ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

15 de Janeiro de 1986 ( *1 )

No processo 41/84,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, em aplicação do artigo 177.o do Tratado CEE, pela Cour de cassation da República Francesa, visando obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Pietro Pinna

e

Caisse d'allocations familiales de la Savoie,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação do artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p 2: EE, 05, fase. 01, p. 98),

O TRIBUNAL,

constituido pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, U. Everling, K. Bahlmann e R. Joliét, presidentes de secção, G. Bosco, T. Koopmans, O. Due, Y. Galmot e T. F. O'Higgins, juízes,

advogado-geral: G. F. Mancini

secretário: H. A. Rühi, administrador principal

considerando as observações apresentadas:

em representação de Pietro Pinna, recorrente no processo principal, por A. Lyon-Caen, advogado junto ao Conseil d'État e à Cour de cassation de França;

em representação da Caisse d'allocations familiales de la Savoie, recorrida no processo principal, por J.-P. Desache, advogado inscrito no foro de Paris;

em representação do Governo da República Francesa, por Ph. Pouzoulet, secretário dos Negocios Estrangeiros do Ministério das Relações Exteriores;

em representação do Governo da Republica Helénica, por E. Tsekouras, membro do Serviço Jurídico da representação permanente grega junto das Comunidades Europeias em Bruxelas, agindo como agente;

em representação do Governo da República Italiana, pelo doutor A. Squillante, presidente de secção do Consiglio di Stato, chefe de Serviço do Contencioso Diplomático dos Tratados e dos Negócios Legislativos, assistido por P. Ferri, Avvocato dello Stato;

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Griesmar, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por F. Herbert, advogado inscrito no foro de Bruxelas;

em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por J. Carberry, consultor do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 21 de Maio de 1985,

profere o presente

ACÓRDÃO

(A parte relativa aos factos não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 11 de Janeiro de 1984, entrada no Tribunal em 15 de Fevereiro seguinte, a Cour de cassation de França colocou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação de várias disposições do Regulamento n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE, 05, fase. 01, p. 98).

2

Estas questões foram colocadas no quadro de um litígio que tem por objecto a recusa da Caisse d'allocations familiales de la Savoie de atribuir ao Sr. Pinna as prestações familiares devidas por períodos situados no decurso dos anos de 1977 e de 1978.

3

O Sr. Pinna, de nacionalidade italiana, reside em França com a sua esposa e os seus filhos, Sandro e Rosetta. Em 1977, os filhos efectuaram com a mãe uma estada prolongada na Itália. A Caisse d'allocations familiales de la Savoie recusou-se a pagar ao Sr. Pinna as prestações familiares relativas a Sandro, pelo período compreendido entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 1977, e relativas a Rosetta, pelo período compreendido entre 1 de Outubro de 1977 e 31 de Março de 1978, pela razão de que elas deviam ser pagas pelo Istituto nazionale della previdenza sociale de l'Aquila, lugar da estada dos filhos em Itália nessa altura.

4

Como resulta da decisão de reenvio da Cour de cassation, o artigo L 511 do Code de la sécurité sociale estabelece que qualquer pessoa, francesa ou estrangeira, residente em França, que tenha a seu cargo, como chefe de família ou a outro título, um ou mais filhos residentes em França, beneficia, pelos filhos a cargo, das prestações familiares enumeradas no artigo L 510. Segundo o antigo artigo 6.o do Decreto n.o 46-2880 de 10 de Setembro de 1946, com as alterações introduzidas pelo Decreto n.o 65-524 de 29 de Junho de 1965, e segundo o artigo 2.o do decreto de 10 de Dezembro de 1946, com as alterações introduzidas pelo decreto de 17 de Março de 1978, é considerado residente em França o filho que, conservando as suas ligações familiares no território metropolitano em que vivia com carácter de permanência até esse momento, efectue fora desse território uma ou mais estadias provisórias, cuja duração total não exceda três meses no decurso de um ano civil. A decisão recorrida parece ter sido baseada no artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, o qual estabelece, no que diz respeito ao trabalhador assalariado sujeito à legislação francesa, que este tem direito

«... em relação aos membros da sua família que residam no território de um Es-tado-membro que não seja a França, aos abonos de família previstos na legislação do Estado em cujo território residem os referidos membros da família; esse trabalhador deve preencher as condições relativas ao emprego das quais a legislação francesa faz depender o direito às prestações».

