CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

GERHARD REISCHL

apresentadas em 11 de Maio de 1978 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Conforme já vimos noutros processos, o Deutsche Mark foi revalorizado, com efeito a partir de 27 de Outubro de 1969, em relação à sua paridade oficial, até então aplicável. Visto que os preços agrícolas europeus dependem de unidades de conta, esta medida monetária — dado que o valor das unidades de conta permaneceu inalterado — deve implicar perdas de rendimento para a agricultura alemã: na verdade, os rendimentos líquidos, expressos em Deutsche Mark, relativos aos produtos agrícolas integrados na organização comum de mercado, baixaram em cerca de 9 %.

O Conselho analisou esta situação na reunião de 27 de Outubro de 1969. Foi então rejeitada a modificação da unidade de conta, bem como a instauração de um regime de compensação na fronteira, regime esse que a República Federal da Alemanha solicitara, pois estas medidas teriam provocado um aumento de preços nos outros Estados-membros e teriam constituído um incentivo à produção. Em contrapartida, foi tomada a decisão de conceder ajudas, que, no essencial, deveriam ser financiadas pela República Federal da Alemanha. Foi só até à entrada em vigor deste sistema, que a República Federal da Alemanha foi autorizada a aumentar os preços de intervenção e os preços de compra, e a aplicar um sistema de taxas à importação e de subvenções à exportação. Deste modo, a manutenção do nível de preços existente foi assegurado até 31 de Dezembro de 1969.

No que diz respeito à concessão de ajudas destinadas a compensar as perdas de rendimentos, o Conselho adoptou, em 9 de Dezembro de 1969, o Regulamento (CEE) n.o 2464 /69, «relativo às medidas a tomar no sector agrícola em consequência da revalorização do Deutsche Mark» (JO L 312, p. 4). Este regulamento continha uma autorização para conceder ajudas aos produtores agrícolas alemães a partir de 1 de Janeiro de 1970. A este propósito, decidiu-se que as ajudas poderiam atingir um montante de 1,7 mil milhões de DM para cada um dos anos orçamentais de 1970 a 1973, e que a Comunidade, ou seja, o Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, participaria de uma certa forma no seu financiamento. In extenso, o artigo 1.o, n.o 3, do regulamento previa o seguinte:

«As ajudas podem ser concedidas sob a forma de uma ajuda directa ao produtor agrícola, desde que esta não seja determinada em função do preço ou da quantidade do produto.

Esta ajuda pode ser concedida parcialmente, sob a forma dum adiantamento recebido pelo produtor agrícola, aquando da venda dos seus produtos, até ao limite de 3 % do preço de venda, ajuda essa que pode ser paga quer pelo seu comprador, quer por um organismo a designar pelas autoridades nacionais competentes.»

Esta medida foi prorrogada pela decisão do Conselho de 21 de Janeiro de 1974 — que não foi publicada — em cujo artigo 1.o se determina que:

«A República Federal da Alemanha foi provisoriamente autorizada a conceder aos produtores agrícolas uma ajuda, sob a forma de compensação, entregue ao produtor aquando da venda dos seus produtos, até ao limite de 3 % do preço de venda; a ajuda é paga quer pelo seu comprador, quer por um organismo a designar pelas autoridades nacionais competentes.

…»

Por força do regulamento atrás referido, o legislador promulgou, em 23 de Dezembro de 1969, a «Gesetz über einen Ausgleich für Folgen der Aufwertung der Deutschen Mark auf dem Gebiet der Landwirtschaft (Aufwertungsausgleichgesetz)» (lei relativa à compensação decorrente da revalorização no domínio da agricultura). O artigo 4.o da lei autorizava as explorações agrícolas, na acepção do artigo 24.o, n.o 2, da «Umsatzsteuergesetz» (lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios), a reduzir em 3 % o imposto devido sobre o volume de negócios. No sentido do artigo 24.o, n.o 2, segundo parágrafo, da «Umsatzsteuergesetz», de 29 de Maio de 1967, são consideradas como explorações agrícolas e florestais «as empresas de criação, na medida em que, em aplicação dos artigos 51.o e 52.o da 'Bewertungsgesetz' (lei relativa à avaliação)… o rebanho faça parte integrante da exploração agrícola». O artigo 51.o, n.o 1, da mencionada lei de avaliação prevê o seguinte:

«O rebanho faz, na sua totalidade, parte integrante da exploração agrícola se ao longo do exercício o número de cabeças de gado do rebanho produzidas ou criadas não ultrapassar 10 unidades para os primeiros 20 hectares de terra regularmente cultivada pelo explorador agrícola;

7 unidades para os 10 hectares seguintes;

3 unidades para os 10 hectares seguintes;

e 1,5 unidades por hectare para as restantes superfícies cultivadas. É conveniente que a conversão do rebanho em unidades se faça de acordo com as necessidades de alimentos para animais.»

