CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL GERHARD REISCHL
apresentadas em 19 de Setembro de 1978 ( *1 )
Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
O processo que hoje nos ocupa tem por objecto uma decisão que a Comissão das Comunidades Europeias tomou aplicando o artigo 86.o do Tratado CEE por «exploração abusiva de uma posição dominante no mercado comum».
A recorrente neste processo é a sociedade-mãe do grupo Hoffmann-La Roche, cuja actividade se estende a todo o mundo, cuja sede está situada em Basileia e cujas filiais estão instaladas em quase todos os Estados-membros da Comunidade, com excepção do Luxemburgo e da Irlanda. Hoffmann-La Roche, que passaremos a designar abreviadamente por «Roche» fabrica, designadamente, vitaminas sintéticas não condicionadas. Esta produção começou, em parte, a partir dos anos 30 e 40; entretanto, as licenças para estes produtos, ao que parece, expiraram. No mercado comum, a Roche tem cerca de 5000 clientes no sector do fabrico de produtos para uso farmacêutico ou destinados à alimentação humana e animal. De 1963 a 1973, a Roche celebrou contratos de fornecimento com uma série deles — a saber, 22 compradores que fabricam e vendem no mercado comum —, de um conteúdo por vezes muito diferente e aos quais voltaremos adiante. Segundo a exposição da Comissão, estes contratos tinham por fim ligar à recorrente compradores principais de vitaminas, e isto quer por intermédio de obrigações expressas de abastecimento relativamente à totalidade ou ao essencial das necessidades, quer por prémios de fidelidade ou por preços preferenciais, com uma estrutura variável segundo os casos.
A Comissão considera alguns acordos relativos às relações que teriam existido até ao fim do ano de 1974 contrários ao direito comunitário. Com efeito, considera poder provar que a Roche tem uma posição dominante numa série de mercados de vitaminas e considera que tais acordos são susceptíveis de afectar a livre escolha e a igualdade de tratamento dos compradores.
A recorrente não partilha deste ponto de vista. Assegurou-nos com efeito que, depois de uma passagem dos funcionários da Comissão no Outono de 1974, tinha começado a revisão dos contratos contestados. Ainda antes da decisão impugnada ter sido adoptada, esses contratos tinham sido suspensos ou modificados. Ao que parece, foram transmitidos novos contratos-quadro àComissão, em Janeiro de 1975, para parecer. Por outro lado, em Junho de 1975, teriam sido submetidos para apreciação à Comissão novas versões dos contratos que deviam ser celebrados com a empresa Merck, um dos compradores em causa.
No entanto, iniciou-se, em Julho de 1975, um processo por concorrência desleal contra a Roche relativamente ao sistema de venda praticado anteriormente. Após a recorrente e os seus parceiros nos contratos terem dado a conhecer a sua opinião sobre as diferentes acusações formuladas pela Comissão, após as partes terem sido ouvidas e após os clientes, bem como as sociedades filiais da recorrente, instaladas no mercado comum, terem respondido aos pedidos de informações que lhes foram dirigidos, a decisão tomada em 9 de Junho de 1976 encerrou este processo.
Nesta decisão, a Comissão considerou provado que, no interior do mercado comum, a recorrente detinha uma posição dominante sobre sete mercados de vitaminas, a saber, as vitaminas A, B2, B6, C, E, H e o ácido pantoténico. Em razão do vínculo obtido por diferentes modos, graças ao qual a Roche se ligava a uma série dos seus compradores e em razão da diferença de tratamento a que estes eram sujeitos, podia-se, considerava a Comissão, imputar à recorrente um abuso, na acepção do artigo 86.o do Tratado CEE. Consequentemente, o artigo 2.o da decisão exigia que se pusesse imediatamente fim ao comportamento contestado. Por outro lado, invocando o facto de a violação do artigo 86.o ter sido cometida deliberadamente, ou pelo menos por negligência, a Comissão infligiu uma multa em aplicação do artigo 15o, n.o 2, do Regulamento n.o 17, tendo apenas em conta, todavia, o período que vai de 1970 a 1974. Nos termos do artigo 3o da decisão, esta multa, a pagar no prazo de três meses a contar da sua notificação, eleva-se a 300000 unidades de conta e, como a recorrente tem uma sociedade filial na República Federal da Alemanha, esta multa foi convertida na decisão em 1098000 DM.
Em 27 de Agosto de 1976, a Roche interpôs um recurso desta decisão. Pede, a título principal, a anulação da referida decisão no seu conjunto. Subsidiariamente, pediu a anulação apenas do artigo 3o da decisão, quer dizer, da disposição que aplicou a multa.
Agora, que extensos articulados trataram abundantemente do litígio — tendo as partes ainda fornecido muitas explicações suplementares em resposta a um catálogo substancial de questões apresentadas pelo Tribunal — e que teve lugar um debate aprofundado na audiência de 31 de Maio de 1978, as nossas conclusões neste processo serão as seguintes.
