CARL OTTO LENZ
apresentadas em 28 de Janeiro de 1986 ( *1 )
Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
A —
O artigo 13.° da Lei italiana n.° 308, de 29 de Maio de 1982, previu a atribuição de um crédito de 2000 milhões de LIT em 1982 e de 4000 milhões de LIT em 1983 para a concessão de auxílios para a aquisição de veículos com tracção eléctrica ou mista por empresas municipais de transportes em cidades com mais de 300000 habitantes, com o objectivo de substituir os veículos tradicionais. O auxílio ficava sujeito à condição de os veículos serem produzidos em Itália.
A Comissão — que foi alertada para essa condição pela «Unione nazionale rappresentanti autoveicoli esteri» — considera que ela não é compatível com a proibição das restrições quantitativas às importações e de todas as medidas de efeito equivalente, estabelecida no artigo 30.° do Tratado CEE, nem com as linhas fundamentais da implementação desta disposição, contidas na Directiva 70/50, da Comissão de 22 de Dezembro de 1969 (JO 1970, L 13, p. 29 e seguintes) e, em particular, com o artigo 2.°, n.° 3, alínea k). Informou o Governo italiano dessa opinião por ofício de 29 de Novembro de 1982. Era salientado nessa comunicação que a cláusula ligada ao subsídio não era necessária para a consecução do objectivo que a medida pretendia atingir e que era motivo para essa medida ser considerada contrária ao artigo 30.° do Tratado CEE.
A representação permanente da Itália expressou a sua opinião acerca desse ofício em Fevereiro de 1983. Esclareceu que a medida em questão só vigoraria durante um período limitado (dois anos) e referiu-se também aos objectivos de política energética e de investigação (orientação da produção nacional através da promoção da compra de protótipos dos veículos em causa) que a medida em questão visaria prosseguir. Concluía considerando que aquela medida não poderia ser entendida como uma restrição às importações.
Como não considerou a resposta convincente, a demandante formulou, em Agosto de 1983, um parecer fundamentado, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE. Nesse parecer explicava porque considerava a disposição em causa como uma forma de auxílio que não era essencial para a consecução do objectivo da medida. Se ela apenas pretendia ser um incentivo à compra de veículos que permitem a poupança de energia, a limitação da medida aos veículos produzidos em Itália não é lógica. Se pretendia, porém, encorajar igualmente o desenvolvimento da indústria italiana respectiva, é evidente que esse desenvolvimento se poderia verificar mesmo na falta da referida condição, pois o facto de veículos estrangeiros desse tipo poderem também ser comprados com o auxílio de subsídios estatais levaria, por si, os fabricantes italianos a conseguir o desenvolvimento necessário para obter uma parte do mercado. A discriminação contra os produtos estrangeiros no contexto daquelas normas deve, por isso, ser encarada como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, no sentido do artigo 30.° do Tratado CEE; a demandada foi, portanto, chamada a pôr termo à violação do Tratado dentro de um mês a contar da data da recepção do parecer fundamentado.
Isto, porém — como é do conhecimento deste Tribunal — não se verificou. Contudo, como o Tribunal foi informado, contactos subsequentes entre a demandante e as autoridades italianas levaram a que estas tomassem uma iniciativa no sentido de abolir a condição contestada pela Comissão e, assim, foi apresentado à Câmara dos Deputados, em Março de 1984, um projecto que previa que os subsídios para os anos de 1984 a 1986 não deveriam ficar sujeitos à condição em litígio.
Dado que esse projecto nunca foi convertido em lei, visto que a lei de 29 de Maio de 1982 não foi realmente alterada (e não pode excluir-se a possibilidade de esta lei ainda produzir efeitos) e visto que a demandada não modificou a sua opinião segundo a qual disposições como a contestada pela demandante não são realmente contrárias ao Tratado, a demandante propôs uma acção neste Tribunal em Abril de 1984.
