61984J0278

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 14 DE JANEIRO DE 1987. - REPUBLICA FEDERAL DA ALEMANHA CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - TAXAS REPRESENTATIVAS - CEREAIS - ACUCAR - FECULA DE BATATA - MEDIDAS TRANSITORIAS. - PROCESSO 278/84.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 00001


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1. Agricultura - Organização comum de mercado - Processo do comité de g estão - Prazo de convocação - Urgência - Controlo jurisdicional - Limites

(Regulamentos do Conselho n.os 974/71, artigo 6.°, e 2727/75, artigo 26.°)

2. Direito comunitário - Interpretação - Actos das instituições - Negociações entre um Estado-membro e uma instituição comunitária - Irrelevância

3. Agricultura - Medidas monetárias - Modificação das taxas representativas - Prejuízos sofridos pelos agentes económicos nas fases de comercialização e de transformação - Obrigação de tomada a cargo pelo FEOGA - Inexistência

(Regulamentos do Conselho n.os 729/70 e 2746/72)

4. Actos das instituições - Aplicação no tempo - Medidas transitórias adoptadas pela Comissão por delegação do Conselho - Produção de efeitos anterior à entrada em vigor da regulamentação principal - Admissibilidade - Condições

(Regulamento do Conselho n.° 855/84, artigo 7.°; Regulamento da Comissão n.° 2677/84, artigos 1.°, 2.° e 3.°)

5. Direito comunitário - Princípios - Protecção da confiança legítima - Limites - Aplicação de uma nova regulamentação aos efeitos futuros de situações nascidas durante a vigência da regulamentação anterior - Modificação das taxas representativas no âmbito da política agrícola comum

(Regulamento n.° 2677/84, artigo 3.°, n.os 1 e 2)

Sumário


1. A competência para a atribuição do carácter de urgência ou de extrema urgência a uma questão sobre a qual um comité de gestão se deve pronunciar, e que constitui justificação, nos termos do regulamento interior comum aos comités de gestão no sector agrícola, para o não cumprimento do prazo mínimo de oito dias entre a convocação e a reunião do comité, pertence ao respectivo presidente.

2. As negociações entre um Estado-membro e uma instituição comunitária preparatórias de um regulamento não assumem relevância para a sua interpretação.

3. Sendo de interpretação estrita as disposições de direito comunitário que criam um direito a prestações financiadas pelos fundos comunitários, não é legítimo estender, por analogia, as disposições dos regulamentos n.os 729/70 e 2746/72, relativos ao financiamento da política agrícola comum e dos montantes compensatórios monetários, à cobertura das perdas sofridas pelos agentes económicos nas fases de comercialização e de transformação, em consequência de uma baixa de preços resultante da reavaliação da taxa representativa da moeda de um Estado-membro.

4. Embora uma cláusula que autorize a Comissão a adoptar medidas transitórias deva, regra geral, ser interpretada no sentido de que tais medidas apenas terão incidência sobre o período posterior à entrada em vigor das disposições principais da regulamentação a que se referem, deverá admitir-se a possibilidade de essas medidas terem aplicação no período que decorre entre a publicação da regulamentação e a sua entrada em vigor, na condição, porém, de conservarem carácter transitório e de se revelarem indispensáveis para a consecução dos objectivos da cláusula de delegação em causa. Concedendo o artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84 do Conselho autorização à Comissão para adoptar as medidas transitórias indispensáveis para evitar perturbações nos mercados dos cereais, do açúcar e da fécula de batata, em consequência da reavaliação da taxa representativa do marco alemão, as medidas por ela adoptadas nos artigos 1.°, 2.° e 3.° do Regulamento n.° 2677/84 preenchem essas condições.

5. O âmbito de aplicação do princípio do respeito pela confiança legítima não pode ser alargado ao ponto de impedir, de forma genérica, que uma nova regulamentação possa ser aplicada aos efeitos futuros de situações nascidas durante a vigência da regulamentação anterior, designadamente num sector como o das organizações comuns de mercado, cujo objecto implica, precisamente, uma permanente adaptação em função das flutuações da situação económica nos diferentes sectores agrícolas. Esta conclusão é igualmente aplicável às alterações das taxas representativas.

