CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

G. FEDERICO MANCINI

apresentadas em 4 de Fevereiro de 1986 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Em acção que deu entrada na Secretaria deste Tribunal em 29 de Setembro de 1982, duas empresas francesas de construção, Développement SA e Clemessy, queixam-se de que a Comissão das Comunidades Europeias agiu de forma a fazê-las perder a adjudicação da empreitada para a construção do edifício em que tem sede o Instituto Farmacêutico Somali. Pretendem ser indemnizadas por tal prejuízo. Nos termos dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, pedem-vos, portanto, que condeneis a Comissão a pagar-lhes a importância de 1202754 FF.

Os factos. No âmbito das relações de cooperação financeira com os países ACP, previstas pela primeira Convenção de Lomé (28 de Fevereiro de 1975: JO L 25 de 30.1.1976, p. 1), a Comissão comprometeu-se a financiar, com verbas do Fundo Europeu de Desenvolvimento (adiante designado por «Fundo»), um projecto destinado à construção do referido instituto. Baseando-se no respectivo acordo, o ministro das Obras Públicas somali publicou, em 12 de Dezembro de 1979, um aviso de concurso público de empreitada, ao qual concorreram cinco empresas: Montitalia, Dravo Costruttori, General Impiant, Astaie e, em associação com Clemessy, a Développement SA, que na altura se chamava Sopha Développement. Em 19 de Agosto de 1981, no final de um processo algo complexo e que durou mais de um ano, a entidade nacional competente — neste caso, o ministro somali do Plano — comunicou oficialmente ao delegado da Comunidade em Mogadiscio a decisão de adjudicar a empreitada à sociedade Dravo.

Na petição, as empresas francesas afirmam que, no decurso do processo, a Comissão exerceu diversas pressões sobre as autoridades somalis, levando-as a modificar, a favor da empresa Dravo, a sua decisão inicial de adjudicar a obra à Sopha Développement.

Em especial, sustentam que: a) após terem formalmente aceite, em 28 de Junho de 1980, a proposta de Sopha, aquelas autoridades decidiram, em 15 de Março de 1981, anular o concurso e encetar negociações particulares com as três empresas que tinham apresentado as melhores propostas — Sopha, Dravo e Montitalia; b) esta medida foi tomada na sequência de instruções recebidas dos serviços comunitários e com base num relatório técnico apresentado pelo professor Lhoest, o perito belga encarregado pela entidade nacional competente de apreciar as propostas das cinco empresas; c) em 14 de Maio de 1981, a empreitada foi de novo adjudicada à Sopha e, desta vez, com base numa proposta em conformidade com as indicações do perito; d) cinco dias mais tarde, o delegado da CEE pediu por escrito ao ministro competente para suspender os efeitos daquela medida, enquanto se aguardava o segundo relatório do professor Lhoest. Foi assim que, três meses depois, a obra acabou por ser definitivamente adjudicada à Dravo Costruttori.

2. 

Perante estes factos, as autoras invocam a responsabilidade da Comissão, que as privou duas vezes de um êxito já obtido, e pretendem o reembolso das despesas que efectuaram ao longo de todo o processo, na Europa e na Somália.

Por memorando entrado na Secretaria em 6 de Dezembro de 1982, a instituição demandada, designadamente, excepcionou a inadmissibilidade da acção e, nos termos do artigo 91.°, n.° 1, do Regulamento Processual, pediu ao Tribunal para decidir a excepção sem apreciar o mérito da causa. De facto, o Tribunal seria incompetente para conhecer desta última, quer atendendo à regulamentação que, nos processos de empreitada, disciplina as relações jurídicas entre a Comissão, os países ACP e as empresas interessadas, quer atendendo às normas relativas aos meios de resolução dos litígios que possam surgir nesta matéria. A ré salienta igualmente o carácter subsidiário da acção baseada nos artigos 178.° e 215.°, relativamente às vias de recurso previstas no direito interno. Por outras palavras, Clemessy e Développement SA deveriam ter-se dirigido previamente ao juiz nacional.

Após a réplica das autoras, o Tribunal deliberou, por despacho de 18 de Maio de 1983, apreciar a excepção juntamente com o pedido principal. A tese da Comissão, de qualquer forma, carece de fundamento. Há alguns meses, ao examinar uma questão perfeitamente idêntica, o Tribunal afirmou que, no que respeita aos processos de execução dos projectos financiados pelo Fundo, «on ne saurait exclure l'hypothèse d'actes ou de comportements de la Commission... préjudiciables à des tiers. Toute personne qui se prétend lésée par de tels acts... doit dès lors avoir la possibilité d'introduire un recours, à charge d'établir les éléments d'une responsabilité... imputable à la Communauté», e concluiu que «l'exception d'irrecevabilité soulevée par la Commission doit être rejetée pour autant qu'elle se réfère au recours en responsabilité introduit en vertu des articles 178 et 215, alinéa 2, du traité» (acórdão de 10 de Julho de 1985, processo 118/83, Muratori e outros/Comissão, Recueil 1985, p. 2325). A mesma conclusão, portanto, é válida para o caso em apreço.

