ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
30 de Janeiro de 1974 ( *1 )
No processo 127/73,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo tribunal de première instance de Bruxelas, destinado a obter, nos processos pendentes neste órgão jurisdicional entre
1. |
Belgische Radio en Televisie |
e
NV Fonior
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Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs |
e
NV Fonior
3. |
Belgische Radio en Televisie |
e
SV SABAM e NV Fonior,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 86.o e 90.o, n.o 2, do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner e M. Sørensen, presidentes de secção, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, H. Kutscher, C. O'Dálaigh e A. J. Mackenzie Stuart, juízes,
advogado-geral: H. Mayras
secretário: A. Van Houtte
profere o presente
Acórdão
(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)
Fundamentos da decisão
1 |
Por decisão de 4 de Abril de 1973, recebida na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Abril de 1973, o tribunal de première instance de Bruxelas, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, submeteu ao Tribunal de Justiça várias questões relativas à interpretação dos artigos 86.o e 90.o, n.o 2, do Tratado CEE. |
2 |
Estas questões foram submetidas para permitir ao juiz nacional apreciar a conformidade de determinados artigos dos estatutos e dos contratos-tipo da Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs (a seguir «SABAM») com as normas de concorrência do Tratado CEE. |
3 |
Tendo a SABAM interposto recurso de decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de Bruxelas, por carta de 18 de Setembro de 1973, informou o Tribunal de que não desejava a suspensão da apreciação das questões prejudiciais. |
4 |
O recurso da SABAM fundamenta-se, nomeadamente, na incompetência do juiz nacional por força do artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 17 da Comissão (JO 13 de 21.2.1972; EE 08 F1 p. 22). |
5 |
Resulta da instrução do processo perante o Tribunal de Justiça que a Comissão tinha decidido, em 3 de Junho de 1970, iniciar oficiosamente contra a SABAM o processo previsto no artigo 3.o do referido regulamento, tendo esta sido informada dessa decisão em 8 de Junho de 1970. |
6 |
Nas circunstâncias particulares do caso em apreço, é necessário, antes de decidir sobre as questões submetidas, examinar previamente a legalidade do reenvio para o Tribunal de Justiça. |
Quanto à competência do Tribunal
7 |
O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre um pedido de decisão prejudicial, na acepção do artigo 177.o, notificado pelo órgão jurisdicional nacional nos termos do artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça. |
8 |
O Tratado confere ao órgão jurisdicional nacional o poder de apreciar se é necessária uma decisão sobre um ponto de direito comunitário para proferir a sua decisão. |
9 |
Por conseguinte, o processo previsto no artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça prossegue enquanto o pedido do juiz nacional não for retirado ou anulado. |
10 |
Afirma-se que o Tribunal de Justiça não é obrigado a responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de Bruxelas uma vez que a Comissão iniciou oficiosamente um processo contra a SABAM nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 17. |
11 |
Segundo a SABAM, uma vez que os órgãos jurisdicionais cíveis devem ser considerados como «autoridades dos Estados-membros» na acepção do artigo 9.o, n.o 3, do referido regulamento, o órgão jurisdicional de Bruxelas deveria, em 8 de Junho, ter suspendido a instância até que a Comissão tivesse adoptado uma decisão. |
12 |
Nos termos do artigo 9.o, n.o 3, «enquanto a Comissão não der início a qualquer processo nos termos dos artigos 2.o, 3.o ou 6.o, as autoridades dos Estados-membros têm competência para aplicar o disposto no n.o 1 do artigo 85 o e no artigo 86.o nos termos do artigo 88.o do Tratado». |
13 |
Assim, a partir do momento em que a Comissão deu início a esse processo, as autoridades dos Estados-membros deixam de ser competentes para agir contra as mesmas práticas ou acordos em execução das referidas disposições. |
14 |
Portanto, há que examinar se os órgãos jurisdicionais nacionais, perante os quais são invocadas, num litígio de direito privado, as proibições previstas nos artigos 85.o e 86.o, devem ser considerados como «autoridades dos Estados-membros». |
15 |
A competência desses órgãos jurisdicionais para aplicar as disposições do direito comunitário, nomeadamente no tipo de litígios em questão, resulta do efeito directo destas. |
16 |
Uma vez que as proibições previstas nos artigos 85o, n.o 1, e 86.o se prestam, pela sua própria natureza, a produzir efeitos directos nas relações entre particulares, estes artigos criam na esfera jurídica dos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger. |
17 |
Utilizar o já citado artigo 9.o para negar competência a estes órgãos jurisdicionais para assegurar a referida protecção seria privar os particulares de direitos que o próprio Tratado lhes confere. |
18 |
O facto de o artigo 9.o, n.o 3, mencionar «as autoridades dos Estados-membros» competentes para aplicar o disposto nos artigos 85.o, n.o 1, e 86.o«nos termos do artigo 88.o» indica que se refere unicamente às autoridades nacionais cuja competência resulta do artigo 88.o |
19 |
Este artigo tem como efeito tornar as autoridades dos Estados-membros — incluindo, em determinados Estados-membros, os órgãos jurisdicionais especialmente competentes para aplicar a legislação nacional sobre a concorrência ou fiscalizar a legalidade dessa aplicação pelas autoridades administrativas — igualmente competentes para aplicar o disposto nos artigos 85.o e 86.o do Tratado. |
20 |
O facto de a denominação «autoridades dos Estados-membros» que figura no artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 17 englobar esses órgãos jurisdicionais não pode dispensar um órgão jurisdicional, perante o qual é invocado o efeito directo do artigo 86.o, de se pronunciar. |
21 |
No entanto, quando a Comissão dá início a um processo nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 17, esse órgão jurisdicional pode, se o considerar necessário por motivos de segurança jurídica, suspender a instância enquanto se aguarda o resultado da acção da Comissão. |
22 |
Em contrapartida, prosseguirá a instância, geralmente, se verificar ser manifesto que o comportamento litigioso não é susceptível de exercer efeitos sensíveis no jogo da concorrência ou nas trocas comerciais entre os Estados-membros ou que a incompatibilidade desse comportamento com o artigo 86.o é indiscutível. |
23 |
A competência desse órgão jurisdicional para submeter ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial não pode ser prejudicada pelo artigo 9o do Regulamento n.o 17. |
24 |
Assim, o Tribunal de Justiça, a quem o tribunal de première instance de Bruxelas submeteu legalmente questões prejudiciais, não pode deixar de lhes responder. |
Pelos fundamentos expostos, vistos os autos, visto o relatório do juiz-relator, ouvidas as observações da Comissão das comunidades Europeias, do Governo da República Federal da Alemanha, da Belgische Radio en Televisie e da SABAM, ouvidas as conclusões do advogado-geral, visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os artigos 85.o, 86.o, 88.o e 177.o, visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, nomeadamente o artigo 20.o, visto o Regulamento n.o 17 do Conselho da CEE, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.o e 86.o do Tratado, nomeadamente os artigos 3.o e 9.o, visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA |
decide, antes de se pronunciar sobre as questões submetidas, ouvir o advogado-geral. |
Lecourt Donner Sørensen Monaco Mertens de Wilmars Pescatore Kutscher O'Dálaigh Mackenzie Stuart Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Janeiro de 1974. O secretário A. Van Houtte O presidente R. Lecourt |
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.