A demandante pede ao Tribunal que declare verificado que a demandada, ao exigir às empresas municipais de transportes públicos a compra apenas de veículos produzidos na Itália como condição para a obtenção do auxílio financeiro estabelecido no artigo 13.° da Lei n.° 308 de 29 de Maio de 1982, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE.
B —
O meu parecer sobre esta questão é o seguinte.
1. |
A primeira questão a considerar é o argumento da demandada segundo o qual a Comissão não teria interesse em propor esta acção, a qual deveria, portanto, ser considerada inadmissível. A demandada salienta que a disposição posta em causa pela Comissão constava de uma lei que autorizava as despesas apenas para os anos de 1982 e 1983. Durante esse período nunca chegou a ser efectivamente pago nenhum dos subsídios em questão e não é possível pagá-los depois de a lei caducar, podendo dizer-se que a lei ficou letra morta. Deve também notar-se que foi preparado para o período subsequente um novo projecto que já não continha a disposição em causa. Não se poria, portanto, a questão de a disposição que a demandante considera contrária ao Tratado continuar em vigor. Na minha perspectiva, o argumento não é convincente.
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2. |
Passarei agora a analisar o fundo da questão. No que respeita ao problema de saber se as normas italianas em causa devem ser vistas como constituindo uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE, não há dúvida de que a atribuição de subsídios estatais para a aquisição de determinados bens, quando sujeita à condição de só poderem ser adquiridos produtos nacionais, constitui uma discriminação contra produtos idênticos originários de outros Estados-membros. Um incentivo tão claro como este teria indiscutivelmente o efeito de orientar a procura para os produtos nacionais, em detrimento dos importadores, reduzindo assim o volume das importações. É igualmente significativo que, tal como foi dito ao Tribunal, na fundamentação do projecto da lei relativo aos anos de 1984 a 1986, que já não contém a cláusula de nacionalidade, se afirme que já não é necessária uma cláusula proteccionista. E-se, assim, levado a concluir que a medida italiana está abrangida na fórmula desenvolvida pelo Tribunal ao interpretar o artigo 30.°, ou seja, que constitui uma regulamentação comercial de um Estado-membro «susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário» (processo 8/74, Recueil 1974, p. 852 ( 3 )) (tradução provisória). Esta opinião é apoiada pelo acórdão do Tribunal proferido no processo 249/81 ( 4 ). Este processo dizia respeito a medidas adoptadas pelo Estado com o fim de promover a venda de produtos irlandeses como é do conhecimento deste Tribunal, tendo sido decidido que estas medidas, por serem um incentivo à compra de produtos nacionais e, assim, pretenderem influenciar o comportamento dos consumidores e por visarem a substituição dos produtos importados pelos produtos nacionais, e, desta forma, a redução das importações, eram susceptíveis «de afectar o volume de comércio entre os Estados-mem-bros» (Recueil 1982, p. 4022, n.° 25 do acórdão). O acórdão proferido no processo 192/84 ( 5 ), um processo recentemente movido contra a República Helénica, também tem interesse para este caso. Foi decidido nesse processo que a concessão de condições de crédito mais favoráveis na compra de máquinas produzidas na Grécia é uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 30.°, por ser um incentivo aos compradores para adquirirem máquinas produzidas na Grécia. |
3. |
