidiário, pelo seu indeferimento.

Segundo o Tribunal de Contas, jamais teria existido uma reclamação na acepção do estatuto, na medida em que a carta do advogado do recorrente, por este considerada como tal, não teria precisado claramente, nem o objecto da reclamação, nem o acto que originara a queixa, nem, finalmente, a medida exacta que se pedia à AIPN que tomasse. A resposta desta, datada de 15 de Fevereiro de 1985, não passaria de uma tomada de posição, a título informativo, sobre certas opiniões de natureza jurídica do recorrente. O pedido de anulação seria, pois, inadmissível. Quanto às outras pretensões, jamais teriam sido apresentadas, sob qualquer forma, antes da interposição do presente recurso. Assim, seriam também inadmissíveis.

Quanto ao fundo, o Tribunal de Contas considera que respeitou inteiramente o dever de solicitude, dentro dos limites impostos pelas regras estatutárias. Por um lado, o contrato de agente temporário expiraria, em qualquer caso, com a partida do Sr. Leicht. Por outro lado, a aceitação pelo recorrente do lugar de funcionário teria provocado uma ruptura tácita do contrato de agente temporário que, portanto, não poderia voltar a produzir efeitos. Além disso, o prosseguimento de uma carreira de funcionário titular estaria fora de causa, nesta hipótese, na sequência do vosso acórdão de 16 de Outubro de 1984. O Tribunal de Contas, por fim, recorda a vossa jurisprudência no processo Giuffrida (Giuffrida/Conselho, de 29 de Setembro de 1976, Recueil p. 1395), que qualifica de desvio de poder a organização pela AIPN de um concurso «com a única finalidade de obviar às anomalias da situação administrativa» de um determinado funcionário.

Quanto aos pedidos a título subsidiario ou eventual, careceriam de fundamento, visto que o recorrente beneficiara do tratamento mais favorável possível e que nenhuma falta seria imputável ao recorrido. A este propósito, o Tribunal de Contas sustenta que o recorrente devia saber que a apreciação da experiência profissional revestia uma importância determinante para a admissão a este concurso e que os títulos que podia invocar para esse efeito eram de molde a suscitar dificuldades.

Finalmente, considerando inúteis as despesas que foi obrigado a suportar, o Tribunal de Contas pede a condenação do recorrente na totalidade das despesas.

Assinale-se que Calvin Williams interveio em apoio das conclusões do recorrido.

5. 

Quanto à admissibilidade, há que referir a vossa jurisprudência constante, muito recentemente confirmada no acórdão 52/85 (Rihoux e outros/Comissão, de 7 de Maio de 1986, Colect. 1986, p. 1555). Aí se decidiu que «... o artigo 91.° do estatuto tem por objectivo permitir e favorecer a resolução por acordo dos diferendos surgidos entre os funcionários e a administração. Para satisfazer esta exigência, importa que a administração esteja em condições de conhecer com precisão suficiente as queixas ou pretensões do interessado. Em contrapartida, esta disposição não visa a vinculação, de forma rigorosa e definitiva, da eventual fase contenciosa, desde que o recurso contencioso não modifique o motivo nem o objecto da reclamação (acórdão de 1 de Julho de 1976, Sergy/Comissão, 58/75, Recueil, p. 1139; acórdão de 20 de Março de 1984, Razzouk e Beydoun/Comissão, 75 e 117/82, Recueil, p. 1509; acórdão de 23 de Janeiro de 1986, Rasmussen/Comissão, 173/84, Colect. 1986, p. 197)» (n.° 12).

Não há dúvida de que o recorrente apresentou realmente uma reclamação — a qual, embora revestindo a forma de uma carta do seu advogado, foi admitida como tal pela AIPN. Esta, após ter acusado a recepção do pedido do interessado no sentido de que a carta fosse assim qualificada, utilizou, em várias ocasiões, a expressão «a sua reclamação é indeferida».

0 objecto da reclamação dizia respeito à situação administrativa e pecuniária que deveria ser reconhecida ao recorrente a partir de 1 de Abril de 1983. Os pedidos a título principal são, portanto, admissíveis. Pelo contrário, o pedido apresentado a título subsidiário, visando a anulação do concurso, não figurava na reclamação. Portanto, é inadmissível.

