ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

30 de Junho de 1970 ( *1 )

No processo 1/70,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Oberlandesgericht Karlsruhe, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Parfums Marcel Rochas Vertriebs-GmbH, Munique,

e

Helmut Bitsch, Breisach am Rhein, Waldstraße 18,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 85.o do Tratado CEE e dos regulamentos adoptados em sua aplicação,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner, A. Trabucchi, W. Strauß e J. Mertens de Wilmars, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 10 de Dezembro de 1969, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Janeiro de 1970, o Oberlandesgericht Karlsruhe apresentou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões relativas à interpretação do artigo 85.o do Tratado e de determinadas disposições do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962.

Quanto à primeira questão

2

Na primeira questão, o Tribunal é solicitado a esclarecer se contratos de fornecimentos que compreendam uma cláusula de proibição de exportação, celebrados após a entrada em vigor, em 13 de Março de 1962, do Regulamento n.o 17 e que não foram objecto de uma notificação ria acepção do referido regulamento, são provisoriamente válidos quando um contrato-tipo de conteúdo idêntico — celebrado antes da entrada em vigor do referido regulamento — foi notificado à Comissão em conformidade com as formalidades e prazos definidos no artigo 5.o do mesmo regulamento.

3

Por força do n.o 2, alínea b), do artigo 87.o do Tratado, incumbe ao Conselho determinar, mediante regulamentos ou directivas, as modalidades de aplicação dos princípios que figuram nos artigos 85 o e 86.o, tendo em conta a necessidade de garantir uma fiscalização eficaz dos acordos e de simplificar o mais possível o controlo administrativo.

Em aplicação desta disposição, os artigos 4.o e 5.o do Regulamento n.o 17 estabelecem que, para poder eventualmente beneficiar do n.o 3 do artigo 85.o, um acordo deve ter sido previamente notificado à Comissão, atribuindo o artigo 24.o do mesmo regulamento competência a esta para determinar a forma, conteúdo e outras regras das referidas notificações.

4

Em execução do referido artigo 24.o, a Comissão adoptou, mediante o Regulamento n.o 27, de 3 de Maio de 1962 (JO 1962, p. 1118), alterado pelos Regulamentos n.o 153, de 21 de Dezembro de 1962 (JO 1962, p. 2918) e (CEE) n.o 1133/68, de 26 de Julho de 1968 (JO L 189, p. 1, as disposições que devem obrigatoriamente conter os formulários de notificação.

O formulário B, anexo ao Regulamento n.o 27, e o formulário A/B que o substituiu em 1968, estabelecem, na rubrica Informações relativas ao conteúdo do acordo, da decisão ou da prática concertada que, na hipótese de se tratar de um contrato-tipo:«a saber, um contrato que o declarante celebra regularmente com pessoas ou grupos determinados de pessoas (p. ex. um contrato que restrinja a liberdade de acção de um co-contratante em matéria de preços ou de condições comerciais de revenda de produtos fornecidos pelo outro contratante)», basta juntar em anexo o texto de tal contrato-tipo.

Na rubrica Informações relativas aos participantes, estes mesmos formulários especificam que a indicação do objecto social e do endereço das empresas que participem no acordo não são necessários para os contratos-tipo.

Além disso, as especificidades da notificação dos contratos-tipo são igualmente válidas, nos termos dos referidos formulários, para os pedidos de certificado negativo na acepção do n.o 2 do artigo 17.o

5

A Comissão considerou assim que, constituindo, especialmente no interesse das empresas, uma simplificação do controlo administrativo, a notificação de um contrato-tipo é suficiente para permitir a fiscalização eficaz de acordos susceptíveis de violarem o artigo 85.o

Pela própria natureza de um contrato-tipo, a sua notificação alerta a Comissão para o contexto económico e jurídico em que se insere tal acordo.

Além disso, o artigo 11.o do Regulamento n.o 17 permite à Comissão obter, em qualquer momento, todas as informações que considere necessárias.

Mediante apenas a notificação do contrato-tipo, encontram-se realizados os objectivos da notificação no que diz respeito aos contratos de conteúdo idêntico celebrados pela mesma empresa.

Consequentemente, estes devem beneficiar dos efeitos daí decorrentes.

6

Esta mesma conclusão não pode ser afastada quando o contrato notificado a título de contrato-tipo tivesse sido celebrado antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 17, enquanto que os outros contratos foram celebrados posteriormente.

