ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
20 de Fevereiro de 1979 ( *1 )
No processo 122/78,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo tribunal administratif de Paris, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre
SA Buitoni
e
Fons d'orientation et de régularisation des marches agricoles,
uma decisão a título prejudicial sobre a validade e interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76 da Comissão, de 5 de Março de 1976, que altera o Regulamento n.o 193/75, que estabelece modalidades comuns de aplicação do regime de certificados de importação, de exportação e de fixação antecipada para os produtos agrícolas (JO L 59, p. 18),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: H. Kutscher, presidente, J. Mertens de Wilmars e Mackenzie Stuart, presidentes de secção, A. M. Donner, P. Pescatore, M. Sørensen, A. 0'Keeffe, G. Bosco e A. Touffait, juízes,
advogado-geral: F. Capotorti
secretário: A. Van Houtte
profere o presente
Acórdão
(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)
Fundamentos da decisão
1 |
Por decisão de 22 de Março de 1978, o tribunal administratif de Paris submeteu, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, uma questão relativa à validade e interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76 da Comissão, de 5 de Março de 1976, que altera o Regulamento n.o 193/75 de 17 de Janeiro de 1975 (JO L 25, p. 10), que estabelece modalidades comuns de aplicação do regime de certificados de importação, de exportação e de fixação antecipada para os produtos agrícolas (JO L 59, p. 18). |
2 |
Resulta da decisão de reenvio que à demandante no processo principal, que tinha obtido, mediante a constituição de caução, certificados de importação relativos a uma certa quantidade de concentrados de tomate provenientes de países terceiros, e tinha importado esta mercadoria dentro do prazo de validade dos certificados, foi recusada, por decisão do organismo de intervenção francês, a liberação da caução pelo facto de não ter apresentado a este último as provas da importação no prazo previsto pelo artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76. |
3 |
Perante o órgão jurisdicional nacional, para o qual recorreu desta decisão, a demandante invocou contra a validade do artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76 um fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade, e alegou ainda que este artigo era contrário às finalidades e ao espírito do regime comunitário da caução. |
4 |
Foi à luz destas considerações que o órgão jurisdicional nacional pediu ao Tribunal que se pronunciasse a título prejudicial sobre a validade e interpretação do artigo acima referido. |
5 |
Em virtude do Regulamento n.o 193/75 da Comissão, de 17 de Janeiro de 1975, a emissão de certificados de importação e de exportação pelos organismos nacionais de intervenção está subordinada à constituição de uma caução que, tal como resulta do sexto considerando deste regulamento, se destina a garantir o compromisso de importar ou de exportar durante o período de validade dos certificados. |
6 |
Resulta do disposto no artigo 17.o, n.o 2, do regulamento que a liberação da caução está subordinada à produção da prova do cumprimento das formalidades aduaneiras de importação ou de exportação, prova a ser feita, segundo as modalidades definidas no n.o 3 do mesmo artigo, pela apresentação do exemplar n.o 1 do certificado visado pelo serviço em que tenham sido cumpridas essas formalidades. |
7 |
Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do regulamento, a caução é liberada «logo que sejam apresentadas as provas previstas no artigo 17.o, n. os 2 e 3». |
8 |
Nos termos do artigo 8.o, n. os 2 e 3 deste regulamento, a caução é perdida na totalidade se a quantidade líquida importada ou exportada for inferior a 5 % da quantidade líquida indicada no certificado, mas pode ser liberada pelos Estados-membros proporcionalmente às quantidades do produto, iguais ou superiores a esta percentagem, relativamente às quais tenham sido apresentadas as provas previstas nos n. os 2 e 3 do artigo 17.o |
9 |
O artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76 acrescentou ao artigo 18.o do Regulamento n.o 193/75 um n.o 4, nos termos do qual a caução fica perdida quando as provas não tenham sido apresentadas nos seis meses posteriores ao último dia de validade do certificado, salvo caso de força maior. |
10 |
Resulta dos termos do terceiro considerando do Regulamento n.o 499/76 que esta disposição foi introduzida «por razões de boa gestão administrativa». |
11 |