I — |
Durante um certo tempo, podiam existir incertezas quanto ao ponto de saber se a recorrente pretendia unicamente a anulação da multa que lhe tinha sido aplicada, quer dizer do artigo 3o da decisão, ou se, pelo contrário, era a anulação da decisão no seu conjunto que lhe importava. Quanto a este ponto, na sequência precisamente das explicações expressas fornecidas durante a audiência pública, nenhuma dúvida subsiste agora. A recorrente também mantém o seu pedido principal relativo à anulação da declaração segundo a qual tem, em certos mercados de vitaminas, uma posição dominante, da qual fez um uso abusivo pelo modo como preparou os contratos de fornecimento precedentemente celebrados. |
II — |
O exame deve portanto começar pela questão muito controversa de saber se, na época em questão, designadamente, 1970 a 1974, a recorrente detinha uma posição dominante. Indagaremos, a seguir, se a celebração dos referidos contratos de fornecimento deve ser julgada como constitutiva de um abuso no sentido do artigo 86.o do Tratado CEE, e só depois nos dedicaremos ao estudo dos outros fundamentos do recurso, desde que entretanto não tenham sido abandonados, a saber, a imputação de que é sem razão, quer dizer, com violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 17 que a Comissão exprimiu na moeda de um Estado-membro a multa que aplicou. |
1. |
Existe já uma certa jurisprudência sobre a noção de «posição dominante» referida no artigo 86.o do Tratado CEE. Segundo esta jurisprudência, fala-se de posição dominante quando a concorrência é entravada de modo substancial (acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage Corporation e Continental Company Inc./Comissâo, 6/72, Colect., p. 109), ou, como se diz no acórdão de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon/Metro, 78/70, Colect., p. 183), quando uma empresa está em posição de criar obstáculos a uma concorrência efectiva numa importante quota do mercado a tomar em consideração. No momento deste exame, deve considerar-se, designadamente — e tal resulta também do acórdão mencionado em último lugar —, se existem fabricantes que distribuam produtos idênticos e examinar qual é a sua posição no mercado. No processo bem conhecido do açúcar, foi discutida, designadamente, a questão das quotas de mercado no âmbito do artigo 86.o (acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Coöperatieve Vereniging «Suiker Unie» UA e o./Comissào, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563). É possível deduzir desta decisão que quando as quotas detidas sobre mercados determinados e delimitados são muito importantes (85 %, 90 %, 95 %) e quando as importações são muito reduzidas, pode concluir-se sem mais, quer dizer, sem proceder a verificações suplementares, que a empresa em questão tem a possibilidade de entravar uma concorrência efectiva. O acórdão de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão (27/76, Colect., p. 77), ao qual a Comissão designadamente se reportou, também forneceu uma importante explicação suplementar. O importante, neste acórdão, é a constatação de ordem geral segundo a qual o que caracteriza uma pessoa que detém uma posição dominante no mercado é não ter necessidade de ter em conta, numa certa medida, a posição dos concorrentes, dos clientes e dos utilizadores. Além disso, este acórdão pôs em evidência o facto de uma posição dominante resultar, geralmente, da reunião de vários factores; é preciso, em primeiro lugar, examinar a estrutura da empresa em causa, e depois a situação concorrencial no referido mercado. No que respeita ao ponto citado em primeiro lugar, o acórdão 27/76 invocava toda uma série de elementos importantes, tais como uma integração vertical muito forte, a presença de meios de transporte próprios, os conhecimentos técnicos, uma publicidade de marca eficaz que determina a preferência do comprador, um número restrito de clientes e a manutenção da oferta dos produtos a um baixo nível. No que respeita à situação concorrencial no mercado — se se quiser, alguns dos elementos que acabam de ser mencionados também lhes são atinentes —, a quota de mercado da recorrente, que oscila entre 40 % e 45 %, desempenhou um papel importante. Todavia, verificou-se além disso — e só após esta verificação é que o Tribunal de Justiça concluiu pela existência de uma posição dominante — que a recorrente constituía o principal grupo no mercado de bananas; por outro lado, na sequência de inquéritos sobre o número e o poder dos concorrentes, provou-se que, apesar de uma concorrência repetida e muito enérgica em certos mercados, concorrência à qual a recorrente tinha podido fazer face, não tinha havido transferência de quotas do mercado. O facto de o acesso ao mercado se tornar difícil por investimentos importantes que se impunham e que, consequentemente, não se devia contar com a chegada de novos concorrentes ao mercado, também não deixou de ter influência, longe disso; pelo contrário, não se deu relevo a certas considerações sobre a rentabilidade e a possibilidade de determinar os preços. |
2. |
Parece-nos desde já útil lançar uma rápida vista de olhos sobre as ordens jurídicas nacionais que conhecem a noção de domínio do mercado. Segundo as ideias doutrinais e a prática que se formaram neste sector, pode-se efectivamente ter a impressão que o acórdão United Brands que acabámos de evocar se situa numa via considerada como acertada, em geral, no que respeita à questão das quotas de mercado a tomar em consideração e dos exames complementares que se impõem. Assim, é interessante verificar que em França se considera frequentemente relevantes quotas de mercado que se situam à volta de 50 %, elemento a que se acrescentam então outras considerações relativas, por exemplo, ao poder e à importância de outros concorrentes, à organização técnica e comercial e a outros factores do mesmo género (v. Collin, R. — «La réglementation du comportement des monopoles et entreprises dominantes en droit communautaire», Semaine de Bruges, 1977, pp. 244 e segs.). O direito alemão também tem em conta quotas de mercado da mesma ordem de grandeza (v. as decisões do Bundesgerichtshof de 3 de Julho e de 16 de Dezembro de 1976, Wirtschaft und Wettbewerb 1976, p. 783, e 