CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

ALAIN DUTHEILLET DE LAMOTHE

apresentadas em 8 de Dezembro de 1970 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Ao que parece, este é o primeiro processo que vos vai levar a confrontar a actividade das empresas de «mão-de-obra temporária» ou de «trabalho temporário» com as disposições do direito comunitário sobre os trabalhadores migrantes.

Esta é a razão pela qual procurastes obter algumas informações sobre essas empresas e sobre a importância da sua actividade nos cinco Estados-membros em que estão autorizadas a operar.

Infelizmente, a Comissão não pôde fornecer-vos dados globais.

Pela nossa parte, apenas pudemos recolher algumas indicações estatísticas respeitantes apenas à França e, graças a uma obra publicada em 1968 pelo Instituto de Sociologia da Universidade Livre de Bruxelas, certos dados de direito comparado.

Embora elas sejam parciais e imprecisas, julgamos não abusar muito do vosso tempo se resumirmos brevemente as informações que desse modo obtivemos. Surgidas, ao que parece, na Grã-Bretanha, as empresas de trabalho temporário desenvolveram-se sobretudo entre as duas Grandes Guerras nos Estados Unidos.

Algumas empresas desse tipo aparecem também nessa época em certos países europeus, designadamente em França, onde a primeira, a Business Aid, foi fundada em 1926, mas tinham apenas uma importância muito reduzida e a sua actividade dirigia-se sobretudo a satisfazer as necessidades temporárias das empresas em pessoal de escritório (dactilógrafas, telefonistas, etc).

Só após a Segunda Guerra Mundial, as empresas de trabalho temporário terão, em cinco dos Estados-membros, um desenvolvimento acentuado.

Em 1967/1968, contavam-se em França cerca de 150 empresas de trabalho temporário, 117 das quais estavam filiadas numa «Chambre nationale des entreprises de travail temporaire» , cuja função é importante, já que, ao que parece, conseguiu uniformizar os contratos celebrados entre essas empresas e os assalariados que a elas recorrem.

O volume de negócios global dessas empresas para o ano de 1967 parece ter sido próximo dos 450 milhões de francos.

O número de trabalhadores que recorreram aos seus serviços correspondia a 0,6 % ou 0,7 % da população activa francesa; com efeito, esse número foi de cerca de 105000 trabalhadores, dos quais 64000 em fábricas e 41000 em escritórios.

A sociedade Manpower surgia, em 1967, como a maior empresa francesa desse tipo, já que o número dos assalariados recrutados por ela era superior a 13000.

Do ponto de vista jurídico, essas empresas levantaram a todos os Estados-membros um problema idêntico: o da sua compatibilidade com os acordos internacionais e com a legislação nacional em matéria de emprego.

Como sabeis, Senhores Juízes, quer por força da Convenção n.o 96 da OIT quer por força das legislações nacionais, que são frequentemente muito aproximadas, a actividade dos serviços de emprego com fim lucrativo é proibida e nessa matéria atribui-se, de um modo geral, um monopólio a serviços oficiais ou organismos autorizados pelo Estado.

Punha-se, pois, a questão de saber se a actividade das empresas de trabalho temporário não seria equiparável à dos serviços de emprego com fim lucrativo.

Assim foi entendido apenas num país, a Itália, onde, em dois acórdãos, a Corte di cassazione se pronunciou nesse sentido e o Parlamento interveio para confirmar expressamente essa interpretação e mesmo alargar o seu alcance através da Lei n.o 1369, de 23 de Outubro de 1960.

Pelo contrário, em todos os outros Estados-membros foi aceite que a equiparação não era possível e, desse modo, reconhecida a licitude das empresas de mão-de-obra temporária.

Esse reconhecimento foi relativamente fácil em certos Estados como, por exemplo, a França; mais difícil noutros, como a Alemanha Federal, onde foi preciso esperar, para a resolução dessa questão, por um acórdão do Tribunal Constitucional de Karlsruhe, de 4 de Abril de 1967, que declarou inconstitucional uma disposição legislativa que tinha, precisamente, por objecto proibir a actividade das empresas de trabalho temporário.

