ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

14 de Outubro de 1976 ( *1 )

No processo 29/76,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal ao abrigo do artigo 1. do protocolo de 3 de Junho relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, pelo Oberlandesgericht de Düsseldorf, e destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

LTU Lufttransportunternehmen GmbH e Co. KG, Düsseldorf,

e

Eurocontrol, Bruxelas,

uma decisão a titulo prejudicial sobre a interpretação da noção «matéria civil e comercial» na acepção do primeiro parágrafo do artigo 1.o da convenção de 27 de Setembro de 1968,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: H. Kutscher, presidente, A. M. Donner e P. Pescatore, presidentes de secção, J. Mertens de Wilmars, M. Sørensen, A. J. Mackenzie Stuart e A. O'Keeffe, juízes,

advogado-geral: G. Reischl

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho de 16 de Fevereiro de 1976, que deu entrada na Secretaria em 18 de Março seguinte, o Oberlandesgericht de Düsseldorf colocou ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (a seguir «convenção»), a questão de saber se, para interpretar a noção «matéria civil e comercial» na acepção do artigo 1.o, primeiro parágrafo, da convenção, é necessário fazer referência ao direito do Estado onde o recurso foi julgado ou ao direito do Estado onde foi pedida a aposição da fórmula executória.

2

Resulta dos autos que a questão se coloca no âmbito de um processo instaurado ao abrigo do título III, secção 2, da convenção, em que a Eurocontrol pede aos órgãos jurisdicionais alemães competentes a aposição da fórmula executória numa decisão proferida pelos órgãos jurisdicionais belgas que condenou a LTU a pagar-lhe determinado montante a título de taxas por utilização das suas instalações e serviços.

3

Nos termos do artigo 1.o, a convenção «aplica-se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição», sendo excluídos da sua aplicação, nos termos do segundo parágrafo, «1) o Estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões; 2) as falências, as concordatas e outros processos análogos; 3) a segurança social; 4) a arbitragem».

Apesar de referir que a convenção se aplica independentemente da natureza do órgão jurisdicional e de excluir determinadas matérias do seu campo de aplicação, o artigo 1.o não contém, pois, outras precisões acerca do significado da noção em causa.

Na medida em que este preceito se destina a delimitar o âmbito de aplicação da convenção, é importante — com o objectivo de garantir, na medida do possível, a igualdade de uniformidade dos direitos e obrigações que dela decorrem para os Estados contratantes e as pessoas interessadas — que o disposto neste preceito não seja interpretado como um simples reenvio para o direito interno de um ou outro dos Estados em questão.

O artigo 1.o, ao determinar que a convenção se aplica «qualquer que seja a natureza do órgão jurisdicional», indica que a noção «matéria civil e comercial» não poderá ser interpretada unicamente em função da repartição de competências entre as várias ordens jurisdicionais existentes em determinados Estados.

Assim, a noção em causa deve considerar-se como uma noção autónoma que é preciso interpretar fazendo referência, por um lado, aos objectivos e ao sistema da convenção e, por outro, aos princípios gerais emanantes do conjunto dos ordenamentos jurídicos nacionais.

4

Se a interpretação da noção for abordada desta forma, designadamente para efeitos de aplicação do disposto no título III da convenção, determinadas categorias de decisões jurisdicionais devem considerar-se excluídas do seu âmbito de aplicação devido aos elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio ou o objecto deste.

Ainda que determinadas decisões proferidas em litígios que opõem uma autoridade pública a uma entidade privada possam entrar no âmbito de aplicação da convenção, o mesmo já não acontece se a autoridade pública actuar como entidade dotada de ius imperii.

É o que se verifica num litígio que, como o que opõe as partes no processo principal, tem por objecto o pagamento de uma taxa devida por uma entidade privada a um organismo nacional ou internacional de direito público pela utilização das suas instalações e serviços, especialmente quando é obrigatória e exclusiva.

Isto é tanto mais válido quanto o montante da taxa, as modalidades de cálculo e os mecanismos de cobrança são estabelecidos unilateralmente em relação aos utentes, como acontece no caso em análise em que o organismo fixou o lugar do cumprimento da obrigação na sua sede e escolheu os órgãos jurisdicionais competentes para decidir em caso de não cumprimento da obrigação.

5

Assim, deve responder-se à questão colocada que, para interpretar a noção «matéria civil e comercial» para efeitos da aplicação da convenção, designadamente do seu título III, deve fazer-se referência não ao direito de qualquer dos Estados em causa, mas, por um lado, aos objectivos e ao sistema da convenção e, por outro, aos princípios gerais que resultam do conjunto dos sistemas jurídicos nacionais.

Por força destes critérios, uma decisão proferida no âmbito de um litígio que opõe uma autoridade pública dotada de ius imperii a uma entidade privada deve ser excluída do âmbito da convenção.

Quanto às despesas

As despesas apresentadas pelo Governo da Republica Federal da Alemanha, o Governo da República de Itália e a Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

Revestindo o processo quanto às partes o carácter de um incidente suscitado em litígio pendente no Oberlandesgericht de Düsseldorf, a este compete decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão colocada pelo Oberlandesgericht de Düsseldorf, por despacho de 16 de Fevereiro de 1976, declara:

 

1)

Para interpretar a noção «matéria civil e comercial» para efeito da aplicação da convenção de 27 de Setembro de 1968, designadamente do seu título III, deve fazer-se referência não ao direito de qualquer dos Estados-membros em causa, mas, por um lado, aos objectivos e ao sistema da convenção e, por outro, aos princípios gerais que resultam do conjunto dos ordenamentos jurídicos nacionais.

 

2)

Uma decisão proferida no âmbito de um litigio que opõe uma autoridade pública dotada de ius imperii a uma entidade privada, deve ser excluída do âmbito de aplicação da convenção.

 

Kutscher

Donner

Pescatore

Mertens de Wilmars

Sørensen

Mackenzie

Stuart O'Keeffe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Outubro de 1976.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

H. Kutscher


( *1 ) Língua do processo: alemão.