CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JEAN-PIERRE WARNER

apresentadas em 27 de Setembro de 1977 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

O presente processo é apresentado ao Tribunal a título prejudicial pelo tribunal d'instance de Lille.

O autor no processo pendente perante esta jurisdição é a sociedade anónima Roquette Frères, a qual exerce as suas actividades comerciais em Lille, nomeadamente como fabricante e exportador de produtos amiláceos derivados do milho. Esta não é, aliás, a primeira vez que esta empresa se encontra em causa no quadro dos processos que o Tribunal teve que conhecer: sem dúvida que o Tribunal se recorda do processo 34/74, Roquette/França, Colect. 1974, p. 515 — «o primeiro processo Roquette» —, e do Processo 26/74, Roquette/Comissão, Colect. 1976, p. 295.

O arguido no processo principal é o Estado francês, através da Administração das Alfândegas.

As queixas do autor no processo principal têm por objecto a imposição, desde 25 de Março de 1976, de montantes compensatórios monetários sobre as suas exportações de produtos amiláceos oriundos da França. Estes montantes compensatórios monetários foram estabelecidos pelo Regulamento (CEE) n.o 652/76 da Comissão, de 24 de Março de 1976. A sociedade Roquette defende que este regulamento não era válido, pelo menos enquanto impunha a aplicação de montantes compensatórios monetários às exportações de produtos derivados do milho oriundos da França. No processo pendente perante o tribunal d'instance de Lille, o autor no processo principal requer a esta jurisdição que decida que a Administração das Alfândegas recebeu indevidamente os montantes compensatórios monetários em questão e ordene o reembolso das somas que pagou a título daqueles. A Administração das Alfândegas alega, em poucas palavras, em sua defesa que mais não fez que executar a legislação comunitária, que a vincula.

Assim o tribunal d'instance de Lille foi levado a apresentar ao Tribunal de Justiça um certo número de questões visando obter que este controle a validade do Regulamento n.o 652/76. Estas questões reflectem no essencial os motivos de base dos quais o autor no processo principal sustentou a invalidade do. regulamento em causa perante a jurisdição de reenvio.

Não é de modo algum necessário recordar-vos que os montantes compensatórios monetários foram estabelecidos pela primeira vez por força do Regulamento (CEE) n.o 974/71 do Conselho, de 12 de Maio de 1971, e que o sistema instaurado por esse regulamento sofreu numerosas modificações desde então. Em Março de 1976, o sistema apresentava-se essencialmente como se segue.

Pelo Regulamento (CEE) n.o 475/75 do Conselho, de 27 de Fevereiro de 1975 (substituído em seguida pelo Regulamento (CEE) n.o 557/76 do Conselho, de 15 de Março de 1976, modificado pelo Regulamento (CEE) n.o 650/76 do Conselho, de 24 de Março de 1976), foi fixada para a moeda de cada Estado-membro uma taxa de câmbio «representativa» em relação à unidade de conta (que ainda é, em virtude do Regulamento n.o 129 do Conselho, de 23 de Outubro de 1962, equivalente a 0,88867088 gramas de ouro fino). O Regulamento n.o 475/75 previa que estas taxas «representativas», que são comummente conhecidas sob o nome de «taxas verdes», seriam doravante utilizadas «quando as operações a efectuar em aplicação dos actos relativos à política agrícola comum» exigem que a moeda de um Estado-membro seja expressa na moeda de um outro Estado-membro ou em unidades de conta. As taxas representativas das moedas dos Estados-membros foram modificadas desde então de tempos a tempos por outros regulamentos do Conselho.

O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 974/71, modificado ulteriormente pelos regulamentos do Conselho (CEE) n.o 2746/72, de 19 de Dezembro de 1972, e n.o 509/73, de 22 de Fevereiro de 1973, previa, no que interessa para o presente processo, que, quando a média aritmética dos valores de câmbio a pronto pagamento da moeda de um Estado-membro constatados ao longo de um determinado período se afastava pelo menos 1 % da «taxa de conversão» (de facto, a taxa representativa), esse Estado era obrigado a

a)

receber na importação e conceder na exportação montantes compensatórios no caso de valorização da sua moeda;

b)

receber na exportação e conceder na importação montantes compensatórios em caso de depreciação da sua moeda.

O artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 974/71 definia os produtos para os quais deviam ser concedidos ou recebidos montantes compensatórios, como sendo, no que interesse para o presente processo:

a)

«os produtos para os quais estão previstas medidas de intervenção no quadro da organização comum de mercados agrícolas» e

b)

«os produtos cujo preço depende do dos produtos visados sob a) e que dependem da organização comum de mercado.»

Como é sabido, o milho é um produto para o qual estão previstas medidas de intervenção no âmbito da organização comum de mercado dos cereais. Os produtos derivados deste cereal que foram exportados pelo autor no processo principal caem no campo de aplicação da alínea b) do n.o 2 do artigo 1.o do Regulamento n.o 974/71. É certo para o autor no processo principal e para a Comissão que, se de facto estão previstas medidas de intervenção para o milho, o facto da produção deste cereal ser deficitária na Comunidade e que esta dependa largamente das importações significa que o preço do milho está próximo do seu preço limiar e que, portanto, essas medidas de intervenção nunca se aplicaram.

O artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 974/71, tal como foi substituído pelo Regulamento n.o 2746/72, previa, de facto, que o artigo 1.o, n.o 1, só se aplicaria na medida em que a situação monetária visada pelo regulamento «conduzisse a perturbações nas trocas de produtos agrícolas». O artigo 1.o, n.o 3, é importante no presente processo porque constitui um dos fundamentos da argumentação do autor no processo principal.

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 974/71, modificado pelos regulamentos do Conselho (CEE) n.o 1112/73, de 30 de Abril de 1973, e n.o 475/75, ao qual já se fez referência, estabelecia o método de cálculo dos montantes compensatórios monetários para os produtos para os quais estão previstas medidas de intervenção, isto é, para os produtos visados na alínea a) do n.o 2 do artigo 1.o do Regulamento n.o 974/71. Este método diferia consoante a moeda de um Estado-membro fazia ou não parte da «serpente monetária», ou seja, do sistema instituído em Março de 1973 e que é bem conhecido, no âmbito do qual a maioria das moedas dos Estados-membros são objecto de uma flutuação concertada em relação a outras moedas, mantendo sempre constantemente entre elas uma flutuação máxima do seu valor de câmbio a pronto pagamento de 2,25 %. Não é, de modo algum, necessário, cremos nós, para os fins do presente processo, descrever em detalhe estes dois métodos de cálculo. É suficiente dizer que implicam o uso de «taxas centrais»das moedas «serpente»como grandeza de referência (em lugar do dólar US, que desempenhou esse papel até 1973) e que, no caso de um Estado-membro cuja moeda não se encontrasse na «serpente», os montantes compensatórios monetários deviam ser iguais aos montantes por aplicação aos preços em causa da média das diferenças em percentagem entre, por um lado, a relação entre a taxa «representativa»da moeda desse Estado-membro e, por outro, o valor de câmbio a pronto pagamento dessa moeda em relação às moedas da «serpente». Isto era acompanhado de uma restrição, introduzida pelo artigo 5.o do Regulamento n.o 475/75, modificado pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 557/76, nos termos do qual a média em questão devia ser «diminuída em 1,50 pontos para os Estados-membros cuja moeda está depreciada». Parece que tal restrição tinha por objecto moderar a incidência dos montantes compensatórios monetários nesses Estados-membros.

O artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 974/71 estabelecia o método de cálculo dos montantes compensatórios monetários para os produtos visados na alínea b) do n.o 2 do artigo 1.o do mesmo regulamento, isto é, para os produtos cujo preço estava dependente do dos produtos para os quais estavam previstas medidas de intervenção. Esta disposição previa que, para estes produtos, «os montantes compensatórios são iguais à incidência, sobre o preço do produto a que dizem respeito, da aplicação do montante compensatório ao preço do produto visado no n.o 1, dos quais dependem».

Por fim, falta-nos, ainda, citar o artigo 6.o do Regulamento n.o 974/71, que prevê que as modalidades de aplicação do regulamento relativas, nomeadamente, à fixação dos montantes compensatórios seriam fixadas segundo o processo dos comités de gestão.