5

Devendo decidir o litígio, em virtude de recurso interposto pelo Sr. Pinna, a Cour de cassation pediu ao Tribunal que se pronuncie:

1)

sobre a validade e a vigência do artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, de 14 de Junho de 1971;

2)

sobre o sentido a dar ao termo «residência» contido neste texto.

6

O artigo 73.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 estabelece que:

«O trabalhador sujeito à legislação de um Estado-membro que não seja a França tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado.»

7

No entanto, o artigo 73.o, n.o 2, já citado, enuncia uma regra diferente no que diz respeito ao trabalhador assalariado sujeito à legislação francesa, cuja família resida num Estado-membro que não seja a França.

8

O artigo 98.o (actualmente 99.o) do Regulamento n.o 1408/71 estabelece que:

«Antes de 1 de Janeiro de 1973, o Conselho, sob proposta da Comissão, procederá a uma nova apreciação do problema relativo ao pagamento das prestações familiares aos membros da família que não residam no território do Estado competente, tendo em vista alcançar uma solução uniforme para todos os Estados-membros.»

9

Como resulta do processo, a Comissão apresentou, com um certo atraso, devido à adesão dos novos Estados-membros, em 10 de Abril de 1975, uma proposta de regulamento ao Conselho (JO 1975, C 96, p. 4), na qual preconizou a generalização da atribuição das prestações familiares do país de emprego, qualquer que fosse o país de residência dos membros da família. Esta solução recebeu o apoio do Parlamento Europeu (parecer de 14 de Outubro de 1975, JO C 257) e do Comité Económico e Social (parecer de 24 de Setembro de 1975, JO C 286). A questão foi debatida pelo Conselho no decurso das sessões de 18 de Dezembro de 1975 e de 9 de Dezembro de 1976 sem que, contudo, tenha sido possível chegar a uma decisão.

10

Sobre a validade do artigo 73.o, n.o 2, o Sr. Pinna alega que o efeito desta disposição seria o de conduzir ao pagamento de prestações menos elevadas e o de tratar de maneira diferente os trabalhadores dos países da Comunidade empregados em França e os que trabalham num dos outros nove países da Comunidade. Esta discriminação não seria justificada nem no plano político, nem no plano económico, nem no piano jurídico. Em matéria de pensões de reforma, o Tribunal teria declarado que o artigo 51.o permite ao Conselho conferir direitos aos trabalhadores migrantes, mas não poderia autorizá-lo a privá-los dos direitos que eles adquiriram ao abrigo das legislações nacionais. O que se aplica em matéria de pensões de reforma aplicar-se-ia igualmente em matéria de prestações familiares. A aplicação simultânea da lei do país de emprego (atribuição dos direitos) e da lei do país de estada da família (natureza e taxa das prestações) não é destinada a conduzir à diminuição da protecção social. Por consequência, o artigo 73.o, n.o 2, seria contrário ao artigo 51.o do Tratado. O artigo 51.o teria introduzido o princípio da exportabilidade das prestações. O titular de uma qualquer prestação pecuniária poderia, portanto, invocar o artigo 51.o, qualquer que fosse o lugar em que fixasse a sua residência ou a residência da sua família, para exigir que as prestações devidas lhe fossem pagas no sítio em que ele decidiu. A «inexportabilidade» parcial de um tipo de prestação social, prevista pelo artigo 73.o, n.o 2, violaria a regra geral contida no artigo 51.o Proibindo a «exportabilidade» das prestações familiares francesas, o artigo 73.o, n.o 2, violaria o artigo 51.o do Tratado.

