ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6 de Outubro de 1976 ( *1 )

No processo 14/76,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 1.o do protocolo relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, pela Cour d'appel de Mons e destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

A. de Bloos, SPRL, Leuze, Bélgica,

e

Sociedade em comandita por acções Bouyer, Tomblaine (Meurthe-et-Moselle), França,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 5.o da Convenção relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial assinada em Bruxelas pelos seis Estados-membros originários em 27 de Setembro de 1968,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher e A. O'Keeffe, presidentes de secção, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, M. Sørensen, A. J. Mackenzie Stuart e F. Capotorti, juízes,

advogado-geral: G. Reischl

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por acórdão de 9 de Dezembro de 1975, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 13 de Fevereiro de 1976, a Cour d'appel de Mons submeteu, ao abrigo do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (a seguir «convenção»), questões relativas à interpretação dos n. os 1 e 5 do artigo 5.o da referida convénção.

2

Do acórdão de reenvio resulta que, nesta fase, o litígio diz respeito à competência do juiz belga para conhecer de uma acção que o concessionário de um contrato de distribuição exclusiva com sede na Bélgica intentou contra o seu concedente estabelecido em França.

3

Queixando-se de uma ruptura unilateral do contrato sem pré-aviso, o concessionário citou o concedente perante o juiz belga a fim de obter, em conformidade com o direito belga, a resolução judicial do contrato por facto cuja responsabilidade imputa ao concedente, bem como o pagamento de uma indemnização.

4

Tendo o juiz belga de primeira instância declarado a sua incompetência para conhecer da questão, o concessionário interpôs recurso para a Cour d'appel de Mons.

5

Na primeira questão pergunta-se ao Tribunal se, num litígio que opõe o beneficiário de uma concessão exclusiva de venda ao seu concedente, a quem censura ter violado o contrato de concessão exclusiva, o termo «obrigação», inscrito no n.o 1 do artigo 5.o da convenção deve ser interpretado como abrangendo qualquer obrigação decorrente do contrato-quadro de concessão exclusiva de venda ou mesmo vendas sucessivas efectuadas em execução do mesmo contrato, ou como contemplando apenas a obrigação que serve de base à acção judicial.

6

Além disso, neste último caso, pede-se ao Tribunal que esclareça se o termo «obrigação» que figura no n.o 1 do artigo 5.o se refere quer à obrigação originária quer à obrigação de prestar o equivalente à obrigação originária, quer ainda à obrigação de indemnizar quando, por efeito da resolução ou da rescisão do contrato, a obrigação originária é anulada, quer finalmente à obrigação de pagar uma «indemnização justa» ou mesmo uma «indemnização suplementar», na acepção da lei belga de 27 de Julho de 1961.

7

Nos termos do n.o 1 do artigo 5.o da convenção, o réu com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado noutro Estado contratante:

«1.   Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida».

8

Como resulta do preâmbulo da convenção, esta destina-se a determinar a competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes na ordem internacional, a facilitar o reconhecimento das decisões judiciais respectivas e a instaurar um processo rápido que garanta a execução das decisões.

9

Estes objectivos implicam a necessidade de evitar, na medida do possível, que se multiplique a competência jurisdicional em relação a um mesmo contrato.

10

Assim, não se pode interpretar o n.o 1 do artigo 5.o da convenção como referindo-se a qualquer das obrigações decorrentes do contrato em causa.

11

Pelo contrário, pelo termo «obrigação» o artigo designa a obrigação contratual que serve de base à acção judicial.

12

De resto, tal interpretação é claramente confirmada pelos textos italiano e alemão do mesmo preceito.

13

Daqui resulta que, para efeitos da determinação do lugar do cumprimento, na acepção do citado artigo 5.o, a obrigação a ter em conta é a que corresponde ao direito contratual em que se baseia a acção do autor.

14

Nos casos em que o autor invoca o direito ao pagamento de uma indemnização ou invoca a resolução do contrato imputando a responsabilidade à outra parte, a obrigação a que o n.o 1 do artigo 5 o se refere é sempre a que decorre do contrato e cujo incumprimento é invocado para justificar tais pedidos.