Em virtude destas disposições da legislação alemã, a demandante na acção principal não beneficiaria da compensação devida em virtude da revalorização. É verdade que, além da fabricação de alimentos para animais, a demandante explora uma empresa de engorda de vitelos, na qual utiliza alimentos de substituição à base de leite, que ela própria produz. A demandante prossegue esta actividade sem ter terras agrícolas; compra vitelos para criação, no âmbito de contratos relativos à engorda de vitelos contra remuneração (Lohnmastverträge) e que são celebrados com exploradores agrícolas, vendendo-os em seguida aos matadouros após um período de quatro meses. A demandante é, pois, tributada enquanto empresa industrial e comercial e, por consequência a Administração das Finanças rejeitou o pedido, por ela apresentado na declaração de imposto respeitante ao ano de 1974, relativo à concessão de uma ajuda, no montante de 3 % do volume de negócios realizado com a engorda de vitelos.

Após ter sido indeferido o seu recurso gracioso, a demandante interpôs novo recurso, desta vez perante o Finanzgericht Münster.

No entender da recorrente, a lei sobre a compensação devida relativa à revalorização não é compatível com o direito comunitário. Com efeito, este último não estabelece qualquer distinção entre os criadores que exploram uma empresa agrícola e os criadores a título «industrial ou comercial»; os próprios termos da organização de mercado no sector da carne de bovino, em causa no presente processo [Regulamento (CEE) n.o 805/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, JO L 148, p. 24; EE 03 F2 p. 157] inclui uma garantia para todos os produtores. De acordo com este regulamento, e devido ao facto de terem sido afectados da mesma forma pela revalorização, os criadores a título «industrial e comercial» recairiam no âmbito do conceito de «produtor agrícola», utilizado no Regulamento n.o 2464/69. Além disso, a aplicação restritiva, pela República Federal da Alemanha, da autorização concedida, seria criticável face ao disposto no artigo 40.o (proibição de estabelecer discriminações entre os produtores), bem como face à proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas — visto que as distorções da concorrência entravam o comércio intracomunitário.

O «Finanzamt» (Administração das Finanças), parte demandada no caso em apreço, levantou certas objecções a este entendimento. Em sua opinião, há que notar que o Regulamento n.o 2464/69 apenas contém uma autorização, isto é, fixa um quadro no interior do qual o legislador alemão dispõe dum poder de apreciação. Não pode estar em causa uma violação do princípio da não discriminação, pelo facto de, por um lado, o critério de distinção não se fundar na nacionalidade e, por outro, pelo facto de as explorações industriais e comerciais se poderem adaptar mais facilmente a uma modificação das condições do mercado e dos factores de custo. Tão-pouco pode estar em causa uma infracção à proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação; em regra geral, esta proibição apenas visa o acesso de produtos estrangeiros ao mercado interno, o que não é relevante no caso concreto.

Por despacho de 26 de Setembro de 1977, o Finanzgericht suspendeu a instância e solicitou ao Tribunal de Justiça que, de acordo com o artigo 177.o do Tratado, decidisse a título prejudicial quanto às seguintes questões:

1)

A expressão de direito comunitário «produtor agrícola», que figura no artigo 1.o, n.o 1, e no artigo 3 o do Regulamento (CEE) n.o 2464/69, engloba igualmente o detentor e criador industrial ou comercial de animais, na acepção da legislação fiscal alemã?

