ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

3 de Fevereiro de 1976 ( *1 )

No processo 59/75,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Giudice istruttore junto do Tribunale di Como, destinado a obter no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Pubblico Ministero

e

Flavia Manghera e o.,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação do n.o 1 do artigo 37o do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher, presidente de secção, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, H. Sørensen, Mackenzie Stuart e A. O'Keeffe, juízes,

advogado-geral: J.-P. Warner

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho de 30 de Junho de 1975, que deu entrada no Tribunal em 7 de Julho seguinte, o Giudice istruttore do Tribunale di Como pediu, ao abrigo do artigo 177o do Tratado CEE, ao Tribunal que proferisse decisão a título prejudicial sobre a interpretação a dar ao n.o 1 do artigo 37.o do Tratado CEE e à resolução do Conselho de 21 de Abril de 1970 relativa aos monopólios nacionais de natureza comercial de tabacos manufacturados (JO C 50 de 28.4.1970, p. 2).

2

O juiz nacional tem de aplicar a lei penal italiana a factos qualificados como infracção às disposições legais que concedem um direito exclusivo de importação ao monopólio de Estado dos tabacos manufacturados.

3

Na primeira questão pergunta-se se o n.o 1 do artigo 37.o do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que, a partir de 31 de Dezembro de 1969 (data do termo do período de transição), o monopólio comercial devia ser restruturado de forma a excluir a própria possibilidade de exercer discriminações contra os exportadores comunitários, provocando o desaparecimento, a partir de 1 de Janeiro de 1970, do direito exclusivo de importação em relação a outros Estados-membros.

4

Nos termos do n.o 1 do artigo 37.o, os Estados-membros adaptarão progressivamente os seus monopólios nacionais que tenham natureza comercial com vista a assegurar, quanto às condições de abastecimento e de comercialização, a exclusão de qualquer discriminação entre nacionais dos Estados-membros.

5

Sem exigir a supressão dos referidos monopólios, esta disposição impõe obrigatoriamente a sua adaptação de forma a assegurar o completo desaparecimento das discriminações referidas, findo o período de transição.

6

Para interpretar o n.o 1 do artigo 37.o, no que diz respeito à natureza e ao alcance da adaptação imposta, este preceito deve ser considerado no seu contexto em relação com os restantes números do mesmo artigo e com a sua situação no sistema geral do Tratado.

7

Este artigo integra-se no título relativo à livre circulação de mercadorias, concretamente no capítulo II, relativo à eliminação das restrições quantitativas entre os Estados-membros.

Dirige-se a todo e qualquer organismo através do qual um Estado-membro controle, dirija ou influencie sensivelmente, não só directa mas também indirectamente, as importações ou exportações entre os Estados-membros.

8

Por outro lado, o n.o 2 do mesmo artigo refere-se à obrigação de os Estados-membros se absterem, desde o início do período de transição, de tomar qualquer medida susceptível de restringir o alcance dos artigos relativos à eliminação dos direitos aduaneiros e das restrições quantitativas entre os Estados-membros.

Além disso, o n.o 3 determina que o regime de adaptação previsto no n.o 1 deve ser harmonizado com a eliminação das restrições quantitativas para os mesmos produtos, prevista nos artigos 30.o a 34.o

9

Resulta destes preceitos e da sua economia que a obrigação imposta no n.o 1 se destina a assegurar o respeito da regra fundamental da livre circulação das mercadorias em todo o mercado comum, especialmente mediante a supressão das restrições quantitativas e das medidas de efeito equivalente nas trocas comerciais entre os Estados-membros.

10

Este objectivo não seria alcançado se, num Estado-membro onde existe um monopólio comercial, não fosse assegurada a livre circulação de mercadorias provenientes de outros Estados-membros, similares àquelas a que o monopólio nacional diz respeito.

11

De resto, a própria resolução do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativa aos monopólios nacionais dos tabacos manufacturados de natureza comercial recorda a obrigação de eliminar os direitos exclusivos relativos à importação e à comercialização dos tabacos manufacturados.

