61984J0279

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 11 DE MARCO DE 1987. - WALTER RAU LEBENSMITTELWERKE E OUTROS CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - ACCAO DE INDEMNIZACAO - "MANTEIGA DE NATAL". - PROCESSOS APENSOS 279/84, 280/84, 285/84 E 286/84.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 01069


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1.Agricultura - Organização comum de mercado - Leite e produtos lácteos - Manteiga de stock - Venda a preço reduzido para o consumo directo - Acção "manteiga de Natal" - Competência da Comissão

(Regulamentos do Conselho n.° 804/68, artigos 6.°, 12.° e 30.°, e n.os 985/68, 750/69 e 1269/79; Regulamento n.° 2956/84 da Comissão)

2.Agricultura - Política agrícola comum - Objectivos - Conciliação - Poder de apreciação da Comissão - Garantia de um rendimento equitativo para os produtores de leite - Acção "manteiga de Natal" de venda a preço reduzido de manteiga de stock - Legalidade

(Tratado CEE, artigo 39.°, n.° 1; Regulamento n.° 2956/84 da Comissão)

3.Agricultura - Organização comum de mercado - Discriminação entre produtores ou consumidores - Acção "manteiga de Natal" de venda a preço reduzido de manteiga de stock - Repercussões no mercado da margarina - Inexistência de discriminação

(Tratado CEE, artigo 40.°, n.° 3, segundo parágrafo; Regulamento n.° 2956/84 da Comissão)

4.Agricultura - Organização comum de mercado - Leite e produtos lácteos - Manteiga de stock - Venda a preço reduzido para o consumo directo - Acção "manteiga de Natal" - Eficácia limitada e custo elevado - Princípio da proporcionalidade - Violação - Inexistência

(Regulamento n.° 2956/84 da Comissão)

Sumário


1.A acção "manteiga de Natal", de venda a preço reduzido de manteiga de stock, decidida pela Comissão em 1984 e organizada pelo seu Regulamento n.° 2956/84, consiste numa medida especial, tomada numa altura em que, como é sabido, se tinham constituído importantes excedentes de produtos lácteos, destinada quer a aumentar o consumo e a diminuir os stocks de manteiga públicos e privados quer a assegurar a rotação necessária desses mesmos stocks. Tal operação corresponde aos objectivos definidos, quer pelos artigos 6.° e 12.° do Regulamento n.° 804/68, quer pelos regulamentos n.os 985/68, 750/69 e 1269/79 do Conselho, que fixaram as suas regras gerais de aplicação.

Não se pode, por consequência, pretender que, ao aprovar o Regulamento n.° 2956/84, a Comissão tenha violado os limites das competências que, por delegação do Conselho, está habilitada a exercer, segundo o processo do comité de gestão, para assegurar o funcionamento da organização comum de mercado do leite e dos produtos lácteos.

2.Na prossecução dos diferentes objectivos enunciados pelo artigo 39.° do Tratado, as instituições comunitárias devem assegurar a conciliação permanente que podem exigir eventuais contradições entre estes objectivos separadamente considerados. Se esta conciliação não permite isolar um destes objectivos, a ponto de tornar impossível a realização dos outros, as instituições comunitárias podem, no entanto, atribuir a algum de entre eles a preeminência temporária que os factos ou circunstâncias económicas em virtude dos quais tomam as suas decisões exigem.

Assim, a Comissão pôde legitimamente, ao dedicar uma atenção particular ao objectivo de garantia de um rendimento equitativo aos produtores de leite, decidir uma acção "manteiga de Natal" de venda a preço reduzido de manteiga de stock. Tal acção, facilitando o escoamento de excedentes provocados pelos mecanismos de intervenção e permitindo o rejuvenescimento da manteiga armazenada, torna, com efeito, possível a manutenção do sistema de preços à produção sem provocar uma perturbação real e duradoura no mercado da margarina.