1977, p. 255). Mas, neste estádio, toma-se ainda em consideração investigações detalhadas sobre as relações de concorrência, a saber, a posição dos concorrentes, a estrutura do mercado, a evolução do mercado e o comportamento dos interessados; os recursos financeiros e técnicos de uma empresa à frente do mercado entram também em linha de conta. Parece que a mesma regra também vale para os países nórdicos (v. «La réglementation du comportement des monopoles et entreprises dominantes en droit communautaire», Semaine de Bruges 1977, pp. 301 e segs.). Na Finlândia, por exemplo, fala-se de posição dominante quando o mercado é controlado em mais de 50 %. Se é verdade que, nas outras ordens jurídicas (Noruega, Dinamarca e Suécia), bastam quotas de mercado de 25 % ou que variam entre 25 % e 50 %, não se deve esquecer que, nestes países, a noção de mercado em causa é interpretada de modo muito restritivo. Por fim, o exemplo que também dão os Estados Unidos, com a sua importante prática quanto ao direito dos monopólios, é quase o mesmo. É referido com pertinência num resumo de jurisprudência que Holley fornece nas pp. 174 e seguintes da publicação que acabámos de mencionar; Semaine de Bruges 1977. Segundo este resumo, não são necessários outros argumentos quando o mercado é controlado a 90 %. Face a quotas de mercado de 75 %, esta regra já não se aplica; nesta hipótese, deve-se, para completar, tomar em consideração outros factores, porque é muito evidente que a presunção de domínio do mercado é tão forte que é difícil de elidir. No caso de quotas de mercado inferiores a esta percentagem (60 %-70 %), os factores a considerar a título complementar aumentam de importância; se as quotas de mercado apenas excederem levemente os 50 %, devem existir fortes indícios de outra natureza que apontem em favor da existência de um domínio do mercado e, quando as quotas de mercado são inferiores a 50 %, é, ao que parece, muito difícil, segundo o direito dos Estados Unidos, provar a existência de uma posição dominante. |
3. |
Uma vez referido este pano de fundo, devemos, ao efectuar o exame do presente caso, começar por recordar que a Comissão concluiu pela existência de uma posição dominante da requerente essencialmente com base na extensão das quotas de mercado que esta detém nos diferentes mercados de vitaminas e na posição dos produtores que a seguem de perto. Mas, a Comissão também atendeu ao facto de a recorrente ser o maior fabricante de vitaminas, dispor de uma flexibilidade e de um poder de capital correspondentes, de poder oferecer uma gama muito, ampla de vitaminas do seu próprio fabrico e de possuir um avanço tecnológico e comercial sobre os seus concorrentes; deve-se, neste contexto, pensar nos conhecimentos técnicos (know-how) e na rede de distribuição muito desenvolvida da recorrente. A recorrente, por um lado, opõe a estas afirmações o argumento segundo o qual a Comissão se fundou em dados inexactos; a recorrente pretende que, na realidade dispõe, para as diferentes vitaminas, de quotas de mercado mais reduzidas. Além disso, certos elementos — a ampla gama de vitaminas oferecida pela recorrente bem como o poder financeiro desta última — que a Comissão teve em conta complementarmente no exame da situação dos concorrentes — não teriam um carácter concludente no que se refere ao poder da recorrente no mercado. Por outro lado, foi sem razão que a Comissão não teria tomado em conta outros factores. Nesta ordem de ideias, a recorrente pensa, designadamente, no exame da situação do mercado e do comportamento no mercado durante um período mais extenso, sendo precisamente importante que o mercado das vitaminas se encontra num estado de forte expansão; segundo afirma, a recorrente também não dispõe do poder de determinar os preços, sendo a sua evolução, pelo contrário, determinada pela pressão que exercem outros concorrentes e mesmo potenciais concorrentes. Além disso, a Comissão não teria tomado em conta o acesso aos mercados de abastecimento, sector no qual a recorrente, contrariamente aos seus principais concorrentes, depara com dificuldades, porque, no plano das suas matérias-primas, depende de outros fabricantes. |
4. |
Consequentemente, é oportuno examinar de seguida, em primeiro lugar, as quotas de que a recorrente dispõe no mercado das diferentes vitaminas. Quanto a este ponto, existe unanimidade sobre a necessidade de examinar separadamente os mercados de vitaminas, porque cada vitamina exige instalações de fabrico particulares e porque as vitaminas não são intermutáveis. Durante o processo, após a Comissão ter fornecido os números relativos às vendas realizadas pelos concorrentes da recorrente, também se pôde chegar a acordo sobre certos dados, tal como resulta do entendimento comum das partes em resposta ao catálogo de questões postas pelo Tribunal. Na medida em que subsistiram pontos de divergência, consagrar-nos-emos ao respectivo exame no momento das nossas observações sobre os diferentes mercados de vitaminas.
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5. |
Após estas observações sobre as quotas de mercado, segundo as quais, no que respeita às vitaminas B2 , B6, H e C, a questão do domínio do mercado já quase não exige exame complementar de um certo alcance (só assim não épara as vitaminas A e E, relativamente a uma parte do período que deve ser aqui examinada), consagrar-nos-emos, a partir de agora, ao exame dos factores que, na sua decisão, a Comissão expressamente mencionou a título suplementar, para ver se pode ser corroborado o julgamento provisório sobre a posição dominante da recorrente no mercado.
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6. |
Ora, como o exame das quotas de mercado em certos sectores (a saber, a vitamina A e parcialmente a vitamina E, podendo a vitamina B3, por outras razões, ficar fora de questão) apenas permitiu chegar a números que estão na fronteira das ordens de grandeza susceptíveis de conduzir à aplicação do artigo 86.o e como, nesta hipótese, o acórdão United Brands, que acabámos de mencionar, efectua diversas verificações minuciosas e complementares, queremos agora examinar ainda os pontos referidos pela recorrente que podem permitir pôr em dúvida o seu poder no mercado.
