ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

22 de Março de 1979 ( *1 )

No processo 146/78,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177o do Tratado CEE, pelo Raad van State, Afdeling rechtspraak (secção do contencioso administrativo), destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

A. J. Wattenberg

e

Staatssecretaris van Verkeer en Waterstaat (secretário de Estado dos Transportes, Vias Navegáveis e Obras Públicas),

uma decisão a titulo prejudicial sobre a interpretação da Directiva 74/56 l/CEE do Conselho, de 12 de Novembro de 1974, relativa ao acesso à profissão de transportador rodoviário de mercadorias no domínio dos transportes nacionais e internacionais (JO L 308, p. 18; EE 07 F2 p. 20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J. Mertens de Wilmars, presidente da primeira secção, A. M. Donner e A. O'Keeffe, juízes,

advogado-geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho interlocutório de 13 de Junho de 1978, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Junho seguinte, o Raad van State, Afdeling rechtspraak (secção do contencioso administrativo), submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, várias questões prejudiciais sobre a interpretação da Directiva 74/561/CEE do Conselho, de 12 de Novembro de 1974, relativa ao acesso à profissão de transportador rodoviário de mercadorias no domínio dos transportes nacionais e internacionais (JO L 308, p. 18; EE 07 F2 p. 20).

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio relativo à decisão do Secretário de Estado dos Transportes, de 4 de Maio de 1977, que concedeu ao demandante no processo principal a isenção da condição de capacidade profissional referida no n.o 1, última parte, do artigo 56.o da lei neerlandesa relativa aos transportes rodoviários de mercadorias (Wet Autovervoer Goederen — WAG), embora limitando a duração dessa isenção até 1 de Janeiro de 1980.

3

Resulta do processo que o demandante no processo principal trabalhou vários anos numa empresa de transportes dirigida inicialmente por seu pai, sob a forma de sociedade em nome individual, mais tarde dirigida por si próprio a partir de data não especificada, mas de qualquer forma anteriormente a 1968.

4

O secretário de Estado aplicou o n.o 1 do artigo 56.o da lei citada, nos termos do qual uma autorização de acesso à profissão de transportador apenas será emitida se estiver designadamente preenchida a condição da capacidade profissional, embora o ministro se encontre habilitado a conceder isenções em casos especiais.

O decreto de execução da referida lei estabelece que, para satisfazer a condição de capacidade, é necessário ser-se titular de diploma profissional reconhecido pelo ministro e, além disso, apresentar uma declaração do inspector competente atestando que o interessado trabalhou numa empresa de transportes de mercadorias a título oneroso durante um período de dois anos.

5

A Directiva 74/561/CEE do Conselho prevê, no n.o 1 do artigo 3o, que as pessoas singulares ou as empresas que pretendam exercer a profissão de transportador rodoviário de mercadorias devem, designadamente, preencher a condição de capacidade profissional.

Os conhecimentos exigidos para preencher esta condição encontram-se especificados no anexo da mesma directiva.

Os conhecimentos são adquiridos, em conformidade com o disposto no n.o 4 do artigo 3 o, quer pela frequência de cursos, quer por experiência prática adquirida numa empresa de transportes, quer pela combinação dos dois sistemas.

6

O n.o 1 do artigo 4.o estabelece que pode ser concedida uma isenção provisória da condição de capacidade profissional durante o período máximo de um ano, prorrogável por seis meses em casos especiais, a fim de evitar que, na sequência de morte ou incapacidade física ou legal do empresário ou do dirigente que satisfaz as condições de capacidade profissional, a ausência da pessoa que preencha tais condições origine a cessação da actividade ou a dissolução de uma empresa de transportes.

Todavia, nos termos do n.o 2 da mesma disposição, as autoridades dos Estados-membros podem excepcionalmente autorizar a título definitivo o prosseguimento da exploração da empresa de transportes por uma pessoa que não preencha a condição de capacidade profissional quando essa pessoa possua «uma experiência prática de, pelo menos, três anos na gestão diária dessa empresa».

