CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

HENRI MAYRAS

apresentadas em 19 de Junho de 1973 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

I — Introdução

Se a realização do mercado comum implica, em diversos domínios, a implementação de uma política económica comum, admitindo deste modo o recurso a determinadas intervenções dirigistas das instituições na vida económica, o Tratado de Roma, de inspiração liberal, não deixa contudo de se basear no mecanismo da livre concorrência.

A acção da Comunidade deve, nos termos da alínea f) do artigo 3. o do Tratado, contribuir para o «estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum».

Este princípio não tem apenas como consequência a proibição das ententes, isto é, dos acordos entre empresas e das práticas concertadas que sejam susceptíveis de impedir, restringir ou falsear a concorrência (artigo 85.o), bem como a proibição do abuso de posições dominantes (artigo 86.o), sendo igualmente aplicável aos próprios Estados-membros. Com efeito, estes intervêm, por seu lado, na respectiva economia nacional, nomeadamente através dos auxílios a empresas ou categorias de empresas, seja devido à sua implantação geográfica, seja em função da natureza da sua actividade. Quer se trate de auxílios com finalidades regionais, quer de auxílios sectoriais, a acção do Estado é assim susceptível de afectar as condições de concorrência, violando a igualdade de meios e, consequentemente, a igualdade de oportunidades das empresas em concorrência num mercado único.

Todavia, determinados auxílios do Estado podem revelar-se necessários na prossecução do interesse comum para o desenvolvimento de actividades regionais ou sectoriais ou indispensáveis para a manutenção de algumas actividades que as alterações tecnológicas tendem a fazer desaparecer. É, no mínimo, legítimo que possa existir um auxílio temporário do poder público, a fim de facilitar a adaptação, ou, como é comum afirmar, a «reconversão»dos sectores de produção atingidos por uma recessão de origem estrutural.

Esta é a razão pela qual, embora consagrando o princípio da incompatibilidade com o mercado comum dos «auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções», o artigo 92.o do Tratado estabelece várias derrogações a tal princípio.

Trata-se das normas básicas que regulam o regime comunitário de auxílios estatais.

O mecanismo da sua implementação é regulado pelo artigo 93.o, que estabelece os procedimentos nos termos dos quais as instituições comunitárias — Conselho e Comissão — intervêm neste domínio e define os poderes de tais instituições em relação aos Estados.

Tendo o Tribunal de Justiça apreciado recentemente litígios relativos à compatibilidade com o Tratado de determinadas medidas de auxílio decididas pelos Estados-membros, o presente processo oferece ao Tribunal a oportunidade de analisar os mecanismos de intervenção da Comissão e determinar os limites dos poderes que são conferidos a esta instituição.

II — Economia do artigo 93.o do Tratado

Parece-nos antes de mais indispensável indicar em que consistem tais poderes e qual o modo como devem ser utilizados.

O artigo 93.o do Tratado distingue a este respeito duas situações radicalmente opostas.

O n.o 1 refere-se aos regimes de auxílios existentes nos Estados-membros, em relação aos quais a Comissão dispõe, por um lado, de um poder de análise e de proposta e, por outro, de um poder de injunção e de decisão, sancionado, se necessário, pelo Tribunal de Justiça.

Efectivamente, tendo procedido à análise de um desses regimes e não havendo acordo com o Estado em causa, a Comissão pode, numa primeira fase, propor a este Estado as medidas exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum. Trata-se aqui, nos termos do último parágrafo do artigo 189.o do Tratado, de “simples recomendações”que não são vinculativas para os seus destinatários.

O n.o 2 do artigo 93.o vai bastante mais longe. Se a Comissão considerar, por qualquer razão, que um regime de auxílios existente não é compatível com o mercado comum, ou seja, se a Comissão se encontra perante um auxílio “suspeito”, deve recorrer a um mecanismo que se inicia pela notificação dirigida tanto aos Estados como a outros interessados, ou seja, às pessoas singulares ou colectivas a quem o regime de auxílio diz respeito, de modo a permitir que apresentem as suas observações.

Se, após a análise de tais observações, a Comissão verificar que o auxílio é incompatível com o mercado comum, pode então decidir que o Estado em causa deve suprimir ou modificar tal auxílio, no prazo por ela determinado. Esta decisão é executória. No caso de o Estado em causa se recusar a respeitar tal decisão, deve então impugná-la mediante recurso de anulação no prazo previsto pelo artigo 173. o do Tratado. É este o único meio que os Estados possuem para contestar a legalidade da decisão da Comissão, na medida em que a excepção da ilegalidade apenas é admissível, nos termos do artigo 184.o, em relação a regulamentos.

O Tribunal admitiu, é certo, uma derrogação a este princípio no acórdão de 10 de Dezembro de 1969, Comissão/França (6/69 e 11/69, Colect. 1969 -1970, p. 205, n.o 13), no caso em que o vício alegado pelo Estado interessado contra a Comissão seja de uma gravidade tal que, caso existisse, ‘a decisão não teria qualquer base jurídica na ordem comunitária’. Mas trata-se aqui de uma hipótese excepcional.

Nestes termos, se o Estado não tiver impugnado em tempo útil a decisão, mas não a tiver respeitado dentro do prazo fixado, a Comissão, bem como qualquer outro Estado interessado, pode recorrer directamente ao Tribunal de Justiça.