Ora, em Março de 1976, a 15 desse mês, o franco francês saiu da «serpente», com o resultado de ter imediatamente flutuado em baixa. Não é, de modo algum, necessário narrar os detalhes da história contemporânea da taxa representativa do franco francês. O essencial dos factos é que, enquanto o franco francês esteve na «serpente», a aplicação das fórmulas adequadas do artigo 2.o do Regulamento n.o 974/71 teve por resultado que a França não teve de receber ou conceder montantes compensatórios sobre as suas importações ou exportações, enquanto que a queda do valor dessa moeda, depois de ter deixado a «serpente», implicou que a França recebesse montantes compensatórios monetários sobre as suas exportações e os concedesse sobre as suas importações.

O Regulamento n.o 652/76, cuja validade é contestada pelo autor no processo principal, foi adoptado pela Comissão de acordo com «o parecer dos comités de gestão envolvidos» (assim como é afirmado no seu último considerando), com vista a fixar os montantes compensatórios monetários a receber e a conceder pela França a partir de 25 de Março de 1976. É um facto que as considerações deste regulamento não contêm nenhuma referência às perturbações das trocas que se possam produzir na falta desses montantes compensatórios monetários.

Da petição do autor no processo principal que se encontra na origem do processo pendente perante o tribunal d'instance de Lille resulta que a sociedade Roquette fundou a sua acção sobre três argumentos principais.

Sublinhou, em primeiro lugar, o facto dos considerandos do regulamento não conterem nenhuma referência ao risco de perturbação das trocas, ainda que a existência de um tal risco tenha sido a razão fundamental da instituição dos montantes compensatórios monetários. É de presumir que a sua intenção era fazer a alusão ao artigo 190.o do Tratado CEE, nos termos do qual os regulamentos da Comissão devem ser fundamentados.

Em segundo lugar, o autor no processo principal alegou que a instituição dos montantes compensatórios monetários em causa pelo Regulamento n.o 652/76 é desprovida de base legal, dado que as medidas de intervenção previstas para o milho nunca tinham sido aplicadas pelas razões que já indicámos, de modo que não havia razão para temer perturbações ao nível dessas medidas e nem havia razão para temer perturbações nas trocas de outra natureza, de forma que esses montantes compensatórios monetários não teriam sido justificados. Para sublinhar o carácter inadequado desses montantes compensatórios, o autor no processo principal referiu-se ao facto de eles serem recebidos sobre as exportações francesas destinadas aos países da zona do franco onde, segundo ele, as vicissitudes do franco francês não podiam ter nenhuma influência sobre os mercados.

Em terceiro lugar, o autor no processo principal alegou que a imposição dos montantes compensatórios monetários em questão estava em contradição com o artigo 39o do Tratado, na medida em que esta disposição [mais particularmente o seu n.o 1, b)] consigna como objectivo da política agrícola comum, entre outros, «assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento individual dos que trabalham na agricultura», enquanto que a imposição dos montantes compensatórios monetários em questão tem, precisamente, por efeito diminuir o rendimento dos agricultores franceses cujos custos de produção aumentam. Cremos que deve inferir-se do texto da decisão de reenvio que o autor no processo principal citou, em relação a este argumento, uma proposta de regulamento do Conselho, submetida pela Comissão ao Conselho em 5 de Novembro de 1976, «relativa à fixação das taxas de conversão representativas no sector agrícola» ( JO C 274 de 1911.1976, p. 3). A Comissão propunha que esse regulamento contivesse um considerando redigido nos seguintes termos:

«Considerando que a evolução da moeda de certos Estados-membros conduziu várias vezes a montantes compensatórios monetários tais que desviam o sistema dos seus objectivos originais; que, com efeito, esses montantes foram introduzidos com o objectivo de impedir que as alterações a curto prazo das taxas de câmbio sejam repercutidas imediatamente sobre os preços agrícolas expressos em moedas nacionais; que, no entanto, a sua manutenção em permanência provoca efeitos perturbadores para a unicidade do mercado agrícola e distorções da concorrência.»

As questões apresentadas ao Tribunal pelo tribunal d'instance são as seguintes:

«A —

Para a instauração ou manutenção dos montantes compensatórios monetários, o artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 974/71, do Conselho, de 12 de Maio de 1971:

a)

obriga a Comissão a fazer referência ao risco de perturbações das trocas;

b)

e/ou, na falta de um tal risco, proíbe-a de fixar montantes compensatórios?