3. 

Passemos à questão de fundo. De acordo com as empresas francesas, a responsabilidade da Comissão seria subjectiva e, subsidiariamente, objectiva. Para o primeiro caso, invocam quatro fundamentos. A Comissão teria:

1)

violado a proibição de discriminação estabelecida no artigo 215.° da segunda Convenção (ou melhor, no artigo 56.° da primeira Convenção) de Lomé, por força da qual todas as pessoas singulares e colectivas dos Estados-membros e dos países ACP têm o direito de participar em condições de igualdade nos concursos de empreitada e nos contratos financiados pelo Fundo;

2)

adoptado um comportamento susceptível de defraudar as legítimas expectativas das autoras;

3)

provocado diversas irregularidades que viciaram o processo, concluído com o êxito de Dravo;

4)

violado o artigo 25.° (melhor, 21.°) do Protocolo n.° 2 da primeira Convenção de Lomé, segundo o qual deveria ser escolhida a proposta economicamente mais vantajosa.

Por facilidade de exposição, começarei por examinar os segundo e terceiro fundamentos. Através deles, as autoras acusam a ré de não as ter informado devidamente das regras do processo, de não ter fundamentado as decisões relativas à nomeação do perito e à anulação do concurso, de não lhes ter permitido o acesso à correspondência que trocou com as autoridades somalis e de lhes ter ocultado os motivos que levaram o professor Lhoest, no seu primeiro relatório, a fixar o calendário das negociações directas.

Que dizer destes argumentos? Parece-me que, longe de provarem a existência de uma conduta ilícita por parte da Comissão, contestam a legalidade do processo seguido para a adjudicação da empreitada e a validade da respectiva decisão. Mas, se assim for, o nosso Tribunal não será, decerto, a instância competente para conhecer da causa. De facto, diz o acórdão Muratori que «il ne saurait exister, en la matière, un acte (da Comissão) susceptible de recours au sens de l'article 173 du traité», e a razão desta exclusão é evidente! As intervenções dos agentes comunitários no ámbito dos processos de empreitadas de obras financiadas pelo Fundo visam apenas certificar a existência dos pressupostos para a concessão das verbas; por outras palavras, o seu objectivo não consiste em «contrariar o princípio de que (os processos e os) contratos em causa não deixam de ser (processos e) contratos nacionais, que só os Estados ACP têm a responsabilidade de elaborar, negociar e estipular...; (em consequência) as empresas que participam nos concursos são estranhas às relações... que se estabelecem... entre a Comissão e os Estados ACP» (acórdão de 10 de Julho de 1984, processo 126/83, STS/Comissão, Recueil 1984, p. 2769).

Ainda no campo da responsabilidade extracontratual, em qualquer caso, é evidente que, antes mesmo de infundadas, as acusações formuladas pelas autoras — falta de fundamentação de certos actos e impossibilidade de conhecer alguns aspectos do processo — não são imputáveis aos agentes da Comunidade. De facto, resulta dos autos, antes de mais, que quem nomeou o professor Lhoest, em 3 de Dezembro de 1980, foi a entidade nacional competente, ou seja, o ministro somali do Plano, com base numa lista de peritos fornecida, a seu pedido, pelos serviços da Comissão. O mesmo se diga acerca das decisões de anular o concurso e de encetar negociações com as três sociedades que tinham apresentado as melhores propostas; tais decisões foram igualmente tomadas — nos termos, respectivamente, dos artigos 10.° e 53.° do Caderno Geral de Encargos das Empreitadas de Obras Públicas Financiadas pelo Fundo (JO L 39 de 14.2.1972, p. 3) — pelo referido ministro, por ofício de 15 de Março de 1981, devidamente comunicado a todas as empresas interessadas. Além disso, estas foram convidadas a responder às questões colocadas no relatório do perito e a entregar as novas propostas, o mais tardar até ao dia 30 de Abril seguinte.

As medidas que as autoras criticam à Comissão, provêm, portanto, apenas das autoridades somalis e, de resto, encontram-se amplamente fundamentadas, se bem que o artigo 45.°, n.° 4, do referido caderno geral de encargos disponha expressamente que a administração não é obrigada a justificar a decisão de anular um concurso. Em seguida, no que respeita à pretensão de ter acesso à correspondência entre a Comissão e as entidades adjudicantes, verifico que as próprias autoras não conseguem fundá-la em nenhuma norma. Seja como for, não se descortina o nexo de causalidade entre a omissão que, neste ponto, se imputa à ré e a não adjudicação da empreitada às duas empresas.

