CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

SIR GORDON SLYNN

apresentadas em 15 de Outubro de 1985 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Nesta acção a Comissão visa obter a declaração, nos termos do artigo 169.o do Tratado CEE, de que, «ao impor restrições ao trânsito por estrada, através do território italiano, de animais vivos originários de um Estado-membro e destinados a outro Estado-membro ou a um país terceiro, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE [o princípio da liberdade de trânsito comunitário, artigos 30.o e 34.o do Tratado CEE, n.o 2 do artigo 20.o do Regulamento (CEE) n.o 805/68 e disposições correspondentes de outras organizações comuns de mercado respeitantes a animais vivos]».

A Comissão foi induzida a actuar neste caso por queixas que lhe foram apresentadas, em particular pelas autoridades belgas, sobre as dificuldades encontradas no transporte de animais vivos por estrada através da Itália para, entre outros países, a Jugoslávia e a Grécia. Depois de uma primeira troca de pontos de vista, a Comissão fez entrega, em 16 de Março de 1982, ás autoridades italianas de um parecer fundamentado, em conformidade com o n.o 1 do artigo 169.o O ponto 1 do parecer fundamentado tem o seguinte teor:

«A legislação italiana vigente, nomeadamente o regulamento de inspecção veterinária aprovado pelo Decreto do Presidente da República n.o 320, de 8 de Fevereiro de 1954, estabelece que o transporte de animais vivos por estrada está condicionado a autorização das autoridades competentes.

No caso das importações de animais cujo destino final é a Itália, a autorização é normalmente concedida.

Tratando-se de remessas de animais vivos originários de outros Estados-membros, que cheguem à fronteira italiana em camião, a autorização é em geral recusada, sempre que se destinem a países terceiros (como a Jugoslávia) ou outro Estado-membro (como a Grécia). Neste caso, os camiões que transportem os animais são impedidos de atravessar o território italiano. Deste modo, o trânsito é autorizado apenas sob a condição de os animais serem carregados em vagões dos caminhos-de-ferro para a viagem de trânsito. Voltam a ser carregados nos seus camiões ao deixarem a Itália para o lugar de destino final.

Daqui resulta que, tratando-se de importações destinadas ao mercado italiano, os operadores podem normalmente escolher entre o transporte por estrada ou pelo caminho-de-ferro. Ao invés, tratando-se de trânsito para outro Estado-membro ou para um país terceiro, só o transporte ferroviário é permitido no território italiano.»

No ponto 2 do parecer fundamentado a Comissão afirma considerar que «a actuação italiana no campo do transporte de animais vivos» constitui uma violação de algumas regras de direito comunitário, que enumera.

Deve notar-se que aqui não é posto em causa o decreto presidencial em si, mas apenas a prática descrita.

Não satisfeita com a reacção da República Italiana ao seu parecer fundamentado, a Comissão intentou a presente acção perante o Tribunal, por requerimento datado de 8 de Maio de 1984. O ponto 2 deste último faz referência a «dificuldades criadas pelas autoridades italianas para a importação e transporte internacional de animais vivos por estrada», descrevendo essas dificuldades do seguinte modo:

«As autoridades italianas não levantam objecções à importação de animais transportados por estrada, se estes se destinarem ao mercado italiano. Contudo, no caso de animais provenientes de um Estado-membro serem transportados através da Itália em direcção ao respectivo destino, seja este um Estado-membro (como a Grécia) ou não (como a Jugoslávia), as autoridades italianas exigem em regra o transporte ferroviário. Isso implica a mudança dos animais dos camiões para os vagões de caminho-de-ferro e, eventualmente, a deslocação dos camiões descarregados até à fronteira italiana, a fim de darem seguimento ao transporte por estrada.»

O requerimento não fornece outros dados sobre as alegadas restrições ao trânsito rodoviário de animais vivos. Apenas é afirmado, no seu ponto 3, que tais restrições são impostas no exercício de um poder discricionário conferido pelo artigo 61.o do supracitado regulamento de inspecção veterinária aprovado pelo Decreto do presidente da República n.o 320, de 8 de Fevereiro de 1954; Tal como o parecer fundamentado, o requerimento não põe em causa o artigo 61.o em si, mas apenas as alegadas práticas nele baseadas. A única de tais práticas que é referida no parecer fundamentado e no requerimento ao Tribunal é a pretensa exigência de que o transporte de animais vivos através da Itália seja feito por caminho-de--ferro.