Não há, portanto, nada de interesse para este caso a retirar da mencionada directiva da Comissão e, em particular, do artigo 2.°, n.° 3, alínea k), segundo a qual as medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas incluem as medidas que «impedem a compra pelos particulares de produtos importados ou encorajam, exigem ou dão preferência à compra de produtos nacionais». Como é do conhecimento deste Tribunal, a demandada considera que esta disposição apenas se refere a medidas que são dirigidas aos particulares e a todos os consumidores. Não é esse o caso neste processo porque a medida em questão apenas diz respeito a um pequeno grupo de 20 beneficiários (determinadas empresas municipais de transportes sem personalidade jurídica) e porque se trata apenas da aquisição de protótipos e não de produtos normais de mercado. Se uma opinião sobre este ponto ainda é necessária, diria apenas que não é certo que esta interpretação da disposição em causa seja a mais correcta. E sabido que a directiva não pretende fornecer uma lista completa das medidas abrangidas pelo artigo 30.°, mas apenas indicar uma série de exemplos particularmente importantes delas. Nesta perspectiva, é importante notar que as medidas italianas em apreço são muito semelhantes às medidas descritas no artigo 2.°, n.° 3, alínea k), no que se refere aos seus objectivos e efeitos. Além disso, a demandante, neste caso, pode também invocar a parte do n.° 2 do artigo 2.° que se refere às medidas que favorecem os produtos nacionais. O mínimo que se pode dizer é que não há dúvida de que o Tribunal tem perante si uma situação desse tipo. A demandante tem, pois, razão em se referir às definições contidas na directiva, a qual, de facto, apoia a sua qualificação das medidas italianas. |
4. |
Antes de fazer uma apreciação final da posição da demandante, devem ser consideradas duas objecções levantadas pela demandada. O Governo italiano referiu-se, na sua contestação, ao facto de o seu objectivo não ser o de levar as empresas municipais de transportes a substituir toda a sua frota mas apenas o de conceder um incentivo para a compra de um número limitado de protótipos, querendo assim pôr em evidência o efeito económico relativamente limitado das medidas. E também afirmado que o artigo 30.° não é aplicável porque a medida em causa é um auxílio concedido pelo Estado. O Tratado estabelece um processo especial para esses casos e só uma avaliação da medida à luz do artigo 92.° seria relevante.
E certo que um subsídio atribuído apenas a certas empresas nacionais não pode ser visto como medida de efeito equivalente a restrição quantitativa no sentido do artigo 30.° Isto resulta muito claramente do acórdão proferido no processo 74/76 ( 7 ). No que respeita ao caso em apreço, deve notar-se, por um lado, que parece muito duvidoso que a medida italiana seja realmente abrangida pelo artigo 92.° Por outro, a demandante coloca particular ênfase no facto de no mencionado acórdão ser igualmente salientado que os aspectos do auxílio que não sejam necessários à consecução do seu objectivo podem ser distinguidos do resto e ser encarados como violações a determinadas normas do Tratado, incluindo o artigo 30.° Na medida em que a medida italiana estabelece um auxílio às empresas municipais de transportes e as incentiva a utilizar veículos que permitem a poupança de energia, poderá parecer que o artigo 92.° não é aplicável, visto que os beneficiários não estão em competição entre si e, por isso, os subsídios estatais previstos não podem dar origem a qualquer falseamento da concorrência, que é o factor relevante para o artigo 92.° Na medida em que o objectivo da medida e, mais particularmente, da cláusula de nacionalidade, pode também ser visto como sendo o de garantir um auxílio indirecto aos produtores de veículos, com a finalidade de promover a investigação e o desenvolvimento de veículos que permitem a poupança de energia, é igualmente discutível se é correcto falar em auxílio aos produtores no sentido do artigo 92.° Estes não recebem qualquer ajuda financeira que lhes permita reduzir os seus custos, mas é através do comprador do veículo — que recebe do Estado parte do preço de aquisição — que eles recebem a contrapartida pelos bens que produzem. É, por isso, difícil falar de auxílio concedido aos produtores de veículos. A medida pretende, com efeito, orientar a procura para determinados produtos e isso, como ficou demonstrado, está claramente no âmbito do artigo 30.