ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

12 de Dezembro de 1973 ( *1 )

No processo 131/73

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Tribunale di Trento (Itália), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Giulio e Adriano Grosoli,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 3 o do Regulamento (CEE) n.o 92/68 do Conselho, de 23 de Janeiro de 1968, relativo ao contingente pautal comunitário de 22000 toneladas de carne de bovino congelada, da posição ex 02.01 A II da pauta aduaneira comum, e do artigo 2.o do Regulamento (CEE) n.o 110/69 do Conselho, de 16 de Janeiro de 1969, relativo à abertura, repartição e modo de gestão do contingente pautal comunitário de carne de bovino congelada, da posição 02.01 A II a) 2 da pauta aduaneira comum,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, M. Sørensen, presidente de secção, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, H. Kutscher e C. O'Dálaigh, juízes,

advogado geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho de 13 de Abril de 1973, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Abril de 1973, o Tribunale penale di Trento suscitou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões referentes à interpretação do Regulamento (CEE) n.o 92/68 do Conselho, de 23 de Janeiro de 1968, relativo ao contingente pautal comunitário de 22000 toneladas de carne de bovino congelada, sujeito ao direito de 20 % consolidado no âmbito do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (JO L 23, p. 2), e do Regulamento (CEE) n.o 110/69 do Conselho, de 16 de Janeiro de 1969, relativo ao mesmo contingente (JO L 18, p. 1).

2

O Conselho, através do Regulamento n.o 92/68, procedeu à repartição do contingente entre os Estados-membros, relativamente ao ano de 1968, tendo atribuído à Itália uma quota-parte de 15000 toneladas.

Nos termos do artigo 3 o do mesmo regulamento, cada Estado-membro devia gerir a sua quota-parte «de acordo com as suas próprias disposições administrativas».

Pelo Regulamento n.o 110/69, o Conselho repartiu o contingente entre os Estados-membros, relativamente ao ano de 1969, tendo atribuído à Itália uma quota-parte de 12000 toneladas.

O artigo 2. deste regulamento dispõe que «os Estados-membros determinam, no que se refere à sua quota respectiva, as condições de admissão ao benefício do contingente pautal em causa e gerem essa quota-parte de acordo com as suas próprias disposições administrativas, designadamente em matéria de contingentes pautais».

3

Pela primeira questão, é pedido ao Tribunal que se pronuncie sobre o problema de saber se, com base na conjugação das disposições do artigo 3 o do Regulamento n.o 92/68 e do artigo 2.o do Regulamento n.o 110/69, os Estados-membros podiam adoptar, relativamente às quantidades que lhes foram atribuídas na repartição dos dois contingentes, disposições destinadas a regulamentar o seu destino.

Verifica-se da análise dos autos que as autoridades italianas estabeleceram, mediante circulares administrativas, que as quotas atribuídas à Itália fossem reservadas ao consumo imediato, com exclusão de qualquer outro uso, exigindo que os adjudicatários se comprometessem a respeitar essa afectação.

Os réus no processo principal, que, nessas condições, obtiveram uma parte do contingente repartido, foram objecto de procedimento criminal pelo facto de não terem respeitado o destino assim definido, fornecendo uma certa quantidade de carne congelada à indústria de transformação.

4

O contingente em causa foi negociado pela Comunidade nos termos da competência que o Tratado lhe confere em matéria de política aduaneira e comercial.

No preâmbulo dos dois regulamentos que procedem à repartição do contingente, este é expressamente qualificado como contingente «comunitário»; nestes termos, as quotas atribuídas aos Estados-membros merecem também a mesma qualificação.

Nos termos do artigo 3 o do Regulamento n.o 92/68, a gestão da quota é confiada aos Estados-membros, que devem proceder à sua repartição de acordo com as suas disposições administrativas.

O texto daquele artigo foi reproduzido no artigo 2.o do Regulamento n.o 110/69, o qual precisa, todavia, que os Estados-membros determinam as «condições de admissão» ao benefício do contingente.

5

Uma vez que a determinação de certas condições de atribuição constitui necessariamente parte integrante das modalidades de gestão, não se poderá ver naquela variação do texto uma intenção de modificar substancialmente, no que respeita à gestão do contingente de 1969, o regime vigente em 1968.

Por outro lado, resulta do preâmbulo do Regulamento n.o 110/69 que o Conselho não pretendeu atribuir ao sistema de gestão um alcance diferente do do regulamento aplicável ao contingente de 1968.