O n.o 2 do artigo 93.o institui neste caso uma forma especial de acção por incumprimento, idêntica nos seus efeitos às acções previstas pelos artigos 169.o e 170.o, mas que deles difere quanto ao procedimento, pelo facto de a Comissão não ter neste caso a obrigação de formular um parecer fundamentado antes de recorrer ao Tribunal. O recurso directo ao Tribunal justifica-se neste caso pelo facto de a Comissão já ter notificado o Estado em causa, bem como os outros interessados para apresentarem as suas observações. O carácter contraditório do procedimento prévio é portanto respeitado.

Além disso, confere-se um poder excepcional ao Conselho. A pedido de qualquer Estado-membro, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio, instituído ou a instituir por esse Estado, pode ser considerado compatível com o mercado comum, em derrogação do disposto no artigo 92.o, se circunstâncias excepcionais justificarem tal decisão.

Parece-nos todavia resultar claramente da própria letra do terceiro parágrafo do n.o 2 do artigo 93 o que este apelo, ou melhor, este ‘recurso hierárquico” para o Conselho, deve ser introduzido antes de a Comissão ter iniciado o procedimento destinado a suprimir ou a modificar o auxílio em questão, ou, em todo o caso, antes de a Comissão ter adoptado uma decisão. Com efeito, o recurso para o Conselho tem como efeito suspender este procedimento nos casos em que ele já tenha sido iniciado. Esta disposição perderia o seu sentido se o Estado pudesse ainda recorrer

para o Conselho após a Comissão ter adoptado a sua decisão, colocando assim termo ao procedimento.

De resto, este efeito suspensivo é limitado no tempo: se o Conselho não se pronunciar no prazo de três meses a contar da data do pedido, a Comissão, retomando o exercício do seu poder, decidirá. Finalmente, se pudesse haver recurso para o Conselho após decisão da Comissão, como conciliar a intervenção daquele, baseada essencialmente em razões de oportunidade, com a faculdade, reconhecida à Comissão, de propor uma acção por incumprimento no Tribunal de Justiça? É inconcebível que os autores do Tratado pudessem admitir um eventual conflito entre uma decisão do Conselho, baseada na apreciação de circunstâncias excepcionais e derrogatórias do artigo 92.o, e um acórdão do Tribunal, que apenas poderia ter como base uma interpretação soberana da referida disposição do Tratado.

Do sistema consagrado pelo n.o 2 do artigo 93.o, em relação aos auxílios existentes, resulta, por fim, que, se a Comissão tem o poder de decidir que um auxílio é incompatível com o mercado comum, a sua decisão apenas produz efeitos no futuro, não podendo, em conformidade de resto com um princípio geral de direito geralmente reconhecido pelos Estados-membros e por este Tribunal, produzir efeitos retroactivos. Tal decisão tem um carácter constitutivo e não declarativo; é dela e apenas dela que surge a proibição do auxílio ou a obrigação de este ser modificado.

Uma interpretação diferente do artigo 93 o implicaria que não se reconhecessem direitos adquiridos por terceiros, colocaria em causa a segurança jurídica e conduziria, por fim, a dificuldades de aplicação que não poderiam ser ultrapassadas.

A situação é completamente diferente quando a Comissão se encontra perante um novo projecto de auxílio ou de modificação de um auxílio existente. Com efeito, nenhum direito subjectivo pode derivar de um projecto. Foi assim possível conferir neste caso à Comissão o poder extraordinário de se opor à execução das medidas projectadas, caso considere que as mesmas não são compatíveis com o mercado comum, na acepção do artigo 92.o

Mas não basta que a Comissão se limite a «considerar» que um determinado projecto não é compatível com o mercado comum e que comunique as suas reservas ao Estado autor do projecto. Para que a Comissão possa formular uma opinião mais concreta sobre a compatibilidade do projecto com o Tratado, deve ainda suscitar as observações dos «interessados», conferindo uma certa publicidade à sua intenção de, eventualmente, se opor ao projecto ou exigir que este venha a ser modificado. É com este objectivo que a Comissão tem o dever de iniciar, de imediato, o procedimento previsto pelo n.o 2 do artigo 93.o, isto é, notificar os Estados e os outros interessados para apresentarem as suas observações. É somente a esta notificação que se confere um efeito suspensivo, acarretando uma verdadeira suspensão da execução até que o procedimento tenha conduzido a uma decisão final.

Resulta deste sistema, na nossa opinião, que, tendo iniciado o procedimento, a Comissão deve sempre adoptar uma decisão, quer no sentido de proibir em definitivo a implementação das medidas projectadas, quer para subordinar a sua execução a determinadas modificações ou adaptações quer ainda, em sentido oposto, para admitir, após uma análise mais profunda, a compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Se a Comissão demorar demasiado tempo a decidir, paralisando indefinidamente a acção do Estado em causa, consideramos que este poderá intentar contra ela um recurso por omissão.

III — Exposição dos factos

Iremos em seguida expor quais as condições em que a Comissão considerou necessário, nos termos do n.o 2 do artigo 93 o, recorrer ao Tribunal contra a República Federal da Alemanha, à qual a Comissão censura não ter respeitado uma decisão que lhe impunha a suspensão de um regime de auxílio aos investimentos.

O legislador alemão adoptou, em 15 de Março de 1968, uma lei designada Kohlegesetz.

Este diploma contém, por um lado, uma acção de reconversão da indústria hulhífera, destinada a evitar a recessão económica em regiões afectadas pela crise da produção de carvão e a reabsorver o desemprego resultante do encerramento de determinadas minas e, por outro lado, medidas destinadas a favorecer, nestas mesmas regiões, a criação, o desenvolvimento ou a transferência de empresas industriais, com o objectivo de desenvolver o emprego e possibilitar uma diversificação das estruturas económicas, que, até aí, se tinham baseado quase exclusivamente na exploração das minas.

