CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL GERHARD REISCHL
apresentadas em 7 de Novembro de 1973 ( 1 )
Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
Hoje, pela primeira vez, temos a honra — tal como o artigo 166.o do Tratado CEE prevê — de «apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas…-». Fazêmo-lo a propósito de quatro processos submetidos a este Tribunal (processos 120//73, 121/73, 122/73 e 141/73) por decisões proferidas em 19 de Março de 1973 e 28 de Maio de 1973 pelo Verwaltungsgericht Frankfurt e que este Tribunal decidiu apensar por despacho de 18 de Setembro de 1973 para efeitos de um processo oral comum.
Tendo em vista a boa compreensão do processo, gostaríamos de fazer, em primeiro lugar, as seguintes observações preliminares.
No âmbito de um programa de acção regional, o Governo alemão elaborou, durante o ano de 1968, um projecto de lei relativo à concessão de subsídios ao investimento e relativo à alteração de disposições em matéria de fiscalidade e de prémios. O seu principal objectivo era o de conceder às empresas sujeitas ao imposto, situadas na Zonenrandgebiet, nas Bundesausbaugebieten ou nos Bundes-ausbauorten e que, a partir de 31 de Dezembro de 1968, constituíssem estabelecimentos ou aumentassem os estabelecimentos existentes, um subsídio ao investimento, levantado sobre as receitas fiscais, igual a 10 % dos custos de fabrico e de compra. De acordo com o artigo 93 o, n.o 3, do Tratado CEE, a Comissão das Comunidades Europeias foi informada desse projecto, depois de este ter sido objecto de uma primeira leitura no Bundestag, através de uma nota verbal do representante permanente da República Federal da Alemanha de 22 de Abril de 1969. O projecto de lei foi anexado àquela nota, que esclarecia, além disso, que o projecto representava apenas uma parte de um programa global de desenvolvimento económico regional. Nesta ordem de ideias, outros projectos, que não merecerão a nossa atenção (a Comissão mencionou-os no seu memorando), foram ainda comunicados à Comissão, umas vezes por meio de notas verbais, outras vezes por ocasião de diversos contactos bi ou multilaterais. Após a segunda leitura, que teve lugar a 18 de Junho de 1969 no Bundestag, o projecto de lei foi discutido a 20 de Junho de 1969, durante uma reunião multilateral convocada pela Comissão para debater com os representantes dos Estados-membros da época, com excepção do Luxemburgo, diversas medidas de desenvolvimento regional adoptadas na Alemanha. Nessa ocasião, a delegação alemã forneceu indicações suplementares a respeito do projecto de lei e das modificações que tinham sido introduzidas após a segunda leitura. Em 10 de Julho de 1969, o projecto de lei foi aprovado pelo Bundesrat, com a forma com que tinha sido tornado público em 20 de Junho de 1969; após a sua publicação no Bundesgesetzblatt, a 21 de Agosto de 1969, entrou em vigor em 22 de Agosto de 1969, de acordo com o seu artigo 5.o
Os recorrentes no processo principal pretendiam, também eles, beneficiar das disposições daquela lei; com efeito, durante o ano de 1969, eles tinham empreendido investimentos em diversos lugares da República Federal da Alemanha (Kaiserslautern, Kiel, Trier e Leimsfeld), quer ao erigir um entreposto de mercadorias, quer ao construir um entreposto central confinando com um posto de venda, quer ao abrir um restaurante que serve em regime de livre-serviço pratos à base de peixe, quer ainda ao aumentar uma empresa de construção e transformação metalúrgica. Todavia, as suas tentativas destinadas a obter o certificado previsto no artigo 1.o, n.o 4, da lei sobre os subsídios ao investimento, condição necessária para a atribuição do subsídio ao investimento, não foram coroadas de êxito. Todos os pedidos foram recusados com o fundamento de que não se encontravam reunidos os requisitos exigidos pela lei alemã e, mais precisamente, de que os projectos de investimento não podiam ser considerados como particularmente dignos de ser incentivados em razão do seu interesse para a economia nacional, nos termos em que ele é entendido pelo artigo 1o, n.o 4, da lei sobre os subsídios ao investimento. Com efeito, não contribuíam de forma relevante para a elevação do potencial económico das zonas em questão.
