ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

7 de Julho de 1976 ( *1 )

No processo 7/76,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Ufficio di conciliazione de Roma e destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Sociedade IRCA (Industria romana carni e affinl SpA), com sede em Roma,

e

Amministrazione delle finanze dello Stato,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação e à validade do Regulamento (CEE) n.o 648/73 da Comissão, de 1 de Março de 1973, relativo às modalidades de aplicação dos montantes compensatórios monetários (JO L 64 de 9.3.1971, p. 1), e do Regulamento (CEE) n.o 905/73 da Comissão, de 23 de Março de 1973, que fixa os montantes dos ajustamentos dos montantes compensatórios monetários (JO L 92 de 7.5.1973, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher e A. O'Keeffe, presidentes de secção, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, M. Sørensen, A. J. Mackenzie Stuart, F. Capotorti, juízes,

advogado-geral: J.-P. Warner

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho de 22 de Janeiro de 1976, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 26 do mesmo mês, o juiz conciliatore de Roma colocou ao Tribunal, a título prejudicial, quatro questões que dizem respeito à interpretação e à validade do Regulamento (CEE) n.o 648/73 da Comissão, de 1 de Março de 1973, relativo às modalidades de aplicação dos montantes compensatórios monetários (JO L 64 de 9.3.1973, p. 1), e do Regulamento (CEE) n.o 905/73 da Comissão, de 23 de Março de 1973, que fixa os montantes dos ajustamentos dos montantes compensatórios monetários (JO L 92 de 7.4.1973, p. 1).

2

As questões são colocadas no quadro de um litígio que opõe a sociedade IRCA, autora no processo principal, à Administração Italiana das Finanças do Estado, tendo aquela sociedade pedido que a Administração das Finanças fosse condenada a restituir-lhe uma soma indevidamente cobrada, devido a um erro no cálculo dos montantes compensatórios de que a IRCA era credora.

3

Aquando da importação pela sociedade, em 22 de Março de 1973, de 563 lotes de carne e de miudezas da espécie bovina congelados, as autoridades aduaneiras aplicaram o direito aduaneiro imposto, isto é, 1563570 LIT, tendo reconhecido à sociedade o crédito de 1506780 LIT a título de montantes compensatórios monetários e, após terem subtraído a este crédito o encargo sobre a importação, correspondente neste caso ao direito aduaneiro, reclamaram o pagamento da diferença, isto é, 56790 LIT.

4

As questões colocadas destinam-se a saber, em primeiro lugar, se os regulamentos comunitários sobre os quais a administração baseou os seus cálculos são válidos e, em segundo lugar, se a aplicação retroactiva destes regulamentos feita, neste caso, pela administração é compatível com os princípios e as normas jurídicas da ordem comunitária.

5

Em primeiro lugar, devem analisar-se as questões relativas à validade dos regulamentos n. os 648/73 e 905/73 (questões 2, 3 e 4).

6

Antes de proceder a uma análise pormenorizada dos problemas suscitados por essas questões, deve recordar-se que o Regulamento (CEE) n.o 974/71 do Conselho foi alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 509/73, que não só introduziu o artigo 4.o A como alterou e alargou todo o sistema, dadas as perturbações do mercado mundial das trocas que, desde 13 de Fevereiro de 1973, afectaram as taxas de câmbio de vários Estados-membros.

7

Esta alteração obrigou a Comissão a substituir o seu antigo Regulamento (CEE) de execução n.o 1013/71 (JO L 110, p. 8) pelo Regulamento n.o 648/73.

Este último prevê, por um lado, de que forma são fixados os coeficientes correspondentes às variações das taxas de câmbio e, por outro, de que forma serão determinados os preços aos quais estes coeficientes são aplicados, determinando no artigo 5.o que «será fixado um montante compensatório de base em relação a cada Estado-membro que preencha as condições previstas no artigo 1.o do Regulamento (CEE) n.o 974/71».

Assim, os dois elementos, necessários ao cálculo dos montantes compensatórios são fixados pela Comissão, de forma a ser assegurada uma aplicação uniforme e expeditiva do sistema previsto.

8

Seguidamente, o Regulamento (CEE) n.o 649/73 da Comissão, de 1 de Março de 1973, que fixa os montantes compensatórios monetários (JO L 64, p. 7), tal como foi adoptado e publicado, determina no artigo 1.o: «Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 4.o A do Regulamento (CEE) n.o 974/71, os montantes compensatórios monetários são obtidos da seguinte forma:

1.

Os montantes de base indicados no anexo I para o Estado-membro interessado são multiplicados pelo coeficiente indicado no anexo II…».

9

O artigo 6.o do Regulamento n.o 648/73 determina:

«1.   Para efeitos da aplicação do n.o 2 do artigo 4.o A do Regulamento (CEE) n.o 974/71, a Comissão fixará os montantes pelos quais devem ser adaptados os montantes compensatórios monetários.