12

O direito exclusivo de importação de produtos manufacturados do monopólio em causa representa, assim, em relação aos exportadores comunitários, uma discriminação proibida pelo n.o 1 do artigo 37.o

13

Consequentemente, há que responder-se à primeira questão que o n.o 1 do artigo 37.o do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que, a partir de 31 de Dezembro de 1969, qualquer monopólio de natureza comercial devia ter sido adaptado de modo a suprimir o direito exclusivo de importação a partir dos restantes Estados-membros.

14

Na segunda questão pergunta-se se o n.o 1 do artigo 37.o do Tratado é directamente aplicável e se atribui aos particulares direitos subjectivos que as autoridades judiciais nacionais devem proteger.

15

O desaparecimento, no fim do período de transição, de toda e qualquer discriminação entre nacionais dos Estados-membros, quanto às condições de abastecimento e de comercialização, constitui uma obrigação de resultado preciso, acompanhada de uma simples cláusula suspensiva.

16

Findo o período de transição, esta obrigação deixa de ser acompanhada de qualquer condição e de estar sujeita, no seu cumprimento ou nos seus efeitos, à prática de qualquer acto, quer da Comunidade quer dos Estados-membros, e pela sua própria natureza, é susceptível de ser invocada pelos nacionais dos Estados-membros perante os órgãos jurisdicionais internos.

17

Na terceira questão pergunta-se se, consequentemente, entidades distintas do monopólio podiam, com base no artigo 37.o do Tratado, ter efectuado, a partir de 1 de Janeiro de 1970, importações para o território italiano de produtos sujeitos ao regime do monopólio dos tabacos previsto na Lei n.o 907, de 17 de Julho de 1942, originários de países comunitários, mediante o pagamento dos impostos previstos para este género de produtos.

18

Esta questão, refere-se mais à aplicação do direito comunitário do que à sua interpretação, pelo que deve ser apreciada pelo juiz nacional.

19

Na quarta questão pergunta-se se a resolução do Conselho, de 21 de Abril de 1970, pode modificar o alcance do disposto no artigo 37.o, n.o 1, do Tratado e, em caso afirmativo, se este tem como efeito vincular os Estados-membros, ao liberalizar imediatamente a importação de produtos sujeitos ao monopólio, sem que seja necessária qualquer medida comunitária, e ao provocar a eliminação dos direitos de exclusividade ligados ao monopólio dos tabacos.

20

Nos termos da resolução citada, «os governos francês e italiano comprometem-se a tomar todas as medidas necessárias à supressão das discriminações resultantes dos monopólios nacionais de natureza comercial. A supressão dos direitos exclusivos relativos à importação e à comercialização por grosso deve ser efectuada, o mais tardar, até 1 de Janeiro de 1976».

21

A referida resolução, que exprime essencialmente a vontade política do Conselho e dos governos francês e italiano de porem fim a uma situação contrária ao artigo 37.o, n.o 1, não pode produzir efeitos oponíveis aos particulares.

Em especial, o prazo referido na resolução não pode prevalecer sobre o prazo previsto no Tratado.

22

Consequentemente, deve responder-se negativamente à quarta questão.

Quanto às despesas

23

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Giudice istruttore do Tribunale di Como, por despacho de 30 de Junho de 1975, declara:

 

1)

O n.o 1 do artigo 37.o do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que, a partir de 31 de Dezembro de 1969, todo e qualquer monopólio nacional de natureza comercial deve ter sido adaptado de modo a suprimir o direito exclusivo de importação a partir dos restantes Estados-membros.

 

2)

Findo o período de transição, o artigo 37.o, n.o 1, pode ser invocado pelos nacionais dos Estados-membros perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

 

3)

A resolução do Conselho de 21 de Abril de 1970 não altera o alcance do disposto no n.o 1 do artigo 37.o

 

Lecourt

Kutscher

Donner

Mertens de Wilmars

Sørensen

Mackenzie Stuart

O'Keeffe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Fevereiro de 1976.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: italiano.