Em caso de resposta afirmativa a esta questão:

2)

Os artigos 39.o, 40.o n.o 3, segundo parágrafo, do Tratado CEE, o artigo 1.o do Regulamento (CEE) n.o 2464/69 do Coaselho e outras eventuais disposições do direito comunitário devem ser interpretados no sentido de, em caso de concessão de ajudas directas pagas para compeasar os efeitos decorrentes da revalorização sobre os produtos agrícolas integrados numa organização de mercado proibir que a República Federal da Alemanha, enquanto destinatária do Regulamento (CEE) n.o 2464/69, exclua da concessão destas ajudas determinadas categorias de produtores agrícolas — neste caso, os detentores e criadores industriais ou comerciais, na acepção da legislação fiscal alemã?

3)

É esta proibição directamente aplicável, de forma a poder o particular invocá-la perante os órgãos jurisdicionais nacionais?

1. 

Decorre da matéria de facto que o Regulamento n.o 2464/69 só permaneceu em vigor até ao ano de 1973, inclusive. Em contrapartida, o pedido de redução de impostos, em causa na acção principal, respeitava ao ano de 1974. No que toca ao direito comunitário, é portanto em primeiro lugar a decisão do Conselho de 21 de Janeiro de 1974 que é determinante, face a este mesmo pedido. Assim, é em primeiro lugar à luz desta decisão que convém analisar as questões colocadas ao Tribunal. Este método não constitui, aliás, qualquer modificação fundamental da função do Tribunal de Justiça. Com efeito, a decisão mencionada utiliza igualmente o termo «produtor agrícola». Além disso, é evidente que a decisão, que foi tomada com base no artigo 3. o do Regulamento n.o 2464/69 se destinava, essencialmente, a prorrogar a sua aplicação no tempo e, em consequência, o conceito de «produtor agrícola» têm um alcance idêntico ao do Regulamento n.o 2464/69.

2. 

Quanto à interpretação do conceito em questão, a recorrente sublinha desde o início que não se deve deduzir do termo «alemão», no artigo 1.o do Regulamento n.o 2464/69, que qualquer referência específica é feita ao direito alemão. Na realidade, este adjectivo teria como único objectivo descrever o âmbito de aplicação territorial do regulamento; além disso, haveria que partir do ponto de vista que o conteúdo substancial do conceito de «produtor agrícola» seria comunitário.

Em nosso entender, há que aceitar sem reservas tais considerações. A este respeito, importa notar que o regulamento baseia-se nos artigos 42.o e 43.o do Tratado CEE, isto é, trata-se duma medida adoptada no âmbito da Política Agrícola Comum. Pode-se igualmente fazer referência ao artigo 3o, n.o 3, do regulamento, nos termos do qual, tendo em conta o desenvolvimento da Política Agrícola Comum, o Conselho decide quais as medidas adequadas, de acordo com o processo previsto no artigo 43.o, n.o 2, do Tratado. Finalmente, é um elemento interessante para o caso em apreço o facto de a Comunidade participar no financiamento das medidas.

Quanto à questão de saber qual o conteúdo do conceito de direito comunitário, que não foi objecto de definição expressa no regulamento, entende a recorrente que o mesmo se fundamenta no conceito que está na base do Tratado. A este propósito, refere-se a uma série de artigos do Tratado (artigo 37.o, n.o 4, artigos 40.o, 42.o, 43.o e 45.o) para inferir que o conceito de «produtor» aí utilizado deve ser interpretado no sentido de visar quem produz produtos agrícolas, na acepção do artigo 38.o e do anexo II do Tratado. A este respeito, o sistema de produção — no âmbito duma exploração agrícola tipo ou duma exploração de carácter industrial e comercial — teria pouca relevância e, por conseguinte, seria necessário supor que uma tal distinção, estabelecida sem a aplicação de qualquer critério de direito comunitário, não teria qualquer relevância face ao Regulamento n.o 2464/69.

Parece-nos — e neste domínio partilhamos o entendimento da Comissão — que este argumento não é convincente.

Por um lado, o conceito de «produtor agrícola», empregue no regulamento, não aparece nos artigos do Tratado que foram referidos. O Tratado refere-se — é o que sucede no artigo 42.o — à produção de produtos agrícolas. O artigo 37.o, n.o 4, e o artigo 43 o dirigem-se aos «produtores interessados», expressão pela qual são visados os produtos agrícolas, cujo escoamento é facilitado graças à existência de monopólios de Estado de natureza comercial (artigo 37.o, n.o 4) ou de organizações nacionais de mercado para determinados produtos (artigo 43.o). Como no artigo 40.o, em conexão com o princípio da não discriminação, aplicável no âmbito da organização comum de mercado agrícola, encontramos apenas o conceito de «produtor», e, como no artigo 45.o, encontramos os termos «produtores nacionais» em relação aos quais as disposições nacionais asseguram o escoamento da sua produção, ou os termos «produtores da Comunidade», para os quais haverá que excluir qualquer forma de discriminação.