7

Finalmente, o n.o 2 do artigo 5o da directiva estabelece que:

«… as pessoas singulares que, após 31 de Dezembro de 1974 e antes de 1 de Janeiro de 1978, tenham sido:

quer autorizadas a exercer a profissão de transportador rodoviário de mercadorias sem terem, nos termos de uma regulamentação nacional, fornecido a prova da sua capacidade profissional,

quer designadas para dirigir efectivamente e em permanência a actividade de transporte de uma empresa,

devem preencher, antes de 1 de Janeiro de 1980, a condição de capacidade profissional…»

8

O Raad van State submeteu as seguintes questões:

«1)

As disposições do n.o 4 do artigo 3 o da Directiva 74/561/CEE do Conselho, de 12 de Novembro de 1977, relativa ao acesso à profissão de transportador rodoviário de mercadorias no domínio dos transportes nacionais e internacionais, autorizam os Estados-membros a adoptar uma regulamentação nos termos da qual, para além dos casos em que esteja preenchida a condição de capacidade mediante a obtenção do diploma emitido no termo do ciclo de formação profissional adequado, a autoridade ou a instância competente reconheça a existência de capacidade profissional com base numa experiência prática apropriada de, pelo menos, seis anos, adquirida numa função de direcção e de gestão de uma empresa de transportes rodoviários de mercadorias?

2)

A autorização concedida, após 31 de Dezembro de 1974 e antes de 1 de Janeiro de 1978, pelas autoridades de um Estado-membro a uma pessoa singular para exercer a profissão de transportador rodoviário de mercadorias sem ter apresentado prova da sua capacidade profissional nos termos da regulamentação nacional deixa de ser válida se, em conformidade com o n.o 2 do artigo 5o da directiva, essa pessoa não preencher a condição de capacidade profissional referida no n.o 4 do artigo 3o antes de 1 de Janeiro de 1980, mesmo que as citadas autoridades tenham dado tal autorização porque consideravam existir um caso especial na acepção referida no n.o 2 do artigo 4.o?

3)

O n.o 2 do artigo 4.o da Directiva 74/561/CEE é exclusivamente aplicável ao caso, referido no n.o 1 deste artigo, de morte ou incapacidade física ou legal da pessoa singular que exerce a actividade de transportador ou da pessoa singular que satisfaz as condições do n.o 1, alíneas a) e c), do artigo 3 o, ou pode igualmente aplicar-se a outros casos?

4)

Na hipótese de ser dada resposta afirmativa à questão anterior, dever-se-á igualmente entender por ‘incapacidade física’, na acepção referida no n.o 1 do artigo 4.o da directiva, o facto de se ter atingido uma idade em que se pressupõe deixar de se poder participar na vida profissional?»

Quanto à primeira questão

9

Na ausência de qualquer coordenação das regulamentações nacionais relativas à aquisição de conhecimentos profissionais, o n.o 4 do artigo 3 o da directiva confere aos Estados-membros a função de reconhecer a posse, pelas pessoas que pretendam exercer a profissão de transportador rodoviário de mercadorias, das competências requeridas.

Os Estados-membros podem optar entre os seguintes sistemas de reconhecimento dos conhecimentos: quer o controlo mediante exame, quer pela experiência prática no domínio dos transportes, quer, finalmente, pela combinação dos dois anteriores sistemas.

10

A referida regulamentação neerlandesa prevê que o controlo dos conhecimentos é efectuado mediante exame, que implicará, se for o caso, a obtenção de um diploma profissional, e mediante a verificação de uma experiência prática na empresa de transportes durante um período de dois anos.

11

Deve, assim, responder-se à primeira questão que as disposições do n.o 4 do artigo 3 o da directiva autorizam os Estados-membros a adoptar uma regulamentação nos termos da qual o reconhecimento da capacidade profissional é efectuado quer pela obtenção de um diploma, quer com base numa experiência prática apropriada com uma duração que releva da apreciação dos Estados-membros, quer pela combinação dos dois sistemas.

Quanto à terceira questão

12

O n.o 1 do artigo 4.o da directiva prevê a possibilidade de os Estados-membros concederem uma isenção provisória da condição de capacidade profissional em casos especiais devidamente justificados, quando a pessoa que exerce a actividade de transportador morre ou é atingida por incapacidade física ou legal.

Embora o n.o 2 do artigo 4.o permita, excepcionalmente, conceder uma isenção definitiva, esta apenas vigora nos limites fixados e nas situações referidas no n.o 1 do mesmo artigo, ou seja, em casos especiais devidamente justificados, em caso de morte ou incapacidade física ou legal da pessoa singular que exerce a actividade de transportador.