O n.o 1 do artigo 32.o desta lei institui, designadamente, um prémio ao investimento em benefício das pessoas singulares ou colectivas que construam ou desenvolvam um estabelecimento industrial numa das zonas de carvão. Este auxílio não reveste a forma de um subsídio directo, consistindo numa redução do imposto sobre o rendimento ou sobre as empresas, equivalente a 10 % do montante dos investimentos realizados.

A redução só é concedida se o delegado federal para a indústria hulhífera, funcionário superior colocado sob a autoridade directa do ministro da Economia, tiver, em concertação com o governo do Land em questão, comprovado que a criação de um novo estabelecimento ou a expansão de uma empresa existente é susceptível de melhorar a estrutura económica da região mineira e, em geral, de beneficiar a economia nacional. No caso em que esta criação ou expansão do estabelecimento seja acompanhada da transferência de uma empresa, é ainda necessário que um número apreciável de novos postos de trabalho seja criado.

A tomada em consideração do investimento é materializada pela emissão de um “certificado de conformidade”, com o qual a administração fiscal é obrigada a conceder uma redução do imposto proporcional ao montante do investimento.

O pedido de entrega do certificado pode ser anterior ao investimento; o certificado será eventualmente concedido a um projecto cuja situação, natureza e volume de investimentos devem ser determinados com uma precisão suficiente. Todavia, o pedido pode igualmente ser apresentado só após a realização do investimento ou enquanto a operação está em fase de execução.

Finalmente, e este facto é determinante, a redução do imposto apenas é concedida, nos termos do artigo 32.o da lei de 15 de Maio de 1968, aos investimentos efectuados durante um período dito de “encorajamento”, que inicialmente se estendeu de 30 de Abril de 1967 a 1 de Janeiro de 1970. Todavia, quan

do a criação ou o desenvolvimento de um estabelecimento industrial teve início durante esse período, o benefício da redução do imposto é concedido, respeitando determinados limites, aos investimentos correspondentes à execução e à finalização dos trabalhos durante um período suplementar de dois anos a seguir ao período “encorajamento”. Este regime de prémios aos investimentos tem, incontestavelmente, o carácter de um “auxílio de Estado”, nos termos do artigo 92.o, pois destina-se a favorecer a implantação ou o desenvolvimento de estabelecimentos industriais, e consistindo numa redução dos encargos fiscais das empresas, baseia-se em recursos públicos.

Tal facto não era de resto ignorado pelo Governo alemão que, desde 1967, quando a Kohlegesetz se encontrava ainda na fase de projecto, informou a Comissão das Comunidades Europeias, como era sua obrigação nos termos do n.o 3 do artigo 93 o do Tratado.

Nessa época a Comissão não suscitou qualquer objecção à concessão do referido auxílio, desde que a sua aplicação fosse limitada no tempo.

Tendo em consideração a crise que atingia então a indústria carbonífera, as dificuldades de escoamento do carvão, a evolução desfavorável dos rendimentos nessas regiões em relação ao conjunto do território federal e, finalmente, a necessidade de criar cerca de 20000 novos empregos durante o “período de encorajamento”, a Comissão chegou à conclusão de que tal regime de auxílio, destinado a evitar as graves dificuldades económicas e sociais originadas pela recessão maciça da actividade predominante na estrutura económica destas regiões, era justificado.

Considerou igualmente as suas modalidades como satisfatórias:

desenvolvia-se um considerável esforço de reconversão no sector em crise;

o auxílio era “transparente”, podendo ser avaliado em relação ao investimento e incluía um mecanismo de selectividade, já que, tratando-se de um prémio pagável através da redução do imposto, apenas as empresas que realizassem lucros, ou seja, as empresas em princípio competitivas, dele iriam beneficiar;

finalmente, as regiões do carvão encontravam-se clara e concretamente delimitadas.

Foi assim com o acordo da Comissão que, tendo entrado em vigor a Kohlegesetz, o regime dos prémios ao investimento específico das regiões hulhíferas foi aplicado.

Um ano mais tarde, o Governo alemão apresentou ao Bundestag um projecto de lei fiscal com alterações, que incluía, designadamente, um conjunto de medidas de carácter geral em matéria de auxílio aos investimentos para as regiões limítrofes da “zona Este” bem como para outras regiões que necessitavam igualmente de encorajamento. Este projecto não incluía, na sua versão inicial, qualquer modificação à Kohlegesetz. Mas, durante a segunda leitura do Bundestag, a comissão de finanças desta Assembleia suscitou a questão da aplicação do projecto às regiões mineiras. Com excepção do Sarre, a comissão de finanças considerava, tal como

a comissão dos assuntos económicos, que bastava prorrogar por dois anos a aplicação do regime do auxílio especial previsto pelo artigo 32.o da Kohlegesetz para as outras regiões mineiras. Através de uma alteração ao texto governamental, as duas comissões propuseram então prorrogar, até 1 de Janeiro de 1972, o “período de encorajamento” inicialmente limitado a 1 de Janeiro de 1970. Consequentemente, o “período complementar” durante o qual podiam igualmente beneficiar da redução do imposto os investimentos relacionados com a construção ou com o desenvolvimento de um estabelecimento industrial ou comercial, prorrogado também por dois anos, apenas deveria expirar em 31 de Dezembro de 1973.

Esta alteração, aprovada em segunda leitura pelo Bundestag, veio a ser o artigo 9 o do projecto de lei fiscal de alteração que, por seu turno, foi aprovado pelo Bundesrat em 10 de Julho de 1969.