Por outro lado, lembramos que, nas conclusões apresentadas em 31 de Janeiro de 1978 no processo 85/77, Azienda Avícola Sant'Anna/INPS (acórdão de 28 de Fevereiro de 1978, Colect., p. 215), julgámos dever deduzir de certos elementos contidos nos artigos 38.o, 39 o e 42.o, o conceito de «exploração agrícola» na qual se baseava o Tratado. No entanto, o Tribunal não acolheu, nem este parecer, nem a ideia segundo a qual era necessário fundamentar-se na produção de produtos agrícolas, na acepção do artigo 38.o O acórdão 85/77 declara que o Tratado não contém qualquer definição dos conceitos de «agricultura» e de «exploração agrícola». Caberia antes aos órgãos da Comunidade desenvolverem, caso a caso, uma definição adequada à regulamentação específica e, ao fazê-lo, conviria basearem-se particularmente nos objectivos visados pela regulamentação.

Tal é a razão pela qual que só se poderá responder à questão colocada tentando indagar, nos termos, na finalidade e na história do Regulamento n.o 2464/69, o conteúdo da expressão «produtor agrícola». Com a aplicação deste método, a Comissão chegou à conclusão de que o conceito em causa não incluía os produtores a título «industrial e comercial» de produtos agrícolas. Em nossa opinião — permita-se-nos desde já dizê-lo — convirá acolher este ponto de vista.

A história do preceito confirma-o com toda a clareza. A este propósito, já referimos que, no início, a República Federal da Alemanha tinha desejado uma compensação na fronteira, isto é, uma medida que se aplicasse aos produtos. Não foi possível decidir nesse sentido e só se pôde obter uma decisão de menor alcance, que fixou a concessão das ajudas. Mas isto implica, igualmente — de acordo com o princípio segundo o qual devem ser interpretadas restritivamente as regulamentações que se afastam do direito comum do Tratado — que o conceito de -produtor agrícola-, determinante para a concessão de ajudas, devia ser entendido em sentido restrito. Aliás, durante a fase de consultas, não se tornou apenas evidente que, para o cálculo das perdas de rendimentos a que se refere o regulamento, só as explorações agrícolas, em sentido próprio, tinham sido tomadas em consideração. Muito mais do que isso, foi mesmo declarado expressamente que a concessão de ajudas se deveria limitar às explorações agrícolas, na acepção da legislação fiscal alemã. Referimo-nos, quanto a este ponto, às actas da sessão do Conselho, de 9 de Dezembro de 1969, que foram apresentadas ao Tribunal. Este documento contém uma declaração inequívoca, proferida a este propósito pelo comissário Mansholt, então em exercício; e foi nesta base que os membros do Conselho, imediatamente a seguir, deram o seu acordo.

Visto que, de acordo com a jurisprudência referida pela recorrente, as reservas e as declarações que têm carácter interno — as actas da sessão do Conselho não são publicadas —, não podem, por si só, determinar a interpretação de um conceito, é igualmente importante que a restrição em causa sobressaia com suficiente clareza dos termos do próprio regulamento. Um elemento interessante para este efeito é o de que, contrariamente ao Tratado, que fala da produção de produtos agrícolas e, em toda a parte, coloca o acento tónico nos produtos, o regulamento utiliza os termos produtores agrícolas. Com efeito, a utilização do adjectivo «agrícola» sugere a produção agrícola tipo e é também isso que deveria resultar do facto de no artigo 3. o do regulamento estar em causa a agricultura alemã.