3. Tendo em conta as diferenças objectivas que caracterizam os mecanismos jurídicos e as condições económicas dos mercados em causa, os produtores de leite e os produtores de margarina, por um lado, e os produtores de gorduras e frutos oleaginosos e os fabricantes de margarinas, por outro, não estão respectivamente colocados em situações comparáveis. Assim, a acção "manteiga de Natal" de venda a preço reduzido de manteiga de stock, criada pelo Regulamento n.° 2956/84, e que se integra no próprio funcionamento da organização comum de mercado dos produtos lácteos, não poderá ser vista como criadora de uma discriminação contra os produtores de margarina, em violação do artigo 40.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Tratado.

4. Pelo facto de ter permitido simultaneamente o aumento das vendas de manteiga, uma melhor rotação e um certo rejuvenescimento dos stocks, a acção "manteiga de Natal" de venda a preço reduzido da manteiga de stock, criada pelo Regulamento n.° 2956/84, não poderia, apesar da sua limitada eficácia e do seu elevado custo para as finanças comunitárias, ser considerada como tendo sido inadequada para atingir os objectivos prosseguidos e como tendo ido para além do que era necessário para os atingir, de forma que não poderá ser encarada como uma violação do princípio da proporcionalidade.

Partes


Nos processos apensos 279, 280, 285 e 286/84,

Walter Rau Lebensmittelwerke, Hilter, representada pelo seu gerente ilimitadamente responsável, Ulrich Rau, 4517 Hilter 1,

Union Deutsche Lebensmittelwerke GmbH, representada pelos seus gerentes Werner Israel e Kurt Funck, Dammtorwall 15, 2000 Hamburgo 36,

Heinrich Hamker Lebensmittelwerke GmbH & Co. KG, representada pela sua gerente ilimitadamente responsável, a sociedade por quotas Hamker, de responsabilidade limitada, esta representada pelo seu gerente, Heinz Dabelstein,

Westfalisches Margarinewerk Wilhelm Lindemann, KG, representada pela sua gerente ilimitadamente responsável, a sociedade fiduciária de gestão Lindemann, de responsabilidade limitada, esta representada pelo seu gerente Dieter Lejeune, 4980 Buende,

mandatários judiciais: Modest, Guendisch, Landry, Rauschning, Festge, Heemann, Bauer, Volkmann-Schluck, advogados, Poststrasse 9 A, 2000 Hamburgo 36, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado E. Arendt, 34 B, rue Philippe II,

demandantes,

contra

Comunidade Económica Europeia, representada pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Bernhard Jansen, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no gabinete de Georges Kremlis, edifício Jean Monnet, Kirchberg, Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um processo ao abrigo dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE e que visa obter a indemnização dos danos que a Comunidade Económica Europeia terá causado aos demandantes em virtude da aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2956/84 da Comissão, de 18 de Outubro de 1984, relativo ao escoamento da manteiga a preços reduzidos e que altera o Regulamento (CEE) n.° 1687/76 (JO 1984, L 279, p. 4),

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, Y. Galmot, C. Kakouris e F. Schockweiler, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, R. Joliet, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal

vistos os relatórios para a audiência e após a realização desta em 3 de Junho de 1986,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 5 de Dezembro de 1986,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1Por quatro petições apresentadas na Secretaria do Tribunal em 26 de Novembro de 1984 e apensas para efeitos de acórdão por despacho do Tribunal de 7 de Julho de 1986, as sociedades Walter Rau, Union Deutsche Lebensmittelwerke, Heinrich Hamker Lebensmittelwerke e Westfaelisches Margarinewerk Wilhelm Lindemann, que produzem margarina na República Federal da Alemanha, propuseram, nos termos do segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado CEE, acções de indemnização dos danos que afirmam ter sofrido em virtude da acção "manteiga de Natal", decidida e regulada pelas normas estabelecidas pelo Regulamento n.° 2956/84 da Comissão, de 18 de Outubro de 1984, relativo ao escoamento de manteiga a preço reduzido e que altera o Regulamento (CEE) n.° 1687/76 (JO L 279, p. 4; EE 03 F32 p. 150 e seguintes).

