ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

17 de Outubro de 1972 ( *1 )

No processo 8/72,

Vereeniging van Cementhandelaren (Associação de negociantes de cimento), com sede em Amsterdão, representada por J. J. A. Ellis e B. H. ter Kuile, advogado junto do Hoge Raad (Tribunal de Cassação) dos Países Baixos, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Jacques Loesch, 2, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. van der Esch, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do seu consultor jurídico Emile Reuter, 4, boulevard Royal,

recorrida,

que tem por objecto o pedido de anulação da Decisão IV/324 da Comissão, de 16 de Dezembro de 1971, relativa a um processo baseado no artigo 85.o do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner e H. Kutscher, juízes,

advogado-geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Fevereiro de 1972, a Vereeniging van Cementhandelaren (Associação neerlandesa de negociantes de cimento) pediu a anulação da Decisão de 16 de Dezembro de 1971 (JO 1972, L 13, p. 34), pela qual a Comissão declarou a incompatibilidade com o artigo 85.o, n.o 1, do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, de um conjunto de decisões da associação da recorrente, rejeitou o pedido de isenção formulado pela mesma associação, nos termos do artigo 85.o, n.o 3, e lhe impôs que pusesse. imediatamente termo à infracção verificada.

2

A recorrente invocou fundamentações de anulação referentes ao objecto da decisão, violação de formalidades essenciais, violação das disposições do Tratado e falta de fundamentação.

Quanto ao objecto da decisão em litígio

3

A recorrente argumenta que, antes da decisão de 16 de Dezembro de 1971, em 7 de Dezembro de 1971, tinha suprimido integralmente o sistema de «preços obrigatórios» para as vendas de cimento em quantidades inferiores a 100 toneladas.

4

Devido ao nexo existente entre este sistema e a fixação de «preços indicativos» para as vendas de cimento em quantidades iguais a 100 toneladas e superiores, a decisão ficou sem objecto.

5

A decisão em litígio foi adoptada contra regulamentações internas da associação recorrente que por ela haviam sido comunicadas, nos termos do n.o 3 do artigo 85.o, e foram objecto da notificação das acusações e do processo administrativo.

6

No momento em que procedeu à supressão dos preços obrigatórios para as vendas de quantidades inferiores a 100 toneladas, a recorrente sabia que, estando o processo terminado, estava iminente uma decisão da Comissão.

7

Tinha-lhe competido prevenir, sem demora, a Comissão da mudança introduzida na sua regulamentação interna para que esta pudesse, eventualmente, tirar dela as consequências apropriadas.

8

Nestas condições, a recorrente não poderia invocar esta mudança, de sua iniciativa, para pôr em causa a decisão da Comissão.

9

A acusação deve pois ser rejeitada.

Quanto à violação de formas substanciais

10

A recorrente sustenta que a comunicação das acusações referida no artigo 2.o do Regulamento n.o 99/63/CEE da Comissão era irregular porque foi assinada não por um elemento da Comissão, mas pelo director-geral da Concorrência, por delegação.

11

Está assente que o director-geral da Concorrência se limitou a assinar a comunicação das acusações que o membro da Comissão competente para os problemas de concorrência, no exercício dos poderes que a Comissão lhe delegara, tinha previamente aprovado.

12

Este funcionário agiu, assim, no âmbito não de uma delegação de poderes, mas de uma simples delegação de assinatura que tinha recebido do membro da Comissão.

13

Tal delegação constitui uma medida relativa à organização interna dos serviços da Comissão, conforme com o artigo 27.o do Regulamento interno provisório aprovado nos termos do artigo 7.o do Tratado de 8 de Abril de 1965, que institui um Conselho único e uma Comissão única.

14

O argumento contra a decisão em litígio consistente na pretensa irregularidade formal da comunicação das acusações não pode, pois, ser aceite.

Quanto ao fundo

a) Prejuízo para a concorrência no interior do mercado comum

15

A recorrente sustenta que após a eliminação do sistema de «preços obrigatórios» — que apenas teria sido aplicado a uma fracção pouco importante das transacções — só subsistia um sistema de «preços indicativos».

16

Estes «preços indicativos», aliás de facto mal respeitados, longe de constituírem uma imposição para os aderentes, representavam na realidade apenas uma base de cálculo que deixava largamente intacta, para cada um deles, a liberdade de calcularem os seus preços segundo os dados de cada mercado individual.

17

De toda a maneira, sendo as diferenças dos preços de produção pouco consideráveis no ramo em questão, a concorrência existia principalmente nos outros elementos das transacções, tais como a qualidade dos produtos e os serviços à clientela.

18

O n.o 1 do artigo 85.o do Tratado designa expressamente como incompatíveis com o mercado comum os acordos que consistem em «fixar, de forma directa ou indirecta, os preços… de venda, ou quaisquer outras condições de transacção».

19

Se um regime de preços de venda obrigatórios é manifestamente contrário a esta disposição, o regime dos preços indicativos é-o igualmente.

20

Efectivamente, não se pode supor que as cláusulas do acordo relativas à determinação dos «preços indicativos» sejam destituídas de todo o alcance útil.

21

Com efeito, a fixação de um preço, mesmo unicamente indicativo, afecta a concorrência pelo facto de que permite a todos os participantes preverem, com um grau razoável de certeza, qual a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes.