2.   Os montantes a deduzir, fixados em conformidade com o n.o 1, serão periodicamente alterados, sempre que a variação do encargo da importação proveniente de países terceiros o torne necessário.»

10

Em execução desta disposição a Comissão adoptou e publicou o seu Regulamento n.o 905/73.

11

Ao responder à questão de saber se os regulamentos n.os 648/73 e 905/73 da Comissão foram adoptados em conformidade com os artigos 4.o A e 6.o do Regulamento n.o 974/71 do Conselho, deverá ser constatado que estes regulamentos foram adoptados regularmente, tendo em conta designadamente os termos excepcionalmente amplos do artigo 6.o do Regulamento n.o 974/71, que encarrega a Comissão de fixar as modalidades de aplicação e determina que estas modalidades implicam, designadamente, a fixação dos montantes compensatórios.

12

Na terceira questão, pergunta-se se a validade dos regulamentos n. os 905/73 e 648/73 não é afectada pelo facto de «a sua aplicação colocar os importadores italianos numa situação diferente da dos importadores de países com moeda forte, implicando sempre uma diferença em prejuízo dos importadores italianos entre o valor calculado antecipadamente pela Comunidade e o valor determinado pelas autoridades aduaneiras italianas no momento da importação».

13

A razão pela qual os importadores e exportadores dos diferentes Estados-membros são colocados em situações diferentes reside não na aplicação do sistema dos montantes compensatórios, mas nas circunstâncias que levaram à sua introdução, isto é, nos movimentos das moedas nacionais para além dos limites de flutuação autorizados pela legislação internacional.

Precisamente, o sistema dos montantes compensatórios destina-se a evitar que estes movimentos monetários possam perturbar o funcionamento da política agrícola comum.

No entanto, não se pode pretender que, por efeito do sistema dos montantes compensatórios, as diferenças de situação dos importadores ou exportadores nos Estados-membros sejam completamente compensadas e estes protegidos de todas as consequências das variações de paridade das moedas nacionais.

De resto, se o sistema escolhido pode, em certos casos, colocar os importadores italianos numa situação desfavorável em relação aos importadores de outros Estados-membros, tal sistema pode, pelas mesmas razões, produzir o efeito inverso no que respeita aos exportadores.

14

Consequentemente, a validade dos regulamentos em causa não poderá ser afectada pela circunstância posta em relevo pela terceira questão.

15

Na quarta questão pergunta-se se «os referidos regulamentos são válidos e se introduzem uma diferença, na aplicação das medidas monetárias, entre as operações relativas à carne de bovino e as relativas aos restantes produtos agrícolas regulamentados».

A este propósito, o juiz nacional observa que a alegada impossibilidade de determinar o valor tributável da mercadoria importada não interessaria à Itália, onde, pelas razões indicadas na questão, esta impossibilidade não existia.

16

Não é exacto que o Regulamento n.o 905/73 apenas diga respeito à carne de bovino.

Com efeito, os seus anexos I e II incluem uma parte A relativa ao sector dos cereais e uma parte B relativa ao sector da carne de bovino.

Por conseguinte, este regulamento não é uma medida excepcional adoptada apenas para o sector da carne de bovino, mas constitui uma medida geral destinada a dar execução ao artigo 4.o A do Regulamento n.o 974/71 para os produtos agrícolas aí contemplados.

17

Porém, a recorrente no processo principal sustenta que a aplicação dada ao citado artigo 4.o A pelo Regulamento n.o 905/73 é inadmissível no que respeita ao sector da carne de bovino pelo facto de, diversamente do que está estipulado para os restantes produtos agrícolas, a pauta aduaneira comum prever, para a importação da carne de bovino, não uma taxa fixa calculada em função do peso, mas sim um direito «ad valorem» de 10 %.

18

No entanto, quer o Regulamento n.o 649/73 quer o Regulamento n.o 905/73 fixam para a carne de bovino, ao abrigo do artigo 4.o A do Regulamento n.o 974/71, respectivamente, um montante de base e um ajustamento que não têm em conta o valor individual da mercadoria.

Por esta razão, no caso da importação de carne de bovino de valor superior à média dos preços mundiais que determina os montantes de base e os ajustamentos, criar-se-ia uma diferença que obrigaria o importador a pagar uma parte dos direitos aduaneiros, se bem que o valor real da mercadoria devesse dar-lhe direito a um cálculo mais favorável dos montantes compensatórios.

19

Todo o sistema dos montantes compensatórios monetários assenta no princípio segundo o qual estes montantes não se baseiam nos preços das mercadorias efectivamente pagos, mas nos montantes de base semanalmente fixados pela Comissão.

Ainda que possa criar prejuízo em casos individuais, não só no que respeita ao sector da carne de bovino, mas também em relação a todos os sectores de produtos agrícolas contemplados, no entanto, este princípio impõe-se pela necessidade de manter a uniformidade da sua aplicação e de garantir uma execução administrativa tão rápida quanto possível.