Partes


No processo 278/84,

República Federal da Alemanha, representada por M. Seidel, Ministerialrat, na qualidade de agente, e por D. Ehle, advogado em Colónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na sede da sua embaixada,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico P. Karpenstein, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de G. Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação dos artigos 1.°, 2.° e 3.° do Regulamento n.° 2677/84 da Comissão, de 20 de Setembro de 1984, relativo a medidas transitórias face à reavaliação da taxa representativa do marco alemão em 1 de Janeiro de 1985 (JO L 253, p. 31),

O TRIBUNAL ,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, C. Kakouris, T. F. O' Higgins e F. Schockweiler, presidentes de secção, G. Bosco, T. Koopmans, O. Due, K. Bahlmann e R. Joliet, juízes,

advogado-geral: Sir Gordon Slynn

secretário: P. Heim

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 2 de Julho de 1986, na qual a recorrente foi representada por D. Ehle e a Comissão das Comunidades Europeias por P. Karpenstein,

ouvidas as conclusões do advogado-geral, apresentadas na audiência de 16 de Dezembro de 1986,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 23 de Novembro de 1984, a República Federal da Alemanha interpôs, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE, um recurso de anulação dos artigos 1.°, 2.° e 3.° do Regulamento n.° 2677/84 da Comissão, de 20 de Setembro de 1984, relativo a medidas transitórias face à reavaliação da taxa representativa do marco alemão em 1 de Janeiro de 1985 (JO L 253, p. 31).

2 Importa lembrar que, para fazer face às dificuldades suscitadas pelos montantes compensatórios monetários (doravante os "MCM") e no quadro do esforço realizado para a reintegração do sector agrícola na realidade económica, o Conselho, ao adoptar o Regulamento n.° 855/84, de 31 de Março de 1984, relativo ao cálculo e ao desmantelamento dos montantes compensatórios monetários aplicáveis a alguns produtos agrícolas (JO L 90, p. 1; EE 08 F30 p. 52), reavaliou as taxas representativas do marco alemão e do florim neerlandês, a partir de 1 de Janeiro de 1985, para as aproximar das taxas centrais, e introduziu algumas modificações no cálculo dos MCM.

3 Na República Federal da Alemanha, as novas taxas de conversão conduziram a uma baixa dos preços de apoio dos produtos agrícolas expressos na moeda nacional e, por consequência, a uma redução dos rendimentos agrícolas. Em contrapartida, o Governo alemão foi autorizado, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 855/84, a conceder aos produtores agrícolas alemães uma ajuda especial, financiada parcialmente e de modo regressivo pela Comunidade. Respondendo ao pedido do Governo alemão, o Conselho, pela sua Decisão 84/361, de 30 de Junho de 1984, relativa a uma ajuda concedida aos produtores agrícolas na República Federal da Alemanha (JO L 185, p. 41), fixou o montante máximo da ajuda em 5% do preço sem IVA pago pelo comprador do produto agrícola, com efeitos a partir de 1 de Julho de 1984, isto é, seis meses antes do início da produção de efeitos da reavaliação da taxa representativa do marco alemão, em 1 de Janeiro de 1985.

4 Enfim, o artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84 prevê que possam ser adoptadas medidas transitórias, necessárias nomeadamente para:

" - evitar perturbações na sequência da revalorização das taxas representativas do marco alemão e do florim neerlandês em 1 de Janeiro de 1985",

de acordo com o chamado regime do "comité de gestão", previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 974/71 do Conselho, de 12 de Maio de 1971, relativo a certas medidas de política de conjuntura a tomar no sector agrícola (JO L 106, p. 1), que, por sua vez, remete para o processo estabelecido no artigo 26.° do Regulamento n.° 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 281, p. 1; EE 03 F9 p. 13).

5 Após exame, em 20 de Setembro de 1984, pelos comités de gestão de "questões agromonetárias" (sectores dos cereais e do açúcar), a Comissão, no mesmo dia, adoptou o Regulamento n.° 2677/84, em litígio neste processo, que entrou em vigor em 21 de Setembro de 1984. Os artigos 1.° a 3.° deste regulamento contêm algumas disposições transitórias específicas para os sectores dos cereais, do açúcar e da fécula de batata na República Federal da Alemanha. Assim, a aplicação da nova taxa representativa reavaliada, nas compras em regime de intervenção, foi antecipada para 14 de Setembro de 1984 no que respeita aos cereais, sob condição de um limite máximo de 2,5 milhões de toneladas, e para 21 de Setembro de 1984 quanto ao açúcar (artigos 1.° e 2.°). Por outro lado, no que se refere aos preços mínimos da beterraba açucareira a pagar obrigatoriamente pelos fabricantes de açúcar e ao preço mínimo a pagar pelos fabricantes de fécula aos produtores de batatas, o artigo 3.° do regulamento previu, para toda a campanha de 1984/1985, a aplicação de taxas de conversão especiais, situadas entre as antigas e as novas e ponderadas em função dos períodos em que aqueles fabricantes compram as matérias-primas e comercializam os seus produtos finais.