B —

Em que devem consistir as perturbações visadas?

C —

O risco de perturbações deve ser apreciado ao nível dos produtos base [visados no artigo 1.o, n.o 2, a)] ou antes ao nível dos produtos transformados que estão em causa [visados no artigo 1.o, n.o 2, b)] do Regulamento n.o 974/71?

D —

O Regulamento n.o 652/76 da Comissão, datado de 24 de Março de 1976, e os regulamentos subsequentes devem ser considerados como válidos face à legislação comunitária de base enquanto instauram montantes compensatórios monetários sobre o milho (10.05 B) e sobre os produtos visados no artigo 1.o, n.o 2, b), do Regulamento n.o 974/71, que deles dependem, iguais à incidência monetária total sobre o preço do produto base, ajustado simplesmente com um abatimento fixado antecipadamente, sem considerar se essa medida global é estritamente necessária?

E —

A instituição e a manutenção dos montantes compensatórios monetários pelo Regulamento n.o 652/76 da Comissão e os textos ulteriores são conformes às disposições do artigo 39. o do Tratado de Roma, dado que introduzidos com o fim de impedir que as alterações a curto prazo das taxas de câmbio sejam repercutidas imediatamente sobre os preços agrícolas em moeda nacional, provocam segundo a Comissão (proposta de regulamento de 5 de Novembro de 1976) efeitos perturbadores para a unicidade do mercado agrícola e distorções da concorrência e dado que, segundo a sociedade Roquette, diminuem o rendimento real dos agricultores franceses?»

A Comissão supõe — com razão, cremos nós — que «o abatimento fixado antecipadamente» visado na questão D é a redução de 1,50 pontos que é tratada na disposição introduzida pelo Regulamento n.o 475/75.

Cremos que convém examinar as questões apresentadas pelo tribunal d'instance por uma ordem ligeiramente diferente daquela pela qual foram postas.

Não há dúvida, em nossa opinião, que os sistema dos montantes compensatórios monetários tem fundamentalmente por objectivo evitar que as modificações que ocorram nos valores de câmbio afectem directamente os preços agrícolas expressos em moeda nacional, perturbando o funcionamento das organizações comuns de mercado. Isto resulta, com efeito, claramente das considerações do próprio Regulamento n.o 974/71 e, além disso, o Tribunal sublinhou-o várias vezes — v. por exemplo o processo 5/73, «o primeiro processo Balkan», Colect. 1973, p. 387 (em particular os considerandos 13 e 14 do acórdão), o processo 9/73, Schlüter/Hauptzollamt Lörrach, ibidem, 423 (em particular os considerandos 14 e 33 do acórdão), o processo 10/73, ReweZentral/Hauptzollamt Kehl, ibidem, p. 455 (em particular os considerandos 14 e 20 do acórdão), e muito recentemente ainda o processo 97/76, Merkur/ /Comissão (acórdão de 8 de Junho de 1977, Colect. 1977, p. 391 — em particular os considerandos 16 e 17).

A jurisprudência que decorre destes acórdãos, assim como, ainda, de outros, tal como o acórdão do Tribunal no processo 55/75, «o segundo processo Balkan», Colect. 1976, p. 5 (em particular o considerando 10 do acórdão), mostra que, como o afirmou a Comissão, as perturbações desse género, intervindo nas trocas de produtos agrícolas, podem, de uma maneira geral, ser de duas ordens. O primeiro tipo de perturbações que pode surgir no domínio considerado consiste na perturbação directa das medidas de intervenção. A esse respeito, o Tribunal conheceu um exemplo vivo numa série de processos que foi chamado a julgar no passado e de que o último em data foi o processo 2/75 EVSt für Getreide und Futtermittel/Mackprang, Colect. 1975, p. 213.Esses processos tinham por objecto as consequências da desvalorização do franco francês ocorrida em 1969, a qual havia incitado negociantes alemães a comprar cereais em França para os revender com lucro ao serviço de intervenção do seu país, e isso em tais quantidades que a capacidade de armazenagem desse serviço corria o risco de ficar esgotada. O segundo tipo de perturbações situa-se ao nível do desvio de comércio entre a Comunidade e países terceiros e, em particular, do desvio de importações através dos Estados-membros com moeda desvalorizada, para pagar direitos niveladores menos elevados, e do desvio de exportações através dos Estados-membros com moeda valorizada, para receber restituições mais importantes.

