ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

24 de Outubro de 1973 ( *1 )

No processo 9/73,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Finanzgericht Baden-Württemberg, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Carl Schlüter, de Osnabrück,

e

Hauptzollamt Lörrach,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5o e 107.o do Tratado e da Resolução do Conselho de 22 de Março de 1971, relativa à realização por etapas da união económica e monetária na Comunidade (JO C 28, p. 1; EE 10 F1 p. 34), e sobre a interpretação e a validade do Regulamento (CEE) n.o 974/71 do Conselho, de 12 de Maio de 1971, relativo a determinadas medidas de política de conjuntura a adoptar no sector agrícola na sequência do alargamento temporário das margens de flutuação das moedas de determinados Estados-membros (JO L 106, p. 1), e dos Regulamentos (CEE) n.o 1013/71 (JO 1971, L 110, p. 8), n.o 1014/71 (JO 1971, L 110, p. 10) e n o 501/72 (JO 1972, L 60, p. 1) da Comissão,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner, M. Sørensen, presidentes de secção, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, H. Kutscher, C. O'Dálaigh e A. J. Mackenzie Stuart, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por acórdão do Finanzgericht Baden-Württemberg de 8 de Novembro de 1972, recebido na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Fevereiro de 1973, é solicitada uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação e a validade de várias disposições do Regulamento (CEE) n.o 974/71 do Conselho, de 12 de Maio de 1971, relativo a determinadas medidas de política de conjuntura a adoptar no sector agrícola na sequência do alargamento temporário das margens de flutuação das moedas de determinados Estados-membros (JO L 106, p. 1), e dos Regulamentos (CEE) n. os 1013/71, 1014/71 (JO 1971, L 110, p. 8 e 10) e 501/72 (JO 1972, L 60, p. 1) da Comissão, adoptados em execução do primeiro, bem como sobre a interpretação dos artigos 5.o e 107.o do Tratado CEE e da Resolução do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados-membros de 22 de Março de 1971, relativa à realização por etapas da união económica e monetária na Comunidade (JO C 28, p. 1; EE 10 F1 p. 34).

2

A recorrente no processo principal importou para a República Federal da Alemanha, em 15 de Março de 1972, 7247 kg de queijo Emmenthal e Gruyère proveniente da Suíça, e foi-lhe exigido, em aplicação do Regulamento n.o 974/71, o pagamento de montantes compensatórios no valor de 45,50 DM por cada 100 kg, resultantes, em relação aos produtos da posição 04.04 da pauta aduaneira comum, dos anexos do Regulamento n.o 501/72, de 9 de Março de 1972, que fixam os montantes compensatórios aplicáveis no momento da importação controvertida.

Contestando a compatibilidade com o Tratado do regime dos montantes compensatórios instituído pelo Regulamento n.o 974/71, recorreu para o Finanzgericht dos montantes que lhe eram exigidos.

Análise do sistema dos montantes compensatórios

3

O afluxo cada vez maior, durante os primeiros meses do ano de 1971, de divisas e capitais especulativos a curto prazo e os efeitos dessa situação em determinados Estados-membros, designadamente na República Federal da Alemanha e nos Países Baixos, levara o Conselho, na sua Resolução de 9 de Maio de 1971 (JO C 58, p. 1), a manifestar a sua compreensão «de forma a que, em determinados casos, esses países possam alargar, por um período limitado, as margens de flutuação das taxas de câmbio das suas moedas em relação às paridades (actuais)».

Na mesma resolução, o Conselho sublinhou o carácter incompatível, em circunstâncias normais, de um tal sistema de taxas flutuantes com o correcto funcionamento do mercado comum e decidiu, «com a preocupação de evitar o recurso a medidas unilaterais», que deveria adoptar «imediatamente, em conformidade com o artigo 103.o do Tratado»… medidas adequadas no domínio agrícola.