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7. |
Face a isto é necessário não esquecer que na decisão impugnada a Comissão teve razão ao verificar que a recorrente detém uma posição dominante nos mercados das vitaminas A, B2 , B6 , C, E e H. Apenas se justifica um entendimento diferente para a vitamina B3 . É certo que, em 1974, a recorrente também dispunha de uma quota de mercado relativamente a este produto de uma ordem de grandeza susceptível de levar à aplicação do artigo 86.o Atendendo à dimensão das quotas de mercado dos concorrentes e à evolução dos preços desta vitamina, mais precisamente porque os contratos aqui em questão apenas foram celebrados, o mais tardar, em 1973, este mercado parcial não deveria ser tomado em consideração. |
III — |
Agora há que analisar se a recorrente abusou efectivamente da sua posição dominante. A Comissão vê a existência de um tal abuso na celebração, num período situado entre 1963 e 1973, de 26 contratos assinados com 22 compradores da recorrente. Segundo a Comissão estes contratos vincularam, através de formas diferentes, os compradores da Roche relativamente ao abastecimento de algumas ou de todas as espécies de vitaminas de que os diferentes clientes necessitavam. Além do mais, estes contratos reservavam aos clientes vantagens diferentes que não dependiam das poupanças de gastos efectuadas pela Roche. A Comissão entende que se pode falar de uma violação do princípio mencionado no artigo 3 o, alínea f), do Tratado CEE, nos termos do qual é necessário velar que a concorrência não seja falseada, dado que esta situação influenciou a liberdade de escolha dos compradores, restringiu a concorrência a que se dedicavam os fabricantes de vitaminas e impediu que outros fabricantes entrassem em contacto com estes compradores. Por outro lado, a Comissão entende que há violação do princípio da igualdade de tratamento na acepção do artigo 86o, segundo parágrafo, alínea c). A recorrente alega que não se pode falar de um sistema uniforme de vendas; designadamente os acordos celebrados com a Unilever e a Merck têm características que justificam uma análise separada. Além disso, um elemento importante é o facto de os contratos não terem sido celebrados com base numa posição dominante no mercado, isto é, de não estarem ligados a uma posição de força e, por outro lado, deverem também ser considerados de uso perfeitamente corrente no comércio. A recorrente entende que, para fazer a sua apreciação é necessário, pelo menos, tomar em conta os interesses em presença e considerar precisamente o facto de a referida cláusula inglesa, que figura nos contratos, ter deixado uma margem de manobra suficiente à concorrência. Quanto às diferenças mencionadas pela Comissão, a Roche entende que estas se justificam, pelo menos em parte, visto as diferentes despesas que tem de suportar. Em caso algum eram de uma ordem de grandeza que prejudicasse a competividade dos compradores. Por fim, também se deve ter em consideração os efeitos dos contratos no mercado. Se afastarmos algumas convenções relativamente às quais se pode dizer que não levantam nenhum problema é absolutamente impossível aceitar a conclusão de que a concorrência e o comércio entre os Estados-membros foram influenciados de forma sensível. |
1. |
Para efectuar uma apreciação sobre esta controvérsia, começaremos pela análise de alguns argumentos de ordem geral apresentados pela recorrente.
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2. |
Prosseguindo a análise do processo, dedicar-nos-emos, em primeiro lugar, aos vínculos existentes entre os compradores e a recorrente. Ao proceder assim, é necessário, de qualquer modo, de acordo com a argumentação da recorrente, excluir por enquanto os contratos celebrados com a Unilever e a Merck, porque têm supostamente características especiais que necessitam, em cada caso, de uma apreciação diferente. Verificamos dois tipos de vínculos nos contratos, a saber, por um lado, as obrigações expressas de fornecimento ligadas a promessas de abatimento de preços e, por outro, aos vínculos que se baseiam exclusivamente em descontos de fidelidade, se assim puderem ser qualificadas sucintamente as vantagens prometidas.
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3. |
Depois de ter provado que a Comissão teve razão — pelo menos no que diz respeito à maioria dos contratos em questão — ao entender que existia um vínculo abusivo com a recorrente, pretendemos ainda analisar os contratos celebrados com as empresas Merck e Unilever para descortinar se, neste caso, se justifica uma apreciação particular.