A contestação do Governo italiano é simples e clara: a Itália não impõe qualquer restrição ao trânsito em questão. E na tréplica voltou a salientar: «A República Italiana não impõe qualquer restrição ao trânsito por estrada, através do território italiano, de animais vivos provenientes de qualquer Estado-membro e com destino a qualquer outro Estado-membro ou qualquer país terceiro.» A mesma posição foi reiterada na audiência.

Impor aos exportadores a obrigação de transportar, em vagões, os animais em trânsito pela Itália, quando os que se destinam a Itália podem ser transportados em camiões, pode, na minha opinião, constituir uma restrição incompatível com as disposições do Tratado.

O Governo italiano admite que, durante um curto período e num número limitado de casos, era exigido aos operadores que transportassem os animais, através da Itália, pelo caminho-de-ferro. Foi dito que tal se ficou a dever à inadequação dos dispositivos de controlo para o transporte por estrada e ao desejo de evitar quaisquer demoras ou sofrimentos aos animais. No entanto, foi referido que tal prática já fora abandonada; a Comissão aceitou esse facto em relação a anteriores processos contra a Itália, respeitantes a exportações originárias da República Federal da Alemanha (no processo 194/81).

Na audiência fiquei com a ideia de que a Comissão admitiu que já não era feita qualquer exigência no sentido de os animais serem transportados pelo caminho-de-ferro. De qualquer forma, não há prova alguma de que, na altura dos factos, tal exigência fosse feita. As razões em que se baseiam o parecer fundamentado e a petição inicial não foram, na minha opinião, demonstradas pela Comissão, a quem cabia o ónus da prova.

No decurso das alegações, contudo, algumas outras práticas relativas ao trânsito de animais vivos através da Itália foram apontadas pela Comissão: primeiro, foi dito que, não havendo acordos bilaterais, era exigida uma autorização prévia para o trânsito de bovinos através da Itália. Estas medidas ultrapassam o que é exigido pelas normas comunitárias, as quais se satisfazem com a mera apresentação na fronteira dos certificados próprios. Em segundo lugar, é referido que as autoridades italianas apenas autorizam a passagem mediante a apresentação de um certificado do país de destino, que garanta que os animais em trânsito não serão enviados para trás. Estes aspectos foram primeiramente referidos pela Comissão na sua rèplica, voltando novamente a ser salientados com insistência durante a audiência. Não há referência a eles, quer na petição, quer no parecer fundamentado que a precedeu.

O objecto da presente acção está fixado pelo conteúdo do parecer fundamentado, emitido em 16 de Março de 1982 (ver processo 45/64, Comissão/Itália, Recueil 1965, p. 1057, maxime 1068, e processo 211/81, omissão/Dinamarca, Recueil 1982, p. 4547, maxime 4558). A Comissão não pode ampliar o objecto da causa no decurso do processo como tentou aqui fazer (ver processo 193/80 Comissão/Itália, Recueil 1981, p. 3019, maxime 3032). Saber se são ou não válidos os argumentos da Comissão respeitantes aos acordos bilaterais e à exigência de um certificado de aceitação pelo país de destino são questões que não cabe conhecer no presente processo.

Deste modo, torna-se desnecessário apreciar as alegações do Governo italiano, segundo as quais tinham sido concluídos acordos com a Bélgica sobre todos os pedidos para transporte de animais apresentados, pelo que não era exigida, individualmente, aos operadores uma autorização prévia especial, e que, se tinham existido alguns problemas criados pela recusa do país de destino (no caso, a Grécia) em passar os certificados próprios, eles não se deveram a culpa da Itália, que razoavelmente apenas exige ser informada de que o gado será aceite antes de permitir a passagem pelo seu território. A prova feita pela Comissão sobre estes aspectos é, de qualquer modo, insuficiente.

Em consequência, sou de parecer que a presente acção deve ser julgada improcedente e de que a Comissão deve ser condenada a pagar as despesas do processo ao Governo italiano.


( *1 ) Tradução do ingles.