22

Esta previsão é tanto mais certa quanto às disposições relativas aos «preços indicativos» se junta a obrigação de realizar, em todos os casos, um lucro demonstrável e quanto estas disposições devem, para o resto, ser consideradas no quadro do conjunto das regulamentações internas da associação recorrente, caracterizadas por uma disciplina rigorosa, que inclui controlos e sanções.

23

Além da fixação dos preços propriamente ditos, o acordo referido pela decisão em litígio comporta ainda um conjunto de cláusulas restritivas sobre outras condições de transacções.

24

Tal é o caso, designadamente, das cláusulas que têm por objecto impedir a venda de cimento a comerciantes não membros da associação ou revendedores por esta aprovados, prevenir a constituição de stocks de cimento nas mãos de terceiros não submetidos à disciplina da associação, limitar estritamente as vantagens comerciais que possam ser concedidas aos compradores e impedir todas as prestações de serviços à clientela que saiam do âmbito do que é considerado como «normal».

25

Assim, o exame do conjunto das regulamentações objecto da decisão em litígio fá-las aparecer como um sistema coerente e rigorosamente organizado, que tem por objecto restringir a concorrência entre os aderentes da associação.

b) Influência sobre o comércio entre Estados-membros

26

Segundo a associação recorrente, a apreciação do acordo objecto da decisão em litígio escapa contudo à competência da Comunidade, por se tratar de um acordo puramente nacional, limitado ao território neerlandês, que não visa de maneira alguma as importações ou exportações e que não tem, assim, influência sobre as correntes de trocas entre Estados-membros.

27

A este respeito, sublinha mais especialmente o facto de a produção global de cimento nos Países Baixos estar longe de satisfazer as necessidades da economia neerlandesa, continuando a existir grande necessidade de importação, e de existir, fora dos seus aderentes, um número importante de vendedores dè cimento não filiados e, assim, o comércio intracomunitário não correr o risco de ser afectado.

28

Segundo o n.o 1 do artigo 85.o, todo o acordo que tenha por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência é incompatível com o Tratado, visto ser susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros.

29

Um acordo que se estende a todo o território de um Estado-membro tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar barreiras de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado e assegurando uma protecção à produção nacional.

30

Especialmente as disposições do acordo que vinculam entre si os membros da associação recorrente, tal como a exclusão, por esta, de todas as vendas a revendedores não aprovados por ela torna mais difícil a acção ou a penetração no mercado neerlandês de produtores ou de vendedores dos outros Estados-membros.

31

Vê-se, assim, que a objecção de que o comércio entre Estados-membros não pode ser afectado pelas decisões da associação recorrente deve ser afastada.

32

Resulta do que precede que as acusações de pretensa violação das normas do Tratado devem ser desatendidas.

Quanto ã falta de fundamentação

33

A recorrente invoca ainda o argumento de insuficiência de fundamentação da decisão em litígio.

34

Esta crítica visa especialmente a circunstância de que, se a parte dispositiva da decisão respeita a um conjunto de regulamentações que abrange as disposições gerais e as disposições em matéria de preços (algemene Bepalingen en Prijsvoorschriften der VCH), as listas de preços I-VI (Prijsbladen I-VI), as condições gerais de compra e de venda (Algemene Koop en Verkoopvoorwaarden 1955 FGB-RBB) e as condições complementares de compra e venda (Aanvullende Koop — en Verkoopvoorwaarden van de VCH), a fundamentação, que se refere explicitamente aos primeiros destes documentos, não permite ver as razões pelas quais a Comissão condenou igualmente as «condições gerais» e as «condições complementares de compra e de venda».

35

Se é verdade que as «condições gerais» e as «condições complementares de compra e venda» comportam um certo número de cláusulas comerciais usuais, estranhas em si à matéria do acordo, é também evidente que diversas disposições são susceptíveis de desempenhar um papel auxiliar no funcionamento deste.

36

Quanto ao resto, as «disposições gerais e disposições em matéria de preços», em que se encontram concentradas as principais disposições reconhecidas como contrárias às normas de concorrência do Tratado, contêm uma remissão expressa para as ditas «condições gerais» e «condições complementares de compra e de venda».

37

Assim, parece normal que, na parte decisória da sua decisão, a Comissão tenha tido em vista o conjunto dos actos que, segundo a vontade da própria declarante, devem formar um todo coerente.

38

Na sua fundamentação, a Comissão designou de maneira explícita as disposições que, no conjunto dos actos citados, se encontram em oposição com as exigências do n.o 1 do artigo 85o

39

Competirá à recorrente, no momento de proceder à revisão da sua regulamentação interna com vista a torná-la conforme às normas da concorrência da Comunidade, determinar as cláusulas que devem ser eliminadas, por serem contrárias ao Tratado, e as que poderão subsistir.

40

Assim sendo, a acusação de falta de fundamentos deve ser rejeitada.

Quanto às despesas

Por força do disposto no n. o 2 do artigo 69 o do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações das partes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, em especial os seus artigos 85.o, 173.o e 190.o,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A recorrente é condenada nas despesas.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Kutscher

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Outubro de 1972.

A. Van Houtte

O secretário

R. Lecourt

O presidente


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.