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Abordaremos agora a segunda categoria de abusos, a saber, a aplicação de condições desiguais no caso de prestações equivalentes que o artigo 86.o, segundo parágrafo, alínea c) condena se forem praticados por empresas em posição dominante. Também relativamente a esta questão se pode remeter para o processo do açúcar, no qual, precisamente a propósito dos descontos de fidelidade, foi formulada uma crítica deste tipo com o fundamento de que prejudicavam os compradores no plano da concorrência. Além do mais, é interessante salientar que também encontramos tais apreciações no direito nacional: por exemplo, o direito francês proíbe a prática de diferenças de preços que não sejam justificadas com base em diferenças de preço de custo; o direito inglês aplica uma regra idêntica (v. o relatório da «Monopoly's and restrictive practices commission on supply of insulated electric wires and cables»). No caso vertente, não se pode duvidar do facto de os compradores terem tido um tratamento diferente relativamente ao cálculo dos descontos e, aliás, a recorrente não o contestou. Se se analisar o escalonamento dos descontos sobre o volume total de vendas verificam-se, em parte, diferenças consideráveis relativamente às quantidades mínimas exigidas e os descontos referentes às quantidades, e isto, é verdade, não apenas quando se comparam os contratos expressos numa mesma moeda e aplicáveis num período idêntico, mas também quando se comparam os contratos expressos em moedas diferentes. O mesmo sucede com os outros descontos de fidelidade, incluindo os ditos descontos de «percentagem», cujas taxas variam entre 1 % a 7,5 %, exceptuando os abatimentos que figuram no contrato celebrado com a Merck e qualificados como descontos de quantidade. Também não é decerto a remissão para os períodos em que se aplicavam estas convenções — que, em parte, se sobrepõem — ou a referência ao volume das necessidades cobertas ou ainda aos abastecimento reais, como nos foram comunicados em 1974, que justificam estas diferenças. Aliás, por enquanto não necessitamos de produzir a sua prova pormenorizada; relativamente a este ponto, a mínima das dúvidas fica esclarecida após uma análise atenciosa dos contratos. Eis a razão pela qual as tentativas de justificação da recorrente têm um aspecto completamente diferente. Foi assim que ela considerou que, na audição levada a cabo pela Comissão durante o processo administrativo, em virtude das flutuações monetárias, os descontos e diferenças de descontos não tinham sido perceptíveis. Afirmava, além disso, que em caso algum os clientes tinham sido lesados a nível da sua competitividade. Efectivamente, como salienta, quase todos os compradores efectuam o tratamento das vitaminas. No entanto, nos produtos finais, as vitaminas desempenham um papel de segundo plano; precisamente no que se refere ao fabrico de produtos destinados à alimentação animal e humana, que concentra a principal parte das vendas, constituem apenas uma ínfima parte do preço final, a saber, 1 % ou menos. Eis porque, segundo a recorrente, mesmo uma diferença de desconto de 5 % não pode, por conseguinte, produzir efeitos nas relações de concorrência. No entanto, parece-nos que com estas objecções a recorrente não consegue afastar o abuso que lhe é imputado. Relativamente ao primeiro ponto, basta recordar que as diferenças que existem relativamente às taxas de desconto também figuram nos contratos expressos em moedas idênticas. No que respeita ao segundo ponto da argumentação desenvolvida pela recorrente, parece-nos que a Comissão tem razão ao remeter para o facto de «aplicar uma desvantagem na concorrência», como declara o artigo 86.o, segundo parágrafo, alínea c), não ter o mesmo significado que afectar a competividade. No mesmo sentido, a doutrina (Siraguza — «Semaine de Bruges 1977», p. 452) declara que as discriminações também são irregulares nos casos em que os compradores em questão não estão em concorrência. Por outro lado, não se deve esquecer que, aparentemente, os compradores deram uma grande importância aos descontos e daqui é necessário concluir que eram manifestamente importantes para a sua posição no mercado e para as suas decisões económicas; impõe-se ainda recordar que, no processo do açúcar, o Tribunal de Justiça considerou suficientes as diferenças de preços de 5 % para que se pudesse falar de uma violação do artigo 86.o, segundo parágrafo, alínea c). Por conseguinte — e, na verdade, sem que seja necessário analisar o argumento manifestamente fora de propósito segundo o qual os concorrentes da recorrente também efectuaram descontos desta ordem de grandeza —, apenas se pode considerar que, na decisão impugnada, a Comissão também teve razão quando provou a existência de um abuso relativamente à concessão de condições de negócios diferentes. |
5. |
Depois destas conclusões fundamentais relativas ao abuso de uma posição dominante, resta-nos ainda analisar a questão de saber se a apreciação da Comissão, que como já referimos está, na sua maior parte, bem fundamentada, pode ser posta em causa através da referência ao volume de negócios mencionado nos contratos. É ainda necessário indagar se é importante que a concorrência e o comércio entre Estados sejam afectados de forma sensível e se, no caso concreto, de acordo com a opinião da recorrente, se pode afastar a aplicação do artigo 86.o por não estar preenchida a condição acima mencionada. Relativamente a esta questão, afirma precisamente que, se não pusermos em causa os contratos celebrados com a Merck e a Unilever e nos limitarmos aos verdadeiros contratos de fidelidade, excluindo os descontos sobre o volume total das vendas, o sistema de vendas criticado apenas abrangeu, em média, relativamente aos anos 1970 a 1974, 4 % da venda das vitaminas no mercado comum. Em nossa opinião e ainda em relação a este ponto, não podemos seguir os argumentos da recorrente. A Comissão tem razão quando refere que a teoria da sensibilidade foi desenvolvida a propósito do artigo 85o, isto é, para um domínio em que, em si, a restrição de uma concorrência eficaz e existente se deve a convenções e outros métodos similares. Pelo contrário, perante os factos mencionados no artigo 86o, a concorrência é quase eliminada, na medida em que uma empresa dominante não está submetida a uma concorrência efectiva. Nesta hipótese, não parece efectivamente possível não tomar em consideração o comportamento de uma tal empresa, que deve ser considerado