Do mesmo modo, parece-nos importante o facto de, nos considerandos do regulamento, se afirmar que a continuação das ajudas poder ser assegurada por intermédio de medidas com características de política social ou estrutural. A este respeito, o primeiro elemento — medidas com carácter de política social — faz realçar claramente o pendor social atribuído à compensação decorrente da revalorização: tal compensação destina-se a atenuar a derrocada do nível dos rendimentos de grupos da população que, no essencial, exercem as suas actividades em pequenas ou médias explorações agrícolas e que só lentamente se podem adaptar à evolução monetária. Além disso, poder-se-á igualmente remeter para o parecer da Assembleia, também mencionado nos coasiderandos do regulamento. Este parecer foi preparado pelo relatório elaborado por Vredeling em nome da Comissão para a agricultura (Parlamento Europeu, documentos da sessão 1969 a 1970, documento n.o 165). Parece-nos interessante salientar que este documento invoca o crescimento do poder de compra obtido pelos agricultores alemães a partir do seu rendimento, e a melhoria da situação social e económica dos agricultores alemães, e constatar que a decisão do Parlamento (JO L 160, pp. 37 e segs.) emprega os conceitos «agricultura alemã» e «agricultores», e que se refere à situação económica e social dos agricultores alemães.

Finalmente, o objectivo visado pela regulamentação, tal como resulta claramente dos considerandos, reveste-se também de algum interesse. Nos termos destes considerandos, trata-se de compeasar as perdas de rendimento da agricultura alemã, que são exactamente quantificadas. Na avaliação destas perdas, os efeitos positivos decorrentes da revalorização — baixa do preço dos alimentos para animais e dos bens de equipamentos importados — foram evidentemente tomados em consideração. Mas é indubitável que este elemento é muito mais importante para os criadores a título «industrial e comercial», que apenas utilizam alimentos para animais e produtos de base comprados, que para os agricultores que utilizam, em primeiro lugar, os seus próprios produtos. Para os criadores a título «industrial e comercial» — como o permite supor uma análise global — seriam menos severas as perdas decorrentes da revalorização, porque a estrutura das empresas era diferente e porque era maior a sua flexibilidade; a este respeito, a situação não era crítica, ao ponto de parecer inevitável aplicar-lhe o regime de compensação.

Por estes motivos, parece-nos que o conceito de «produtor agrícola» utilizado no Regulamento n.o 2464/69 e na decisão do Conselho de 21 de Janeiro de 1974, só poderá ser interpretado no sentido da não inclusão dos produtores a título «industrial e comercial». É esta a única interpretação a seguir no caso em apreço. Em contrapartida — sem um conhecimento exacto de todos os pormenores do caso em apreço —, não é possível neste momento atribuir qualquer alcance ao facto de, numa autorização análoga, concedida aos Países Baixos pelo regulamento do Conselho de 19 de Novembro de 1973, a autorização, ao que parece, ter sido interpretada neste Estado-membro — tal como o mostrou uma lei de 19 de Dezembro de 1973 e um decreto de 7 de Dezembro de 1973 — no sentido de os produtores a título «industrial e comercial» beneficiarem também de ajudas.

3. 

Tendo em conta a conclusão a que chegámos, pode parecer supérflua a análise das outras questões colocadas, já que a sua formulação pressupõe uma resposta afirmativa à primeira questão, isto é, no caso de uma resposta declarando que, nos termos do regulamento, os criadores a título «industrial e comercial» são assimilados aos produtores agrícolas. Contudo, gostaríamos de continuar a análise das outras questões sob dois pontos de vista:

as outras questões podem ser analisadas face ao Regulamento n.o 2464/69 e face à decisão do Conselho de Janeiro de 1974. Neste contexto, conviria analisar se, com fundamento nos artigos 39. o e 40.o, n.o 3, do Tratado CEE, ou de outras disposições do direito comunitário, a interpretação limitativa do conceito de «produtor agrícola» utilizada nos dois actos do Conselho, que propomos, seria inadmissível;

por outro lado, se se quisesse atribuir ao conceito de «produtor agrícola» o alcance que a recorrente considera ser legítimo atribuir-lhe, poder-se-ia perguntar se, por diversas razões atinentes ao direito comunitário, teria sido proibido ao destinatário da autorização, a República Federal da Alemanha, um exercício mais limitativo dos poderes concedidos.

Esta análise origina as seguintes considerações:

a)

No que diz respeito, antes do mais, à questão da validade do acto do Conselho, trata-se de saber se, no momento da limitação das competências atribuídas, tal como atrás referimos, se terá deixado de ter em conta a proibição do artigo 40.o, n.o 3, nos termos da qual se deverá excluir qualquer discriminação entre produtores e consumidores da Comunidade.