Os recorrentes consideraram que esta apreciação não era pertinente. Por esta razão, e depois de em vão terem reclamado, interpuseram um recurso para o Verwaltungsgericht Frankfurt com o objectivo de obter, apesar de tudo, o certificado em causa.
Durante o processo, o Verwaltungsgericht Frankfurt teceu algumas dúvidas a respeito da validade da lei alemã em causa. Tais dúvidas encontravam fundamento no artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE, isto é, a disposição segundo a qual:
«Para que possa apresentar as sua observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92.o, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.»
A este respeito, é preciso saber ainda — nós soubemo-lo através da Comissão durante o processo — que uma primeira apreciação global dos projectos comunicados pelo Governo alemão, de Fevereiro a Setembro de 1969, foi proposta à Comissão pelos seus serviços em 18 de Dezembro. É também preciso saber que a Comissão decidiu, em 9 de Janeiro de 1970, dar início ao procedimento previsto no atigo 93 o, n.o 2, a propósito das disposições alemãs relativas aos auxílios regionais. O Governo alemão foi informado desta decisão por carta da Comissão de 13 de Janeiro de 1970, em que esta expressamente comunicava o seu receio de que, em certos casos, os auxílios fossem concedidos de modo não compatível com o mercado comum. A seu pedido, o Verwaltungsgericht Frankfurt recebeu também, em 15 de Fevereiro de 1973, uma comunicação análoga mencionando expressamente que a Comissão não tinha ainda proferido a sua decisão.
Não obstante, o Verwaltungsgericht não considera excluída a tese segundo a qual o efeito suspensivo (Sperrwirkung) previsto no artigo 93o, n.o 3, se produziria em qualquer caso até à adopção pela Comissão de uma decisão expressa e nos termos da qual se deveria considerar inaplicável, com base em argumentos extraídos do direito comunitário, uma lei nacional que apesar de tudo foi posta em vigor.
Uma vez que considerava que era necessária uma decisão sobre este ponto, em ordem a permitir-lhe proferir a sua decisão, o tribunal, através dos despachos supracitados — que aliás foram expressamente qualificados como inatacáveis — suspendeu a instância e pediu ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse a título prejudicial sobre as seguintes questões, idênticas nos quatro processos:
«a) |
O artigo 93o, n.o 3, terceiro período, do Tratado CEE deve ser entendido no sentido de que a Comissão se encontra obrigada a tomar uma decisão final, em qualquer circunstância, e consequentemente mesmo no caso de considerar que o projecto de lei nacional é compatível com o artigo 92.o do Tratado CEE? |
b) |
O facto de a Comissão não ter dado início 'sem demora' ao procedimento, em aplicação do artigo 93o, n.o 3, segundo período, do Tratado CEE, depois de ter sido informada por um Estado-membro, de acordo com o artigo 93 o, n.o 3, primeiro período, do Tratado CEE, tem como consequência jurídica, impedir o funcionamento da moratória prevista no artigo 93o, n.o 3, terceiro período e, portanto, permitir a instituição do regime de auxílios? |
c) |
A moratória prevista por esta disposição funciona também sempre que o procedimento previsto no artigo 93 o, n.o 3, segundo período, do Tratado CEE só for iniciado depois da entrada em vigor da lei que prevê a instituição do regime de auxílios e isso apesar do facto de a Comissão ter sido informada em tempo útil pelo Estado-membro? |
d) |
Em caso de resposta negativa à questão b) e de resposta afirmativa à questão c), a adopção de uma decisão final constitui um requisito de validade do projecto de lei nacional, e a lei nacional adoptada em violação dessa disposição deve ser considerada nula ou inaplicável até que essa decisão tenha sido proferida? |
e) |
A noção de 'Estado-membro', que consta do artigo 93o, n.o 3, terceiro período, do Tratado CEE, deve ser entendida no sentido de que o particular goza de um direito imediato ao respeito daquela disposição, ou o juiz nacional deve, na hipótese suscitada na questão d), conhecer oficiosamente da nulidade da lei para proferir a sua decisão?» |
Tendo os recorrentes nos processos principais, com excepção do do processo 120/73, os Governos alemão e do Reino Unido e a Comissão das Comunidades Europeias formulado as suas observações escritas, e tendo também estas mesmas partes fornecido oralmente a sua opinião, incumbe-nos agora debruçar-nos sobre os problemas suscitados e submeter a este Tribunal a nossa opinião a este respeito.