2 Este regulamento assenta na consideração de que a situação do mercado da manteiga se caracteriza pela existência de grandes disponibilidades, que existem stocks na Comunidade, que convém aumentar o consumo de manteiga por todos os meios adequados, que a baixa dos preços no consumo final constitui um meio eficaz de atingir este objectivo, que não é possível escoar em condições normais a totalidade da manteiga em stock, que convém evitar o prolongamento da armazenagem em virtude dos custos que daí resultam e que na altura das festas de fim de ano se podem apresentar possibilidades de escoamento para a manteiga vendida a preço reduzido destinada ao consumo directo. Por consequência, o regulamento institui, no seu título primeiro, uma acção "manteiga de Natal" que visa vender no mercado, com uma redução de 1,6 ecu/kg, 200 000 toneladas de manteiga (das quais 50 000 na República Federal da Alemanha).

3 No que concerne aos factos do processo, à tramitação e aos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão retomados na medida necessária à fundamentação do Tribunal.

4 Segundo as demandantes, de uma forma geral, uma operação com tal amplitude, no que respeita quer às quantidades vendidas, quer à redução de preço permitida, provoca uma perturbação violenta do mercado das matérias gordas alimentares. Com efeito, tal operação coloca subitamente no consumo uma massa considerável de manteiga a preços fortemente reduzidos, graças a subvenções comunitárias. Daqui resultaria para as demandantes um prejuízo devido ao facto de esta manteiga ser preferida não apenas à manteiga fresca, a qual, assim, tem de ser comprada pelos organismos de intervenção, mas igualmente à margarina, produto sucedâneo e concorrente cujas vendas diminuem sensivelmente durante e depois de uma acção "manteiga de Natal".

5 Resulta dos articulados e das observações apresentadas ao Tribunal que as demandantes invocaram, em apoio da sua acção de indemnização, cinco fundamentos com os quais pretendem demonstrar a ilegalidade do citado Regulamento n.° 2956/84. Segundo as demandantes, este regulamento:

a) estaria viciado por incompetência;

b) seria contrário ao princípio de estabilização dos mercados;

c) violaria o princípio de não discriminação;

d) violaria o princípio da proporcionalidade;

e) seria contrário ao princípio do livre exercício das actividades profissionais.

Quanto à incompetência da Comissão

6 Resulta dos seus próprios considerandos que o regulamento da Comissão em causa, que instituiu a acção "manteiga de Natal" 1984 se baseou simultaneamente no disposto no artigo 6.° e no artigo 12.° do Regulamento n.° 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146 e seguintes). O artigo 6.°, n.os 2 e 3, autoriza a adopção de medidas especiais de modo a favorecer o escoamento da manteiga dos stocks públicos ou privados, quando o escoamento não pode fazer-se em condições normais. O artigo 12.°, n.° 1, na redação resultante do Regulamento n.° 559/76, de 15 de Março de 1976 (JO L 67, p. 9), permite a adopção de outras medidas com o fim de facilitar o escoamento dos stocks de produtos lácteos ou de evitar a constituição de novos excedentes.

7 Quanto à efectiva adopção dessas medidas especiais, a repartição das competências entre o Conselho e a Comissão está assim prevista pelo Regulamento n.° 804/68: o Conselho cria as normas gerais de aplicação destas medidas (respectivamente, artigo 6.°, n.° 6, e artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 804/68) e a Comissão decide, segundo o processo do comité de gestão previsto no artigo 30.° do mesmo regulamento, as modalidades de aplicação das referidas medidas (artigo 6.°, n.° 7, e artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 804/68).

8 As demandantes sustentam que, na falta de regras gerais de aplicação criadas pelo Conselho, a Comissão era incompetente para decidir, através das modalidades de aplicação destas medidas, a acção "manteiga de Natal" em causa.

9 Para apreciar no caso concreto a competência da Comissão, convirá determinar:

1) se o Conselho realmente criou as regras gerais de aplicação previstas pelos artigos 6.°, n.° 3, e 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 804/68;

2) se a acção "manteiga de Natal" decidida pelo regulamento em litígio era uma das medidas previstas quer pelos artigos 6.° e 12.° do Regulamento n.° 804/68, quer por estas regras gerais de aplicação.