Mas, se essas empresas conseguiram desse modo ganhar «foros de cidadania» em cinco Estados-membros, resulta do estudo feito pela Universidade Livre de Bruxelas que a sua estrutura e formas de actuação variam muito de país para país.

Em França, por exemplo, essas empresas são, na maior parte dos casos, sociedades comerciais e o contrato entre elas e os assalariados foi qualificado pela Cour de cassation francesa como contrato de trabalho.

Na Bélgica, a situação é muito mais complexa. Algumas dessas empresas são comerciais, outras são cooperativas e outras ainda associações de facto. Os contratos que as ligam aos que recorrem aos seus serviços são umas vezes contratos de trabalho, outras empreitadas contratadas com trabalhadores independentes e, por vezes, mesmo simples mandatos, e a mesma diversidade pode ser encontrada noutros Estados-membros.

Por fim, convém observar que em vários Estados-membros está a ser elaborada legislação destinada a regulamentar a actividade dessas empresas: é o caso da França e da República Federal da Alemanha; mas, por enquanto, apenas a Holanda, através de uma lei de 31 de Julho de 1965, regulamentou a actividade das empresas de trabalho temporário ou, como por vezes se diz, das «agências de temporários».

Como podeis ver, Senhores Juízes, é numa época em que os direitos nacionais são ainda muito flutuantes e imprecisos que tereis de apreciar, do ponto de vista da aplicação do direito comunitário, certas formas de actividade das sociedades de mão-de-obra temporária.

A origem do processo que vos vai levar a essa apreciação é a seguinte:

 

A sociedade de responsabilidade limitada Manpower, centro regional de Estrasburgo, contratou, em 11 de Agosto de 1969, um operário especializado francês, Francis Fehlmann

 

De 11 de Agosto a 28 de Setembro de 1969, ele trabalhou no território francês e depois, em 29 de Setembro, foi enviado para uma empresa alemã em Karlsruhe. Mas, no próprio dia da sua chegada, o Sr. Fehlmann sofreu, na obra, um acidente de trabalho. Esse acidente não originou, felizmente, qualquer interrupção do seu trabalho, mas deu lugar a certas despesas médicas e farmacêuticas.

 

A sociedade Manpower, em conformidade com a legislação laboral francesa, declarou esse acidente à Caisse primaire de Estrasburgo e solicitou-lhe que enviasse ao médico alemão, para pagamento dos seus honorários, os impressos previstos para esse efeito pela regulamentação comunitária sobre os trabalhadores migrantes.

 

A Caisse primaire rejeitou categoricamente esse pedido. Na sua opinião, o disposto na alínea a) do artigo 13.o do Regulamento n.o 3, em que se baseava a sociedade Manpower, não se aplicava ao caso em apreço e as caísses francesas não poderiam aceitar o encargo de qualquer prestação decorrente do acidente em questão.

Essa decisão foi impugnada pela sociedade Manpower de acordo com o processo previsto pelas normas que regem em França o contencioso da segurança social, e a Commission de première instance de Estrasburgo, após ter analisado o contrato celebrado entre a Manpower e o Sr. Fehlmann, suspendeu a instância, tendo em conta a importância que a questão podia ter a nível comunitário e, por via de um pedido prejudicial, submeteu ao Tribunal a seguinte questão:

«Uma empresa de um Estado-membro, que exerça uma actividade análoga à da sociedade de responsabilidade limitada Manpower, pode invocar o disposto na alínea a) do artigo 13.o do Regulamento n.o 3?»

Como estais recordados, Senhores Juízes, o artigo 13.o do Regulamento n.o 3 é o que estabelece um certo número de derrogações ao princípio geral formulado no artigo 12.o, segundo o qual a legislação de direito social aplicável ao assalariado é, em princípio, a do local do seu trabalho.

A primeira dessas excepções está prevista na alínea a) desse artigo 13 o

Essa norma, após a modificação introduzida em 1964, de que falaremos em breve, está assim redigida:

«O trabalhador assalariado ou equiparado que, estando ao serviço de uma empresa que tem no território de um Estado-membro um estabelecimento de que ele normalmente depende, é destacado por essa empresa para o território de outro Estado-membro a fim de aí efectuar um trabalho por conta desta última, continua sujeito à legislação do primeiro Estado, como se continuasse a trabalhar no seu território, desde que a duração previsível do trabalho que deve efectuar não exceda doze meses e que o trabalhador não seja enviado em substituição de outro trabalhador cujo período de destacamento tenha terminado.»