4

As organizações dos mercados agrícolas destinam-se, designadamente, a assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola e a estabilizar os mercados, designadamente mediante um sistema de preços estáveis que compreende a fixação de preços indicativos, de preços-limiar e de preços de intervenção baseados nas paridades fixas das moedas dos diferentes Estados-membros em relação a uma unidade de conta.

Não sendo possível a fixação de novas paridades enquanto o marco alemão e o florim neerlandês flutuassem, a fixação e o cálculo dos níveis de preços considerados adequados continuaram a ser efectuados em relação aos produtos para os quais são fixados preços de intervenção e em relação aos produtos cujo preço dependa do preço dos primeiros, com base nas paridades anteriormente notificadas ao FMI, mesmo no que se refere aos Países Baixos e à República Federal.

Embora, deste modo, os preços tenham permanecido em princípio inalterados, sofreram todavia, designadamente os preços expressos em marcos alemães, uma diminuição correspondente à incidência da revalorização real desta moeda, originando perturbações nas trocas dos produtos agrícolas, em detrimento dos produtores e susceptíveis de desorganizar no Estado-membro em causa o sistema de intervenção previsto pela regulamentação comunitária.

5

Por esta razão, o Conselho considerou que as medidas adequadas a adoptar imediatamente deveriam consistir na instituição de um regime de montantes compensatórios que aqueles Estados-membros seriam autorizados a cobrar na importação e a conceder na exportação, tanto nas trocas com os outros Estados-membros como com os países terceiros; tal regime destinava-se a neutralizar a incidência das medidas monetárias sobre os preços dos produtos de base em relação aos quais estão previstos preços de intervenção e sobre os produtos agrícolas cujos preços dependem dos preços dos primeiros.

6

Nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 974/71, estes montantes compensatórios resultam da aplicação, ao preço dos produtos agrícolas em relação aos quais estão previstas medidas de intervenção, de uma percentagem que representa a diferença, relativamente ao dólar dos Estados Unidos, entre a paridade oficial e a paridade real da moeda nacional.

No que diz respeito aos outros produtos referidos no Regulamento n.o 974/71, os montantes compensatórios são iguais à incidência, no preço desses produtos, da aplicação do montante compensatório ao preço do produto de que dependem.

Além disso, nos termos da última frase do artigo 1.o do mesmo regulamento, apenas podem ser cobrados montantes compensatórios se as medidas monetárias originarem perturbações nas trocas dos produtos agrícolas referidos.

Incumbe à Comissão, com base no parecer dos comités de gestão, verificar a existência de tal situação.

Finalmente, nos termos do artigo 8.o do referido regulamento, este deixa de ser aplicável quando todos os Estados-membros interessados aplicarem de novo a regulamentação internacional relativa às margens de flutuação das taxas de câmbio em torno da paridade oficial.

7

Devido à evolução desfavorável da situação monetária, especialmente à suspensão da convertibilidade do dólar em 15 de Agosto de 1971 e à consequente flutuação a partir de 23 de Agosto de 1971 das moedas da União Económica Belgo-Luxemburguesa, o regime dos montantes compensatórios foi alargado a um maior número de produtos e às importações e exportações desses Estados-membros.

Na conferência de Washington, de 18 de Dezembro de 1971, foi decidida uma ligação mais estreita das taxas de câmbio em relação ao dólar, sob a forma de taxas centrais, mas com margens de flutuação alargadas relativamente às que foram autorizadas pelos acordos de Bretton Woods.

Não obstante, como tais decisões não originaram qualquer alteração oficial das paridades e a desorganização do sistema monetário persistia, os montantes compensatórios foram alargados à França e à Itália e ao conjunto dos produtos agrícolas referidos no artigo 1.o do Regulamento n.o 974/71.

8

Posteriormente aos factos controvertidos, o Conselho, pelo Regulamento (CEE) n.o 2746/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 291, p. 148), declarou obrigatório o regime dos montantes compensatórios e «inseriu-o» no âmbito da Política Agrícola Comum, com base nos artigos 28.o, 43.o e 235o do Tratado.

9

As intervenções do Conselho e da Comissão deverão ser. apreciadas face à situação acima descrita e à sua posterior evolução.