Alguns dias mais tarde, em 16 de Julho, o Governo alemão informou a Comissão das Comunidades Europeias deste facto.

Reagindo rapidamente a esta comunicação, a Comissão observou que deveria ter sido informada em tempo útil, a partir do momento em que o projecto de alteração da modificação do artigo 32.o da Kohlegesetz fora apresentado. Todavia, a Comissão limitou-se a pedir à República Federal que lhe desse a conhecer “os pormenores e os motivos desta prorrogação”.

Ao que esta respondeu, mas só em 1 de Outubro, que o governo não tinha inicialmente previsto qualquer modificação ao artigo 32.o da Kohlegesetz, devendo-se a prorrogação do período de encorajamento a uma iniciativa do Parlamento, e que, consequentemente, não tinha sido possível informar a Comissão antes da aprovação da referida alteração.

Entretanto, a nova lei fiscal foi promulgada em 18 de Agosto de 1969 e publicada no Bundesgesetzblat (Jornal Oficial federal) em 21 de Agosto, entrou em vigor no dia seguinte, do que a Comissão recebeu uma confirmação oficial em 19 de Setembro.

A Comissão esforçou-se, segundo diz, por obter do Governo alemão todos os esclarecimentos susceptíveis de justificar a prorrogação do regime dos prémios ao investimento nas regiões carboníferas. Nenhuma das indicações fornecidas — não sem reticências, segundo parece — convenceram a Comissão da compatibilidade com o mercado comum da manutenção indiferenciada deste auxílio específico. Pelo contrário, um estudo mais aprofundado levou a Comissão a verificar que a situação económica e social tinha evoluído favoravelmente nas bacias hulhíferas e que o nível de emprego se tornara satisfatório, especialmente na Renânia do Norte-Vestefália. Em dois anos, várias dezenas de milhares de empregos tinham sido criados e o desemprego tinha sido, em grande parte, reabsorvido. Os efeitos da crise do carvão, se bem que ainda não totalmente debelados, estavam já largamente atenuados.

Sem contestar a prorrogação do sistema nas regiões carboníferas situadas fora do Land da Renânia do Norte-Vestefália, para as quais outros problemas regionais se sobrepunham aos da recessão mineira, a Comissão considerou então que, neste Land, uma concessão não selectiva de prémios ao investimento não era justificada.

Foi por isso que decidiu utilizar os poderes que lhe são conferidos pelo n.o 2 do artigo 93o, informando, em 30 de Julho de 1970, o Governo alemão que convinha pôr termo, a partir de 1 de Dezembro seguinte, à concessão indiferenciada dos prémios de investimento previstos pelo artigo 32.o da Kohlegesetz no Land da Renânia do Norte-Vestefália, ao mesmo tempo que o convidava a apresentar as suas observações num prazo de seis semanas.

O mesmo convite foi dirigido aos restantes Estados-membros. Quanto aos particulares nteressados pelo regime de auxílio em causa foram igualmente convidados a exprimir a sua opinião, através de uma comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 14 de Agosto de 1970.

O Governo alemão apresentou as suas observações em resposta a esta notificação apenas em 5 de Novembro de 1970.

E foi só em 14 de Fevereiro de 1971, ou seja seis meses após o início do procedimento, que a Comissão, tendo tomado conhecimento do conjunto das respostas dos interessados, aprovou a sua decisão, cujo artigo 1o ordena à República Federal que tome “de imediato”, todas as medidas necessárias para pôr termo, nas regiões mineiras do Land da Renânia do Norte-Vestefália, à concessão de prémios ao investimento não selectivos, previstos no n.o 1 do artigo 32.o da lei sobre a adaptação e a reconversão das minas de carvão e das regiões mineiras, modificada pelo artigo 9 o da lei fiscal de 18 de Agosto de 1969.

A exposição dos motivos da decisão inclui, na secção V, dois elementos que permitem esclarecer o seu alcance:

por um lado, a concessão dos auxílios previstos pelo artigo 32.o da Kohlegesetz alterada deveria ser apenas suspensa até que uma aplicação selectiva de tais auxílios pudesse ser realizada;

por outro lado, as empresas que tivessem obtido antes desta decisão um certificado de conformidade do delegado federal para a indústria do carvão conservariam o benefício do prazo complementar previsto pela segunda frase do n.o 1 do artigo 32.o da Kohlegesetz, ou seja, poderiam obter as reduções fiscais relativas aos investimentos efectuados após 1 de Janeiro de 1970, com a condição de que tais investimentos se referissem à criação ou ao desenvolvimento de empresas iniciados antes dessa data.

Finalmente, na sua carta de notificação, a Comissão propunha ao Governo alemão a realização de debates com o objectivo de definir os critérios económicos e geográficos segundo os quais um regime de auxílio, compatível com o mercado comum, poderia ser aplicado.

Na sequência de uma reunião em Bruxelas, em 4 de Maio de 1971, o Governo alemão apresentou propostas a este respeito que, após terem sido analisadas pela Comissão, foram aceites mediante carta de 16 de Dezembro de 1971.

Nos termos desta carta, a concessão dos prémios ao investimento em circunscrições determinadas (Landkreise), bem como em certas cidades separadas dos Kreise, deveria subordinar-se às seguintes condições alternativas:

que, em 1969, mais de 20 % dos assalariados do sector industrial estivessem ainda empregados na exploração das minas de carvão e que o produto interno bruto per capita fosse nessas circunscrições inferior em 10 % à média do Land;

ou que medidas de reconversão da indústria do carvão (ou seja, o encenamento de poços) tivessem já sido adoptadas sem terem ainda sido concluídas, ou devessem ser adoptadas antes de 31 de Dezembro de 1971.