11

A Caisse d'allocations familiales de la Savoie, parte recorrida no processo principal, argumenta que o artigo 73.o, n.o 2, é compatível com os artigos 48.o e 51.o do Tratado. O artigo 51.o estabeleceria que as prestações devem sempre ser pagas ao trabalhador migrante. A aplicação do artigo 73.o, n.o 2, asseguraria que o trabalhador migrante recebesse sempre os abonos de família, qualquer que fosse o lugar de residência da sua família. A instituição devedora e a legislação aplicável aos abonos difeririam em relação aos trabalhadores que estão no campo de aplicação do artigo 73.o, n.o 1, mas o direito do trabalhador a receber os abonos de família seria respeitado. O artigo 73.o, n.o 2, seria válido face ao artigo 7.o do Tratado, pois não criaria, de forma nenhuma, discriminações entre os trabalhadores migrantes. Sena incontestável que, em certas hipóteses, o trabalhador migrante pode ver as suas prestações diminuir, segundo a escolha do país de residência da sua família, mas essa diminuição resultaria das diferenças de legislação dos Esta-dos-membros, especialmente no que respeita à taxa das prestações. Nestas condições, seria claro que o artigo 73.o, n.o 2, não cria, por si mesmo, qualquer discriminação. Seria, portanto, compatível com as disposições do direito comunitário.

12

O Governo francês considera que o artigo 73.o, n.o 2, é válido. As diferenças de tratamento que podem resultar do artigo 73.o, n.o 2, não constituiriam uma discriminação contrária aos artigos 7.o, 48.o e 51.o do Tratado. A causa da diferença de tratamento, desfavorável aos trabalhadores não franceses, sujeitos à legislação francesa, residiria, de facto, nas disparidades existentes entre os regimes de abonos de família em vigor nos diferentes Estados-membros. Tais disparidades de tratamento não poderiam ser eliminadas a não ser pela harmonização dos regimes nacionais de segurança social, o que não seria o objecto do Regulamento n.o 1408/71, que visaria apenas uma coordenação destes regimes, a fim de eliminar, no domínio da segurança social, os obstáculos à livre circulação dos trabalhadores.

13

O Governo grego observa que o fim do Regulamento n.o 1408/71 seria o de garantir, a todos os trabalhadores nacionais dos Estados-membros que se desloquem na Comunidade, a igualdade de tratamento relativamente às diferentes legislações nacionais e o benefício das prestações da segurança social. O problema da atribuição das prestações familiares aos trabalhadores sujeitos à legislação de um Estado-membro diferente daquele em que residem os membros da sua família deveria, portanto, ter uma solução uniforme em todos os Estados-membros. Os autores^do regulamento teriam compreendido esta necessidade ao adoptarem o artigo 98.o A realização da solução uniforme, no sentido do artigo 98.o, consistiria em aplicar o critério do lugar de emprego do trabalhador. O princípio do regime do lugar de emprego do trabalhador seria conforme, por um lado, com o espírito do Regulamento n.o 1408/71, que visaria o estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores no interior da Comunidade, e, por outro, com o princípio de igualdade de tratamento entre os trabalhadores estrangeiros e os trabalhadores nacionais em matéria de segurança social. O Governo grego considera que o n.o 2 do artigo 73.o não é justificado, dado que não contribui para a igualdade de tratamento entre os trabalhadores migrantes e os trabalhadores nacionais no que respeita ao pagamento das prestações familiares, quando os membros da família do trabalhador residam num Estado-membro diferente daquele em que reside o próprio trabalhador. O trabalhador migrante deve ter direito às prestações da segurança social de acordo com a legislação à qual se encontra sujeito e em virtude da qual paga as cotizações e os impostos.