1. |
Que me seja permitido, antes de mais, fazer duas observações preliminares. A primeira respeita ao facto de, durante o procedimento que está na origem do processo 122/73, ter sido interposto recurso (Beschwerde) da decisão de reenvio, de modo que o processo foi submetido ao Verwaltungsgerichtshof do Land de Hesse. A outra diz respeito ao problema da necessidade de o Tribunal se pronunciar sobre as questões que lhe foram submetidas.
A respeito desta argumentação, todavia, deve salientar-se em primeiro lugar que, na sua jurisprudência sobre o processo a título prejudicial, o Tribunal de Justiça tem até agora defendido o princípio segundo o qual não lhe cabe verificar se é necessário pronunciar-se sobre as questões que lhe são submetidas para permitir ao órgão jurisdicional nacional proferir a sua decisão. A propósito dos casos em que foi evocada a possibilidade de uma derrogação do princípio, quando uma disposição do direito comunitário cuja interpretação é pedida foi com toda a evidência erradamente invocada pelo juiz nacional, observaremos que o tribunal que proferiu a decisão de reenvio no caso presente formulou também críticas, precisamente, quanto à atitude da Comissão no que respeita ao início do procedimento, isto é, quanto à regularidade do comportamento da Comissão. Ora, já que estas considerações não parecem manifestamente inexactas, também não fica excluído a priori que, apesar da comunicação da Comissão relativa ao início do procedimento de aplicação do artigo 93.o, n.o 2, importa interpretar o artigo 93o, n.o 3, em ordem a permitir ao juiz nacional proferir a sua decisão. Portanto, pensamos que não se poderá argumentar com a inutilidade, para deixar de examinar as questões suscitadas e deixar de dar uma resposta ao Tribunal a quo. |
2. |
Consagrando-nos agora ao exame propriamente dito das questões, lembraremos, an tes de mais, que todas elas são relativas ao artigo 93o, n.o 3, do Tratado CEE. Evidentemente, é também exacto — como assinalou o tribunal que proferiu as decisões de reenvio — que essas questões «se determinam e se confirmam reciprocamente». É por isso que pensamos que não é indicado tratá-las imediatamente em detalhe, mas sim colocar, antes de tudo, a disposição a interpretar — tal como fez a Comissão — no seu contexto material e começar por formular algumas observações de princípio a propósito das disposições do Tratado sobre os auxílios. O artigo 92.o, que já foi por diversas vezes tratado pela jurisprudência, dispõe, no seu n.o 1, que os auxílios concedidos pelos Estados para favorecer certas empresas ou certas produções são, em determinadas condições (sempre que falseiem a concorrência, afectem as trocas comerciais entre Estados-membros), incompatíveis, em princípio, com o mercado comum. O n.o 2 do artigo 92.o prevê em seguida que alguns auxílios são compatíveis com o mercado comum; além disso, nos termos do artigo 92.o, n.o 3, alguns auxílios podem ser considerados compatíveis com o mercado comum. É bem claro que estas disposições não são directamente aplicáveis no sentido em que o considera a jurisprudência em questão, que não acarretam qualquer proibição directamente aplicável que os particulares possam invocar perante os tribunais nacionais. Remetemos a este respeito para o acórdão recentemente proferido no processo 77/72. Consequentemente, as disposições contidas no artigo 93.o, relativas ao procedimento de aplicação do artigo 92.o, apresentam uma grande importância para o sistema. Distinguem dois casos: por um lado, os auxílios existentes, quer dizer, os regimes de auxílios que existiam no momento da entrada em vigor do mercado comum ou que foram mais tarde instituídos respeitando as disposições do artigo 93.o, n.o 3; por outro lado, os auxílios projectados, quer dizer, os auxílios que foram instituídos após a entrada em vigor do Tratado ou os regimes que têm por objectivo uma alteração ou uma prorrogação dos auxílios existentes. No que se refere aos auxílios existentes, o artigo 93.o, n.o 1, prevê que a Comissão proceda em cooperação com os Estados-membros ao seu exame permanente. Nesse momento, a Comissão pode propor aos Estados-membros «medidas adequadas». Se