Também não há dúvidas, quanto mais não fosse em consideração da disposição do artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 974/71, que a Comissão não tem o poder de fixar montantes compensatórios monetários ou de os manter em vigor, salvo se considerar que, na sua ausência, tais perturbações correm o risco de se produzir. Isso o Tribunal afirmou-o, igualmente, numerosas vezes — v. em particular o Processo 43/72, Merkur/Comissão, Colect. 1973, p. 383, o «primeiro processo Merkur» (considerandos 12 e 16 do acórdão, onde é feita referência à última alínea do artigo 1.o, n.o 2, do regulamento, que era a disposição correspondente à do artigo 1.o, n.o 3, antes da modificação introduzida pelo Regulamento n.o 2746/72), e o processo 74/74 CNTA/Comissão, Colect. 1975, p. 183 (considerandos 19 e 20 do acórdão). Daí não resulta, no entanto, que, nos processos judiciários tendo por objecto o controlo do exercício pela Comissão do seu poder discricionário de apreciação haja uma qualquer obrigação a cargo da Comissão de demonstrar em sentido positivo a existência de um risco de perturbações em relação com as trocas de um Estado-membro particular no sector de um determinado produto. O Tribunal estabeleceu a este respeito três critérios.

O primeiro é que, em razão da celeridade com a qual a Comissão deve agir depois de um «acontecimento monetário» no domínio considerado, tal como a desvalorização ou valorização de uma moeda ou a sua saída da «serpente», e em razão, igualmente, do grande número e da enorme variedade de produtos, produtos de base e produtos derivados dependentes das organizações comuns de mercado agrícolas, é impossível na prática à Comissão, pelo menos inicialmente, considerar cada tipo de produto de maneira separada. Deve necessariamente proceder de forma global. V., a este propósito, o primeiro processo Merkur (considerando 24 do acórdão), o primeiro processo Balkan (considerandos 20 a 22 do acórdão), o processo Schlüter (considerandos 20 a 22 do acórdão) e o segundo processo Balkan (considerando 9 do acórdão).

Como o demonstra esta última jurisprudência, o segundo critério está estreitamente ligado ao primeiro. É que, mesmo uma vez passada a primeira perturbação causada por um acontecimento monetário súbito, a Comissão não tem de considerar individualmente produtos determinados: pode considerá-los em grupo. Esses grupos podem consistir, designadamente, em produtos dependentes da mesma posição tarifária e sujeitos às mesmas regras em matéria de direitos niveladores. Este elemento não era novo no segundo processo Balkan; já havia sido sublinhado no primeiro processo com o mesmo nome (v. o considerando 41 do acórdão). É de notar, no entanto, que o presente processo se reporta a um grupo de produtos desse género.

O terceiro critério — que é, na nossa opinião, de longe o mais importante — sustenta que a Comissão e os comités de gestão gozam de um largo poder de apreciação para decidir se é necessário o estabelecimento de montantes compensatórios monetários para prevenir um risco de perturbações das trocas num sector particular. Como o exercício desse poder implica a avaliação de uma situação económica complexa, o juiz chamado a controlar a legalidade desta «deve limitar-se a examinar se ele está eivado de um erro manifesto ou de desvio de poder ou se essa autoridade não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação» — v. o acórdão no segundo processo Balkan (oitavo considerando). Uma jurisprudência anterior, tendente à mesma conclusão, encontra-se no primeiro processo Merkur (considerando 23 do acórdão), no primeiro processo Balkan, no processo Schlüter e nos processos Rewe-Zentrale (sexto considerando de cada um destes acórdãos) e no processo CNTA (vigésimo primeiro considerando do acórdão).