Nestes termos, o regime de auxílio selectivo, anunciado pela decisão de 17 de Fevereiro de 1971, apenas pôde ser concretamente definido no termo desse ano.

A partir desta altura, segundo a própria Comissão afirma, o Governo alemão aceitou os critérios de selectividade que a Comissão propusera, não tendo nunca contestado nem o princípio da incompatibilidade com o mercado comum de um regime de auxílio indiferenciado aplicável ao conjunto do Land da Renânia do Norte-Vestefália, nem a legalidade da decisão.

Nestas condições, pode parecer de certa forma surpreendente que a Comissão tenha considerado dever recorrer a este Tribunal.

As dificuldades que surgiram não dizem respeito ao mérito do problema, mas apenas à interpretação e aplicação no tempo da decisão de 17 de Fevereiro de 1971.

Para a Comissão, o incumprimento censurado à República Federal da Alemanha consiste em esta ter continuado, após 24 de Fevereiro de 1971, data da notificação da decisão, a conceder auxílios aos investimentos realizados em toda a extensão do Land da Renânia do Norte-Vestefália, posteriormente a 1 de Janeiro de 1970, ou seja, quando o «período de encorajamento” inicialmente definido pelo artigo 32.o da Kohlegesetz já terminara.

A requerente pede ainda ao Tribunal para declarar que a República Federal da Alemanha deve exigir o reembolso dos prémios relativos aos certificados emitidos após 24 de Fevereiro de 1971, a menos que os investimentos que deram origem a estes prémios tenham sido efectuados até 20 de Agosto de 1970, ou que o pedido do certificado tenha sido apresentado antes da referida data.

A escolha desta data-limite justificar-se-ia pelo facto de os investidores interessados terem sido devidamente informados, mediante comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 17 de Agosto de 1970, da não conformidade com o mercado comum da prorrogação de um regime não selectivo de auxílio.

IV — Análise da situação jurídica

Antes de analisar a argumentação de cada uma das partes, é conveniente, para clarificar o debate, apreciar a situação jurídica resultante dos factos que acabamos de apresentar e confrontar tal situação com as disposições do artigo 93 o do Tratado.

Em 16 de Julho de 1969, quando o Governo alemão informou a Comissão da aprovação, pelo Parlamento federal, da alteração destinada a prorrogar o regime dos prémios ao investimento previsto pelo artigo 32.o da Kohlegesetz, a requerente encontrava-se em presença de um projecto de alteração de um auxilio existente, nos termos da primeira frase do n.o 3 do artigo 93 o

Por um lado, é indubitável que a natureza temporária do auxílio às regiões de carvão constituía um factor essencial que, em 1967, determinara a Comissão a considerar este regime compatível com o mercado comum; consequentemente, a prorrogação por dois anos deste sistema era susceptível de justificar a oposição da Comissão, na medida em que esta prorrogação implicava uma alteração substancial do regime anterior; por outro lado, embora a alteração da prorrogação já tivesse sido votada no momento em que a requerente foi informada, a lei não tinha ainda sido promulgada nem publicada.

Consideramos assim que a Comissão poderia ter utilizado o poder que lhe é conferido pela segunda frase do artigo 93 o, iniciando de imediato o procedimento previsto no número anterior, ou seja, convidando não apenas a República Federal mas os outros Estados-membros e todos os interessados a apresentar as suas observações. Teria assim paralisado o procedimento legislativo alemão e a República Federal teria sido legalmente impedida de executar as medidas projectadas até que tal procedimento tivesse conduzido a uma decisão final.

Não obstante, a Comissão contentou-se em dirigir à República Federal uma “advertência” de princípio, iniciando o diálogo ao pedir esclarecimentos e justificações.

Esta iniciativa, que de resto não foi objecto de qualquer publicidade, não podia legalmen:e suspender a execução.

Após a sua promulgação e publicação, a lei fiscal, cujo artigo 9o previa a prorrogação dos prémios ao investimento nas regiões de carvão, passou a produzir efeitos a partir de 22 de Agosto de 1969.

Nolens, volens, a Comissão encontrava-se em presença de um “auxílio existente”, nos termos do no 1 do artigo 93 o

A esta tese podem fazer-se duas objecções, que entendemos contudo deverem ser afastadas.

Em primeiro lugar, poder-se-á qualificar de “projecto” um texto já aprovado pelas assembleias parlamentares no momento em que a Comissão dele foi informada? O Presidente da República Federal não tem, ao que parece, nos termos da Constituição, a faculdade de recusar a promulgação de uma lei votada pelo Parlamento. Todavia, quando a Comissão foi informada, a lei fiscal de 1969 não era ainda perfeita, não era executória. O Governo alemão não poderia, na nossa opinião, fazer prevalecer a sua norma constitucional sobre as disposições do Tratado. O primado do direito comunitário teria imposto a suspensão da execução, com a condição, todavia, de a Comissão iniciar de imediato o procedimento com efeito suspensivo do n.o 3 do artigo 93 o

Em segundo lugar, não teria o próprio Governo alemão violado a obrigação que lhe é imposta por esta disposição do Tratado, ao informar tardiamente a Comissão, no momento em que a alteração já tinha sido aprovada? Não deveria antes tê-lo feito quando a comissão de finanças do Bundestag suscitou o problema da prorrogação?

É muito provável. Mas a Comissão deveria então ter iniciado, de imediato, uma acção por incumprimento desta obrigação de informação “em tempo útil”. Porém, não o fez.