I — Quanto à primeira questão

10

Na primeira questão, pretende-se saber se o Regulamento n.o 947/71 é válido, na medida em que autoriza a cobrança de montantes compensatórios aquando da importação proveniente de países terceiros.

a) Quanto ao fundamento jurídico do Regulamento n.o 974/71

11

Esta questão pretende, em primeiro lugar, esclarecer se a validade do referido regulamento poderia ser afectada pelo facto de ele se basear no artigo 103.o do Tratado, quando esta disposição não diz respeito ao domínio da Política Agrícola Comum — regulada pelas disposições específicas dos artigos 38.o a 47.o do Tratado — e que, de qualquer forma, o referido artigo 103.o apenas permitiria adoptar medidas de natureza conjuntural, não sendo este o caso das medidas controvertidas.

12

Nos termos do artigo 40.o do Tratado, os Estados-membros definirão, o mais tardar no termo do período de transição, a Política Agrícola Comum e, a fim de atingir os objectivos definidos no artigo 39.o, será criada uma organização comum dos mercados agrícolas.

Nos termos da mesma disposição, essa organização comum pode abranger todas as medidas necessárias e, designadamente, regulamentações dos preços, subvenções à produção e à comercialização, medidas de armazenamento e de reporte e mecanismos comuns de estabilização das importações ou das exportações.

Por força do n.o 2, terceiro parágrafo, do artigo 43o, o Conselho, sob proposta da Comissão, e após consulta da Assembleia, deliberando por maioria qualificada a partir do termo da segunda fase do período de transição, adoptará nestes domínios regulamentos, directivas ou decisões.

Resulta destas disposições que as competências conferidas para a execução da Política Agrícola Comum não visam apenas eventuais medidas estruturais, mas compreendem igualmente intervenções de natureza conjuntural específicas desse sector de produção e que o Conselho está habilitado a adoptar no respeito pelos processos de decisão aí previstos.

13

Em contrapartida, o artigo 103.o refere-se à política de conjuntura dos Estados-membros, que estes devem considerar como uma questão de interesse comum.

Consequentemente, a mesma disposição não diz respeito aos domínios já abrangidos por normas comuns, como é o caso da organização dos mercados agrícolas.

Com efeito, o artigo 103.o tem por objecto quer coordenar as políticas conjunturais dos Estados-membros quer, em conformidade com o seu n.o 2, adoptar medidas comuns adequadas à situação.

14

A liberalização das taxas de câmbio das moedas alemã e neerlandesa, considerada necessária para limitar o afluxo de capitais especulativos à República Federal e aos Países Baixos, colocava em perigo a unidade do mercado comum e tornava indispensável a adopção de medidas destinadas a preservar os mecanismos e objectivos da Política Agrícola Comum.

A instituição de montantes compensatórios não se destinava a conferir uma protecção suplementar, mas a manter preços únicos — base da actual organização dos mercados —, apesar do abandono provisório das paridades fixas, evitando-se assim uma desorganização do sistema de preços de intervenção e mantendo-se as correntes de trocas comerciais normais dos produtos agrícolas, quer entre Estados-membros quer com países terceiros.

Estas medidas, de carácter essencialmente provisório, destinadas a compensar temporariamente os efeitos prejudiciais das medidas monetárias nacionais, de forma a manter entretanto um factor essencial da integração económica, deveriam ter sido normalmente adoptadas no âmbito das competências atribuídas ao Conselho pelos artigos 40.o e 43.o e nos termos dos procedimentos neles previstos, designadamente após consulta da Assembleia.

15

Contudo, o prazo de implementação dos procedimentos previstos pelos artigos 40.o e 43.o, ao possibilitar o aparecimento de um volume indeterminado de trocas incontroladas, podia comprometer as organizações comuns de mercado em causa.

Perante a ausência de qualquer previsão adequada, no âmbito da Política Agrícola Comum, que teria permitido adoptar, com carácter urgente, as medidas necessárias para enfrentar a situação monetária acima descrita, é possível pensar que o Conselho tenha justificação para utilizar, a título provisório, os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 103.o do Tratado.