10 Resulta, em primeiro lugar, de uma análise das normas aplicáveis que, contrariamente às afirmações das demandantes, o Conselho criou as regras gerais de aplicação previstas pelos artigos 6.° e 12.° do citado Regulamento n.° 804/68.

11 Relativamente, desde logo, à aplicação do artigo 6.° deste regulamento, é de salientar que o Conselho adoptou dois regulamentos. Por um lado, o Regulamento n.° 985/68, de 15 de Julho de 1968, que estabelece as regras gerais que regem as medidas de intervenção no mercado da manteiga e da nata (JO L 169, p. 1; EE 03 F2 p. 190 e seguintes), previu a atribuição de uma ajuda à manteiga de armazenagem privada, bem como a possibilidade de aumentar essa ajuda quando o mercado evoluir para condições desfavoráveis. Por outro lado, o Regulamento n.° 750/69 do Conselho, de 22 de Abril de 1969, que altera o citado Regulamento n.° 985/68 (JO L 98, p. 2; EE 03 F3 p. 93 e seguintes), permitiu que medidas adequadas fossem tomadas para favorecer o escoamento de manteiga de armazenagem pública que não pode ser comercializada em condições normais.

12 Quanto à aplicação do artigo 12.° do Regulamento n.° 804/68, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 1269/79, de 25 de Junho de 1979 (JO L 161, p. 8), cujos artigos 2.°, n.° 1, e 4.° autorizam a concessão de ajudas destinadas a aumentar o consumo de manteiga pela baixa dos preços no consumidor final.

13 Convém, em segundo lugar, examinar se a acção "manteiga de Natal", decidida pelo regulamento em litígio, está no âmbito da delegação de competências feita pelo Conselho à Comissão.

14 Para analisar a extensão da competência de execução reconhecida, em princípio, à Comissão no domínio da política agrícola comum convém recordar, desde logo, como declarou o Tribunal no acórdão de 30 de Outubro de 1975 (Rey Soda, 23/75, Recueil, p. 1279) que resulta da economia do Tratado, em cujo contexto o artigo 155.° deve ser interpretado, bem como das exigências da prática, que a noção de execução deve ser interpretada amplamente. Sendo a Comissão a única entidade em condições de seguir de maneira constante e atenta a evolução dos mercados agrícolas e de agir com a urgência que exige a situação, o Conselho pode ser conduzido, neste domínio, a conferir-lhe largos poderes de apreciação e de acção. Nesta hipótese, os limites dessa competência devem ser apreciados especialmente face aos objectivos gerais essenciais da organização de mercado.

15 A este respeito, a acção "manteiga de Natal" em litígio constitui uma medida especial, tomada numa altura em que, como se sabe, se tinham constituído grandes excedentes de produtos lácteos e destina-se quer a aumentar o consumo e a reduzir os stocks de manteiga públicos e privados, quer a garantir a rotação necessária desses stocks. Tal operação corresponde aos objectivos definidos, quer pelos artigos 6.° e 12.° do Regulamento n.° 804/68, quer pelos citados regulamentos do Conselho que estabeleceram as regras gerais de aplicação.

16 Por consequência, a Comissão tinha competência, por força dos artigos 6.°, n.° 7, e 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 804/68, para adoptar as modalidades da acção "manteiga de Natal" em litígio segundo o processo previsto no artigo 30.° do mesmo regulamento, isto é, após o parecer do Comité de Gestão do Leite e dos Produtos Lácteos, salvo no caso de medidas não conformes com o parecer emitido por esse comité.

17 Nao tendo o Comité emitido qualquer parecer no prazo previsto no artigo 30.°, n.° 2, sobre a proposta que lhe foi apresentada pela Comissão, esta era competente para aprovar o regulamento em litígio.