Na medida em que o Regulamento n.o 27 não faz distinção a este respeito e tal circunstância não é susceptível de diminuir a eficácia da notificação do contrato-tipo, não se deve fazer distinções onde o texto não as faz.

Os acordos celebrados após a entrada em vigor do Regulamento n. 17 que sejam a reprodução exacta de um contrato-tipo celebrado anteriormente e regularmente notificado, beneficiam, por conseguinte, do mesmo regime de validade deste.

7

A Comissão alegou que, tendo em consideração a circunstância de a questão apresentada se referir aos contratos que compreendem uma cláusula de proibição de exportação, dever-se-ia ter em conta este elemento específico de modo a, na sua opinião, contrariar a validade provisória de que poderia beneficiar esta categoria de contratos.

8

Resulta da decisão de reenvio que a cláusula de proibição de exportação em causa foi imposta a retalhistas e que era proibido vender a destinatários diferentes dos consumidores directos.

Sob reserva de a Comissão aplicar os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 85.o do Tratado e pelo Regulamento n.o 17, uma cláusula de proibição de exportação que tenha esse alcance não é susceptível de afectar os efeitos da validade provisória de um acordo considerado regularmente notificado.

Quanto à segunda questão

9

Na hipótese de a primeira questão obter resposta afirmativa, o Oberlandesgericht Karlsruhe pretende saber se o contrato-tipo, sobre cujo modelo foram ou serão celebrados um grande número de contratos individuais, deveria ter sido notificado antes de 1 de Novembro de 1962 ou antes de 31 de Janeiro de 1963.

10

O artigo 5.o do Regulamento n.o 17, modificado pelo artigo 1.o do Regulamento n.o 59, determina as modalidades de notificação dos acordos existentes na data de entrada em vigor do Regulamento n.o 17, estabelecendo que estes acordos devem ser notificados antes de 1 de Novembro de 1962, com excepção daqueles em que participem apenas duas empresas em relação aos quais o prazo de notificação foi prorrogado até 1 de Fevereiro de 1963

A questão visa esclarecer se, nos termos de aplicação do referido artigo 5 o, um contrato-tipo notificado pode ser considerado um contrato em que participem apenas duas empresas.

11

A prorrogação de três meses prevista para os acordos celebrados entre duas empresas, tem apenas como objectivo uma facilidade de natureza administrativa.

Um acordo de fornecimento ou de concessão exclusiva celebrado entre duas empresas mesmo que esteja inserido num conjunto de contratos paralelos, deve ser, portanto, considerado, para efeitos da aplicação do artigo 5.o do Regulamento n.o 17, um acordo em que apenas participam duas empresas.

12

Esta interpretação é, além disso, confirmada pela circunstância de o Regulamento n.o 153, que institui um procedimento de notificação simplificada em relação a determinados acordos de concessão exclusiva em que apenas participam duas empresas, prever unicamente contratos-tipos celebrados regularmente por uma empresa com um determinado número de outras empresas, podendo ser notificados sob essa forma.

Quanto às despesas

13

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o Oberlandesgericht Karlsruhe, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações da demandante no processo principal e da Comissão das Comunidades Europeias,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e, nomeadamente, os seus artigos 85.o, 87.o e 177.o,

vistos os Regulamentos n.os 17 e 59 do Conselho da Comunidade Económica Europeia,

vistos os Regulamentos n. os 27 e 153 da Comissão da Comunidade Económica Europeia,

visto o Regulamento n.o 1133/68 da Comissão das Comunidades Europeias,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Oberlandesgericht Karlsruhe, por decisão de 10 de Dezembro de 1969, declara:

 

1)

Os acordos visados no n.o 1 do artigo 85.o do Tratado, celebrados após a entrada em vigor do Regulamento n.o 17, que constituam a reprodução exacta de um contrato-tipo celebrado anteriormente e regularmente notificado a este titulo, beneficiam do mesmo regime de validade provisória deste.

 

2)

Os contratos existentes na data de entrada em vigor do Regulamento n.o 17 celebrados entre duas empresas e notificados a título de contrato-tipo na acepção da rubrica II do formulário B anexo ao Regulamento n.o 27 devem ser considerados acordos em que apenas participam duas empresas para efeitos da aplicação do artigo 5.o do Regulamento n.o 17 modificado pelo artigo 1.o do Regulamento n.o 59, mesmo que constituam parte de um conjunto de contratos paralelos.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Trabucchi

Strauß

Mertens de Wilmars

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Junho de 1970.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: alemão.