Assim, embora a aplicação do artigo 103.o tenha resultado do carácter inesperado dos acontecimentos que o Conselho teve de enfrentar, da urgência das medidas a adoptar, da gravidade da situação e do facto de tais medidas terem sido adoptadas num domínio estreitamente ligado à política monetária dos Estados-membros cujos efeitos elas deviam corrigir parcialmente, o Regulamento n.o 2746/72 demonstra que tal situação foi apenas provisória, pois a base legal dessa medida foi finalmente encontrada noutras disposições do Tratado.

b) Quanto à forma regulamentar da medida controvertida

16

Em seguida, pretende-se esclarecer se a validade do Regulamento n.o 974/71 pode ser afectada devido ao facto de o artigo 103.o do Tratado, designadamente o seu n.o 3, apenas permitir adoptar as medidas nele previstas sob a forma de directiva ou de decisão, com exclusão dos regulamentos.

Alega-se que esta interpretação resulta do texto do artigo 103.o e é justificada pelo facto de, no domínio da política conjuntural, as instituições apenas terem uma função de coordenação.

17

Embora, nos termos do n.o 1 do artigo 103.o, os Estados-membros devam considerar a sua política de conjuntura como uma questão de interesse comum, o mesmo texto não exclui a competência das instituições comunitárias para adoptar, por seu lado, sem prejuízo dos outros procedimentos previstos pelo Tratado, medidas de natureza conjuntural nos domínios da sua competência.

Em contrapartida, o n.o 2 do artigo 103.o, ao declarar que o Conselho pode, «deliberando por unanimidade… decidir sobre as medidas adequadas à situação», confere a esta instituição, com a reserva acima indicada, as competências necessárias para adoptar, em princípio, as medidas conjunturais que se revelem necessárias para a manutenção dos objectivos do Tratado.

Destituídas de tal faculdade, inerente a qualquer gestão económica, as instituições estariam impossibilitadas de cumprir, nesses domínios, as missões que lhes estão atribuídas.

18

A expressão «medidas adequadas à situação», constante do n.o 2 do artigo 103.o, indica que, igualmente no que diz respeito à forma das medidas, o Conselho pode adoptar, consoante os casos, aquela que considerar mais adequada.

Não obstante a reserva da exigência de uma deliberação por unanimidade, o n.o 2 do artigo 103.o remete para as modalidades gerais do exercício das competências próprias do Conselho, tal como são previstas pelos artigos 145o, 155o e 189o, incluindo, assim, o seu direito de conferir à Comissão a execução das regras por ele definidas.

O n.o 3 do artigo 103.o distingue-se do n.o 2 na medida em que prevê, como resulta da expressão «quando for caso disso», a eventualidade de, para a execução das modalidades de aplicação das medidas de conjuntura decididas, o Conselho não obter a unanimidade dos votos.

Nessa eventualidade, apenas essas modalidades vinculariam os Estados-membros no que diz respeito ao resultado a atingir, mas deveriam deixar às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios a utilizar.

II — Quanto à segunda questão

19

Pergunta-se seguidamente se a validade do Regulamento n.o 974/71 pode ser afectada devido ao facto de o critério aplicável à fixação dos montantes compensatórios se basear exclusivamente na relação de câmbio existente entre o marco alemão e o dólar dos Estados Unidos.

20

Nos termos do último considerando do Regulamento n.o 974/71, os montantes a instituir devem limitar-se ao mínimo necessário para compensar a incidência das medidas monetárias.

Não se contesta que, devido à escolha de um critério único e fixo, às importações para a Alemanha a partir de Estados cuja moeda flutua em relação ao marco alemão em proporção diferente da do dólar são aplicados montantes compensatórios que nem sempre correspondem com rigor à incidência monetária da revalorização do marco alemão.