É isso que, em nossa opinião, faz com que a argumentação desenvolvida perante o Tribunal pelo autor no processo principal se situe, em larga medida, à margem da questão. Este procurou, com efeito, convencer-nos que, de facto, a imposição de montantes compensatórios monetários às exportações francesas de produtos derivados do milho não era necessária para prevenir perturbações das trocas. O ponto capital da argumentação do autor no processo principal neste domínio prende-se, evidentemente, ao facto de nunca nenhum serviço de intervenção ter comprado milho, o que levou a Comissão a responder-lhe que o milho é substituível, numa certa medida, pela cevada, em particular enquanto alimento para animais, do mesmo modo que para certos usos em matéria de cervejaria, e que a cevada é certamente um produto que deu lugar à intervenção, ainda que a imposição de montantes compensatórios monetários para o milho e os produtos dele derivados fosse necessária para proteger as medidas de intervenção previstas para a cevada. Em seguida estabeleceu-se um debate nesta base entre o autor no processo principal e a Comissão acerca da extensão da fungibilidade do milho e da cevada. Mas não é ao Tribunal que compete, pelo menos no âmbito de um processo do género daquele do caso em apreço, decidir da medida em que a cevada e o milho são fungíveis. O que é essencial é que o autor no processo principal não conseguiu estabelecer que a Comissão e o Comité de Gestão dos Cereais cometeram, a esse respeito, um erro manifesto nem demonstrar que, ao impor os montantes compensatórios monetários em questão, estes ultrapassaram claramente os limites do seu poder de apreciação. De facto, não foi sugerido que eles houvessem cometido um desvio de poder.

As mesmas considerações conferem, em nossa opinião, um carácter inadequado à questão posta pelo tribunal d'instance, que é a de saber se o risco de perturbações deve ser avaliado ao nível dos produtos de base ou ao nível dos produtos derivados em causa. A resposta é que ele pode ser avaliado tanto a um nível como a outro, bem como aos dois. É à Comissão e ao comité de gestão envolvido que cabe apreciar os riscos de perturbação que existem quer para as trocas do produto de base, quer para as trocas dos produtos derivados, quer para um e outro. Tudo o que se pode dizer é que, se lhes é permitido fixar os montantes compensatórios monetários para o produto de base sem os fixar para os produtos derivados (v. o primeiro processo Merkur), o contrário não é possível (v. o primeiro processo Roquette).

A Comissão entendeu a questão D do tribunal d'instance no sentido de que este procuraria informar-se da validade não somente da imposição dos montantes compensatórios monetários aqui em causa, mas igualmente da maneira segundo a qual estes foram calculados. E afirma que, de facto, não se afastou, no seu cálculo, do método imposto pelo artigo 2.o do Regulamento n.o 974/71 (tal como foi modificado ulteriormente). Pela nossa parte, não interpretamos a questão D nesse sentido e, nas conclusões desenvolvidas pelo autor no processo principal, não encontramos nenhuma crítica específica do método de cálculo desses montantes compensatórios monetários. Precisamos, no entanto, de examinar, ainda que brevemente, dois elementos desenvolvidos a título auxiliar pelo autor no processo principal.

Este recordou, em primeiro lugar, perante nós o argumento que havia desenvolvido diante do tribunal d'instance a respeito das exportações oriundas da França para os países da zona do franco. Esta argumentação, em nossa opinião, é mal concebida, dado que os montantes compensatórios monetários foram aplicados em França para regular os níveis de preços a que se efectuava o comércio francês de produtos agrícolas. Neste âmbito, pouco importa conhecer, na hipótese do comércio com os países terceiros, o que são as suas próprias moedas.

Em segundo lugar, o autor no processo principal anexou às suas observações escritas um quadro destinado a demonstrar que, pelo facto da aplicação dos montantes compensatórios monetários, o milho era menos caro na Alemanha e nos Países Baixos do que em França. Na audiência, o agente da Comissão demonstrou, em nossa opinião de maneira convincente, que esse quadro tinha sido estabelecido sobre uma base errada. Não cremos que devamos dizer mais a este respeito.

Deste modo, voltar-nos-emos, agora, para a questão de saber se o Regulamento n.o 652/76 era inválido, porque não mencionava nos seus considerandos o risco de perturbações das trocas.

É claro que não seria dever da Comissão estabelecer nos seus considerandos, para cada produto ou grupo de produtos em relação aos quais os montantes compensatórios monetários foram instaurados pelo regulamento, as razões pelas quais, na falta desses montantes compensatórios monetários, havia lugar a temer perturbações nas trocas. Não só uma tal exigência teria sido incompatível com a atitude globalizante que a jurisprudência autorizava a Comissão a adoptar, mas, uma vez mais, a celeridade com a qual a Comissão era obrigada a agir assim como o número e a variedade dos produtos que ela tinha que tomar em consideração ter-lhe-iam tornado essa tarefa impossível. É suficiente lançar um olhar sobre os anexos do regulamento e notar o seu número e complexidade para os compreender. A posição, a este respeito, é semelhante à que se apresentava no processo 5/67, Beus/Hauptzollamt München (Colect. 1965-1968, p. 775).