14

O Governo italiano põe em destaque que o artigo 73.o, n.o 2, cria uma diferença de tratamento, baseada na nacionalidade, entre trabalhadores empregados no mesmo território. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal, as disposições em virtude das quais qualquer deslocação de um trabalhador de um Estado-membro para outro implique uma redução dos direitos adquiridos em matéria de segurança social seriam contrárias às garantias estabelecidas no Tratado em sede de livre circulação dos trabalhadores. A aplicação da legislação do Estado-membro de residência ao cálculo dos abonos de família visaria reduzir o conteúdo do direito adquirido pelo trabalhador ao abrigo da legislação francesa.

15

A Comissão considera que o artigo 73.o, n.o 2, é compatível com o artigo 51.o do Tratado. Não contesta que a aplicação do artigo 73.o, n.o 2, possa, em certos casos, ter por resultado que o trabalhador, cujos filhos residem num outro Estado-membro, tenha direito a abonos de família inferiores àqueles a que teria direito se os membros da família residissem em França ou se os abonos de família franceses fossem atribuídos igualmente em relação aos membros da família residentes noutro Estado-membro. Mas a Comissão considera que o artigo 73.o, n.o 2, não é fonte de discriminações contrárias ao Tratado. As desigualdades verificadas resultariam essencialmente da natureza do Regulamento n.o 1408/71 enquanto instrumento para realizar os objectivos do artigo 51.o do Tratado, através de uma coordenação dos regimes de segurança social, visando eliminar os obstáculos à livre circulação das pessoas.

16

O Conselho considera que as questões colocadas pelo órgão jurisdicional nacional põem em causa a validade do artigo 73.o, n.o 2, por duas razões. Primeiro, porque se trataria de uma derrogação excepcional que, desde o início, teria sido encarada como devendo comportar um termo, o dia 1 de Janeiro de 1973. Em segundo lugar, porque existiria, em detrimento dos trabalhadores não franceses, sujeitos à legislação francesa, uma pretensa dupla discriminação em relação, por um lado, aos trabalhadores franceses e, por outro, aos trabalhadores sujeitos à legislação de um Estado-membro que não a França. O Conselho considera que tal dupla discriminação não existe. O trabalhador francês e o trabalhador estrangeiro receberiam ambos as mesmas prestações no território francês; o trabalhador francês perderia as suas prestações depois de um período de três meses, na medida em que os seus filhos não fossem já considerados residentes em solo francês, enquanto o trabalhador migrante receberia as prestações em virtude do Regulamento n.o 1408/71, relativamente aos filhos residentes num Estado-membro que não a França. Aliás, não seria possível divisar uma discriminação entre o tratamento concedido aos trabalhadores migrantes em dois ou mais Estados-membros diferentes, porque as legislações nacionais em matéria de segurança social apenas estão coordenadas. Com efeito, cada um dos Estados-membros teria conservado, em matéria de segurança social, o poder de determinar a natureza das prestações e o nível dos pagamentos, não tendo o artigo 51.o do Tratado imposto ao Conselho a criação de um sistema uniforme de segurança social para os Estados-membros da Comunidade.

Quanto à primeira questão

17

Tendo em vista decidir o problema em litígio, convém, em primeiro lugar, recordar que o artigo 40.o do Regulamento n.o 3/58 do Conselho, de 25 de Setembro de 1958, relativo à segurança social dos trabalhadores migrantes (JO 1958, p. 561) estabelecia que um trabalhador assalariado ou equiparado empregado no território de um Estado-membro que tivesse filhos a residir ou a ser educados no território de um outro Estado-membro tinha direito, relativamente aos referidos filhos, aos abonos de família previstos nas disposições da legislação do primeiro Estado, até à concorrência dos montantes dos abonos que a legislação do segundo Estado concedesse.