Contudo, esta consideração não é pertinente, mesmo partindo do ponto de vista, o que parece possível, que o artigo 40.o visa também a desigualdade de tratamento de produtores, no interior dum único Estado-membro. O artigo 40.o exige apenas que não se tratem diferentemente casos idênticos ou análogos, a menos que para tal haja um motivo objectivo. Ora, no caso concreto, não há uma similaridade de casos; pelo menos ter-se-á de reconhecer que existiam motivos objectivos e razoáveis para que se estabelecesse uma distinção.

O que é essencial antes do mais, é que os criadores a título «industrial e comercial» sofreram um prejuízo menor devido à revalorização, porque podiam retirar vantagens da utilização de alimentos para animais e de produtos de base importados e mais baratos. Isto é muito menos verdade para os agricultores que cultivam as terras, ou seja, que utilizam, pelo menos em parte, alimentos para animais da sua própria produção e que, por este motivo, poderiam menos facilmente recorrer aos produtos importados e mais baratos. É-nos difícil compreender por que motivo não poderia esta consideração ser aplicada, da mesma forma, à criação de vitelos — a recorrente alegou, a este propósito, que os criadores agricultores também compram vitelos e alimentos e que, em consequência, as terras cultivadas não seriam relevantes —, visto que há que supor que os pequenos agricultores empregam, em parte, outros métodos, isto é, criam os seus próprios vitelos e utilizam para este efeito os alimentos que eles próprios produzem. No entanto, admitindo que é exacta a tese da recorrente, convém considerar em todo o caso que, estando iminente o fim do período transitório, tratava-se duma medida de urgência, e que na altura da sua adopção — não se dispunha ainda de qualquer experiência — não era possível afastar soluções imperfeitas, esquemáticas, que não tinham em conta as particularidades das diferentes formas de produção.

Além disso, é importante observar — e bem andou a Comissão, ao ter igualmente chamado a atenção para este ponto —, que as empresas industriais e comerciais estão em vantagem por outros motivos. A este respeito, não nos devemos agarrar ao facto de a recorrente, enquanto fabricante de alimentos para animais, dispor de uma vantagem concorrencial pelo facto de economizar a margem de lucro. Basta observar que, para este tipo de produtores, a criação representa na maioria dos casos apenas um dos meios de existência e que estes produtores podem, com mais facilidade que os agricultores, desenvolver ou limitar esta fonte de rendimentos suplementar, e que dispõem, assim, de uma maior flexibilidade na orientação das suas actividades.

Não duvidamos que, ao adoptar um regime de ajudas, submetido a condições muito restritas quanto à sua licitude e ao seu alcance, foi com toda a razão que foram tomados em consideração tais elementos, não tendo, portanto, qualquer fundamento a acusação de ter sido violado o princípio da não discriminação.

b)

Neste contexto, a recorrente apresentou um outro argumento, nos termos do qual, os objectivos e o funcionamento das organizações comuns de mercado — no caso em apreço, a organização comum de mercado no sector da carne de bovino (Regulamento n.o 805/68) — não devem ser postos em causa, sendo também conveniente observar o artigo 40.o do Tratado CEE, que estipula que uma política comum de preços deve assentar em critérios comuns e em métodos de cálculo uniformes.

No entanto, pode duvidar-se da aplicabilidade deste princípio aos actos emanados dos órgãos da Comunidade, dado tais considerações terem sido desenvolvidas pela jurisprudência, até agora, apenas no âmbito de medidas tomadas pelos Estados-membros. A este propósito, remetemos para os acórdãos de 22 de Janeiro de 1976, Russo/AIMA (60/75, Colect., p. 9, as medidas nacionais não podem intervir nas condições de mercado), de 26 de Fevereiro de 1976, Riccardo Tasca (65/75, Colect., p. 135, a fixação unilateral, por um Estado-membro, de preços máximos de venda) e de 25 de Maio de 1977, Cucchi/Avez (77/76, Colect., p. 353, as intervenções nacionais no mecanismo da formação de preços).

Além disso, o princípio da uniformidade dos preços e da manutenção de métodos de cálculo uniformes, tal como decorre da organização comum de mercado, não foi realmente afectado. O regime autorizado tinha por único objectivo atenuar as perdas de rendimentos provocadas pela nova paridade do Deutsche Mark, que atingiam as categorias mais severamente afectadas, os agricultores que cultivam as terras.