Na opinião da recorrente, o Conselho deveria ter diferenciado os montantes compensatórios consoante as taxas de câmbio em relação ao dólar das várias moedas dos países importadores ou exportadores para a República Federal e para os Países Baixos, ou ter calculado esses montantes de acordo com uma média ponderada, determinada em função do volume de trocas.

21

O Conselho, confrontado com a necessidade de adoptar medidas de efeito imediato e aplicáveis ao conjunto das importações e exportações dos produtos em causa, perante uma situação em constante evolução e praticamente imprevisível, pôde proceder a uma apreciação global das vantagens e inconvenientes do regime a instituir.

O Conselho considerou então que uma diferenciação dos montantes compensatórios consoante a origem geográfica dos produtos teria prejudicado a praticabilidade do regime, devido, designadamente, à multiplicidade de situações especiais, tais como as que resultam dos regimes de taxas múltiplas praticadas em determinados países ou das especificidades dos países com comércio de Estado.

Tal regime seria, aliás, susceptível de incitar a desvios de tráfego, dificilmente controláveis, a não ser mediante sistemas de certificados de origem ou de controlo dos movimentos das mercadorias de forma a limitar a sua livre circulação.

Além disso, o referido regime poderia ser esvaziado de conteúdo consoante a escolha, pelas partes interessadas, da moeda do contrato.

Ao determinar, para cada Estado-membro autorizado a instituir montantes compensatórios, o montante destes a partir da relação entre a paridade oficial e a paridade real da moeda nacional em relação ao dólar, o Conselho considerou o facto de, na importação para esses Estados, uma parte considerável das trocas ser expressa em dólares e, na exportação, designadamente para os países terceiros, ser essa a situação da maior parte dos casos, na época considerada.

22

Além disso, um regime ponderado teria, devido ao seu carácter fixo, os mesmos inconvenientes que o regime impugnado, sem assegurar, em contrapartida, em relação ao principal exportador mundial de produtos agrícolas, a protecção completa considerada necessária.

Tendo as medidas de conjuntura previstas o objectivo, entre outros, de corrigir a curto prazo os efeitos da revalorização do marco alemão susceptíveis de colocar em perigo um nível de vida equitativo para a população agrícola, podia ser considerada a necessidade de uma correcção máxima.

Embora as instituições devam, no exercício dos seus poderes, velar para que os ónus impostos aos operadores económicos não ultrapassem a medida necessária para atingir os objectivos que a autoridade deve realizar, tal não significa, contudo, que essa obrigação deva ser apreciada em relação à situação especial de um grupo determinado de operadores.

Tal avaliação, dada a multiplicidade e a complexidade das situações económicas, seria não só impossível mas constituiria, além disso, uma fonte de perpétua insegurança jurídica.

As exigências especialmente imperiosas da praticabilidade de medidas de natureza económica, destinadas a produzir um efeito corrector imediato, exigências essas que devem ser tomadas em conta na ponderação dos interesses em presença, justificavam, neste caso, uma apreciação global das vantagens e inconvenientes das medidas previstas.

23

Consequentemente, não se provou que o Conselho, ao ponderar as vantagens e os inconvenientes de um regime que faz depender os montantes compensatórios da relação entre a moeda nacional de cada Estado-membro interessado e o dólar, e ao optar pelo regime aplicado, tenha imposto, de forma manifesta, aos operadores económicos, encargos desproporcionados relativamente ao objectivo a atingir.

III — Quanto à terceira questão

24

Na terceira questão pergunta-se se a validade do Regulamento n.o 974/71 e dos regulamentos adoptados em sua aplicação poderia ser afectada devido ao facto de o montante compensatório controvertido acrescido ao direito nivelador exceder o montante dos direitos consolidados da posição pautal 04.04, no âmbito do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) (a seguir «Acordo Geral»).

25

Os direitos aduaneiros aplicados à importação de Emmenthal e de Gruyère (posição 04.04 A I a ex 2) encontram-se consolidados à taxa de 7,5 u.c. por cada 100 kg, nos termos de uma concessão pautal resultante de um acordo celebrado entre a Comunidade e a Suíça (JO 1969, L 257, p. 3; EE 11 F1 p. 50), e essa taxa consta da rubrica «Taxa dos direitos convencionais» no Anexo II da pauta aduaneira comum em vigor no momento da importação controvertida [Regulamento (CEE) n.o 950/68 do Conselho, de 28 de Junho de 1968, alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 1/72 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1971, JO L 72, p. 1].