18 Resulta do que precede que o argumento baseado na incompetência da Comissão deve ser afastado.

Quanto à violação do princípio de estabilização do mercado

19 Resulta da argumentação apresentada a este respeito pelas sociedades demandantes que este fundamento se decompõe, na realidade, em duas partes: em primeiro lugar, as demandantes sustentam que a Comissão violou o objectivo de estabilização dos mercados enunciado no artigo 39.°, n.° 1, alínea c), do Tratado e no n.° 3 do artigo 6.° do Regulamento n.° 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13); em segundo lugar, afirmam que, tendo-se as acções "manteiga de Natal" tornado, desde há vários anos, num instrumento permanente da acção comunitária em matéria de política leiteira, a Comissão desejaria assim corrigir as consequências normais dos mecanismos de preços resultantes das organizações comuns de mercado criadas pelo Conselho no sector do leite e das matérias gordas. Por consequência, as acções "manteiga de Natal" estariam fora da competência conferida à Comissão pelo Conselho.

Quanto à primeira parte do fundamento

20 Segundo as demandantes, as acções "manteiga de Natal" provocam distorções no mercado que perturbam, em violação do artigo 39.° do Tratado, o equilíbrio dos mercados da manteiga e da margarina, caracterizados por relações de concorrência e de substituibilidade.

21 Este argumento não pode ser acolhido. Convém recordar, a este respeito, que, segundo jurisprudência constante deste Tribunal (acórdão de 24 de Outubro de 1973, Balkan, 5/73, Recueil, p. 1091; acórdão de 20 de Outubro de 1977, Roquettes Frères, 29/77, Recueil, p. 1835; acórdão de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac, 59/83, Recueil, p. 4057), as instituições comunitárias, na prossecução dos diversos objectivos formulados pelo artigo 39.° do Tratado, devem assegurar a conciliação permanente que eventuais contradições entre estes objectivos separadamente considerados podem exigir. Se esta conciliação não permite isolar um desses objectivos a ponto de tornar impossível a realização dos outros, as instituições comunitárias podem, contudo, reconhecer a um ou outro de entre eles a preeminência temporária que os factos ou as circunstâncias económicas em virtude das quais elas tomam as suas decisões imponham.

22 Quanto à apreciação da legalidade de uma medida tomada no quadro da política global instituída no sector dos produtos lácteos, o Tribunal considerou, no acórdão Biovilac, já citado, que um dos objectivos essenciais dessa política é garantir, de acordo com o artigo 39.°, n.° 1, alínea a), do Tratado, um rendimento equitativo aos produtores de leite da Comunidade através da fixação de um preço indicativo para o leite, garantido pelas compras de intervenção dos principais produtos da transformação do leite e, especialmente, da manteiga. Nestas condições, a Comissão pode, sem violar o n.° 1 do artigo 39.° do Tratado CEE, dedicar uma atenção particular ao objectivo de garantia de um rendimento equitativo aos produtores de leite ao instituir a acção "manteiga de Natal". Com efeito, esta acção tem uma ligação directa com aquele objectivo, visto que permite, ao facilitar o escoamento de excedentes provocados pelos mecanismos de intervenção e ao permitir o rejuvenescimento da manteiga armazenada, tornar possível a manutenção do sistema de preços à produção.

23 Além disso, tendo em conta especialmente a evolução constatada das partes respectivas do mercado da manteiga e do mercado da margarina no consumo comunitário global de matérias gordas, não resulta dos autos que uma acção "manteiga de Natal" do tipo da que está aqui em causa tenha sido de molde a provocar uma perturbação real e duradoura no mercado da margarina.

Quanto à segunda parte do fundamento

24 Tal como foi acima destacado, o regulamento em causa tem, simultaneamente, por objectivos, ao favorecer o escoamento da manteiga armazenada, reduzir os stocks públicos e privados e assegurar a rotação necessária desses mesmos stocks. Estes objectivos visam apenas assegurar o funcionamento normal da organização comum do mercado do leite e dos produtos lácteos e não, como sustentam erradamente as demandantes, corrigir as consequências dos mecanismos de preços resultantes das organizações comuns de mercado criadas pelo Conselho no sector do leite e no das matérias gordas.

25 Quanto ao mais, a argumentação desenvolvida em apoio da segunda parte do fundamento acima referido confunde-se com o fundamento mais genérico da incompetência da Comissão. Para lhe responder basta, portanto, remeter para o que foi dito mais acima a esse respeito.

