ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
19 de Novembro de 1975 ( *1 )
No processo 38/75,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pela Tariefcommissie, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre
Douaneagent der NV Nederlandse Spoorwegen, de Venlo,
e
Inspecteur der invoerrechten en accijnzen,
uma decisão a título prejudicial sobre a validade de uma nota complementar ao capítulo 90 da pauta aduaneira comum, inserida pelo Regulamento (CEE) n.o 1/71 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1970 (JO L 1 de 1.1.1971),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, M. Sørensen, A. J. Mackenzie Stuart e A. 0'Keeffe, juízes,
advogado-geral: J.-P. Warner
secretário: A. Van Houtte
profere o presente
Acórdão
(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)
Fundamentos da decisão
1 |
Por decisão de 11 de Junho de 1974, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 16 de Abril de 1975, a Tariefcommissie suscitou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, três questões relativas à validade de uma nota complementar, introduzida no capítulo 90 da pauta aduaneira comum (a seguir «pac»), pelo Regulamento (CEE) n.o 1/71 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1970, que modifica, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1971, o Regulamento (CEE) n.o 950/68, relativo à pauta aduaneira comum (JO L 1 de 1.1.1971, p. 335). |
2 |
Nos termos da referida nota, «são considerados como também integrados na subposição 90.07 A — aparelhos fotográficos — os aparelhos de reprodução automática de documentos, por processo electrostático, que comportem um sistema óptico de fotografia». |
3 |
Dando aplicação a esta disposição, a administração das alfândegas neerlandesa aplicou um direito de 14 % à importação, efectuada em 28 de Abril de 1971, a partir de um país terceiro, de uma copiadora xerográfica, aparelho cujas características correspondem à descrição dada na nota complementar. |
4 |
O requerente no processo principal contestou a decisão da administração invocando que o produto litigioso deveria ter sido classificado na subposição 84.54 B (outras máquinas e aparelhos de escritório) e dever-lhe-ia ter sido aplicado o direito de 7,2 %, consolidado no âmbito do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT). |
5 |
O requerente baseia-se designadamente nas decisões da Tariefcommissie, de 2 de Fevereiro de 1970, relativas a mercadorias importadas para os Países Baixos, antes da entrada em vigor, em 1 de Julho de 1968, da pac e que, ao interpretar a pauta aduaneira Benelux, anteriormente em vigor nos Países Baixos, classificaram o tipo de aparelhos litigiosos na subposição 84.54 B. |
6 |
Na sequência dessas decisões e apesar da entrada em vigor, entretanto ocorrida, da PAC, a administração das alfândegas neerlandesa tinha, tendo em conta os dizeres idênticos das posições em causa na pac e na pauta Benelux, continuado a classificar aquelas mercadorias na subposição 84.54 B e a cobrar o direito de 7,2 %, até ao momento da entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1971, do Regulamento (CEE) n.o 1/71 do Conselho, que modificou a pac e que continha a nota complementar em causa, o que levou a passar a aplicar a posição 90.07 A e os direitos de 14 %. |
Quanto à primeira questão
7 |
Através da primeira questão, a Tariefcommissie pretende saber se é lícito classificar um aparelho que em sua opinião se inscreve na subposição 84.54 B na subposição 90.07 A, por meio de um regulamento do Conselho que introduz uma nota complementar ao capítulo 90, sem que a redacção da posição 90.07 seja adaptada para esse efeito. |
8 |
Nos termos do artigo 28.o do Tratado, as modificações ou suspensões autónomas dos direitos da PAC são decididas pelo Conselho. |
9 |
A pac prevê, designadamente, no texto em vigor no momento da importação litigiosa, no título I A da sua primeira parte, entre as regras gerais para a interpretação da sua nomenclatura, que a classificação das posições é legalmente determinada, em primeiro lugar, pelos termos das posições e das notas de secções ou de capítulos. |
10 |