6 Para mais ampla exposição das disposições dos regulamentos comunitários em causa, dos argumentos das partes e dos elementos de facto por elas apresentados, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.

7 Em apoio do seu pedido de anulação, o Governo alemão apresenta os seguintes fundamentos:

- violação de formalidades essenciais;

- incompetência da Comissão para adoptar as disposições em litígio e violação do princípio do financiamento comunitário dos MCM;

- violação do Regulamento n.° 855/84, em virtude da alteração dos prazos fixados pelo Conselho neste regulamento para aplicação da nova taxa representativa do marco alemão;

- violação do princípio da não discriminação;

- violação do princípio da proibição de adoptar disposições contraditórias; e

- violação do princípio da confiança legítima.

Quanto à alegada violação de formalidades essenciais

8 Resulta do processo que a Comissão, depois de ter publicado, em 14 de Setembro de 1984, uma comunicação no Jornal Oficial (JO L 244, p. 45) chamando a atenção dos interessados para a sua intenção de adoptar, no sector dos cereais, "medidas nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84, a fim de evitar compras de intervenção anormalmente elevadas em virtude da alteração das taxa representativa do marco alemão ... em 1 de Janeiro de 1985", enviou um telex, em 18 de Setembro de 1984, convidando os representantes dos Estados-membros para uma reunião conjunta dos comités de gestão de "questões agromonetárias" que deveria ocorrer em 20 de Setembro de 1984. De acordo com a convocação, os comités eram chamados a dar o seu parecer sobre um projecto de regulamento da Comissão, "relativo a medidas transitórias face à reavaliação da taxa representativa do marco alemão ... em 1 de Janeiro de 1985".

9 Na altura da reunião dos comités de gestão, em 20 de Setembro de 1984, o projecto do regulamento impugnado foi distribuído como documento em discussão. Resulta da acta resumida desta reunião que o projecto deu lugar a "uma larga troca de pontos de vista", que a reunião foi suspensa "a fim de permitir às delegações contactarem as suas respectivas capitais", que foi posto à disposição das delegações, no recomeço da reunião, um projecto alterado que tinha em conta algumas das questões suscitadas ao longo dos debates, e que o resultado da votação foi tal que impossibilitou a emissão de qualquer parecer.

10 O Governo alemão sustenta que o regulamento em litígio foi adoptado com violação de formalidades essenciais, por desrespeito do processo mencionado nos artigos 6.° do Regulamento n.° 974/71 e 26.° do Regulamento n.° 2727/75. Com efeito, na reunião dos comités de gestão, para acelerar o processo, a Comissão teria invocado a existência de um caso "de extrema urgência", embora tivesse tido tempo para tomar todas as medidas necessárias em tempo útil. Por outro lado, os membros dos comités de gestão - e nomeadamente os membros alemães - não teriam tido condições suficientes para examinar convenientemente o projecto de regulamento que lhes foi apresentado. Efectivamente, não teria sequer havido dois dias úteis completos de prazo para preparar a reunião dos comités - quando, para questões tão importantes e difíceis, teria sido necessário prever um prazo de preparação de pelo menos uma semana.

11 Segundo a Comissão, aquando da adopção do regulamento em causa, estava-se perante um caso "de extrema urgência", nos termos do artigo 3.° do regulamento interno comum dos comités de gestão do sector agrícola. Efectivamente, na altura, podiam esperar-se vendas de intervenção excepcionalmente elevadas nos sectores dos cereais e do açúcar. Ora, em Setembro de 1984, a Comunidade ter-se-ia visto confrontada com uma situação orçamental extremamente precária. A Comissão ter-se-ia assim visto obrigada a fazer o possível para evitar ao FEOGA perdas financeiras suplementares. Além disso, os problemas a examinar pelos comités de gestão não seriam novos para o Governo alemão, que os teria discutido com a Comissão após a adopção do Regulamento n.° 855/84.