abusivo segundo os critérios do artigo 86.o, com o fundamento de que os seus efeitos não se sentem de uma forma sensível sobre as relações de concorrência. Ora, mesmo supondo que seja defensável neglicenciar os abusos ou, pelo menos, deixá-los impunes quando se trata apenas, por assim dizer, de «quantidades negligenciáveis», não obstante, é necessário duvidar seriamente do facto de o presente processo se inserir nesta categoria. Como já referimos, os contratos celebrados com a Merck e a Unilever não podem, de modo algum, não ser tomados em consideração, mas, quando muito os que foram concluídos com a Protector e a Upjohn e que, no entanto, dizem respeito a menos de meio por cento das vendas globais na Comunidade em 1974. É também importante frisar que se trata de contratos que abrangem os grandes compradores da recorrente, concentrados no sector de fabrico de produtos destinados à alimentação humana e animal. Contudo, é indiferente comparar o seu volume de negócios com o volume das vendas totais da recorrente ou, para responder às pretensões desta, com a venda global de vitaminas no mercado comum; em caso algum, se também for tomada em consideração a cláusula inglesa, estamos perante quantidades de uma ordem de grandeza que nos permitam falar de efeitos completamente insignificantes sobre as relações de concorrência. Por outro lado, como também se trata de contratos celebrados com empresas de tratamento de vitaminas e cuja actividade não se limita ao território de um Estado-membro, esta situação de facto também permite supor que o comércio entre os Estados-membros é afectado de tal forma que, à luz do artigo 86o, é sempre relevante. |
IV — |
Uma vez que os reparos que formulámos até agora demonstram que legalidade da decisão da Comissão, no essencial, não pode ser posta em causa, na medida em que considera provada a existência de um abuso de posição dominante, permitimo-nos analisar a outra questão que consiste em saber se a condenação no pagamento de uma multa é susceptível de levantar objecções. Relativamente a esta questão impõe-se, antes de mais, tecer três considerações:
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1. |
Relativamente ao primeiro ponto, a recorrente referiu o artigo 22o da Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (lei alemã sobre as restrições da concorrência), segundo a qual um comportamento abusivo de uma empresa em posição dominante no mercado não é sancionado por uma multa, e mencionou outras disposições nacionais relativas à concorrência que apenas prevêem multas nos casos em que não sejam respeitadas injunções concretas formuladas pelas autoridades competentes em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas. Por outro lado, recordou que uma lei de 1973 introduziu, na lei alemã sobre as restrições da concorrência, um processo suplementar de proibição com o fundamento de que as disposições relativas às multas não eram adequadas para a resolução das questões a que se referiam. Ora, se o nosso entendimento é correcto, a Roche não chega a concluir que a disposição relativa às multas, mencionada no artigo 15o do Regulamento n.o 17, é completamente ilegal, embora se refira ao artigo 86.o do Tratado CEE. Entende apenas que o artigo 15o deve ser interpretado em conformidade com os direitos fundamentais, na medida em que as multas apenas devem ser aplicadas quando já existem decisões administrativas com uma relevância explicativa. Esta interpretação tem como principal ponto de partida a tese de que, no caso em apreço, se critica a celebração de alguns contratos perfeitamente correntes, que não levantam qualquer problema no plano do direito da concorrência e que apenas podem ser considerados ilícitos se existir uma posição dominante. Ora, tratando-se da questão da posição dominante, é necessário, como afirma a recorrente, admitir que implica apreciações de facto delicadas e que, por conseguinte, no caso concreto, devem necessariamente existir dúvidas pelo menos fundamentadas, porque tudo depende não apenas das quotas de mercado e da estrutura do mercado, mas de uma série de questões suplementares. Consequentemente, segundo a Roche, a aplicação de uma multa numa situação destas entra em conflito com o princípio de que as disposições penais devem ser especificadas de forma suficiente antes de poderem ser aplicadas. Como decorre da doutrina e da jurisprudência, este princípio da especificação, ligado ao da segurança jurídica, encontra, em parte, o seu fundamento no direito constitucional nacional (artigo 103o da Lei Fundamental alemã, artigo 25.o, n.o 2, da Constituição italiana); além disso, como também declara a doutrina, este princípio tem a sua expressão no artigo 7.o da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Segundo a Roche, nas ordens jurídicas que não incluem uma tal disposição constitucional, aliás aplicável não apenas às penas criminais, mas também às infracções de direito regulamentar (Ordnungswidrigkeiten), como por exemplo o direito belga, é possível remeter para o princípio in dubio pro reo ou nullum crimen sine lege, em vigor nos outros Estados-membros. Segundo a recorrente, daqui também se pode deduzir — e tal também é aplicável às infracções do direito regulamentar — que uma sanção desaparece quando as noções são vagas e existem dúvidas relativamente à sua interpretação. Este princípio impõe, pelo menos, uma interpretação restritiva das leis imprecisas. A Comissão opôs a estas considerações um certo número de dúvidas e de objecções que visam precisamente a relevância das normas constitucionais invocadas na disposição que consta da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como o conhecido princípio do direito belga; segundo as vossas objecções deve duvidar-se da existência de um princípio jurídico geral que corresponda, quanto ao seu conteúdo, ao que diz a recorrente. A Comissão salientou que um tal princípio apenas consta do direito constitucional de dois Estados-membros em que o poder legislativo é controlado através do poder judicial, que se trata de um princípio de um novo tipo e aplicável, antes de mais, no direito penal, não estando ainda definitivamente provado se também abrange as infracções do direito regulamentar nas quais se têm de incluir as multas aplicadas com base no artigo 15o do Regulamento n.o 17. A Comissão declara que, seja como for, é necessário considerar que este princípio não permite tirar conclusões muito rigorosas. Tanto no direito alemão como no direito italiano, reconheceu-se que nas