A nota complementar litigiosa, adoptada por iniciativa do Conselho integra-se na posição com a qual se relaciona e comunga da sua força obrigatória, quer ela constitua uma interpretação autêntica, quer apresente carácter complementar. |
11 |
Não poderá portanto criticar-se este modo de regulamentação, que corresponde aliás a uma prática corrente nesta matéria e está prevista pelo Regulamento (CEE) do Conselho n.o 97/69, de 16 de Janeiro de 1969, relativo às medidas destinadas a assegurar a aplicação uniforme da pac (JO L 14 de 21.1.1969, p. 1). |
12 |
Nestes termos, a nota litigiosa constitui, em si mesma, ou uma interpretação não necessitando a modificação dos dizeres da posição em causa, ou eventualmente, se for o caso, um complemento lícito daqueles dizeres, que por este motivo se encontram adaptados à nova situação. |
Quanto à segunda questão
13 |
Por meio desta segunda questão, pretende-se saber se, «tendo em conta o facto de, nos termos dos artigos 60.o e 65o da Constituição do Reino dos Países Baixos, as convenções concluídas com outras potências e com organizações de direito internacional público terem força obrigatória a partir do momento em que foram aprovadas e publicadas do modo prescrito, tendo em conta o facto de o acordo GATT, de que os Países Baixos são parte contratante, ser uma convenção do tipo acima descrito, tendo em conta, finalmente, o facto de a posição 84.54, a que acima se aludiu, e o direito que lhe corresponde terem sido consolidados, por ocasião daquilo que se convencionou chamar o “Kennedy Round”, que se desenrolou no âmbito do GATT, será lícito que, contrariamente à consolidação acima referida e na ausência de qualquer disposição prevista, quanto aos Países Baixos, para uma mercadoria que se inscreve naquela posição, seja aplicado um direito mais elevado, classificando essa mercadoria num outro capítulo e noutra posição pautal por meio de um regulamento do Conselho da CEE? As obrigações convencionais da Comunidade prevalecendo sobre os actos dos seus órgãos e independentemente da questão de saber se uma disposição do GATT é susceptível de criar direitos para os cidadãos, que estes possam invocar judicialmente, não se encontrará o juiz nacional obrigado, nos litígios submetidos à sua apreciação, a dar aplicação às disposições do GATT susceptíveis de serem aplicadas directamente, mesmo que ao fazê-lo entre em conflito com o direito comunitário?» |
14 |
A partir de 1 de Julho de 1968, aliás em conformidade com o artigo XXIV do GATT, a pac substituiu as pautas aduaneiras nacionais dos Estados-membros e a competência para a interpretar e determinar os efeitos jurídicos das posições que a compõem pertence exclusivamente às autoridades comunitárias, sob o controlo dos órgãos jurisdicionais encarregados de aplicar e interpretar o direito comunitário, designadamente no âmbito do artigo 177.o do Tratado. |
15 |
Qualquer que tenha sido o carácter obrigatório, na ordem jurídica nacional, antes de 1 de Julho de 1968, de uma interpretação dada pela autoridade competente de um Estado-membro a uma posição de uma pauta aduaneira nacional ou comum apenas a alguns Estados-membros, essa interpretação, mesmo quando os dizeres da posição tenham permanecido inalterados na pac não poderá, como tal, prevalecer na ordem jurídica comunitária aplicável a todos os Estados-membros. |
16 |
Do mesmo modo, e uma vez que a Comunidade se substituiu aos Estados-membros no que respeita à execução dos compromissos previstos pelo GATT, o efeito jurídico obrigatório desses compromissos deve ser apreciado relativamente às disposições aferentes na ordem jurídica comunitária, e não relativamente às que anteriormente lhe davam efeito nas ordens jurídicas nacionais. |
17 |
Acresce que a nota complementar litigiosa está totalmente em conformidade com um parecer de classificação elaborado desde 1962 e mantido até 1 de Janeiro de 1972 pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, e além disso corresponde à prática mais geral dos Estados, partes contratantes ao GATT, e em especial em todos os Estados-membros da Comunidade, excepto nos Países Baixos. |
18 |
As concessões pautais e as consolidações efectuadas no âmbito do GATT foram negociadas, desde antes de 1 de Julho de 1968, pelas autoridades comunitárias, em conformidade com o artigo 111.o do Tratado e respeitam à pac que entraria em vigor em 1 de Julho de 1968. |