12 Importa lembrar que o n.° 2 do artigo 26.° do Regulamento n.° 2727/75 prevê que o comité de gestão emita o seu parecer sobre os projectos de medidas a tomar pela Comissão num prazo que o presidente do comité pode fixar "em função da urgência das questões submetidas a exame". Nos termos do artigo 3.° do regulamento interno dos comités de gestão do sector agrícola, adoptado no decurso de uma reunião conjunta dos comités de gestão de 22 de Julho de 1965, a convocatória e a ordem do dia, bem como os projectos das medidas em questão, devem normalmente chegar à mão dos representantes permanentes dos Estados-membros o mais tardar oito dias antes da data da reunião. Todavia, a pedido do representante de um Estado-membro ou por sua própria iniciativa, o presidente do comité pode, nos casos urgentes, encurtar este prazo até dois dias úteis completos antes da data da reunião e, em caso de extrema urgência, inscrever uma questão na ordem do dia de uma reunião no decurso desta. Nos termos do artigo 4.° do regulamento interno, no caso de um projecto apresentado no decurso de uma reunião, o presidente, a pedido do representante de um Estado-membro, remete a votação para o fim da reunião ou, em caso de especiais dificuldades, prolonga a reunião até ao dia seguinte.

13 Resulta destas disposições que a apreciação da urgência ou mesmo da extrema urgência de um dado caso compete ao presidente do comité de gestão em causa. Tendo em conta a natureza de uma tal apreciação, a fazer normalmente num prazo muito curto, o Tribunal só poderia censurar a decisão tomada pelo presidente em caso de erro manifesto ou desvio de poder. Ora, os elementos do processo não permitem concluir pela existência de tais vícios no presente caso.

14 Efectivamente, segundo as informações da Comissão, não contestadas pelo Governo alemão, verificaram-se vendas à intervenção de 43 000 toneladas de açúcar entre 17 e 20 de Setembro de 1984, quando há anos que tais vendas não se efectuavam no sector. A Comissão podia pois, razoavelmente, temer que novas quantidades, muito mais importantes, fossem apresentadas à venda nos dias seguintes. Além disso, a Comissão e o Governo coincidem ao dizer que a comunicação da Comissão publicada em 14 de Setembro de 1984 reforçou consideravelmente a inquietação já existente no mercado dos cereais e que, por consequência, um grande número de negociantes e de cooperativas tentou oferecer cereais ao organismo de intervenção alemão, que, provisoriamente, rejeitou tais ofertas, enquanto aguardava a solução definitiva da Comissão. Enfim, em carta de 29 de Agosto de 1984, o Governo alemão tinha ele próprio sublinhado que os mercados conheciam tais perturbações que os operadores económicos a jusante estavam cada vez mais inclinados a garantir-se mediante o recurso à intervenção e que apenas uma intervenção rápida da Comissão podia ainda limitar o prejuízo que ameaçava os mercados e as finanças da Comunidade. Nestas circunstâncias, o presidente dos comités de gestão não ultrapassou os limites do seu poder de apreciação ao considerar que se encontrava, na altura, perante um caso de extrema urgência.

15 No que respeita à afirmação do Governo alemão segundo a qual, de toda a maneira, os membros alemães dos comités de gestão não tinham podido examinar convenientemente as medidas propostas pela Comissão, importa observar que, a partir de Maio de 1984, este Governo tinha intervindo várias vezes junto da Comissão para que esta fizesse imediatamente uso do poder que lhe conferia o artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84, estabelecendo uma compensação para a baixa dos preços, financiada pela Comunidade. Mantiveram-se trocas de pontos de vista a este propósito até à altura da reunião dos comités de gestão e foi dada a conhecer ao Governo alemão a posição geral da Comissão relativa à aplicação do referido artigo. Além disso, mediante a publicação da comunicação de 14 de Setembro de 1984, a Comissão tinha chamado directamente a atenção dos interessados, incluindo os Estados-membros, para o seu propósito de adoptar, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84, medidas transitórias relativas às compras de intervenção, que poderiam ser aplicadas a partir da data da referida publicação. Enfim, no decurso da reunião dos comités de gestão, em 20 de Setembro de 1984, a delegação alemã teve toda a possibilidade de contactar o Governo alemão para obter instruções suplementares e, se fosse o caso, pedir o prolongamento da reunião até ao dia seguinte. Nestas circunstâncias, não se vê que o prazo concedido tenha impedido um exame adequado, pelo Governo alemão e pelos seus representantes nos comités de gestão, das medidas previstas no projecto de regulamento da Comissão.