Também, como dissemos, para desencadear o processo do artigo 93 o, n.o 3, notificando todos os interessados para apresentarem as suas observações, a Comissão dispôs de um prazo de um mês, o que parece suficiente para o fazer. Bastaria que a prorrogação lhe tivesse parecido “suspeita” para lhe permitir iniciar o procedimento e, simultaneamente, garantir a suspensão da execução.

A Comissão teria, neste caso, disposto de todo o tempo necessário para se informar, estudar as incidências do projecto e tomar, após reflexão, uma decisão final.

Não tendo utilizado esta faculdade, a requerente teria, desde logo, de se limitar ao sistema de controlo dos “auxílios existentes”. Foi de resto o que fez, mas com uma prudente lentidão, pois foi somente cerca de um ano após a publicação da lei que, em 14 de Agosto de 1970, a Comissão se decidiu por fim a iniciar o procedimento, mediante uma comunicação aos interessados.

É pois, e a Comissão não o contesta, no âmbito do n.o 2 do artigo 93.o que se enquadra o problema jurídico submetido ao Tribunal, possuindo este facto uma importância decisiva para a resolução do litígio.

V — Questão do prazo previsto pelo n.o 2 do artigo 93.o para executar uma decisão da Comissão

O Governo alemão opõe ã acção da Comissão aquilo que designa por uma primeira questão prévia de admissibilidade, baseada no facto de, na sua decisão de 17 de Fevereiro de 1971, a Comissão não lhe ter imposto qualquer prazo para pôr termo à concessão indiferenciada dos prémios ao investimento no Land da Renânia do Norte-Vestefália.

A exigência de um prazo, prevista pelo próprio Tratado, constitui uma condição necessária para que a Comissão possa recorrer directamente para o Tribunal por incumprimento.

Na verdade, Senhores Juízes, não consideramos que esta questão se deva colocar em termos de admissibilidade da acção. É a eficácia, obrigatória ou não, da decisão da Comissão que aqui se encontra em causa.

A tese da República Federal consiste em defender que, não existindo um prazo expresso em unidades de tempo, a decisão era imperfeita, porque lhe faltava um elemento essencial. Dado que, nos termos do próprio Tratado, cabe à Comissão determinar o prazo em que o Estado interessado deve suprimir ou modificar um regime de auxílio considerado incompatível com o mercado comum, como seria possível falar de um incumprimento da obrigação de se conformar com a decisão, se nenhum prazo tinha sido fixado?

Esta tese, baseada numa interpretação estritamente literal, apenas aparentemente é consistente.

Ela negligencia duas considerações:

A primeira, igualmente literal, decorre da própria decisão. Se, na versão francesa, a Comissão exigiu que a República Federal da Alemanha terminasse “de imediato”(sans délai) com a concessão não selectiva dos prémios ao investimento, o texto alemão emprega a expressão “unverzüglich”, cuja tradução mais correcta seria “sem atrasos». O que significa apenas que o Estado destinatário da decisão deve desenvolver todas as diligências para cumprir tal decisão.

A segunda observação baseia-se no sistema global do n.o 2 do artigo 93. o A decisão que a Comissão deve adoptar sobre a incompatibilidade de um regime de auxílio com o mercado comum constitui, recordêmo-lo, o termo de um processo contraditório. Tal decisão foi precedida de uma notificação destinada a suscitar as observações dos Estados e dos outros interessados; estas observações foram estudadas pela Comissão, e deram origem, na maioria dos casos, a discussões com o governo em causa. Este, já alertado pela notificação, encontra-se geralmente, devido também às discussões realizadas, perfeitamente informado da posição da Comissão.

Nestes termos, se o n.o 2 do artigo 93.o exige que seja fixado um prazo para que o Estado se conforme com a decisão, é apenas à Comissão que incumbe estabelecer tal prazo, tendo nomeadamente em conta a duração dos procedimentos internos necessários à implementação da sua decisão (Mégret, vol. IV, p. 393).

Podemos assim afirmar que a Comissão dispõe, neste domínio, de um poder de apreciação largamente discricionário. Se, por exemplo, a modificação do regime de auxílios implicar a prática de medidas legislativas, é evidente que será necessário um prazo bastante longo para que o processo legislativo possa ser realizado.

Em contrapartida, se a execução da decisão puder ser assegurada mediante meras medidas administrativas susceptíveis de serem imediatamente aprovadas, não se compreende a razão pela qual a Comissão não poderia exigir que tais medidas fossem tomadas o mais rapidamente possível, ou que, no mínimo, fossem executadas sem atrasos injustificados.

É precisamente esta a situação que se verifica no caso sub judice. O mecanismo de concessão dos prémios ao investimento, estabelecido pelo artigo 32.o da Kohlegesetz, implica necessariamente a entrega do certificado de conformidade. Para que os investidores industriais deixassem de beneficiar dos prémios, bastaria que o ministro da Economia ordenasse ao delegado federal para a indústria do carvão, seu subordinado, a suspensão da entrega dos certificados, não sendo indispensável a fixação antecipada de qualquer prazo.

Consideramos, portanto, que não se pode censurar à Comissão não ter fixado um prazo à República Federal para pôr termo à concessão indiferenciada dos prémios de investimento, dado que as «medidas necessárias» para este efeito constituíam meras instruções administrativas. Quanto a este ponto, a argumentação do Governo alemão deve ser rejeitada. Do mesmo modo, as autoridades nacionais têm a obrigação de tomar todas as medidas necessárias para facilitar a plena realização das decisões comunitárias e o Governo alemão não poderia, com base em disposições ou práticas da sua ordem interna, justificar o incumprimento das obrigações resultantes de tais decisões (acórdãos de 13 de Julho de 1972, Comissão/Itália, 48/71, Colect. 1972, p. 181, e de 8 de Fevereiro de 1973, Comissão/Itália, 30/72, Colect. 1973, p. 87, texto policopiado). De resto, poderíamos mesmo interrogarmo-nos se o Governo alemão pode invocar a não fixação de um prazo pela Comissão, na medida em que se absteve de interpor, em tempo útil, um recurso de anulação contra tal decisão.