I

Um primeiro aspecto parece-nos certo: provavelmente, os autores dessa norma não pensaram, quando a redigiram, nas empresas de trabalho temporário. As situações a que quiseram responder são, claramente, muito mais simples e frequentes, como, por exemplo, a de um industrial que, tendo fornecido uma máquina ao estrangeiro, a faz acompanhar de um técnico encarregado de dirigir a sua instalação e de a testar, e ainda de auxiliar o pessoal do comprador a utilizá-la durante algum tempo.

Para se poder aplicar essa norma às empresas de trabalho temporário, é, pois, necessário proceder a certas analogias.

É o que a Comissão vos solicita, explicando longamente que essa equiparação é desejável do ponto de vista dos interesses do trabalhador e que está conforme com uma interpretação teleológica do Regulamento n.o 3.

A Caisse primaire de securité sociale de Estrasburgo, pelo contrário, sustenta que essa interpretação é contrária à própria letra de uma norma que, tendo carácter derrogatório, apenas pode ser interpretada estritamente.

A Comissão tem por certo razão quando sustenta que, ao declarar-se aplicável, em certas condições, aos assalariados das empresas de trabalho temporário o disposto na alínea a) do artigo 13.o, se respeitaria em todo o caso o espírito e a intenção profunda do regulamento comunitário.

Com efeito, o Tribunal já decidiu, no acórdão de 5 de Dezembro de 1967 (19/67, Colect. 1965-1968, p. 683), que esse regulamento, «tanto no interesse do trabalhador como das caísses, tem por objecto evitar qualquer cumulação ou sobreposição inútil dos encargos e das responsabilidades que resultariam de uma aplicação simultânea ou alternativa de várias legislações».

Ora, é óbvio que a não aplicação desse regulamento aos trabalhadores recrutadas por uma empresa de trabalho temporário levaria exactamente a complicações e sobreposições inúteis.

O caso do Sr. Fehlmann, que está na origem do presente processo, mostra-o claramente: de 11 de Agosto a 28 de Setembro, trabalhou em França; depois, de 29 de Setembro a 1 de Outubro, na Alemanha. Vêem-se bem as complicações que resultariam para ele, e talvez mais ainda para a sua família, se a tiver, de uma mudança de inscrição de uma caixa de previdência francesa para uma alemã nesses dois meses de actividade.

Contudo, a equiparação que se pede que façais entre a situação do pessoal das empresas de trabalho temporário e a situação visada no artigo 13.o encontra obstáculos jurídicos importantes, cujo peso convém analisar.

II

A —

O primeiro desses obstáculos jurídicos tem origem no facto de a alínea a) do artigo 13 o ser uma disposição que introduz uma excepção à regra formulada pelo artigo 12.o e segundo a qual é, em princípio, o local de trabalho que determina a legislação social aplicável.

Ora, afirma-se, o princípio geral de direito segundo o qual as excepções devem ter sempre uma interpretação estrita opõe-se a que o Tribunal confira a essa disposição um alcance mais lato do que permite a sua própria letra.

Em nossa opinião, esse argumento pode ser facilmente afastado.

Com efeito, no presente caso não se trata tanto de alargar pela via da interpretação o âmbito de aplicação da alínea a) do artigo 13.o do Regulamento n.o 3 de forma a conferir-lhe um alcance tal que seja aplicável, em todos os casos, a uma organização de trabalho temporário, sejam quais forem as condições da actividade que desenvolve e os vínculos jurídicos que tem com os assalariados. Trata-se, muito pelo contrário, de analisar uma situação jurídica que é descrita pelo juiz de reenvio para saber se essa situação pode ser considerada análoga à prevista pelo artigo 13 o do regulamento comunitário.