16 Conclui-se, portanto, que o primeiro fundamento do Governo alemão deve ser desatendido.

Quanto à competência da Comissão para adoptar o Regulamento n.° 2677/84

17 O Governo alemão sustenta que, pelo artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84, a Comissão foi encarregada de estabelecer uma compensação para a queda dos preços destinada às empresas na fase da comercialização e da transformação, na República Federal da Alemanha. A este respeito, o Governo reporta-se nomeadamente à origem do artigo 7.°, que apenas se verificou, no projecto de regulamento apresentado pela Comissão ao Conselho, no decurso das discussões entre o Governo alemão e a Comissão, após a delegação alemã ter chamado a atenção para o problema criado pela baixa dos preços para os operadores a jusante. Enfim, o Governo sustenta que o artigo 7.° deve ser interpretado à luz do princípio geral segundo o qual a Comunidade deve tomar a seu cargo todos os custos relacionados com as perdas devidas à queda dos preços em virtude de alterações dos MCM. Por conseguinte, a Comissão, ao adoptar o Regulamento n.° 2677/84, não teria feito um uso correcto da autorização prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84.

18 A este propósito, importa sublinhar que não se pode interpretar uma norma de um regulamento comunitário, de alcance geral, à luz de negociações entre um Estado-membro e uma das instituições comunitárias. O artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84 atribui à Comissão, de modo geral, a possibilidade de adoptar medidas transitórias necessárias, nomeadamente, para evitar perturbações nos mercados em causa, na sequência da reavaliação das taxas representativas, em 1 de Janeiro de 1985. Nem o texto desta disposição nem os considerandos do regulamento - que não se referem a este artigo - justificam a interpretação do Governo alemão ou obrigam a Comissão a manter o nível de rendimentos dos negociantes ou transformadores de produtos agrícolas da República Federal da Alemanha.

19 Importa além disso ter em conta que não é prevista por nenhuma outra disposição de direito comunitário uma eventual indemnização dos operadores a jusante. É exacto que o Regulamento n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220), prevê que a Secção Garantia do FEOGA financie as restituições à exportação para países terceiros e as intervenções destinadas à regularização dos mercados agrícolas. É igualmente verdade que o Regulamento n.° 2746/72, do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, que altera o Regulamento n.° 974/71 (JO L 291, p. 148), alargou explicitamente esta obrigação de financiamento aos MCM, incluindo-os nas restituições ou intervenções referidas. Ora, de acordo com uma jurisprudência constante, as disposições de direito comunitário que concedem direito a prestações financiadas pelos fundos comunitários devem ser interpretadas em sentido estrito (ver acórdão de 6 de Maio de 1982, Baywa, processos apensos 146, 192 e 193/81, Recueil, p. 1503). Nestas circunstâncias, não se pode alargar, por analogia, as disposições dos regulamentos n.os 729/70 e 2746/72 à cobertura de perdas sofridas, na fase da comercialização e da transformação, na sequência da queda dos preços devida à reavaliação da taxa representativa do marco alemão.

20 O Governo alemão não demonstrou assim que a Comissão fosse obrigada, por força do disposto no artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84, a adoptar, em favor dos operadores a jusante, medidas com o objectivo de criar um regime de compensação pela queda dos preços na República Federal da Alemanha, devida à reavaliação prevista por este mesmo regulamento; e ainda menos ficou demonstrado que o artigo 7.° excluísse qualquer outra medida transitória.

21 O segundo fundamento do Governo alemão deve portanto ser desatendido.

Quanto à alegada alteração do Regulamento n.° 855/84 pelo Regulamento n.° 2677/84

22 O Governo alemão sustenta que a Comissão, pelo Regulamento n.° 2677/84, alterou ilegalmente o Regulamento n.° 855/84 do Conselho. Efectivamente, resultaria deste último regulamento que, na República Federal da Alemanha, as taxas representativas modificadas para os cereais, o açúcar e a fécula de batata apenas deveriam entrar em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1985. Não obstante, os artigos 1.°, 2.° e 3.° do Regulamento n.° 2677/84 teriam antecipado parcialmente de três meses a aplicação da alteração das taxas representativas para a República Federal da Alemanha, isto apesar de a Comissão não poder alterar as disposições de um regulamento do Conselho ao adoptar as respectivas normas de execução, salvo autorização expressa do Conselho, e de o artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84 não conter uma tal autorização.