disposições legislativas figuram noções gerais, determinadas de forma pouco precisa e que, por conseguinte, importa principalmente que o enquadramento estabelecido permita uma interpretação do juiz e forneça uma base segura para a jurisprudência. Isto aplica-se, designadamente, no direito da concorrência, domínio em que, em razão da diversidade dos aspectos da vida económica, não é possível abstrair das noções de carácter geral. Segundo a Comissão, basta que seja possível, no caso vertente, determinar o conteúdo exacto de uma disposição com base nos objectivos prosseguidos pela norma na sua íntegra; neste caso concreto, desempenha certamente um papel importante o facto de uma grande empresa que opera no mercado internacional poder, para apreciar a licitude ou ilicitude do seu comportamento, obter elementos de referência suficientes que retira do conhecimento das diferentes ordens jurídicas nacionais. É necessário reconhecer que seria muito interessante analisar em pormenor os problemas que suscita esta controvérsia, e é por isso que os expusemos de um modo relativamente completo. Porém, por razões que a seguir se tornarão rapidamente compreensíveis, não somos obrigados a tal no caso sub Judice. Parece-nos difícil defender a tese segundo a qual não se pode, de modo algum, pensar em aplicar a disposição do Regulamento n.o 17, relativa às multas, antes de terem sido adoptadas decisões administrativas que possibilitem uma aplicação prática do artigo 86.o É perfeitamente claro que se está a ir demasiado longe; com efeito, é certo que existem situações de facto que correspondem sem problemas aos critérios enunciados nas disposições do artigo 86o e que não dão lugar a dúvidas sérias quanto à existência de uma posição dominante e de um abuso, na acepção dos exemplos mencionados no artigo 86.o Mas desde que existam, em paralelo, áreas imprecisas e domínios limítrofes e enquanto a prática administrativa não estiver suficientemente desenvolvida, será certamente possível, na maior parte dos casos, como seria conveniente, ter em conta este problema com base em considerações respeitantes à culpa imputada. Tal deveria pelo menos ser o caso no processo em apreço e é a razão pela qual pensamos que é pertinente basear o essencial da análise neste tema, ou seja, na reflexão formulada em segundo lugar pela recorrente. |
2. |
No âmbito da questão de saber se a recorrente abusou da sua posição dominante de um modo culposo, isto é, dolosamente ou por negligência, introduzimos nesta discussão o interessante conceito jurídico do erro de direito que exclui a responsabilidade. Com base em análises de direito comparado bastante desenvolvidas, a recorrente também conseguiu demonstrar que se trata de um conceito jurídico muito difundido, havendo pois boas razões para o aceitar na medida em que constitui um elemento de progresso para o domínio da CEE e para as disposições que lhe são aplicáveis em matéria de multas. Relativamente a este ponto remetemos para as explicações fornecidas pela recorrente referentes ao valor do erro de direito no direito alemão, e também para as infracções do direito regulamentar; remetemos ainda para as exposições relativas ao direito dinamarquês, neerlandês e francês — em todo o caso, para a doutrina destes países — e recordamos que, no seu artigo intitulado «Die Strafgewalt übernationaler Gemeinschaften»(Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft 1953, pp. 497 e segs.), Jeschek defendeu o ponto de vista de que também se pode concluir, relativamente ao direito da CECA, que existe um princípio da mesma ordem baseado no artigo 36.o do Tratado CECA. Pelo contrário, entra dificilmente em linha de conta o facto de ainda existir, quanto a este ponto, uma certa reticência dos direitos inglês e italiano. Se se aceitar este ponto de vista, a questão essencial consiste em saber se, no caso em apreço, se pode efectivamente falar de um erro, cometido pela recorrente, que exclui a sua responsabilidade relativamente à posição dominante que detinha e ao comportamento denunciado pela Comissão. Quanto à posição dominante e abstraindo de um eventual erro de facto de acordo com o qual a quota do mercado mundial detida pela recorrente pode desempenhar um papel importante, é necessário fazer os seguintes reparos relativamente a esta questão: Nalguns mercados (vitaminas A e E), a quota detida pela recorrente oscila manifestamente na fronteira do que é exigido. Considerando que tal não sucede, o facto de na prática relativa à adopção das decisões, tal como existia antes da celebração dos contratos que ligam a recorrente aos seus clientes, se ter tratado de monopólios ou de quotas de mercado muito grandes, pode desempenhar um papel de algum relevo. Foi exposto, sem que tenha havido qualquer impugnação, que segundo a prática alemã em vigor antes da alteração legislativa de 1973, mesmo as quotas de mercado muito grandes não bastavam para considerar provada a existência de uma posição dominante, se existisse paralelamente uma concorrência ao nível da qualidade. Neste contexto, também pode ter importância o que foi verificado durante o processo relativamente à evolução dos preços no mercado das vitaminas e no que diz respeito a uma certa concorrência a este nível e isto precisamente tendo em consideração que, segundo o Tratado CECA, a existência de uma posição dominante depende do poder de fixar os preços. Por fim, relativamente à opinião da recorrente de que não conseguiu eliminar uma concorrência eficaz, também pode ter sido importante o conhecimento do poder financeiro de grandes concorrentes; de igual modo, não é possível afastar o argumento segundo o qual a apreciação da situação, feita pela recorrente, podia ser influenciada por saber que operava num mercado em forte expansão. Quanto ao comportamento denunciado pela Comissão — na medida em que se trata de desigualdade de tratamento entre compradores —, podemos reter que os efeitos sobre a competitividade se mantinham dentro de alguns limites e que, na época, os operadores existentes no mercado não podiam saber, sem mais, que esta questão não era determinante à luz do artigo 86.o Quanto ao vínculo existente com os compradores, é necessário, em nossa opinião, aceitar as seguintes considerações: no direito da CECA e no âmbito do artigo 86.o, os descontos de fidelidade, também não são, em parte, criticados pela doutrina (v. Van Hecke — «Kartelle und Monopole im modernen Recht», Vol. 1, p. 338), e na altura em que foram celebrados os contratos controvertidos