chegar à conclusão de que existe uma incompatibilidade com o mercado comum, iniciará o procedimento previsto no artigo 93o, n.o 2, e, sendo esse o caso, proferirá uma decisão que fixa um prazo para a supressão ou modificação do regime de auxílios. Se o Estado-membro em causa não der cumprimento a esta decisão, a Comissão ou qualquer outro Estado-membro interessado pode recorrer directamente ao Tribunal de Justiça, em derrogação do disposto nos artigos 169.o e 170.o A este respeito é também importante assinalar que, em caso de circunstâncias excepcionais, o Conselho pode decidir, pronunciando-se por unanimidade, que um auxílio é compatível com o mercado comum. É com razão que se deduz de tudo isto que as decisões da Comissão relativas aos auxílios existentes só dispõem para o futuro — aliás já foi feita alusão a isso no presente processo quando a tónica foi colocada no princípio da segurança jurídica. No que se refere aos projectos de auxílios, quer dizer, os novos regimes de auxílios, são pelo contrário aplicáveis outros princípios. Um controlo preventivo por parte da Comissão, isto é, um processo de exame antes da instituição dos auxílios, encontra-se previsto neste domínio, considerando o facto de as distorções da concorrência provocadas pelos sistemas de auxílio só poderem dificilmente ser eliminadas com efeito retroactivo ou mesmo não o poderem ser de todo. Para este efeito, os Estados-membros estão obrigados a informar a Comissão atempadamente dos seus projectos de instituição ou de alteração dos regimes de auxílios, a fim de lhe permitir proceder ao seu exame e apresentar as suas observações. Se, após um exame sumário, a Comissão considerar que o projecto não é compatível com o mercado comum, iniciará sem demora o procedimento previsto no n.o 2 do artigo 93o Contrariamente ao que alegou o Governo do Reino Unido, poder-se-á, de resto, considerar como suficiente o facto de a Comissão ter sérias dúvidas quanto à compatibilidade de um regime de auxílios, quer dizer, o. facto de, visto sob o ângulo do artigo 92.o, um regime se lhe apresentar como suspeito; em caso contrário, isto é, se a Comissão estiver convencida da incompatibilidade do sistema de auxílios, será imediatamente possível uma decisão final e não haverá lugar ao início de um procedimento de exame mais detalhado. A respeito desse procedimento, continua o terceiro período dó n.o 3: «O Estado-membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final». Neste contexto, é portanto essencial — e só assim estará assegurado um controlo preventivo eficaz — que os Estados-membros fiquem obrigados a respeitar uma obrigação de standstill. Se é verdade que o último período do n.o 3 citado só prevê esta obrigação de maneira evidente no caso de o procedimento ter sido iniciado, é todavia fácil deduzir do objectivo e dos termos da disposição «para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente» que a obrigação de standstill se constitui mais cedo, em caso de notificação — neste caso constitui-se no momento de notificação — e também na falta de notificação. Qualquer outra interpretação, por exemplo, a interpretação segundo a qual os Estados-membros seriam livres de pôr em vigor os regimes de auxílios até à abertura do procedimento, não faria qualquer sentido em face do sistema previsto pelo artigo 93.o Tal como faz a Comissão, pode perfeitamente falar-se, por um lado, de uma obrigação geral e global de standstill para os Estados-membros e, por outro lado, de uma obrigação especial e prolongada de standstill limitada aos casos em que a Comissão deu início ao procedimento. Se, de acordo com o sistema e o teor, das disposições interpretadas, esta conclusão se apresenta com relativa clareza, restam contudo um certo número de problemas específicos para resolver e é precisamente a eles que se referem em particular as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional nacional.
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3. |
Em resumo, diremos que deve responder-se da seguinte maneira às questões suscitadas pelo Verwaltungsgerichtshof Frankfurt:
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( 1 ) Língua original: alemão.