ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

7 de Fevereiro de 1979 ( *1 )

No processo 128/78,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por George Close, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Mário Cervino, bâtiment Jean Monnet, Kirchberg,

recorrente,

contra

Reino da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representada por R. D. Munrow, Assistant Treasury Solicitor, com a qualidade de agente assistido por Peter Scott, Queen's Counsel of the Middle Temple, com domicílio escolhido na Embaixada do Reino Unido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto obter a declaração de que o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE e do Regulamento n.o 1463/70 do Conselho, de 20 de Julho de 1970, relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários (JO L 164, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: H. Kutscher, presidente, J. Mertens de Wilmars e Mackenzie Stuart, presidentes de secção, A. M. Donner, P. Pescatore, M. Sørensen, A. O'Keeffe, G. Bosco e Touffait. juízes.

advogado-geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por requerimento de 7 de Junho de 1978, a Comissão pediu ao Tribunal que declarasse, nos termos do artigo 169o do Tratado, que o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, pelo facto de não ter adoptado em tempo útil as medidas necessárias com vista à aplicação do Regulamento n.o 1463 /70 do Conselho, de 20 de Julho de 1970, relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários (JO L 164, p. 1), e de ter omitido a consulta prévia da Comissão prevista no referido regulamento.

2

O Regulamento n.o 1463/70, com as modificações que lhe foram introduzidas pelos Regulamentos n. os 1786/73 e 2828/77 do Conselho, de 25 de Junho de 1973JO L 181, p. 1), e de 12 de Dezembro de 1977 (JO L 334, p. 5), tem por objectivo fundamental substituir o livrete individual de controlo por um aparelho de controlo, denominado tacógrafo, para os transportes rodoviários.

3

Nos termos dos considerandos do regulamento, aquele aparelho destina-se a registar automaticamente os tempos de condução bem como outros elementos relativos ao funcionamento do veículo, como a velocidade e o percurso.

A sua instalação e utilização foi tornada obrigatória a fim de assegurar um controlo uniforme e eficaz dos tempos de trabalho da tripulação e melhorar a segurança rodoviária, evitando ao mesmo tempo entravar a livre circulação dos veículos na Comunidade e provocar distorções nas condições de concorrência.

O regulamento obriga a instalação e utilização daquele aparelho de controlo em datas diferentes para certas categorias de veículos, sendo a sua disposição mais importante a contida no artigo 4o que torna obrigatória aquela instalação e utilização a partir de 1 de Janeiro de 1975 para os veículos matriculados pela primeira vez a partir daquela data e para veículos que efectuam transportes de mercadorias perigosas, independentemente da data da sua matrícula.

4

A fim de assegurar o cumprimento destas obrigações, o artigo 21.o, n.o 1, do regulamento dispõe:

«Os Estados-membros adoptarão, atempadamente e após consulta da Comissão, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à execução do presente regulamento.

Essas disposições incidirão, entre outras matérias, sobre a organização, o processo e os instrumentos de controlo assim como as sanções aplicáveis em caso de infracção».

5

O acto de adesão dispõe no seu anexo VII, título III (transportes), n.o 4, que disposições idênticas às previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1643/70 serão aplicáveis à Dinamarca, Irlanda e Reino Unido a partir de 1 de Janeiro de 1976.

6

Não é contestado que a instalação e utilização do aparelho de controlo só foram previstas pela legislação britânica a título facultativo e voluntário no que respeita tanto aos veículos que efectuam transportes intracomunitários como aos que efectuam transportes nacionais.

Pelo contrário, a legislação britânica manteve as obrigações relativas à detenção de um livrete individual de controlo, eliminado pelo referido regulamento.

7

O recorrido alega que esta solução corresponde de modo adequado aos objectivos de uma promoção de segurança nas estradas e de progresso social dos trabalhadores, bem como à harmonização das condições de concorrência.

Além disso, a aplicação do Regulamento n.o 1463/70 no seu território seria realizada de modo satisfatório pela instalação e utilização do aparelho de controlo a título voluntário para depois o tornar obrigatório em momento oportuno.

Acrescenta ainda que a execução do regulamento, pela imposição de medidas obrigatórias, encontraria viva resistência por parte dos meios afectados, nomeadamente dos sindicatos, tendo como resultado o desencadear de greves no sector dos transportes, o que acarretaria desde logo graves prejuízos para a economia do país.