ainda não existia qualquer decisão sobre os descontos de fidelidade verdadeiros ou falsos. Nomeadamente, segundo declarações feitas pela recorrente e que não foram impugnadas, ao que parece, na prática seguida tanto nos Estados Unidos como na Alemanha, tais contratos ainda não foram, até ao presente, sancionados por multas. Também não se nos afigura completamente incorrecto o ponto de vista da recorrente de que numa fase de expansão do mercado, os vínculos deste tipo colocam menos problemas porque, contrariamente a um mercado em estagnação, todos os operadores no mercado ainda dispõem de uma margem de manobra suficiente. De igual modo, não se pode qualificar como estando totalmente destituído de pertinência o facto de a recorrente dar importância ao princípio da tomada em consideração dos interesses; seja como for, este princípio é abordado na decisão GEMA da Comissão relativa às relações de exclusividade e no acórdão Sabam proferido pelo Tribunal de Justiça a propósito de um caso idêntico. A este respeito, tanto a cláusula inglesa que figura nos contratos, bem como a sua utilização pela recorrente, deveriam desempenhar um papel importante, e não dos menos relevantes, e isto precisamente porque tal cláusula foi considerada na decisão Dunlop por própria iniciativa da Comissão (JO 1969, L 323, p. 21). Tendo em conta todas estas considerações às quais, em nossa opinião, não é possível responder de forma concludente afirmando que a recorrente se podia precaver informando-se a nível jurídico, e que tinha razões para ser prudente em virtude dos conhecimentos que possuía sobre os diferentes direitos nacionais que, em parte, divergem efectivamente de modo considerável; no seu caso, não se deveria hesitar em falar de um erro de direito que exclui a responsabilidade no que toca à aplicação do artigo 86o No entanto, pode entender-se que a culpa é de tal modo mínima que não há razão para aplicar necessariamente uma multa a uma empresa que durante o processo administrativo se mostrou, segundo declarações de todos, especialmente cooperativa e declarou estar disposta a pôr imediatamente termo ao comportamento controvertido. |
3. |
Em princípio, já não é necessário analisar mais desenvolvidamente o argumento da desigualdade de tratamento no que toca à multa aplicada. Se, no entanto, pretendêssemos fazê-lo, bastaria frisar muito brevemente que, na realidade, no caso em apreço, este argumento não ajuda muito mais a recorrente. Relativamente a esta questão, a recorrente referiu o processo do açúcar, por isso é necessário recordar que, efectivamente, nesse processo, também foi aplicada uma multa por violação do artigo 86.o em razão da concessão de descontos de fidelidade e que essa multa foi apenas reduzida ainda que em montante considerável pelo Tribunal de Justiça. |
4. |
De igual modo, se se entender que é justo anular a decisão que aplica uma multa, é supérfluo indagar se não se deve, pelo menos, corrigir o seu cálculo. Contudo, relativamente a este ponto, gostaríamos de salientar que uma tal correcção seria de qualquer modo desejável, uma vez que, de acordo com os resultados do processo, é conveniente negar a existência de um domínio do mercado da vitamina B3, e porque é dificilmente defensável, no que toca a dois contratos, a acusação de abuso a propósito dos vínculos existentes com os compradores. Além disso, seria necessário, no caso em apreço, ter em consideração o facto de uma parte importante dos fornecimentos efectuados pela recorrente se destinar a fins tecnológicos, penetrando consequentemente num mercado relativamente ao qual ainda não tinha sido demonstrado que a recorrente detinha uma posição dominante. Acresce, que também é conveniente avaliar aqui os verdadeiros efeitos que resultam da aplicação dos contratos controvertidos. Quanto a esta questão recordaremos as afirmações cuja exactidão a recorrente tentou provar ao remeter, em parte, para as opiniões dadas pelos seus clientes em resposta às acusações formuladas pela Comissão. Segundo essas afirmações, os compradores ter-se-iam sentido muito livres nas suas decisões de compra e isto, nomeadamente, graças à cláusula inglesa e à utilização liberal que dela efectuou a recorrente. Recordaremos ainda que a Comissão reconheceu, ao que parece — tal nem sempre foi controlado —, que as obrigações impostas nem sempre foram respeitadas e que a atracção que consistia na atribuição de descontos não foi em todo o lado tão grande como se pensava. Pelo menos, é neste sentido que se deve entender a observação da Comissão, que, em seu entender e em suma, os 22 clientes da recorrente, agora em causa, abasteceram-se, relativamente a uma quota preponderante, exclusivamente ou essencialmente junto da Roche. Não pretendemos analisar aqui mais pormenorizadamente este processo. Relativamente a esta questão remetemos para as declarações feitas pela Comissão na sua tréplica, nas páginas 52 e seguintes, e para as observações que formulou em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça (pp. 12 e segs.), bem como para os relatórios que nos foram apresentados, relativos às investigações efectuadas junto dos clientes da recorrente. |
V — |
No entanto, ainda não concluímos a análise do caso em apreço. Teremos de examinar ainda dois argumentos que, na opinião da recorrente, põem em causa a legalidade da totalidade da decisão, a saber, a violação da proibição de utilizar documentos obtidos ilegalmente e a violação dos direitos da defesa.
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VI — |
Mais uma vez, permitimo-nos resumir a nossa opinião. Em nosso entender, a decisão impugnada está bem fundamentada, na medida em que determina a existência de uma posição dominante da recorrente nos mercados de seis tipos de vitaminas, excluindo, pois, o mercado da vitamina B3 e, na medida em que censura à recorrente o facto de ter estabelecido vínculos abusivos com vinte clientes, com excepção, consequentemente, das empresas Protector e Upjohn, e de ter abusivamente reservado um tratamento diferente às empresas mencionadas na decisão. Em contrapartida, não nos parece justificado aplicar uma multa à recorrente por violação do artigo 86.o, porque a culpa não está suficientemente especificada. É nesta medida que se deve dar provimento ao recurso proposto pela Hoffmann-La Roche; quanto ao restante, o recurso deve ser julgado improcedente. Assim sendo, parece-nos oportuno declarar que cada uma das partes deverá suportar as suas próprias despesas. |
( *1 ) Língua original: alemão.