19 |
Estas concessões e consolidações disseram portanto respeito às posições 84.54 e 90.07, tal como elas eram interpretadas e aplicadas, em conformidade com o parecer do Conselho de Cooperação Aduaneiro, de modo que, ao manter essas interpretação e aplicação depois de 1 de Julho de 1968, as autoridades comunitárias não procederam, de modo nenhum, a um aumento unilateral de um direito consolidado. |
Quanto à terceira questão
20 |
Pela terceira questão, pretende-se saber se a nota complementar litigiosa viola as obrigações decorrentes da convenção de 15 de Dezembro de 1950 sobre a nomenclatura para a classificação das mercadorias nas pautas aduaneiras — em especial o artigo II, b, ii — sobre a proibição de introduzir modificações às notas dos capítulos e secções que sejam susceptíveis de alterar o alcance dos capítulos, das secções e das posições da nomenclatura. |
21 |
Tal como aconteceu para os compromissos resultantes do GATT, a Comunidade substituiu-se aos Estados-membros, no que respeita aos compromissos resultantes da convenção de 15 de Dezembro de 1950, sobre a nomenclatura para a classificação das mercadorias nas pautas aduaneiras e da convenção da mesma data relativa à criação de um Conselho de Cooperação Aduaneira, ficando vinculada pelos ditos compromissos. |
22 |
Entre as obrigações inscritas na primeira destas convenções figura, no artigo II, b), ii, a obrigação para as partes contratantes «de não introduzir nas notas de capítulos ou de secções nenhuma alteração susceptível de modificar o alcance dos capítulos, secções e posições que constam da nomenclatura». |
23 |
Já foi salientado que a nota complementar litigiosa, ao classificar os aparelhos de reprodução automática de documentos, por processo electrostático, que comportem um sistema óptico de fotografia na posição 90.07 A actuou em conformidade, com um parecer de classificação do Conselho de Cooperação Aduaneira e com a prática corrente dos Estados signatários da convenção de 15 de Dezembro de 1950. |
24 |
Evidentemente que estes pareceres de classificação não vinculam as partes contratantes, mas constituem elementos de interpretação, tanto mais determinantes porquanto emanados de uma autoridade, incumbida pelas partes contratantes de assegurar a uniformidade na interpretação e aplicação da nomenclatura. |
25 |
Esta interpretação, quando além disso corresponde a uma prática geralmente seguida pelos Estados contratantes, só poderá ser afastada quando se revelar inconciliável com os termos da posição em causa, ou se exceder manifestamente o poder de apreciação atribuído ao Conselho de Cooperação Aduaneira. |
26 |
Devido ao grau de semelhança — reconhecido pelo órgão jurisdicional de reenvio — entre os processos fotográficos e xerográficos com fotografia, não parecem estar reunidas as condições que obrigam a afastar um parecer de classificação, por ser incompatível com a posição em causa, no que respeita à sua aplicação na ordem jurídica comunitária. |
27 |
Das considerações acima expostas resulta que a análise do processo não mostrou a existência de elementos susceptíveis de afectar a validade da nota complementar ao capítulo 90 da secção XVIII da pauta aduaneira comum, tal como resulta do Regulamento n.o 1/71 do Conselho, de 17 Dezembro de 1970. |
Quanto as despesas
28 |
As despesas efectuadas pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o presente processo quanto às partes na causa principal a natureza de um incidente suscitado, durante um litígio pendente, perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Tariefcommissie, por decisão de 11 de Junho de 1974, declara: |
A análise das questões suscitadas não revelou a existência de elementos susceptíveis de afectar a validade da nota complementar ao capítulo 90 da secção XVIII da pauta aduaneira comum, tal como resulta do Regulamento n.o 1/71 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1970. |
Lecourt Donner Mertens de Wilmars Pescatore Sørensen Mackenzie Stuart O'Keeffe Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Novembro de 1975. O secretário A. Van Houtte O presidente R. Lecourt |
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.