26

Não se contesta que a taxa do montante compensatório acrescida à do direito nivelador cobrado sobre as mesmas mercadorias ultrapasse a taxa de 7,5 u.c. por cada 100 kg.

Na opinião da recorrente, o direito compensatório controvertido foi, na medida em que ultrapassa esse limite, instituído em violação do artigo II do Acordo Geral e das disposições da pauta aduaneira comum.

27

A validade, na acepção do artigo 177.o do Tratado, dos actos adoptados pelas instituições apenas pode ser apreciada à luz de uma das disposições do direito internacional, se esta vincular a Comunidade e for susceptível de originar, para os particulares, o direito de a invocar em juízo.

28

A concessão pautal em causa vincula a Comunidade na medida prevista pelo artigo II do Acordo Geral.

Consequentemente, deve analisar-se se as disposições do Acordo Geral, e em especial o seu artigo II, originam para os particulares da Comunidade o direito de as invocarem em juízo para contestar a validade de um acto comunitário.

Por isso, é conveniente analisar o espírito, a economia e os termos do Acordo Geral.

29

Este acordo, tendo por fundamento, nos termos do seu preâmbulo, o princípio de negociações efectuadas «numa base de reciprocidade e de benefícios mútuos», caracteriza-se pela grande flexibilidade das suas disposições, designadamente as que se referem às possibilidades de derrogação, podendo ser adoptadas medidas em presença de dificuldades excepcionais e regulados litígios entre as partes contratantes.

Essas medidas englobam, para a solução dos litígios, consoante os casos, exposições ou propostas por escrito a «apreciar com compreensão», inquéritos eventualmente acompanhados de recomendações, consultas ou decisões das partes contratantes, incluindo a de autorizar determinadas partes contratantes a suspender, em relação a outras, a aplicação de toda e qualquer concessão ou outra obrigação resultante do Acordo Geral e, finalmente, na hipótese de tal suspensão, a faculdade da parte interessada de denunciar esse acordo.

Finalmente, para o caso de, devido a um compromisso assumido por força do Acordo Geral ou a uma concessão relativa a uma preferência, determinados produtores suportarem ou correrem o risco de suportar um prejuízo grave, o artigo XIX prevê a faculdade de uma parte contratante suspender unilateralmente o compromisso, bem como retirar ou alterar a concessão, quer após consulta de todas as partes contratantes e na falta de acordo entre as partes contratantes interessadas, quer mesmo, se houver urgência e a título provisório, sem consulta prévia.

30

Estes elementos são suficientes para demonstrar que, inserido neste contexto, o artigo II do Acordo Geral não é susceptível de criar, para os particulares da Comunidade, o direito de o invocar em juízo.

31

A circunstância de determinadas posições pautais terem sido objecto de acordos bilaterais celebrados com base no artigo XXVIII do Acordo Geral, para alterar ou retirar concessões pautais anteriores, não tem como efeito alterar a natureza das obrigações assumidas a esse respeito pela Comunidade.

Consequentemente, a validade do Regulamento n.o 974/71 e dos regulamentos adoptados em sua aplicação não pode ser afectada por uma disposição do Acordo Geral ou dos acordos celebrados com base no seu artigo XXVIII.

32

Contudo, este direito consolidado foi retomado na rubrica «Direitos convencionais» da pauta aduaneira comum.

Assim, como elemento de um regulamento comunitário, essa disposição é susceptível de criar, para os particulares, direitos que podem invocar em juízo.

Ela é, com efeito, clara, precisa e não deixa às autoridades encarregadas da sua aplicação qualquer margem de apreciação.

Há, assim, que analisar se os direitos compensatórios controvertidos são compatíveis com a pauta aduaneira comum.