O que vos pede a sociedade Manpower e a Comissão vos sugere não é propriamente que alargueis o âmbito de aplicação do artigo 13 o a uma situação jurídica que ele não prevê, mas, antes, que o Tribunal declare que a situação jurídica analisada pelo órgão jurisdicional de Estrasburgo tem natureza análoga às previstas no artigo 13.o do Regulamento n.o 3.

Trata-se, na verdade, de uma análise muito semelhante àquela que procedestes no vosso acórdão no processo 19/67, relativo à aplicação dessa alínea a) do artigo 13 o a outra situação jurídica.

B —

A segunda objecção jurídica funda-se exactamente no facto de que, apesar de o regulamento comunitário visar realmente uma relação entre assalariados, a empresa de origem e o estabelecimento que utiliza os seus serviços, essa relação não é da mesma natureza da que existe no caso de fornecimento de mão-de-obra temporária, apesar de terem ambas carácter «triangular».

Esta objecção levanta, na verdade, três questões:

 

Primeira questão: a empresa de trabalho temporário continua a ser a entidade patronal do assalariado quando este é posto à disposição da empresa utilizadora?

 

Segunda questão: o assalariado continua a trabalhar por conta da empresa de mão-de-obra temporária quando trabalha na empresa utilizadora?

 

Por fim, terceira questão: pode o assalariado ser considerado, quando é posto à disposição da empresa utilizadora, como «destacado» , no sentido que dá a esse termo o Regulamento n.o 3?

a)

Cremos que a resposta à primeira destas questões não pode ser nem geral, nem absoluta.

Como afirmava ao Tribunal nas suas conclusões o advogado-geral J. Gand no processo 19/67, já referido, no qual se podia pôr uma questão próxima da que vos cabe agora decidir, «na verdade, tudo depende das circunstâncias, dos contratos celebrados entre as duas empresas e entre a que recruta e o assalariado. Se se concluir que essa empresa é uma simples fornecedora de mão-de-obra e que o assalariado, uma vez recrutado, escapa completamente à sua autoridade, será sem dúvida abusivo considerar-se que estão preenchidas as condições impostas pela alínea a) do artigo 13.» ; mas, afirmava ainda, «é uma questão de facto que será frequentemente difícil de clarificar devido à natureza puramente verbal dos acordos existentes entre os interessados».

Contudo, no presente caso, estamos felizmente bem informados quanto às condições de trabalho do pessoal recrutado, e é pacífico, como salienta o órgão jurisdicional de Estrasburgo que:

1)

o pessoal é posto pela Manpower à disposição da firma alemã contra pagamento à hora em moeda francesa;

2)

a Manpower responde pelo comportamento culposo desses trabalhadores, devendo cobrir esse risco mediante a subscrição de uma apólice de seguro;

3)

embora, na obra, os trabalhadores devam obedecer às instruções do encarregado, essa sujeição não tem influência nas relações entre a Manpower e os referidos trabalhadores;

4)

o representante da Manpower na obra entrega semanalmente ao encarregado, para aprovação, a justificação das horas de trabalho efectuadas, com o nome e a categoria profissional dos trabalhadores, mas é a Manpower que lhes paga o salário;

5)

finalmente, e este é o último elemento que foi exposto ao Tribunal na audiência, é a Manpower, e só ela, que pode despedir o trabalhador por falta grave comunicada pela empresa utilizadora.

Nestas condições, Senhores Juízes, pensamos que, embora de facto exista uma certa delegação de autoridade da Manpower na empresa utilizadora, o nexo de subordinação entre o assalariado e a empresa Manpower subsiste, de modo que esta continua efectivamente a ser a entidade patronal desse assalariado, que depende sempre da Manpower.

É verdade que o representante da Caisse primaire de Estrasburgo, recorrendo ao direito romano e à distinção que este fazia entre a «locatio condutio operis» , uma espécie de contrato de empreitada, e a «locatio conductio operarum» , uma espécie de contrato de trabalho, tentou demonstrar ao Tribunal que o assalariado recrutado pela empresa Manpower deixara de ser, pelo menos a partir da data em que foi posto à disposição da empresa utilizadora, empregado da Manpower.