23 Esta argumentação não pode ser aceite. Se, em regra geral, uma cláusula que autorize a Comissão a tomar medidas transitórias deve ser interpretada no sentido de que tais medidas devem abranger um período posterior à entrada em vigor das disposições principais da regulamentação em causa, não é de excluir que possam ser aplicadas num período situado entre a publicação da regulamentação e a sua entrada em vigor, com a condição de manterem o seu carácter transitório e serem necessárias para atingir os objectivos da cláusula de autorização em causa.

24 Pelo referido artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84, a Comissão foi expressamente autorizada a tomar medidas transitórias necessárias para evitar perturbações dos mercados em causa, na sequência da reavaliação da taxa representativa do marco alemão. Ora, é incontestável que as disposições previstas pelo Regulamento n.° 2677/84 visavam evitar, num período transitório, perturbações e vendas especulativas relativamente a produtos específicos abrangidos pelo Regulamento n.° 855/84. A fim de evitar tais perturbações, pode ser indispensável intervir num estádio anterior, tal como foi demonstrado no caso em apreço pelo número elevado de ofertas de produtos à intervenção. Nada no processo demonstra que a Comissão, ao adoptar estas disposições, tenha excedido os limites do adequado e necessário para atingir o objectivo visado pelo referido artigo 7.°

25 Resulta assim que as medidas adoptadas pela Comissão nos artigos 1.°, 2.° e 3.° do Regulamento n.° 2677/84 se confinam nos limites das competências atribuídas pelo artigo 7.° do Regulamento n.° 855/84 e que o terceiro argumento do Governo alemão carece de fundamento.

Quanto à alegada violação do princípio da não discriminação

26 Em primeiro lugar, o Governo alemão sustenta que o artigo 1.° do Regulamento n.° 2677/84 ofende o princípio da não discriminação na medida em que não atendeu ao facto de as diferenças regionais, nomeadamente de ordem climatérica, na República Federal da Alemanha, favorecerem os operadores económicos que, graças a uma colheita de cereais mais precoce, puderam oferecer o seu produto ao organismo de intervenção antes da entrada em vigor do regulamento.

27 A este propósito, basta verificar que o artigo 1.°, n.° 3, do regulamento autorizou expressamente as autoridades alemãs a tomarem as medidas necessárias para a aplicação deste artigo na República Federal da Alemanha e que, por consequência, o Governo alemão tinha plenos poderes para evitar ele próprio a discriminação de que se queixa, nomeadamente mediante uma repartição equitativa da quantidade de 2 500 000 toneladas à qual continuava a ser aplicável a anterior taxa de conversão.

28 Em segundo lugar, o Governo alemão alega que o artigo 3.°, n.° 2, do regulamento constitui uma discriminação ilegal em relação aos fabricantes de fécula de batata, face aos fabricantes de outros amidos, em particular de milho ou de cereais. Efectivamente, após a alteração da taxa de conversão representativa e o desmantelamento dos MCM, o equilíbrio preexistente entre os preços destes produtos, em concorrência mútua, teria sido perturbado, e a disposição transitória prevista no n.° 2 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2677/84 não teria sido bastante para eliminar esta perturbação.

29 A Comissão responde que a existência de tal discriminação não está provada. Após a entrada em vigor do n.° 2 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2677/84, a situação dos dois grupos de fabricantes - respectivamente, de fécula e de amido - devia ser mais ou menos a mesma no decurso do segundo semestre de 1984, no que respeita ao aprovisionamento em matéria-prima. Efectivamente, na medida em que os fabricantes de amido utilizaram cereais alemães, teriam tido a possibilidade, após a Decisão 84/361 do Conselho, que autoriza a ajuda do Estado aos produtores de cereais, entre outros, de se abastecer, após 1 de Julho de 1984, a preços próximos dos aplicáveis em 1 de Janeiro de 1985 , enquanto, para os fabricantes de fécula de batata, o Regulamento n.° 2677/84 teria reduzido o preço das batatas para a totalidade da campanha.