Finalmente, no que diz respeito à insuficiência das informações relativas às regras do processo, recordo que, nos termos do artigo 30.°, n.° 2, do caderno, não é à Comissão, mas à entidade nacional competente, que cabe publicar os avisos de concurso e disciplinar a preparação, a apresentação e o exame dos projectos. Os dois fundamentos apreciados, não devem, portanto, ser acolhidos.

4. 

Vejamos agora o primeiro e o quarto fundamentos. Baseiam-se, essencialmente, no pressuposto de que, em duas ocasiões — 28 de Junho de 1980 e 14 de Maio de 1981 —, as autoridades organizadoras do concurso declararam que Sopha Développement era a adjudicatária. Criticando sistematicamente a adequação e a qualidade da proposta apresentada por esta empresa sem contudo tornar públicos os motivos das suas censuras, a Comissão levou aquelas autoridades a recuarem na sua posição; e, desta forma, favoreceu a sociedade concorrente, que acabou por obter a empreitada. Ora, tal comportamento viola o artigo 56.°, n.° 1, da primeira Convenção de Lomé, que consagra o princípio da igualdade de condições entre as empresas participantes nos concursos para projectos financiados pelo Fundo. Além disso, viola igualmente o disposto no artigo 21.° (Protocolo n.° 2) da mesma convenção, que impõe a escolha da proposta mais vantajosa do ponto de vista económico.

Parece-me que este argumento se encontra viciado na sua premissa: com efeito, não é verdade que Sopha Développement tenha sido reconhecida vencedora do concurso. De facto, os actos com base nos quais as autoras afirmam o contrário não constituem uma proposta formal de adjudicação — a qual, nos termos do artigo 30.°, n.os 2 e 3 (Protocolo n.° 2), apenas pode ser feita pela entidade nacional competente —, mas simples pareceres formulados pelo Comité Técnico somali, um órgão consultivo que funciona junto do Ministério das Obras Públicas local. Mas há mais: em nenhuma das duas ocasiões a Sopha foi notificada do ofício pelo qual a administração comunica a adjudicação à concorrente escolhida (artigo 45.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do caderno geral de encargos).

Quanto à Comissão, citarei os artigos 18.° e 21.° do Protocolo n.° 2, por força dos quais, e no interesse de uma boa gestão dos recursos comunitários, não tem apenas o direito, mas o dever de zelar por que os processos nacionais se desenrolem de forma a conduzirem à escolha da proposta economicamente mais válida, «tendo em conta, nomeadamente, as qualificações e garantias apresentadas pelos concorrentes..., a medida e as condições de execução dos trabalhos e dos fornecimentos, o preço das prestações, o seu custo de utilização e o seu valor técnico». Ora, atendo-nos aos autos, esta obrigação foi correctamente cumprida: longe de prejudicar ou favorecer um ou outro dos concorrentes, as intervenções dos funcionários comunitários contribuíram para remover diversas imprecisões e omissões dos primeiros projectos apresentados às autoridades somalis, permitindo a estas seleccionar a melhor proposta com base no relatório final (aqui insusceptível de controlo) do perito.

Como disse, as autoras, subsidiariamente, pedem-vos que reconheçais a responsabilidade objectiva da ré, invocando a protecção do direito de propriedade, tal como se encontra organizada no direito alemão, e a protecção dos administrados relativamente aos actos legítimos mas danosos praticados pela administração pública, de acordo com os critérios desenvolvidos na jurisprudência francesa. Neste ponto, devemos interrogar-nos se tais princípios fazem parte do património jurídico comum dos Estados-membros; mas não creio que tal valha a pena. Com efeito, para afastar o argumento das autoras basta lembrar que nenhum acto da autoridade somali ou da Comissão reconheceu a Sopha Développement como adjudicatária da empreitada. Por outro lado, o facto de a empresa francesa ter efectuado despesas com a participação no concurso não ofende o seu direito de propriedade nem a sua posição jurídica como administrado. Como é óbvio, de facto, a faculdade de concorrer à adjudicação de uma empreitada não implica a certeza da consequente adjudicação.

Assente que o comportamento da Comissão não se pode considerar ilícito, considero supérfluo um exame dos aspectos do pedido relacionados com o montante dos danos a indemnizar. Decididamente, o recurso não tem fundamento.

5. 

Com base nas considerações precedentes, concluo propondo ao Tribunal que declare admissível a acção intentada em 29 de Setembro de 1982 pelas empresas Développement SA e Clemessy e que a indefira quanto ao mérito, por falta de fundamentação. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual, as autoras são condenadas no pagamento das despesas do processo.


( *1 ) Tradução do italiano.