8

Uma vez que os objectivos da política comunitária nesta matéria no que respeita ao Reino Unido poderiam ser atingidos de modo satisfatório tanto pela manutenção do sistema de controlo por meio do livrete individual, como pela introdução obrigatória do aparelho de controlo, o incumprimento censurado seria de natureza puramente técnica, pelo que não devia, perante as dificuldades indicadas, ser tomado em consideração.

Aliás, a instalação e utilização do aparelho de controlo seriam na prática assegurados quanto aos transportes intercomunitários, pelo simples facto de os outros Estados-membros as já terem tornado obrigatórias.

9

Nos termos do artigo 189 o do Tratado, o regulamento é obrigatório «em todos os seus elementos» para os Estados-membros.

Como o Tribunal já declarou no seu acórdão de 7 de Fevereiro de 1973, Comissão/Itália (Colect., pp. 39 e segs.), não pode admitir-se que um Estado-membro aplique de modo incompleto ou selectivo as disposições de um regulamento da Comunidade, de modo a pôr em causa alguns elementos da legislação comunitária que considere contrários a certos interesses nacionais.

Em especial, tratando-se de dar execução a uma norma geral destinada a eliminar certos abusos de que são vítimas os trabalhadores e que, além disso, acarretam perigos para a segurança nas estradas, o Estado-membro que se abstém de adoptar dentro do prazo exigido, ao mesmo tempo que os outros Estados-membros, as disposições que lhe incumbe aplicar, viola a solidariedade comunitária, ao obrigar, designadamente no que respeita aos transportes intracomunitários, os outros Estados-membros a ter que remediar as suas próprias omissões, e apropriando-se, no que respeita aos transportes nacionais, de uma vantagem indevida de concorrência em detrimento dos seus parceiros.

10

Tal como foi afirmado no mesmo acórdão, eventuais dificuldades de aplicação que surjam no momento da execução de um acto comunitário não podem permitir a um Estado-membro eximir-se unilateralmente ao cumprimento das suas obrigações.

O sistema institucional da Comunidade oferecia ao Estado-membro interessado os meios necessários para conseguir que as suas dificuldades fossem razoavelmente tidas em conta, dentro do respeito dos princípios do mercado comum e dos interesses legítimos dos outros Estados-membros.

11

Nestas condições, não podem admitir-se, como causa justificativa, as eventuais dificuldades de aplicação invocadas pelo recorrido.

12

Ao permitir aos Estados-membros beneficiar das vantagens da Comunidade, o Tratado impõe-lhes, como é referido no acórdão citado, também a obrigação de respeitar as suas regras.

O facto de um Estado romper unilateralmente, de acordo com a concepção que faz do seu interesse nacional, o equilíbrio entre as vantagens e os encargos que decorrem da sua adesão à Comunidade, põe em causa a igualdade dos Estados-membros perante o direito comunitário e cria discriminações relativamente aos seus nacionais.

Semelhante incumprimento dos deveres de solidariedade assumidos pelos Estados-membros pelo facto da sua adesão à Comunidade é susceptível de afectar as próprias bases essenciais da ordem jurídica comunitária.

13

Verifica-se, portanto, que, ao recusar deliberadamente dar execução no seu território às disposições do Regulamento n.o 1643/70, o Reino Unido não cumpriu, de forma manifesta, as obrigações que assumiu em virtude da sua adesão à Comunidade Económica Europeia.

14

A Comissão requereu ainda que o incumprimento do Reino Unido da sua obrigação de a consultar sobre as medidas nacionais a introduzir, em conformidade com o citado artigo 23.o, fosse declarado um incumprimento distinto do incumprimento anteriormente contestado.

15

A omissão de consultar a Comissão confunde-se no caso vertente com o incumprimento das obrigações que decorrem do artigo 23o, n.o 1, tendo o Governo do Reino Unido, já antes de 1 de Janeiro de 1976, informado a Comissão de que não se considerava em condições de introduzir as disposições exigidas por aquele artigo.

Nessas circunstâncias, o incumprimento verificado confunde-se com o que acaba de ser verificado, pelo que não há razão para fazer uma declaração distinta a esse respeito.

Quanto às despesas

16

Por força do disposto no n.o 2 do artigo 69 o, do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrido sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

Ao não ter adoptado em tempo útil as medidas necessárias para aplicação do Regulamento n.o 1643/70 do Conselho, de 20 de Julho de 1970, relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

 

2)

O recorrido é condenado nas despesas.

 

Kutscher

Mertens de Wilmars

Mackenzie Stuart

Donner

Pescatore

Sørensen

O'Keeffe

Bosco

Touffait

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Fevereiro de 1979.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

H. Kutscher


( *1 ) Lingua do processo: inglês.