Quanto aos pedidos, a título subsidiário e a título eventual, de atribuição de uma compensação e de uma indemnização, eles já se continham, ainda que superficialmente, na reclamação. Assim, devem também ser declarados admissíveis.

6. 

Pensamos que o recurso, assim delimitado, não merece provimento. Com efeito, estamos confrontados com uma situação que resulta da anulação judicial de uma decisão de nomeação, na qualidade de funcionário, de um agente temporário.

Nestas circunstâncias, portanto, não nos parece relevante a invocação da vossa jurisprudência relativa à promoção irregular dos funcionários. A analogia pretendida levaria a alargar aos agentes temporários as disposições do artigo 47.° do estatuto, que só é aplicável aos funcionários. Ora, na sequência do acórdão de 16 de Outubro de 1984, que já não pode ser objecto de oposição por parte de Schwiering, este nunca teve a qualidade de funcionário. O regime dos agentes temporários, que era o seu, distingue-se essencialmente do regime dos funcionários pela sua natureza precária. Ao assumir, em 1 de Abril de 1983, as funções inerentes ao lugar de administrador estagiário, Schwiering pôs fim, necessariamente, ao seu contrato de trabalho anterior. A anulação da sua nomeação como funcionário não fez, porque não podia fazer, ressuscitar este contrato. O pedido que apresenta a título principal deverá, portanto, ser declarado improcedente.

Pelos mesmos motivos, o seu pedido subsidiário, visando o pagamento de uma compensação, não pode ser acolhido. Com efeito, considerando-se que Schwiering nunca teve a qualidade de funcionário e não pode pretender uma reintegração no seu lugar de agente temporário, nenhum direito lhe decorre dos dois parâmetros que invoca em apoio do pedido que apresentou nesta matéria.

Note-se, de resto, que o dever de solicitude não permite ignorar as regras estatutárias. Para mais, afigura-se que este dever foi amplamente observado, na medida em que o Tribunal de Contas ofereceu ao recorrente um emprego temporário A 7/A 6 man-tendo-lhe, até 1 de Novembro de 1984, o benefício da remuneração que recebera ao abrigo da nomeação anulada.

7. 

Resta o pedido, a título eventual, de uma indemnização. Como afirmámos nas nossas conclusões, a propósito do processo Williams, a AIPN tinha a obrigação de verificar que Schwiering, inscrito pelo júri na lista de admitidos, reunia «efectivamente os requisitos de habilitações ou de experiência que ela própria estabelecera». Não o fazendo, cometeu uma falta que provocou a Schwiering um determinado prejuízo, pois o interessado teve de pôr termo, nas condições atrás referidas, ao seu contrato de agente temporário. Há que observar, contudo, que este prejuízo foi integralmente compensado pelas medidas que a administração tomou a favor do interessado, precisamente em conformidade com o seu dever de solicitude. O contrato de agente temporário de Schwiering terminou em 30 de Março de 1983. Tudo leva a crer que teria normalmente prosseguido até 17 de Outubro de 1983, termo do mandato do Sr. Leicht. Pelo contrário, nada permite afirmar que teria sido prolongado após a chegada do sucessor deste último. Ora, o recorrente, que conservou o benefício da remuneração inerente ao lugar A 5, de 1 de Abril de 1983 a 1 de Novembro de 1984, foi depois recrutado com um novo contrato de agente temporário — menos bem remunerado, é certo, mas que lhe facultou uma duração do emprego que a administração, estatutariamente, não estava obrigada a garantir-lhe.

Em nossa opinião, portanto, Schwiering não pode invocar um prejuízo ainda subsistente.

Concluímos, consequentemente, pelo indeferimento do recurso. Quanto às despesas, não nos parece necessário, tomando em consideração as circunstâncias do caso vertente, sugerir-vos outra solução que não seja a habitual nesta matéria, a saber, a aplicação das disposições do artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento Processual, conjugadas com as do artigo 70.° do mesmo regulamento, pelo que as despesas devem ficar a cargo da instituição recorrida.


( *1 ) Tradução do francês.