Assim, a questão será apenas a de saber se a Comissão teria de afirmar em termos gerais que, na falta dos montantes compensatórios monetários fixados pelo regulamento, havia um risco de perturbação das trocas — ou, mais precisamente, se a ausência de uma tal declaração constituía uma «violação das formalidades essenciais» (no sentido do artigo 173.o do Tratado) que tornasse o regulamento inválido.

Em nossa opinião, tal não era o caso.

Não faremos aqui a enumeração detalhada da jurisprudência do Tribunal sobre a interpretação do artigo 190.o (Esse trabalho, aliás, foi feito recentemente pela doutrina: v. «A motivação dos actos das instituições comunitárias», por Christian Hen, Cahiers de Droit Européen, 1977, n.o 1, p. 49). Essa jurisprudência mostra que a exigência do artigo 190.o, nos termos da qual os regulamentos, directivas e decisões do Conselho e da Comissão devem ser fundamentados, não é uma formalidade. O seu objectivo principal é o de permitir às pessoas afectadas por esses actos contestar, no âmbito de uma acção intentada por elas, a validade desses fundamentos e permitir ao Tribunal exercer o seu controlo jurisdicional. Existe uma certa jurisprudência (v. por exemplo processo 24/62, Alemanha/Comissão, Colect. 1962-1964, p. 251), segundo a qual esta regra tem ainda outro objectivo, a saber, informar os outros interessados, em particular os Estados-membros, das circunstâncias nas quais uma instituição comunitária exerceu os seus poderes.

Ora, é claro que a inserção, pela Comissão, num regulamento que fixa os montantes compensatórios monetários, de um simples considerando com a finalidade de dizer que, na sua ausência, havia lugar a temer perturbações das trocas seria uma mera formalidade. Isso não ajudaria em nada a pessoa (tal como o autor no caso em apreço) querendo contestar a validade desses montantes compensatórios, nem o Tribunal a exercer o seu controlo jurisdicional. Do mesmo modo, a omissão de um tal considerando não deverá constituir uma violação de formalidades essenciais. Cremos compreender que a Comissão vai mais longe e sustenta que a inserção de um tal considerando seria inadequada, dado que a matéria seria abrangida por uma presunção. Ela afirma que, desde que seja evidente que estão reunidas as condições monetárias que, por força do Regulamento n.o 974/71, modificado várias vezes, dão à primeira vista lugar à aplicação dos montantes compensatórios monetários, há a presunção de que, na ausência desses montantes compensatórios monetários, se produziriam perturbações indesejáveis nas trocas. Cremos que este argumento apresenta um certo atractivo, uma vez que é compatível com a necessidade de a Comissão adoptar uma atitude global na fixação de montantes compensatórios monetários. Talvez isso signifique que a Comissão deve somente indicar as suas razões quando, face ao artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 974/71, considerar que, a despeito das condições monetárias, convém revogar a aplicação dos montantes compensatórios monetários. Ainda que julguemos este argumento atraente, tal como o indicamos, não cremos que seja necessário exprimir uma opinião concludente a seu respeito.

Abordaremos, por fim, a questão E apresentada pelo tribunal d'instance.

Acerca desta questão, a Comissão alegou in limine litis que qualquer contestação da validade do Regulamento n.o 652/76, pelo motivo de que seria incompatível com o artigo 39.o do Tratado (ou ainda com o artigo 40.o, ao qual o advogado do autor no processo principal fez igualmente alusão na audiência), é mal fundada, dado que entre esse Regulamento n.o 652/76 e o Tratado se insere a legislação do Conselho, em particular o Regulamento n.o 974/71. O Regulamento n.o 652/76 nada mais faz, afirma a Comissão, do que completar a legislação do Conselho. Se o resultado é incompatível com o Tratado, o vício deve encontrar-se na legislação do Conselho.