Quanto à violação do princípio de não discriminação enunciado no artigo 40, n.° 3, do Tratado

26 Segundo as demandantes, a acção "manteiga de Natal" em litígio originaria uma discriminação objectivamente injustificada quer entre os produtores de leite e os produtores de gorduras e de frutos oleaginosos que servem para a fabricação de margarina, quer entre os transformadores de leite e os fabricantes de margarina, em detrimento destes últimos, os quais teriam uma grande e directa desvantagem concorrencial. Além disso, a Comissão não teria tomado em consideração o conjunto dos elementos que caracterizam cada uma das organizações comuns de mercado em causa.

27 É indiscutível que quer a manteiga quer a margarina relevam, enquanto produtos resultantes da transformação de produtos agrícolas, da política agrícola comum e que se trata de produtos concorrentes e parcialmente substituíveis. Por conseguinte, o artigo 40.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Tratado, que estabelece que a organização comum dos mercados agrícolas "deve excluir toda e qualquer discriminação entre produtores ou consumidores da Comunidade", deve precisamente aplicar-se neste caso.

28 Contudo, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante deste Tribunal (acórdãos de 25 de Outubro de 1978, Royal Scholten Honig, processos apensos 103 e 145/77, Recueil, p. 2037; de 12 de Julho de 1979, Itália/Conselho, 166/78, Recueil, p. 2591; de 27 de Setembro de 1979, Eridania, 230/78, Recueil, p. 2749; de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac, citado), a proibição de discriminação enunciada no artigo 40.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Tratado, enquanto expressão específica do princípio geral de igualdade, não obsta a que situações comparáveis sejam tratadas de forma diferente quando essa diferenciação for efectivamente justificada. No caso em apreço, devem ser salientadas três diferenças essenciais entre o mercado da manteiga e o mercado da margarina.

29 Em primeiro lugar, a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos, criada pelo citado Regulamento n.° 804/68 do Conselho, e que se aplica à manteiga, foi concebida num contexto totalmente diferente do da organização comum de mercado das matérias gordas vegetais, o que resulta da importância da produção leiteira na Comunidade Económica Europeia e das diferentes condições de abastecimento da Comunidade conforme se trate de produtos lácteos ou de matérias gordas vegetais. Assim é que o Regulamento n.° 804/68 previu mecanismos de intervenção e de formação de preços diferentes dos estabelecidos pelo Regulamento n.° 136/66 do Conselho, de 22 de Setembro de 1966 (JO 1966, L 172, p. 3025; EE 03 F1 p. 214 e seguintes), modificado, que estabelece a organização comum de mercado no sector das matérias gordas, e que é aplicável à margarina. Com efeito, enquanto no âmbito da organização comum de mercado no sector do leite a regulação do mercado se efectua essencialmente através de preços de intervenção para a manteiga e para o leite em pó, no âmbito da organização comum de mercado no sector das matérias gordas a regulação assenta, essencialmente, no sistema de ajudas à produção e a intervenção tem apenas uma função de complemento.

30 Em segundo lugar, a situação dos produtos em causa na organização respectiva de mercados é totalmente diferente. A manteiga, ao mesmo tempo que o leite desnatado em pó, ocupa um lugar fundamental na organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos, enquanto elemento de suporte desse mercado. A margarina não tem um papel comparável na organização comum de mercado das matérias gordas.

31 Em terceiro lugar, o mercado das matérias gordas vegetais não conhece qualquer dificuldade comparável àquelas que enfrenta o mercado dos produtos lácteos. Como o Tribunal destacou no acórdão de 25 de Fevereiro de 1979 (Stoelting, 138/78, Recueil, p. 713), a situação do mercado leiteiro na Comunidade é caracterizada por excedentes estruturais de manteiga e de leite desnatado em pó resultantes de um desequilíbrio entre a oferta e a procura destes produtos. Por consequência, para fazer face às dificuldades especiais com que se defronta o sector dos produtos lácteos, as instituições comunitárias vêem-se obrigadas, simultaneamente, a evitar o crescimento e a favorecer o escoamento dos stocks já constituídos.