As razões apresentadas pela recorrente não permitem, portanto, que se ponhà seriamente em dúvida a validade do acto do Conselho. Quanto à evolução, apresentada pela Comissão, relativamente ao preço de mercado dos vitelos que não é objecto de qualquer intervenção, poder-se-á quando muito perguntar se se justificaria, ainda, em 1974, uma compensação a título da revalorização; contudo, esta questão não poderia contribuir para o êxito da pretensão da recorrente para beneficiar dos pagamentos compensatórios.

c)

Após estas considerações, resta-nos apenas examinar se — para o caso de se pretender fazer beneficiar os produtores agrícolas, aí incluindo os produtores a título «industrial e comercial», da autorização comunitária — a República Federal da Alemanha violou uma qualquer disposição de direito comunitário, ao utilizar de forma limitativa a autorização concedida. Este ponto não exige uma argumentação longa.

Assim, em nosso entender, constitui um elemento decisivo, que há que ter em linha de conta, o facto de se tratar de uma autorização, ou seja, os órgãos comunitários fixaram um quadro no âmbito do qual era possível afastar-se em relação às regras comuns aos Estados-membros. Daqui se pode deduzir sem hesitações que, na perspectiva do direito comunitário, não se pode censurar a República Federal da Alemanha pelo facto de não ter esgotado todas as possibilidades oferecidas, no âmbito do referido quadro, e poder-se-á até deduzir que havia uma certa obrigação — dado que se tratava de derrogações ao direito comunitário — de só utilizar a autorização em caso de necessidade real.

Admitamos que, ao adoptar medidas com consequências no domínio das organizações comuns de mercado e ao pôr em execução medidas comuns de política agrícola, um Estado-membro está obrigado a respeitar o princípio da não discriminação fixado no artigo 40.o Remetemos, a este propósito, para o acórdão acórdão de 23 de Janeiro de 1975, Hulst/Produktschap voor Siergewassen (51/74, Colect., p. 33) e para as nossas conclusões no processo 52/76, Benedetti/Munari (acórdão de 3 de Fevereiro de 1977, Colect., p. 67) —, o que é válido para a questão, anteriormente examinada, de saber se, ao fundamentar-se no conceito restrito de «produtor agrícola», o regulamento do Conselho violou o princípio da não discriminação, se aplica também a qualquer distinção nacional estabelecida no âmbito de um quadro de direito comunitário. Portanto, é conveniente considerar que tais distinções são lícitas, na medida em que se podem fundamentar em razões objectivas, tais como as que atrás descrevemos.

Finalmente, quanto ao facto de terem sido eventualmente postos em causa os objectivos e o funcionamento da organização comum de mercado, podemos, no essencial, remeter para as considerações atrás formuladas. A admitir que, no caso em apreço, houve um desvio em relação aos mecanismos comunitários de formação de preços ou a outros princípios da organização de mercado — a recorrente refere-se, a este propósito, entre outros, ao regime de prémios para o abate de vacas leiteiras e à engorda desejada de vitelos com produtos à base de leite, tal como fora recomendado —, estes desvios seriam, em princípio, cobertos pela medida comunitária. Em contrapartida, as alegadas distorções à concorrência recairiam unicamente no âmbito de aplicação do princípio da não discriminação e, a este respeito, já dissemos o que era necessário.

Por conseguinte, se a autorização concedida pelo Conselho tinha o alcance que a recorrente considera poder atribuir-lhe, deve concluir-se que não se pode censurar a República Federal da Alemanha por a ter exercido de uma forma que, sob a perspectiva do direito comunitário, não era lícita.

4. 

Estas são as razões em virtude das quais propomos que se responda o seguinte às questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo Finanzgericht Münster:

a)

o conceito de «produtor agrícola» utilizado no artigo 1.o do Regulamento (CEE) n.o 2464/69, bem como no artigo 1.o da decisão do Conselho de 24 de Janeiro de 1974, não engloba os criadores a título industrial e comercial, na acepção do direito fiscal alemão;

b)

o direito comunitário não contém qualquer disposição que impeça a limitação, nestes termos, do referido conceito.


( *1 ) Língua original: alemão.