Eis um raciocínio que nos poderia levar longe se fosse aceite, pois poderia então perguntar-se por que razão a Caisse primaire de Estrasburgo continua a aceitar as cotizações do centro Manpower de Estrasburgo quando um dos trabalhadores que este contrata vai trabalhar na área de uma das caísses francesas próximas, por exemplo Metz ou Thionville, já que o princípio da territorialidade também existe no direito francês.

Mas, seja como for, Senhores Juízes, parece-nos difícil transpor os conceitos do direito romano para o direito do trabalho contemporâneo.

Ora, precisamente, este último encontra numerosos exemplos de relações triangulares do tipo da que vos é dado hoje apreciar.

Com efeito, para recrutar e gerir o seu pessoal, os grandes grupos industriais criaram sociedades prestadoras de serviços que põem o pessoal que recrutam à disposição de outras empresas do grupo, que constituem sociedades distintas.

Ora, tanto quanto sabemos, todas as legislações nacionais admitiram sempre que as sociedades prestadoras de serviços continuam a ser a entidade patronal dos assalariados, mesmo quando estes trabalham sob a direcção técnica e nos estabelecimentos de outras sociedades do grupo.

Existe, portanto, no direito actual a possibilidade de uma certa dissociação entre a autoridade geral da entidade patronal e a autoridade mais específica de quem dirige diariamente o trabalho do assalariado. Pensamos, pois, que, tendo em conta as condições de trabalho acima descritas, a sociedade Manpower continua realmente a ser a entidade patronal dos assalariados que põe à disposição das empresas utilizadoras.

b)

A segunda questão é a de saber se os assalariados continuam a trabalhar por conta da Manpower, como exige o artigo 13 o, quando passam a trabalhar na empresa utilizadora.

Entendemos que se pode responder pela afirmativa a esta questão, por duas razões:

1)

Mesmo tomando-se no sentido mais estrito a expressão do regulamento «efectuar um trabalho por conta (da empresa de que depende)» , dificilmente se pode afirmar que o trabalho do temporário não é efectuado, pelo menos em certa medida, para a empresa de trabalho temporário, já que é esse trabalho que está na origem da vantagem económica que essa empresa pode obter da sua intervenção e que, ao fim e ao cabo, é essa empresa a responsável pelo pagamento dos salários e das cotizações para a segurança social, bem como pelo ressarcimento dos danos eventualmente causados pelo comportamento do assalariado. De modo um pouco simplista, poder-se-ia afirmar que se compreende mal que a sociedade de trabalho temporário, que paga os salários e é responsável pelos danos causados pelo comportamento do trabalhador, não seja a empresa para a qual trabalha o assalariado.

2)

E, talvez acima de tudo: como explicámos há pouco, o actual direito do trabalho conhece uma dissociação entre o conceito de entidade patronal e o de utilizador directo do trabalho do assalariado. Não pensamos que os autores do Regulamento n.o 3 tenham querido criar obstáculos ao desenvolvimento dessa tendência e entendemos que, ao preverem que, para beneficiar da aplicação do artigo 13 o, o trabalhador devia efectuar um trabalho por conta da empresa que o destacou, pretenderam menos estabelecer a exigência de uma finalidade económica do que a manutenção, apesar das circunstâncias especiais, de um nexo directo entre a entidade patronal original e o assalariado.

c)

A terceira questão, a de saber se o assalariado posto à disposição de um dos seus clientes pela empresa de trabalho temporário pode ser considerado «destacado» , no sentido que dá esse termo o Regulamento n.o 3, coloca, na nossa opinião, um problema muito mais delicado.

Com efeito, o destacamento não figurava na versão inicial da alínea a) do artigo 13 o do Regulamento n.o 3, que dispunha simplesmente que se aplicava aos trabalhadores «residentes no território de um Estado-membro» , mas «ocupados» no território de outro Estado-membro por uma empresa possuindo no território do primeiro Estado um estabelecimento de que estes «normalmente dependiam».

Essa disposição deu lugar a abusos.

Certas empresas contrataram obras fora do seu país de origem, fazendo as rotações necessárias do seu pessoal destacado para que este continuasse sujeito à legislação do país de origem, onde os encargos sociais eram menos elevados do que no país onde esse pessoal trabalhava. Essas práticas foram verificadas nomeadamente em França, na indústria da construção civil e madeireira.