33

Os montantes compensatórios, embora envolvam uma compartimentação dos mercados, revestem, neste caso, um carácter corrector das variações de taxas de câmbio instáveis que, num sistema de organização de mercados de produtos agrícolas baseado em preços comuns, eram susceptíveis de originar perturbações nas trocas desses produtos.

As distorções de tráfego devidas unicamente a causas monetárias podem ser consideradas mais prejudiciais ao interesse comum, considerando os objectivos da Política Agrícola Comum, do que os inconvenientes resultantes das medidas controvertidas.

Por conseguinte, estes montantes destinam-se a assegurar a manutenção de correntes de trocas comerciais normais nas circunstâncias excepcionais e provisórias decorrentes da situação monetária.

Além disso, os referidos montantes têm como objectivo evotar a desorganização, no Estado-membro em causa, do regime de intervenção previsto pela regulamentação comunitária.

Não se trata, aliás, de imposições unilateralmente decididas pelos Estados-membros, mas de medidas comunitárias que, tendo em conta as circunstâncias excepcionais da época, são admissíveis no âmbito da Política Agrícola Comum.

O Conselho, ao adoptá-las, não violou as referidas disposições da pauta aduaneira comum.

34

Consequentemente, deve responder-se à terceira questão que a sua análise não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade do Regulamento n.o 974/71, nem dos Regulamentos n.os 1013/71, 1014/71 e 501/72, devido ao facto de os montantes compensatórios controvertidos acrescidos ao direito nivelador excederem o montante máximo do direito consolidado, no âmbito do GATT, da posição pautal 04.04.

IV — Quanto à quarta questão

35

Na quarta questão pretende-se saber se a autorização de cobrar montantes compensatórios deixara de ser válida em 15 de Março de 1972 — data da importação controvertida — por força do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 974/71.

A questão destina-se a esclarecer se as condições que o artigo 8.o do Regulamento n.o 974/71 impõe à cessação da aplicação do mesmo regulamento estariam preenchidas na referida data, devido ao facto de, após os Acordos de Washington de 18 de Dezembro de 1971, os Estados-membros terem decidido pôr termo à flutuação das suas moedas, aceitando simultaneamente uma margem de flutuação dos câmbios em volta de uma taxa, designada por taxa central, mais importante do que a autorizada pelos Acordos de Bretton Woods.

36

O artigo 8.o do Regulamento n.o 974/71 estabelece o termo da vigência do mesmo regulamento a partir do momento em que todos os Estados-membros interessados voltem a aplicar a regulamentação internacional relativa às margens de flutuação das cotações de câmbio em volta da paridade oficial.

Esta disposição visa a supressão dos montantes compensatórios a partir do momento em que o conjunto dos Estados-membros decida respeitar novamente as paridades antigas ou novas paridades notificadas ao FMI.

37

Os acordos de 18 de Dezembro de 1971 não preencheram estas condições.

Os Estados interessados, longe de restabelecerem paridades fixas, apenas se comprometeram a manter, na medida do possível, taxas centrais, susceptíveis de ser alteradas; esta solução autorizava igualmente margens de flutuação de 2,25 % acima e abaixo dessas taxas, daí resultando por vezes flutuações de câmbio análogas às que tinham originado a instituição dos montantes compensatórios.

Além disso, inclusivamente após os referidos acordos, prosseguiu a tendência para a revalorização de determinadas moedas comunitárias, no âmbito das margens de flutuação alargadas; na época da importação controvertida, a diferença do marco alemão relativamente à sua antiga paridade oficial atingia 13 %, mantendo-se a este nível até à desvalorização do dólar, em 8 de Maio de 1972.

Finalmente, o facto de ser certo que os Estados interessados não voltariam a aplicar as antigas paridades em relação ao dólar é irrelevante, pois a regulamentação internacional referida no artigo 8.o não visava uma paridade determinada, mas um sistema de paridades fixas.