Este ponto parece-nos manifestamente correcto, mas não cremos que seja necessário prosseguir o seu exame, dado que não. nos parece que tenha sido demonstrado que os resultados da aplicação do Regulamento n.o 652/76 sejam incompatíveis com o Tratado.

É, sem dúvida nenhuma, correcto dizer que um desses resultados foi o de reduzir os rendimentos dos agricultores franceses, no sentido de que esses rendimentos se tornaram inferiores ao que teriam sido na ausência da aplicação dos montantes compensatórios monetários. Inevitavelmente, e mesmo axiomaticamente, a aplicação de montantes compensatórios monetários num Estado-membro dotado de uma moeda desvalorizada torna os preços dos produtos agrícolas nesse Estado-membro inferiores ao que de outra forma seriam. Daí não resulta, todavia, que a sua aplicação constitua uma violação dos artigos 39.o e 40.o do Tratado. Em primeiro lugar, não se deve perder de vista que os diversos objectivos da política agrícola comum, tal como estão expostos no artigo 39. o, são inseparáveis. A compatibilidade com esses objectivos de qualquer medida particular, adoptada em conformidade com essa política, não deverá ser apreciada considerando isoladamente um desses objectivos. Tal como o Tribunal o indicou no primeiro processo Balkan (considerando n.o 24 do acórdão), na prossecução desses objectivos, as instituições da Comunidade devem sempre procurar conciliar as contradições a eles inerentes. Em segundo lugar, mesmo supondo que fosse necessário considerar isoladamente o objectivo definido na alínea b), o que não deverá ser o caso, não seria permitido julgar separadamente, por referência a esse objectivo, uma determinada medida, adoptada em execução da política agrícola comum, tal como a fixação de montantes compensatórios monetários. O que deveria ser julgado seria todo o complexo de medidas adoptadas em execução dessa política, abrangendo-se aí aquelas que têm por efeito aumentar os rendimentos dos agricultores, das quais as menores não são os direitos niveladores à importação e as restituições à exportação. Quando o artigo 39. o, n.o 1, b), fala do «aumento do rendimento individual dos que trabalham na agricultura», só pode visar o aumento desses rendimentos para além do que eles poderiam ser na ausência do Tratado. Ele não poderá querer dizer que é necessário elevá-los para além do que poderiam ser, tendo em conta tudo o que decorre do Tratado, à excepção dos montantes compensatórios monetários. E quando, nessa disposição, se trata de um «nível de vida equitativo» da população agrícola, trata-se aí de um conceito político, cujo alcance deve ser apreciado pelo Conselho, e não de um conceito jurídico que possa constituir (na ausência, em todo o caso, de injustiça manifesta) o fundamento de um acórdão do Tribunal.

Também não julgamos que a referência à proposta da Comissão de 5 de Novembro de 1976 possa ajudar o autor no processo principal na sua causa. Tal como nos disse a própria Comissão, e isso decorre manifestamente do próprio texto dessa proposta, o objectivo que a Comissão prosseguia ao apresentá-la era evitar que o sistema dos montantes compensatórios monetários pudesse ser desviado do seu objectivo inicial e tornar-se uma causa de perturbação do funcionamento do mercado comum, devido à manutenção em vigor de valores de câmbio representativos inadequados das moedas de certos Estados-membros. Pode ser que o Tribunal tenha um dia que examinar as consequências jurídicas de uma tal situação. Mas nada no âmbito do presente processo foi dito que permita crer que o valor representativo do franco francês se tenha encontrado a um nível inadequado num qualquer momento desde 25 de Março de 1976.

Em consequência, consideramos que nada nos argumentos avançados no âmbito do presente processo pode ter por efeito lançar dúvidas sobre a validade do Regulamento n.o 652/76.

Se o Tribunal partilhar a nossa opinião, a vossa decisão pode tomar duas formas. Ela poderá, por um lado, responder com detalhe às questões que vos são apresentadas pelo tribunal d'instance. Por outro lado, seguindo os precedentes estabelecidos pelo Tribunal em situações similares nos dois processos Balkan, ela poderá — e é a fórmula que vos sugerimos — dizer simplesmente que o exame dessas questões não revelou elementos de natureza a afectar a validade do regulamento em causa.


( *1 ) Língua original: inglês.