O problema de interpretação submetido a este Tribunal é, assim, o de saber qual é o alcance do poder de gestão delegado no presente caso aos Estados-membros e quais são, consequentemente, as condições que os Estados-membros podem impor sem violar as normas adoptadas pelo Conselho relativamente aos contingentes em causa.

6

Nos termos do regime instituído pela Comunidade em matéria de contingentes pautais, as instituições comunitárias — Conselho e Comissão — são competentes para decidir da afectação económica daqueles contingentes e, consequentemente, para regulamentar as modalidades da sua gestão.

Essas condições de utilização dos contingentes são estabelecidas em função quer dos compromissos assumidos pela Comunidade no plano internacional quer dos objectivos de política económica, geral ou sectorial prosseguidos pelas instituições no âmbito da sua competência.

Tratando-se, no presente caso, de um produto agrícola, aquela determinação devia fazer-se, mais especificamente, tendo em conta a organização comum do mercado agrícola em questão.

7

Com base nestas premissas, assiste às instituições comunitárias o direito exclusivo de decidir quanto à afectação económica dos contingentes.

Para esse efeito, as instituições podem garantir o acesso ao contingente por parte de qualquer interessado, ou estabelecer directamente qual deve ser o destino das mercadorias, ou, ainda, atribuir aos Estados-membros a faculdade de dele se servirem de acordo com os seus próprios interesses.

No que respeita à ultima hipótese, a atribuição aos Estados-membros da faculdade de gerir a sua quota depende de uma manifestação de vontade das instituições. O facto de um determinado contingente não ter sido destinado a um fim específico deve ser interpretado no sentido da liberdade de acesso por parte de qualquer interessado.

8

Com efeito, qualquer disposição de um Estado-membro destinada a afectar um contingente comunitário a um destino estabelecido com base em critérios de política interna poderia comprometer os objectivos de política económica prosseguidos no plano comunitário bem como a igualdade de tratamento dos cidadãos de toda a Comunidade.

Nestas condições, as disposições dos Regulamentos n. os 92/68 e 110/69, que delegam nos Estados-membros as medidas de gestão, devem ser interpretadas no sentido de que, na falta de qualquer afectação dos contingentes por parte do Conselho, a remissão contida naqueles regulamentos para as disposições «administrativas» dos Estados-membros não pode ultrapassar o âmbito das normas técnico-processuais destinadas a garantir o respeito dos limites globais do contingente e a igualdade de tratamento dos beneficiários.

9

O âmbito deste poder de gestão é, pelo contrário, ultrapassado sempre que um Estado-membro introduz condições de utilização que visam objectivos de política económica não previstos nas disposições adoptadas pela Comunidade.

Do exposto resulta que o artigo 3.o do Regulamento n.o 92/68 e o artigo 2.o do Regulamento n.o 110/69, ao confiar aos Estados-membros a gestão das suas respectivas quotas num contingente pautal comunitário, não os autorizaram a adoptar disposições que visem regulamentar o destino das quantidades que lhes foram atribuídas.

10

Uma vez que a segunda questão foi formulada apenas para o caso da primeira merecer uma resposta afirmativa, afigura-se ser desnecessário responder-lhe.

Quanto as despesas

As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo a natureza de um incidente suscitado no processo penal pendente perante o Tribunale di Trento, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações dos réus no processo principal, do Governo italiano e da Comissão das Comunidades Europeias,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, designadamente o artigo 177.o,

visto o Regulamento n.o 92/68 do Conselho, de 23 de Janeiro de 1968, relativo ao contingente pautal comunitário de 22000 toneladas de carne de bovino congelada,

da posição ex 02.01 A II da pauta aduaneira comum, e o Regulamento n.o 110/69 do Conselho, de 16 de Janeiro de 1969, relativo à abertura, repartição e modo de gestão do contingente pautal comunitário de carne de bovino congelada, da posição 02.01 A II a) 2 da pauta aduaneira comum,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, designadamente o artigo 20.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Trento, por despacho de 13 de Abril de 1973, declara:

 

O artigo 3.o do Regulamento (CEE) n.o 92/68 do Conselho e o artigo 2.o do Regulamento (CEE) n.o 110/69 do Conselho, relativos ao contingente pautal comunitário de 22000 toneladas de carne de bovino congelada, sujeito ao direito de 20 % consolidado no âmbito do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, devem interpretar-se no sentido de que, ao confiar aos Estados-membros a gestão das suas respectivas quotas num contingente pautal comunitário, não os autorizaram a adoptar disposições que visem regulamentar o destino das quantidades que lhes foram atribuídas.

 

Lecourt

Sørensen

Monaco

Mertens de Wilmars

Pescatore

Kutscher

O'Dálaigh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 1973.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: italiano.