A demandante no processo principal alegou, nomeadamente, que é contrário ao princípio da proporcionalidade aplicar a mesma sanção à não satisfação do compromisso de importar, que a caução se destina a garantir, e a um simples atraso na apresentação das provas da satisfação correcta e atempada do mesmo compromisso. |
12 |
A Comissão defende, nas suas observações escritas, que o artigo 3o do Regulamento n.o 499/76 se justifica pelo facto de, antes da introdução desta disposição, a perda das cauções ocorrer em prazos diferentes consoante os Estados-membros, o que conduzia simultaneamente a um tratamento discriminatório dos operadores e a uma distorção do sistema da caução, sistema esse que permitia à Comunidade seguir de perto a situação do mercado. |
13 |
A esta razão acrescentava-se a necessidade, no plano administrativo, de estabelecer um prazo para o encerramento definitivo dos processos. |
14 |
Todavia, no decurso da audiência, a Comissão sublinhou, por outro lado, a importância da função de informação que desempenha, no quadro do sistema de certificados de importação ou de exportação, a apresentação pelos operadores económicos aos organismos nacionais competentes da prova da realização das operações de importação ou de exportação, mediante a apresentação do exemplar n.o 1 do certificado visado pelo serviço em que tenham sido cumpridas as formalidades aduaneiras. |
15 |
Com efeito, apenas por este meio os organismos nacionais e, através destes, as autoridades comunitárias tomam conhecimento exacto do número de operações efectivamente realizadas com base nos certificados. |
16 |
Relativamente ao problema da proporcionalidade, há que analisar se a sanção prevista no artigo 3o do Regulamento n.o 499/76 para o desrespeito do prazo de apresentação das provas, prescrito por esta disposição, ultrapassa os limites do adequado e necessário para alcançar o objectivo visado. |
17 |
A este respeito, convém recordar, em primeiro lugar, que, tal como resulta do sexto considerando do Regulamento n.o 193/75, o regime da caução se destina a garantir o compromisso, voluntariamente assumido, de importar ou exportar no período de validade dos certificados para esse fim emitidos. |
18 |
Como já foi referido, nos termos dos n. os 2 e 3 do artigo 18o deste regulamento, a sanção prevista para a violação desta obrigação é essencialmente proporcional ao grau de incumprimento. |
19 |
Por outro lado, as disposições do artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76, inspiradas por considerações de uma «boa gestão administrativa», prevêem não apenas um prazo para a produção daquelas provas, mas também a perda total da caução em caso de desrespeito deste prazo. |
20 |
Assim sendo, esta sanção fixa, que pune uma violação claramente menos grave do que a violação, punida com uma sanção de natureza essencialmente proporcional, do incumprimento da obrigação que a própria caução se destina a garantir, deve ser qualificada como excessivamente rigorosa em relação ao objectivo de uma boa gestão administrativa, no quadro do sistema de certificados de importação e de exportação. |
21 |
Embora, atendendo aos inconvenientes provocados pela produção tardia das provas, a Comissão estivesse no direito de estabelecer o prazo previsto no artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76 para a sua apresentação, só devia ter punido o desrespeito do prazo com uma sanção sensivelmente menos grave para os particulares do que a perda total da caução e melhor adaptada aos efeitos práticos de uma omissão desta natureza. |
22 |
Com efeito, mesmo que uma boa gestão administrativa exija que os processos não se mantenham indefinidamente abertos, é de notar, no entanto, que o desrespeito de tal prazo terá uma natureza excepcional, contra o interesse do próprio exportador ou importador, que procura normalmente liberar a sua caução logo que possível. |
23 |
Assim sendo, deve responder-se à questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional no sentido de que o artigo 3o do Regulamento n.o 499/76 é inválido. |
Quanto as despesas
24 |
As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, o carácter de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre a questão submetida pelo tribunal administratif de Paris, por decisão de 22 de Março de 1978, declara: |
O artigo 3.o do Regulamento n.o 499/76 da Comissão, de 5 de Março de 1976, é inválido. |
Kutscher Mertens de Wilmars Mackenzie Stuart Donner Pescatore, Sørensen O'Keeffe Bosco Touffait Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Março de 1979. O secretário A. Van Houtte O presidente H. Kutscher |
( *1 ) Língua do processo: francês.