VI — Existência do incumprimento

Assim sendo, se admitirmos que a decisão da Comissão era obrigatória para o Governo alemão, independentemente da condição do prazo, daqui não resulta necessariamente que o incumprimento censurado se tenha verificado. Resta-nos analisar se o Governo alemão se conformou ou não com as disposições desta decisão.

Coloca-se então uma primeira questão: resultando claramente dos fundamentos da decisão da Comissão que esta não condenava globalmente o regime de auxílio, mas pretendia apenas, e através de critérios selectivos, limitar a sua aplicação a zonas territoriais concretamente determinadas, teria a Comissão o poder de ordenar a suspensão da concessão indiferenciada de auxílios aos investimentos?

Não deveria a Comissão, antes da sua decisão, ter esperado que o procedimento de análise estivesse concluído e que os seus critérios fossem definidos em consenso com o Governo alemão? Noutros termos, não deverá considerar-se que, ao ordenar, a título provisório até que se encontrasse uma solução, a suspensão total da concessão dos prémios ao investimento, a requerente adoptou, com efeito, uma medida de suspensão de execução que apenas seria legalmente admissível, nos termos do Tratado, em relação a um projecto de ajuda e não a uma ajuda existente?

Hesitámos antes de propor ao Tribunal que afaste esta interpretação. Com efeito, na medida em que a Comissão admitiu em termos definitivos que a prorrogação do regime instituído pelo artigo 32.o da Kohlegesetz deveria apenas ser adaptado e tornado selectivo, podemos ser tentados a pensar que a Comissão só deveria ter decidido com pleno conhecimento de causa e após ter determinado quais as circunscrições em que este regime podia continuar a ser aplicado em conformidade com as normas do artigo 92.o

Se esta solução fosse retida, resultaria manifestamente que a decisão de 17 de Fevererio de 1971 não podia ser obrigatória e que, apenas em 16 de Dezembro de 1971, com a enumeração das cidades ou Landkreise nos quais a concessão de prémios foi reconhecida como lícita, é que tal decisão adquiriu força executória.

Neste caso, é evidente que o Tribunal teria de rejeitar o pedido, na medida em que a Comissão reconhecia que o Governo alemão se conformou, a partir desta última data, com a sua decisão.

Não somos, todavia, partidários desta solução, que nos parece basear-se num «formalismo jurídico» excessivo e que não toma suficientemente em consideração a realidade das coisas.

Defender a referida tese, equivaleria a admitir que a concessão indiferenciada dos prémios poderia ter prosseguido durante vários meses após 24 de Fevereiro, sem que, por razões que iremos expor mais adiante, fosse possível exigir o reembolso daqueles que tivessem sido atribuídos a investimentos realizados fora das zonas selectivamente «encorajadas». Recordemos que o n.o 2 do artigo 93.o confere à Comissão amplos poderes que incluem a suspensão total de um regime de auxílio. Ao ordenar a suspensão temporária da concessão dos prémios, não nos parece que a requerente tenha excedido os seus poderes; entendeu fazer prevalecer desta forma o interesse comunitário em relação ao dos industriais alemães. De resto, após terem sido determinadas as circunscrições nas quais a prorrogação do regime de auxílio foi reconhecida conforme ao Tratado, os investidores em causa voltaram a ter direito à redução do imposto. Para estes, a única consequência da decisão foi atrasar em alguns meses o benefício do auxílio.

VII — Questão da restituição de certos prémios concedidos após 24 de Fevereiro de 1971

Resta-nos apreciar a última questão suscitada pelas conclusões do requerimento, que pretende pôr em causa a aplicação da decisão a situações surgidas antes de 24 de Fevereiro de 1971.

Como já referimos, a Comissão defende que o Governo alemão não se conformou com a sua decisão, pelo facto de, após a sua notificação, não ter ordenado ao delegado federal para a indústria do carvão a suspensão de entrega de certificados conferindo o direito aos prémios de investimento.

O Governo alemão não contesta este facto e reconheceu que, entre 24 de Fevereiro de 1971 e meados de Dezembro de 1971, foram efectivamente entregues mais certificados.

Mas tinha a Comissão o poder de ordenar que se pusesse fim à entrega de certificados, sem qualquer espécie de consideração pelos direitos adquiridos anteriormente à sua decisão ou por situações jurídicas surgidas antes da notificação?

Como já dissemos, no âmbito do n.o 2 do artigo 93.o, a Comissão apenas pode decidir para o futuro. As decisões tomadas com base neste artigo não possuem efeito declarativo: somente a partir do momento em que a Comissão se pronunciou, é que o regime de auxílio em causa deve ser considerado incompatível com o mercado comum, sob reserva do posterior controlo jurisdicional do Tribunal. Tal circunstância exclui qualquer efeito retroactivo e não poderia de modo algum justificar a restituição, pelas empresas, dos prémios anteriormente recebidos.

No caso em apreço, a Comissão não vai tão longe, e não pretende de modo algum exigir do Governo alemão que este recupere os prémios de investimentos relacionados com as contribuições fiscais anteriores a 24 de Fevereiro de 1971.