15

Pelo exposto, deve responder-se à primeira questão que, num litígio que opõe o beneficiário de uma concessão exclusiva de venda ao seu concedente, a quem censura ter violado o contrato de concessão exclusiva, o termo «obrigação» inscrito no n.o 1 do artigo 5 o da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial refere-se à obrigação contratual que está na base da acção judicial, isto é, a obrigação do concedente que corresponde ao direito contratual invocado para justificar o pedido do concessionário.

16

Num litígio relativo às consequências da violação, pelo concedente, de um contrato de concessão exclusiva, tais como o pagamento de indemnização ou a resolução do contrato, a obrigação que se deve ter em conta para efeitos da aplicação do artigo 5.o, n.o 1, da convenção é a que decorre do contrato para o concedente e cujo incumprimento é invocado para justificar o pedido de indemnização ou de resolução do contrato pelo concessionário.

17

Quanto às acções para pagamento de prestações compensatórias, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, à luz do direito aplicável ao contrato, se trata de uma obrigação contratual autónoma ou de uma obrigação substitutiva da obrigação contratual não cumprida.

18

Na segunda questão pede-se ao Tribunal que declare se o concessionário de uma exclusividade de venda deve ser considerado como dirigindo uma sucursal, uma agência ou um estabelecimento do seu concedente, na acepção do artigo 5 o , n.o 5, quando, por um lado, não tem poder para actuar por conta deste último nem para contratar em seu nome e, por outro, não está sujeito ao seu controlo nem à sua direcção.

19

Nos termos do n.o 5 do artigo 5.o da convenção, o réu com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado noutro Estado contratante: «Se se tratar de um litígio relativo à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar da sua situação».

20

Um dos aspectos essenciais característicos dos conceitos de sucursal e de agência é a sujeição à direcção e ao controlo da empresa-mãe.

21

Quanto à noção de «estabelecimento» que figura no referido artigo, resulta tanto do objectivo como da letra deste preceito que tal noção, no espírito da convenção, assenta nos mesmos aspectos essenciais que os da sucursal ou da agência.

22

Consequentemente, os conceitos de sucursal, de agência ou de qualquer outro estabelecimento não podem ser alargados ao caso de um concessionário exclusivo cuja actividade se caracteriza pelos dados fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional.

23

Pelo exposto, deve responder-se à segunda questão que o concessionário de uma exclusividade de venda não pode ser considerado como dirigindo uma sucursal, agência ou estabelecimento do seu concedente, na acepção do n.o 5 do artigo 5 o da convenção de 27 de Setembro de 1968, quando não esteja sujeito nem ao seu controlo nem a sua direcção.

Quanto às despesas

24

Ás despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

25

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pela Cour d'appel de Mons, por acórdão de 9 de Dezembro de 1975, declara:

 

1)

Num litígio que opõe o beneficiário de uma concessão exclusiva de venda ao seu concedente, a quem censura ter violado o contrato de concessão exclusiva, o termo «obrigação» inscrito no n.o 1 do artigo 5.o da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial refere-se à obrigação contratual que está na base da acção judicial, isto é, a obrigação do concedente que corresponde ao direito contratual invocado para justificar o pedido do concessionário.

Num litígio relativo às consequências da violação, pelo concedente, de um contrato de concessão exclusiva, tais como o pagamento de indemnização ou a resolução do contrato, a obrigação que se deve ter em conta para efeitos da aplicação do artigo 5.o, n.o 1, da convenção é a que decorre do contrato para o concedente e cujo incumprimento é invocado para justificar o pedido de indemnização ou de resolução do contrato pelo concessionário.

 

2)

O concessionário de uma exclusividade de venda não pode ser considerado como dirigindo uma sucursal, agência ou estabelecimento do seu concedente, na acepção do n.o 5 do artigo 5.o da convenção de 27 de Setembro de 1968, quando não esteja sujeito nem ao seu controlo nem à sua direcção.

 

Lecourt

Kutscher

O'Keeffe

Donner

Mertens de Wilmars

Pescatore

Sørensen

Mackenzie Stuart

Capotorti

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Outubro de 1976.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: francês.