30 Importa referir que o fundamento da recorrente, na sua segunda parte, apenas põe em causa o Regulamento n.° 2677/84 da Comissão, na medida em que este regulamento não bastaria para eliminar uma discriminação já existente, criada pelas disposições do Regulamento n.° 855/84 do Conselho. Assim, segundo o entendimento do próprio Governo alemão, não foi na realidade o regulamento da Comissão ora em litígio que criou a alegada violação do princípio da não discriminação, previsto no segundo parágrafo do n.° 3 do artigo 40.° do Tratado. Aliás, o Governo alemão não demonstrou de forma alguma a existência de uma discriminação que tivesse falseado a concorrência entre os diversos tipos de féculas e amidos.

31 Por conseguinte, as duas partes do argumento baseado na violação do princípio da não discriminação carecem de fundamento.

Quanto à existência de disposições contraditórias

32 O Governo alemão considera que o n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2677/84 contém uma contradição interna, em violação do artigo 190.° do Tratado. Efectivamente, por força daquela disposição do regulamento, o preço mínimo das beterrabas açucareiras teria sido fixado com base numa média entre a antiga taxa representativa, por um período de três meses durante o qual os mecanismos do mercado, salvo o preço de intervenção, continuariam inalterados, e a nova taxa representativa, por um período de nove meses. Ora, por força das disposições previstas no artigo 2.° do Regulamento n.° 2677/84, que diminui a taxa representativa aplicável no cálculo do preço de compra do açúcar oferecido à intervenção, o preço de mercado inicial, determinado por este preço de compra, passaria a ser impossível de obter no mercado.

33 No entanto, resulta dos dados fornecidos em resposta a questões apresentadas pelo Tribunal que, de Setembro a Dezembro de 1984, o preço de mercado do açúcar na República Federal da Alemanha permaneceu de facto a um nível superior ao antigo preço de intervenção, por forma que não se constatou qualquer dependência absoluta entre estes preços. Por conseguinte, o Governo alemão não demonstrou que o cálculo em que se baseia a disposição do n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2677/84 não seja realista e, portanto, que o regulamento seja em si contraditório. Este argumento deve assim ser igualmente rejeitado.

Quanto à alegada violação do princípio da protecção da confiança legítima

34 Enfim, no entender do Governo alemão, as disposições previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2677/84, que reduzem os preços mínimos para as beterrabas açucareiras e para as batatas, violam o princípio da protecção da confiança legítima, na medida em que interferem retroactivamente em contratos celebrados - e, em alguns casos, já executados - entre os cultivadores de beterraba açucareira e de batatas e a indústria transformadora. A este propósito, o Governo lembra que os cultivadores tinham programado a sua campanha a partir da Primavera de 1984, em função das decisões tomadas em matéria de preços pelo Conselho, que fixa os preços mínimos com um ano de antedência.

35 A título liminar, importa referir que o problema assim suscitado pelo Governo alemão não envolve um efeito retroactivo, no sentido próprio do termo, mas resulta do facto de qualquer modificação das taxas representativas afectar necessariamente as relações entre as partes nos contratos de longa duração. Tal é nomeadamente o caso em sectores, como os do açúcar e da fécula de batata, em que a regulamentação comunitária supõe a celebração de contratos entre os produtores agrícolas e os fabricantes para a totalidade de uma campanha, quando a alteração entra em vigor no decurso da campanha ou antes dela, mas num momento em que os contratos já foram celebrados.

36 Tal como o Tribunal declarou já, no acórdão de 19 de Maio de 1979 (Tomadini, 84/78, Recueil, p. 1801), o campo de aplicação do princípio do respeito pela confiança legítima não pode ser alargado ao ponto de impedir, de uma forma genérica, que uma nova regulamentação se aplique aos efeitos futuros resultantes de situações criadas no domínio da regulamentação anterior, nomeadamente numa área como a das organizações comuns de mercado, cujo objecto implica precisamente uma constante adaptação, em função das variações da situação económica nos diferentes sectores agrícolas. Esta afirmação vale igualmente para as alterações das taxas representativas.

37 Daí se conclui que o último argumento do Governo alemão carece também de fundamento e que deve ser negado provimento ao recurso, no seu todo.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

38 Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Não tendo sido aceites os fundamentos invocados pela República Federal da Alemanha, esta deve ser condenada nas despesas, incluindo as relativas ao pedido de medidas provisórias.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

decide:

1) Negar provimento ao recurso.

2) Condenar a República Federal da Alemanha nas despesas, incluindo as relativas ao pedido de medidas provisórias.