18

O Regulamento n.o 1408/71 modificou a regulamentação respeitante aos filhos dos trabalhadores migrantes, alargando a gama das prestações às quais os trabalhadores migrantes podem aspirar. Deu-lhes direito às prestações familiares, ou seja, a «quaisquer prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares» [artigo 1.o, alínea u) i)], ao passo que o Regulamento n.o 3/58 apenas lhes atribuía os abonos de família, ou seja, «as prestações periódicas pecuniárias, concedidas exclusivamente em função do número e, eventualmente, da idade dos membros da família» [artigo 1.o, alínea u) ii), do Regulamento n.o 1408/71].

19

No que diz respeito aos trabalhadores migrantes empregados num Estado-membro, cuja família resida noutro Estado-membro, o Regulamento n.o 1408/71 introduziu uma distinção entre os trabalhadores empregados em França e os empregados nos outros Estados-membros. O artigo 73.o, n.o 1, estabelece que o trabalhador sujeito à legislação de um Estado-membro que não seja a França tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado. O artigo 73.o, n.o 2, estabelece que o trabalhador sujeito à legislação francesa tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de um Estado-membro que não seja a França, aos abonos de família previstos na legislação do Estado em cujo território residem os referidos membros da família.

20

No que diz respeito à diferença de tratamento entre os trabalhadores aos quais se aplica o artigo 73.o, n.o 1, e os que estão sujeitos ao regime previsto pelo artigo 73.o, n.o 2, é necessário observar que o artigo 51.o do Tratado prevê uma coordenação das legislações dos Estados-membros e não uma harmonização. O artigo 51.o deixa, portanto, subsistir as diferenças entre os regimes de segurança social dos Estados-membros e, por consequência, dos direitos das pessoas que neles trabalham. As diferenças de rundo e de forma entre os regimes de segurança social de cada Estado-membro e, por conseguinte, dos direitos das pessoas que meles trabalham não sao atingidas pelo artigo 51.o do Tratado.

21

A realização do objectivo de assegurar aos trabalhadores a livre circulação na Comunidade, como se enconara previsto nos artigos 48.o a 51.o do Tratado, é, contudo, facilitada quando as condições de trabalho, entre as quais figuram as normas de segurança social, são, na medida do possível, semelhantes nos diferentes Estados-membros. Este objectivo ficará, pelo contrário, comprometido e a sua realização tornar-se-à mais difícil, se forem introduzidas pelo direito comunitário diferenças evitáveis nas normas de segurança social. Daqui resulta que a regulamentação comunitária em matéria de segurança social, adoptada em virtude do artigo 51.o do Tratado, se deve abster de acrescentar disparidades suplementares àquelas que decorrem já da falta de harmonização das legislações nacionais.

22

O artigo 73.o do Regulamento n.o 1408/71 cria, para os trabalhadores migrantes, dois sistemas diferentes, conforme estejam sujeitos à legislação francesa ou à de um outro Estado-membro. Aumenta, assim, as disparidades que resultam das próprias legislações nacionais e, por consequência, entrava a realização dos fins enunciados nos artigos 48.o a 51.o do Tratado.

23

Tratando-se, mais precisamente, de apreciar a validade do próprio artigo 73.o, n.o 2, deve observar-se que o princípio de igualdade de tratamento proíbe não apenas as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzem, de facto, ao mesmo resultado.

24

É esse precisamente o caso quando o critério do artigo 73.o, n.o 2, é utilizado para determinar a legislação aplicável às prestações familiares de um trabalhador migrante. Se bem que, em regra, a legislação francesa aplique o mesmo critério para determinar o direito às prestações familiares de um trabalhador francês empregado no território francês, este critério não se reveste, de forma nenhuma, da mesma importância para esta categoria de trabalhadores, visto que é essencialmente para os trabalhadores migrantes que se coloca o problema da residência dos membros da família fora da França. Por consequência, este critério não é de molde a assegurar a igualdade de tratamento prescrita pelo artigo 48.o do Tratado e não pode, portanto, ser utilizado no quadro da coordenação das legislações nacionais que está prevista no artigo 51.o do Tratado, tendo em vista promover a livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, nos termos do artigo 48.o

25

Daqui decorre que o artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 não é válido, na medida em que exclui a atribuição de prestações familiares francesas aos trabalhadores sujeitos à legislação francesa, relativamente aos membros da sua família que residam no território de um outro Estado-membro.