13

Esta conclusão deve-se ao facto de o n.o 2 dizer respeito a uma situação em que, contrariamente ao n.o 1, o candidato à profissão de transportador possui habilitações suplementares (uma experiência prática na empresa) para ser dispensado, não já provisoriamênte, mas a título definitivo, da condição de capacidade profissional referida no n.o 1 do artigo 3 o, embora tal isenção apenas possa ser tomada em consideração a fim de permitir que uma empresa, desorganizada com a partida inesperada do seu responsável, prossiga a sua actividade.

A utilização do advérbio «contudo» no início do n.o 2 do artigo 4.o confirma que os dois números devem ser interpretados de forma conjugada.

14

Deve, assim, responder-se à terceira questão que o n.o 2 do artigo 4o da directiva é exclusivamente aplicável ao caso, referido no n.o 1, de morte ou incapacidade física ou legal da pessoa singular que exerce a actividade de transportador ou que satisfaz a condição de capacidade profissional.

Quando à segunda questão

15

O artigo 5.o constitui uma disposição transitória que se aplica ao caso de pessoas que justifiquem terem sido autorizadas nos termos da regulamentação nacional num Estado-membro, antes de 1 de Janeiro de 1978, a exercer a profissão de transportador rodoviário de mercadorias.

Considera-se que as referidas pessoas preenchem a condição de capacidade profissional, sendo dispensadas de fornecer a correspondente prova.

16

Contudo, o n.o 2 do mesmo artigo limita o alcance de tal norma ao prever que as pessoas que, entre 31 de Dezembro de 1974 e 1 de Janeiro de 1978, tiverem sido autorizadas a exercer a profissão em causa sem terem fornecido a prova da sua capacidade profissional, o deverão fazer antes de 1 de Janeiro de 1980.

Esta disposição da directiva foi adoptada com o objectivo de regular as situações anteriores à sua entrada em vigor (1 de Janeiro de 1977) ou às situações então em curso.

Tal disposição diz respeito a situações diferentes das abrangidas pelo artigo 4.o

17

Deve, assim, responder-se a esta questão que a disposição do n.o 2 do artigo 5o não é oponível às pessoas que beneficiem, nos termos do n.o 2 do artigo 4.o, de isenção a título definitivo devido ao facto de possuírem uma experiência prática de, pelo menos, três anos na gestão diária da empresa.

Quanto à quarta questão

18

O artigo 4.o prevê os casos em que a exploração de uma empresa cessa subitamente por morte ou incapacidade da pessoa que a dirige.

A idade da reforma não pode ser considerada um facto inesperado, pois é previsível.

Portanto, não se pode considerar a idade da reforma abrangida pelo conceito de incapacidade física.

19

Deve, assim, responder-se de forma negativa a esta questão.

Quanto às despesas

20

As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Raad van State, por decisão interlocutória de 13 de Junho de 1978, declara:

 

1)

As disposições do n.o 4 do artigo 3.o da Directiva 74 /561/CEE do Conselho autorizam os Estados-membros a adoptar uma regulamentação nos termos da qual o reconhecimento da capacidade profissional é efectuado quer pela obtenção de um diploma, quer com base numa experiência prática apropriada com uma duração que releva da apreciação dos Estados-membros, quer pela combinação dos dois sistemas.

 

2)

O n.o 2 do artigo 4.o da directiva é exclusivamente aplicável ao caso, referido no n.o 1, de morte ou incapacidade física ou legal da pessoa singular que exerce a actividade de transportador ou que satisfaz a condição de capacidade profissional.

 

3)

A disposição do n.o 2 do artigo 5.o não é oponível às pessoas que beneficiem, nos termos do n.o 2 do artigo 4.o, de isenção definitiva devido ao facto de possuírem uma experiência prática de, pelo menos, três anos na gestão diária da empresa.

 

4)

Não se pode considerar como «incapacidade física», na acepção do n.o 1 do artigo 4.o da directiva, o facto de se ter atingido uma idade em que se pressupõe deixar de se poder participar na vida profissional.

 

Mertens de Wilmars

Donner

O'Keeffe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de Março de 1979.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente da primeira secção

J. Mertens de Wilmars


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.