° Esta questão não exige um maior aprofundamento dado que o argumento da demandante baseado no segundo princípio fundamental referido no processo 74/76 ( 8 ) parece convincente neste caso. Se se devesse admitir que a medida em causa tem a natureza de um auxílio, seria igualmente claro — tendo em vista o seu objectivo que se refere à política energética (promoção do uso de veículos eléctricos por empresas de transportes) — que a cláusula contestada não é essencial para esse objectivo e que o mesmo resultado também poderia ser obtido pela promoção da compra de veículos estrangeiros semelhantes. Nesta medida pode, portanto, ser dito que a condição constitui um aspecto desnecessário do auxílio que é indiscutivelmente contrário a outras disposições do Tratado, incluindo o artigo 30.° O mesmo pode ser dito relativamente ao outro objectivo da medida, ou seja, a promoção do desenvolvimento da produção nacional de veículos eléctricos. De facto, tem que se reconhecer que, se o objectivo da medida era, de qualquer modo, o de incentivar as empresas municipais de transportes a comprar esse tipo de veículos, a mera possibilidade de as empresas italianas em questão poderem fazer essa aquisição no estrangeiro seria um incentivo suficiente para a produção desses veículos, sem ser necessária qualquer discriminação do tipo da envolvida na medida aqui posta em causa. Também nesta perspectiva é difícil argumentar que por a medida ter o carácter de subsídio só pode, por isso, ser considerada com referência ao artigo 92.° do Tratado CEE. |
5. |
Resulta do que precede que a interpretação que a demandante faz da medida contestada não pode ser refutada e que é, portanto, correcto falar de uma violação do artigo 30.° Embora a demandada não tente justificar a medida nos termos do artigo 36.°, pode ser facilmente demonstrado que essa justificação não é possível. A este respeito, o ponto essencial é simplesmente o de que, como foi salientado no acórdão proferido no processo 238/82 ( 9 ), o artigo 36.° apenas se refere a medidas de natureza não económica. A medida em causa no presente processo não tem essa natureza dado que, como foi assegurado ao Tribunal, o artigo 13.° da Lei n.° 308 visa objectivos no campo da política energética e da política de investigação, que não podem ser facilmente excluídos da esfera económica. |
C —
Só posso, portanto, propor que o Tribunal decida favoravelmente à demandante e que declare que a demandada, ao exigir às empresas municipais de transportes a compra de veículos de fabrico nacional para poderem beneficiar dos benefícios financeiros previstos no artigo 13.° da Lei n.° 308 de 29 de Maio de 1982, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE. Conforme vem pedido pela Comissão, a República Italiana deve igualmente ser condenada no pagamento das despesas.
( *1 ) Tradução do alemão.
( 1 ) Acórdão de 15 de Janeiro de 1986, processo 52/84, Comissão/Bélgica, Recueil 1986, p. 89.
( 2 ) O montante de 6000 milhões de LIT seria suficiente, em 1982 e 1983, para adquirir bens no valor de 30000 milhões de LIT, ou seja, cerca de 4,5 milhões de ECUs, com base num subsídio de 20 %.
( 3 ) Acórdão de 11 de Julho de 1974, proferido no processo 8/74, Procurador do Rei/Benoit e Gustave Dassonville, Recueil 1974, p. 837.
( 4 ) Acórdão de 24 de Novembro de 1982, proferido no processo 249/81, Comissão/Irlanda, Recueil 1982, p. 4005.
( 5 ) Acórdão de 11 de Dezembro de 1985, proferido no processo 192/84, Comissão/República Helénica, Recueil 1985, p. 3967.
( 6 ) Acórdão de 14 de Março de 1985 no processo 269/83, Comissão/França, Recueil 1985, p. 837.
( 7 ) Acórdão de 22 de Março de 1977, proferido no processo 74/76, lannclli & Volpi SpA/Sociedade Paolo Meroni, Recueil 1977, p. 557.
( 8 ) Acórdão de 22 de Março de 1977, proferido no processo 74/76, Iannelli & Volpi SpA/Sociedade Paolo Meroni, Recueil 1977, p. 557.
( 9 ) Acórdão de 7 de Fevereiro de 1984, proferido no processo 238/82, Duphar BV e outros/Países Baixos, Recueil 1984, p. 523.