26

No que se refere às consequências da invalidade do artigo 73.o, n.o 2, convém recordar que o Tribunal já declarou, no acórdão de 27 de Fevereiro de 1985 (Société des produits de maïs SA/Administration des douanes et droits indirects, 112/83, Recueil 1985, p. 732) que, desde que razões imperiosas o justifiquem, o artigo 174.o, segundo parágrafo, do Tratado confere ao Tribunal o poder de apreciação para determinar concretamente, em cada caso particular, quais os efeitos de um acto regulamentar anulado que devem ser mantidos.

27

Perante o facto de o Conselho não ter podido chegar à solução uniforme exigida pelo artigo 98.o do Regulamento n.o 1408/71, convém ter em conta, a título excepcional, que a França foi conduzida a manter, durante um período prolongado, práticas que eram conformes com os termos do Regulamento n.o 1408/71, mas que não tinham base legal nos artigos 48.o e 51.o do Tratado.

28

Nestas condições, cabe observar que razões imperiosas de segurança jurídica, relacionadas com o conjunto dos interesses em jogo, públicos e privados, impedem, em princípio, de voltar a pôr em causa o recebimento de prestações familiares relativas aos períodos anteriores ao proferimento do presente acórdão.

29

Num tal caso, em que o Tribunal faz uso da possibilidade de limitar os efeitos no passado de uma declaração de invalidade, no âmbito do artigo 177.o do Tratado, compete-lhe determinar se pode ser feita uma excepção a esta limitação dos efeitos no tempo estabelecida no acórdão, em favor quer da parte que interpôs o recurso perante o órgão jurisdicional nacional, quer de qualquer outra pessoa que tenha agido de maneira análoga antes da declaração de invalidade, ou se, ao invés, mesmo relativamente às pessoas que tenham tomado, em tempo útil, iniciativas com vista a salvaguardar os seus direitos, a declaração de invalidade com efeitos apenas para o futuro constitui um remédio adequado.

30

No caso concreto, convém determinar que a declaração de invalidade do artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento 1408/71 não pode ser invocada em apoio de reivindicações relativas a prestações referentes a períodos anteriores à data do presente acórdão, salvo para os trabalhadores que, antes desta data, tenham recorrido aos tribunais ou apresentado uma reclamação equivalente.

31

Nestas condições, não é necessário responder à segunda parte da primeira questão, sobre a vigência do artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, nem à segunda questão, sobre o conceito de residência no mencionado artigo 73.o, n.o 2.

Quanto às despesas

32

As despesas em que incorreram os governos da República Helénica, da República Italiana e da República Francesa, bem como o Conselho e a Comissão das Comunidades Europeias, os quais apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser objecto de reembolso. Tendo o processo, no que respeita às partes no processo principal, o carácter de um incidente levantado perante o órgão jurisdicional nacional, cabe a este decidir sobre as despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Cour de cassation de França, por decisão de 11 de Janeiro de 1984, declara:

 

1)

O artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 não é válido, na medida em que exclui a atribuição das prestações familiares francesas aos trabalhadores sujeitos à legislação francesa, relativamente aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro.

 

2)

A declaração de invalidade do artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, não pode ser invocada em apoio de reivindicações relativas a prestações referentes a períodos anteriores à data do presente acórdão, salvo quanto aos trabalhadores que, antes desta data, tenham recorrido aos tribunais ou apresentado uma reclamação equivalente.

 

Mackenzie Stuart

Everling

Bahlmann

Joliét

Bosco

Koopmans

Due

Galmot

O'Higgins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 15 de Janeiro de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente

A. J. Mackenzie Stuart


( *1 ) Lingua do processo: francès.