Por outro lado, constatou-se, designadamente nas relações entre os Países Baixos e a Alemanha, o aparecimento de «angariadores» ou -subempreiteiros-, que, não tendo a qualidade de entidade patronal no primeiro país, punham à disposição dos empresários do segundo país trabalhadores que continuavam sujeitos à legislação de segurança social do primeiro.

Foi para pôr fim a esses abusos, que constituíam uma verdadeira «fraude à lei» , que a alínea a) do artigo 13 o foi modificada e completada e foi, designadamente, introduzido esse conceito de «destacamento» do assalariado por parte da empresa.

Poder-se-á equiparar ao destacamento previsto na alínea a) do artigo 13 o o acto pelo qual a empresa de trabalho temporário põe à disposição de um dos seus clientes um assalariado que ela recrutou?

À primeira vista, poder-se-ia duvidar de que tal fosse possível e entender que, para que existisse um destacamento, seria necessária a existência de um emprego permanente no país de origem e de um emprego temporário no país de afectação.

Seria, então, difícil aplicar esse conceito de destacamento à actividade das empresas de trabalho temporário, já que estas são, por definição, empresas que não asseguram qualquer emprego permanente aos assalariados no seu país de origem.

Depois de muito hesitarmos, não propomos, contudo, ao Tribunal que adopte essa solução, pelas seguintes razões:

1)

No acórdão acima referido, o Tribunal já decidiu que, na vigência da antiga redacção da alínea a) do artigo 13 o do Regulamento n.o 3, o trabalhador podia ser contratado unicamente para o trabalho a cumprir no estrangeiro, o que, evidentemente, afastava qualquer condição relativa à ocupação de um emprego permanente antes desse destacamento.

2)

Apesar de o acórdão incidir apenas na interpretação da alínea a) do artigo 13.o na sua redacção inicial, o Tribunal fez notar, para resolver uma difícil questão relacionada com a disparidade neste ponto entre o texto neerlandês e o das restantes versões nas outras línguas da Comunidade, que essa disparidade tinha desaparecido no texto neerlandês do Regulamento n.o 24/64, que modificou a redacção original da alínea a) do artigo 13.o, o que mostra claramente que, pelo menos implicitamente, considerou que nesta questão de emprego permanente ou de «trabalho habitual» não ocorreu uma modificação substancial de um regulamento para o outro.

3)

Os autores do Regulamento n.o 24/64 conheciam perfeitamente o problema. Se tivessem querido limitar o destacamento aos trabalhadores que ocupam um emprego permanente, tê-lo-iam explicitado, em vez de ter utilizado propositadamente, ao que parece, a fórmula muito mais vaga de «destacamento» pela empresa que possui o estabelecimento de que «normalmente depende o trabalhador».

4)

No que respeita às possibilidades de fraude ou de abuso, as formalidades e o processo previstos pelo artigo 11.o do Regulamento n.o 4 são suficientes para permitir às autoridades dos Estados-membros impedir que o disposto na alínea a) do artigo 13 o seja desviado do seu objectivo.

Resumindo, cremos, pois, que a resposta que a Comissão propõe que o Tribunal dê à questão submetida é conforme ao espírito do Regulamento n.o 3 e à vontade do legislador e não se expõe a qualquer objecção jurídica dirimente.

Concluímos, portanto, propondo que o Tribunal declare que:

Um trabalhador assalariado ou equiparado que, dependendo normalmente de uma empresa de trabalho temporário com sede num Estado-membro, seja enviado pela sua entidade patronal para outro Estado-membro por um período cuja duração previsível não exceda os doze meses a fim de aí efectuar um trabalho por conta dessa entidade patronal e que dela continue juridicamente dependente, permanece sujeito à legislação do primeiro Estado, na acepção da alínea a) do artigo 13 o do Regulamento n.o 3, desde que não seja enviado em substituição de outro trabalhador que tenha terminado o período do seu destacamento e estejam preenchidas as formalidades exigidas pelo artigo 11.o do Regulamento n.o 4 para evitar as fraudes ou abusos.


( *1 ) Língua original: francês.