V — Quanto à quinta questão

38

Na quinta questão, pergunta-se se os artigos 5.o e 107.o do Tratado, e a Resolução do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados-membros, de 22 de Março de 1971, relativa à realização por etapas da união económica e monetária, devem ser interpretados como proibindo aos Estados-membros «liberalizar as suas taxas de câmbio», ou seja, deixar flutuar as suas moedas, na época da importação controvertida.

39

Um dos objectivos essenciais do Tratado é a criação de um espaço económico unificado, sem barreiras internas, no qual se deverão realizar progressivamente a união aduaneira e a união económica.

Tal objectivo exige relações de câmbio fixas entre as moedas dos diversos Estados-membros; se esta condição não estiver preenchida, a integração pretendida pelo Tratado será atrasada ou comprometida.

As instituições comunitárias e os Estados-membros têm assim a obrigação de velar e cooperar para a criação e manutenção dessas condições.

Com este fim, a alínea g) do artigo 3 o prevê a aplicação de procedimentos que permitam coordenar as políticas económicas dos Estados-membros e sanar os desequilíbrios das suas balanças de pagamentos.

Porém, enquanto não forem definidos os procedimentos previstos por esta disposição, os artigos 5.o e 107.o conferem aos Estados-membros, no que respeita à sua obrigação de tratar a respectiva política de taxas de câmbio como um problema de interesse comum, uma liberdade de decisão que impede que a obrigação contida nos referidos artigos 5.o e 107.o origine, em benefício dos particulares, direitos que os órgãos jurisdicionais têm o dever de salvaguardar.

40

Por outro lado, a Resolução do Conselho de 22 de Março de 1971, que exprime essencialmente a vontade política do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados-membros no que respeita à realização de uma união económica e monetária ao longo de um período de dez anos após 1 de Janeiro de 1971, também não pode, devido ao seu conteúdo, produzir efeitos jurídicos que os particulares possam invocar em juízo.

Quanto às despesas

41

As despesas efectuadas pelo Governo alemão, pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações da recorrente no processo principal, do Governo alemão, do Conselho e da Comissão,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os artigos 3.o, 5.o, 38.o a 47.o, 103.o, 107.o e 177.o,

visto o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, nomeadamente os artigos II e XXVIII,

visto o acordo celebrado entre a Comunidade Económica Europeia e a Suíça em 6 de Outubro de 1969,

vistos os Regulamentos do Conselho n.o 804/68, de 27 de Junho de 1968, n.o 823/68, de 28 de Junho de 1968, n.o 974/71, de 12 de Maio de 1971, n.o 1/72, de 20 de Dezembro de 1971, e n.o 2746/72, de 19 de Dezembro de 1972,

vistos os Regulamentos da Comissão n.o 1013/71 e n.o 1014/71, de 18 de Maio de 1971, e n.o 501/72, de 9 de Março de 1972,

vista a Resolução do Conselho de 9 de Maio de 1971,

vista a Resolução do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-membros de 22 de Março de 1971,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, nomeadamente o artigo 20.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Finanzgericht Baden-Württemberg, por acórdão de 8 de Novembro de 1972, declara:

 

1)

A análise das questões submetidas não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade do Regulamento (CEE) n.o 974/71 do Conselho, nem dos Regulamentos (CEE) n. os 1013/71, 1014/71 e 501/72 da Comissão, que fixam os montantes compensatórios aplicáveis na época abrangida pelas questões.

 

2)

Nem os artigos 5.o e 107.o do Tratado, nem a Resolução do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-membros de 22 de Março de 1971, relativa à realização por etapas da união económica e monetária, podem ser interpretados como contendo, eles próprios, uma proibição de os Estados-membros alterarem a paridade das taxas de câmbio das suas moedas, a não ser através do estabelecimento de uma nova paridade fixa, susceptível de ser invocada pelos particulares perante um órgão jurisdicional nacional.

 

Lecourt

Donner

Sørensen

Monaco

Mertens de Wilmars

Pescatore

Kutscher

O'Dálaigh

Mackenzie Stuart

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de Outubro de 1973.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: alemào.