32 Resulta do que precede que, tendo em conta as diferenças objectivas que caracterizam os mecanismos jurídicos e as condições económicas dos mercados em causa, os produtores de leite e os produtores de manteiga, por um lado, e os produtores de gorduras e de frutos oleaginosos e os fabricantes de margarinas, por outro, não estão, respectivamente, colocados em situações comparáveis. Assim, a acção "manteiga de Natal" em litígio, que se integra no próprio funcionamento da organização comum de mercado dos produtos lácteos, não poderá ser encarada como criando uma discriminação contra os produtores de margarina.

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

33 As demandantes sustentam que as vendas de manteiga de Natal não são nem necessárias nem apropriadas para aumentar o consumo de manteiga e evitar o prolongamento da armazenagem e contestam a oportunidade e a eficácia, face aos seus custos, da acção "manteiga de Natal" criada pelo regulamento em causa. Além disso, para resolver o problema dos excedentes e dos stocks de manteiga, existiriam soluções mais eficazes e menos drásticas que medidas como as acções "manteiga de Natal".

34 Segundo jurisprudência constante, para se determinar se uma disposição do direito comunitário é conforme com o princípio da proporcionalidade, importa verificar se os meios que ela utiliza são aptos para realizar o objectivo visado e se não vão para além do que é necessário para o atingir. Além disso, como o Tribunal precisou no seu acórdão de 21 de Fevereiro de 1979 (Stoelting, citado), se é certo que a manifesta inadequação de uma medida ao objectivo que a instituição competente prossegue pode afectar a sua legalidade, é necessário, no entanto, reconhecer às instituições comunitárias um amplo poder de apreciação em matéria de política agrícola comum, tendo em conta as responsabilidades que lhes são conferidas pelo Tratado.

35 No caso concreto, resulta da exposição de motivos do regulamento cuja validade é contestada que este tinha como objectivos essenciais, através de um aumento de consumo de manteiga, não apenas reduzir globalmente os stocks de manteiga, mas igualmente evitar o prolongamento da armazenagem de manteiga antiga que, para lá de uma certa duração, se torna imprópria para consumo e exige uma nova transformação. Resulta dos autos e da discussão perante o Tribunal que a operação em causa provocou efectivamente vendas suplementares de cerca de 40 000 toneladas de manteiga na Comunidade, evitando assim o seu armazenamento, e que dela resultou uma melhor rotação e um certo rejuvenescimento dos stocks de manteiga. Estes objectivos contam-se entre aqueles que são atribuídos ao regime de intervenção pelo n.° 4 do artigo 6.° do Regulamento n.° 804/68.

36 Por outro lado, não resulta nem dos autos nem da discussão perante o Tribunal que a Comissão, considerando não dispor, em condições jurídicas, económica e psicologicamente admissíveis, de outras possibilidades de atingir os objectivos prosseguidos através de meios mais eficazes e menos onerosos, tenha cometido um erro manifesto de apreciação.

37 Nestas condições, e se bem que se deva reconhecer, como a própria Comissão admite, a limitada eficácia das acções do tipo "manteiga de Natal" e o seu elevado custo para as finanças comunitárias, não parece que a medida criticada tenha sido inadequada para atingir os objectivos prosseguidos ou que tenha ido para além daquilo que era necessário para os atingir. Assim, o fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade deve ser rejeitado.

Quanto ao fundamento segundo o qual a acção "manteiga de Natal" em litígio viola o princípio do livre exercício de uma actividade profissional

38 Como salienta a Comissão, este fundamento foi invocado pela primeira vez nas réplicas das demandantes. Nos termos do n.° 2 do artigo 42.° do Regulamento Processual, este novo fundamento deve ser rejeitado por inadmissibilidade.

39 Resulta de quanto precede, e sem que seja necessário examinar as excepções de inadmissibilidade deduzidas pela Comissão, que as acções devem ser julgadas improcedentes.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

40Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo as demandantes decaído nas suas acções, devem ser condenadas nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

decide:

1) As acções são improcedentes.

2) As demandantes são condenadas nas despesas.