20

De resto, este é o princípio que melhor responde aos objectivos do sistema, o qual não se destina a indemnizar os interessados dos efeitos da perturbação do mercado mundial dos câmbios, mas a tornar possível o funcionamento das organizações comuns dos mercados agrícolas, não obstante as variações das moedas dos Estados-membros.

21

Além do mais, uma excepção tal como a que é sugerida pela recorrente debater-se-ia com grandes dificuldades, uma vez que nas trocas intracomunitárias o valor da mercadoria ainda é determinado segundo critérios que não são uniformes.

22

Do exposto resulta que as questões do juiz nacional não fazem ressaltar considerações de modo a pôr em dúvida a validade dos regulamentos n. os 648/73 e 905/73.

23

Na primeira questão, pergunta-se se o Regulamento n.o 905/73, publicado no Jornal Oficial de 7 de Abril de 1973, pode ser aplicado a uma importação feita em 22 de Março anterior e, em caso afirmativo, se existe na ordem comunitária um princípio ou uma regra que admita a retroactividade das normas emanadas das autoridades comunitárias.

24

Os objectivos e a organização do sistema dos montantes compensatórios monetários tornam inevitável que os montantes aplicáveis para um determinado período, frequentemente, só sejam fixados num segundo momento, não podendo, em geral, devido à natureza das coisas, os elementos decisivos serem determinados senão no fim deste período.

Isto é o que se verifica, designadamente, no que respeita aos períodos durante os quais quer as taxas de câmbio quer os preços mundiais estão sujeitos a variações consideráveis.

Uma tal fixação dos montantes compensatórios para os períodos já decorridos não poderá, assim, ser qualificada como aplicação retroactiva.

Além disso, a regulamentação anterior sobre esta matéria confirma o que antecede e prova que os interessados devem, desde há muito tempo, ter-se dado conta das necessidades do mecanismo instituído.

25

Deve observar-se que o regime de montantes compensatórios não foi criado, mas apenas modificado, pelos regulamentos n. os 509/73 e 648/73.

A última aplicação do regime anterior, isto é, o Regulamento n.o 450/73 da Comissão, de 6 de Fevereiro de 1973, que fixa os montantes compensatórios para determinados produtos agrícolas, deixou de produzir efeitos com a entrada em vigor, em 26 de Fevereiro de 1973, da alteração do Regulamento n.o 974/71 feita pelo Regulamento n.o 509/73.

26

Assim, com o intuito de evitar lacunas na aplicação de um sistema que se tinha tornado essencial ao funcionamento da política agrícola comum, era necessário adoptar normas e fixar montantes para o período posterior a esta data.

Nestas circunstâncias, os regulamentos n. os 648/73 e 649/73 só poderiam prever a sua aplicabilidade a partir de 26 de Fevereiro de 1973.

De resto, como acaba de ser dito, esta fixação dos montantes compensatórios, a posteriori, era inerente à própria natureza do sistema.

27

No entanto, os montantes previstos no Regulamento n.o 649/73 deviam ser ajustados, em conformidade com o artigo 4.o A do Regulamento n.o 974/71, tal como o artigo 1.o daquele primeiro regulamento o prevê expressamente.

Estes ajustamentos eram parte integrante dos montantes fixados pelo Regulamento n.o 649/73 e pelos regulamentos que se lhe seguiram, ainda que a sua fixação se fizesse com um certo atraso explicável.

28

Nestas circunstâncias, se for de admitir que o Regulamento n.o 649/73 se aplicava validamente a partir de 26 de Fevereiro de 1973, apesar de só ter sido publicado em 9 de Março de 1973, o mesmo deve acontecer em relação ao Regulamento n.o 905/73, que constitui o seu complemento necessário e previsível a partir da publicação do Regulamento n.o 509/73.

29

Do exposto resulta que, em matéria de montantes compensatórios monetários, o facto de os elementos necessários ao seu cálculo serem fixados só depois de decorrido o período durante o qual estes montantes são aplicáveis deve considerar-se, sobretudo em períodos de alteração súbitos e imprevisíveis dos dados do mercado, ser frequentemente inerente ao próprio sistema, não podendo, portanto, enquanto tal, atribuir à legislação um efeito retroactivo.

Quanto as despesas

30

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, em relação às partes no processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, a este cabe decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram colocadas pelo Ufficio di conciliazione de Roma, por despacho de 22 de Janeiro de 1976, declara:

 

1)

Em matéria de montantes compensatórios monetários, o facto de os elementos necessários ao seu cálculo só serem fixados depois de decorrido o período durante o qual estes montantes são aplicáveis é inerente ao próprio sistema, não podendo, enquanto tal, atribuir à legislação um efeito retroactivo.

 

2)

As questões colocadas não fazem sobressair considerações de molde a pôr em causa a validade dos regulamentos n.os 648/73 e 905/73.

 

Lecourt

Kutscher

O'Keeffe

Donner

Mertens de Wilmars

Pescatore

Sorensen

Mackenzie Stuart

Capotorti

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Julho de 1976.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Ungua do processo: italiano.