A Comissão admite mesmo que os industriais que tenham obtido antes desta data um certificado do delegado federal continuem a beneficiar do prazo suplementar previsto pelo artigo 32.o da Kohlegesetz para prosseguirem os trabalhos realizados, conservando o benefício dos prémios ao investimento.

Mas, em contrapartida, a Comissão entende que o Governo alemão deve ser obrigado a exigir a restituição dos prémios, quando, por um lado, estes foram adquiridos ao abrigo de certificados entregues após 24 de Fevereiro de 1971 e, por outro, se relacionem com investimentos iniciados após 20 de Agosto de 1970 ou pedidos apresentados após esta data.

Efectivamente, o alcance da discussão não nos parece demasiado relevante. Se fosse dado provimento ao pedido da Comissão, na opinião do Governo alemão, apenas dezoito empresas seriam obrigadas à restituição devido a investimentos realizados após 20 de Agosto de 1970; estes investimentos ascenderiam a um total de 33 milhões de DM, que correspondem a prémios ao investimento no montante de 3300000 DM.

Por mais reduzido que se revele o interesse financeiro do litígio, não deixa contudo de se colocar uma questão de princípio. Como anteriormente referimos, o mecanismo dos prémios aos investimentos, instituído pelo artigo 32.o da Kohlegesetz, oferecia às empresas várias opções:

num primeiro caso, o pedido do certificado e a admissão ao benefício do prémio apenas podiam intervir após a conclusão dos trabalhos;

num segundo caso, o certificado podia ser entregue durante os trabalhos, dispondo então o interessado do período complementar para concluir tais trabalhos;

finalmente, o pedido podia ser efectuado previamente a qualquer compromisso de investimento; o certificado seria então entregue em virtude de um projecto que deveria satisfazer determinadas condições.

Na nossa opinião, é somente neste último caso que a decisão da Comissão, impondo ao Governo alemão a imediata suspensão da entrega de certificados após 24 de Fevereiro de 1971, poderia e deveria ter sido imediatamente executada, desde que o pedido de concessão não tivesse sido já apresentado pelos interessados.

Quanto aos industriais que já se tinham comprometido a realizar os seus investimentos antes dessa data e, por maioria de razão, aqueles que já tinham financiado integralmente os trabalhos de criação ou de desenvolvimento de estabelecimentos, podiam legalmente, nos termos da sua lei nacional, reivindicar um direito ao benefício dos prémios ao investimento, com a única condição de o delegado federal considerar tais investimentos conformes aos objectivos de adaptação e de melhoria da estrutura económica das regiões mineiras. Porém, para defender que os prémios de que estes investidores beneficiaram com base em certificados entregues após 24 de Fevereiro de 1971 deviam ser restituídos, a Comissão baseia-se unicamente na circunstância de os investimentos em causa deverem ter sido realizados, ou os respectivos pedidos apresentados, até 20 de Agosto de 1970. Pretende assim que os efeitos da suspensão do regime de auxílio retroajam a uma data anterior à decisão e, mais concretamente, à data da comunicação que a Comissão publicou no Jornal Oficial de 14 de Agosto de 1970, admitindo que um prazo de seis dias a contar desta publicação bastaria, na sua opinião, para que todos os interessados dela tivessem tomado conhecimento.

Este raciocínio parece-nos errado, na medida em que confere à comunicação uma eficácia que esta não poderia ter. Trata-se, com efeito, apenas de um primeiro elemento, sem qualquer eficácia decisória, de um procedimento cuja decisão que lhe põe termo constitui o único acto executório. Em segundo lugar, e contrariamente ao que defende a Comissão, o prémio ao investimento não tem como facto gerador a entrega do certificado pelo delegado federal, mas o terem sido realizados e financiados trabalhos reconhecidos posteriormente conformes com os objectivos do artigo 32.o da Kohlegesetz. Neste sentido, o prémio que consiste numa diminuição da dívida fiscal do contribuinte apenas se adquire definitivamente no momento em que o montante da imposição é determinado. Na lógica da Comissão, esta também poderia ter ordenado que nenhuma redução do imposto fosse concedida a partir da notificação da sua decisão. O critério da entrega do certificado, que é aliás puramente arbitrário, não assenta em nenhuma base jurídica válida.

Por outro lado, a escolha da data-limite de 20 de Agosto de 1970 para o início dos investimentos não decorre de modo algum da decisão, mas sim de uma carta dirigida, em 16 de Dezembro de 1971, pela Comissão ao Governo alemão. Tal escolha, baseada, em nossa opinião, numa concepção errada dos poderes da Comissão, implica igualmente uma violação da norma de protecção da confiança legítima, que o Tribunal admitiu, por acórdão recente de 5 de Junho de 1973, Comissão/Conselho (81/72, Colect. 1973, p. 239), dever impor-se como um princípio geral do direito comunitário.

Nestas condições, a única obrigação que a Comissão podia impor ao Governo alemão era suspender a concessão indiferenciada dos prémios ao investimento no Land da Renânia do Norte-Vestefália a partir de 24 de Fevereiro de 1971, mas apenas em relação aos investimentos ainda não realizados ou aos pedidos correspondentes a projectos que não tivessem sido ainda apresentados nessa data.

Ora, o Governo alemão afirmou, sem ter sido contestado, que nenhum certificado tinha sido entregue para tais investimentos ou para tais projectos.

Nestas condições, apenas podemos declarar que o Governo alemão não violou as obrigações que a Comissão lhe podia legalmente exigir, e concluímos, pois, no sentido da rejeição do pedido da Comissão e na sua condenação no pagamento das despesas da causa.


( *1 ) Língua original: francês.