ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

25 de Junho de 1970 ( *1 )

No processo 47/69,

República Francesa, representado por Sua Excelência o embaixador extraordinário e plenipotenciário Renard Sinan, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico, Joseph Griesmar, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Émile Reuter, consultor jurídico da Comissão, 4, boulevard Royai,

recorrida,

em que é pedida a anulação da decisão da Comissão de 18 de Julho de 1969, relativa ao regime de ajudas francesas ao sector têxtil,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner, A. Trabucchi, W. Strauß e J. Mertens de Wilmars, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por recurso interposto em 26 de Setembro de 1969, a República Francesa pediu a anulação da decisão da Comissão de 18 de Julho de 1968, que tem por objecto, a título principal, a supressão da ajuda nacional à indústria têxtil ou, a título subsidiário, a admissão desta ajuda sob reserva da modificação da imposição parafiscal afectada ao seu financiamento.

Quanto ao primeiro fundamento

2

O Governo francês sustenta, em primeiro lugar, que a decisão em causa não tem base legal e está ferida de desvio de poder já que o artigo 93o, n.o 2, do Tratado, ao permitir somente à Comissão decidir a supressão ou a modificação de um auxílio reconhecido como incompatível com o mercado comum, não pode servir de base a uma decisão que tem como objectivo fazer modificar a base de um imposto destinado ao financiamento desta ajuda.

3

Nos termos do artigo 93.o, n.o 2, do Tratado, se a Comissão verificar «que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 92.o, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar».

4

Esta disposição, ao tomar em consideração a relação que pode existir entre o auxílio concedido por um Estado-membro e o seu modo de financiamento através de recursos estatais, não permite à Comissão isolar o auxílio propriamente dito do seu modo de financiamento e ignorar este último se, associado ao auxílio propriamente dito, torna o conjunto incompatível com o mercado comum.

5

Nos termos do artigo 92.o, n.o 1, «são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectam as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

6

Entretanto, por força do artigo 92.o, n.o 3, alínea c), «podem ser considerados compatíveis com o mercado comum… os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum».

7

Para avaliar se um auxílio «afecta as trocas comerciais entre os Estados-membros», «falseia ou ameaça falsear a concorrência favorecendo certas empresas ou certas produções» e «altera as condições das trocas comerciais de uma maneira que contraria o mercado comum», é necessário considerar todos os elementos de direito ou de facto de que se compõe esse auxílio, nomeadamente, se não existe um desequilíbrio entre, por um lado, os encargos a suportar pelas empresas ou produções em causa, e, por outro, as vantagens que resultam da atribuição desse auxílio.

8

O exame de um auxílio não pode, assim, ser separado dos efeitos do seu modo de financiamento.

9

Por consequência, a Comissão é competente para decidir se a República Francesa devia suprimir ou modificar o conjunto do auxílio em causa.

Quanto ao segundo fundamento

10

O Governo francês argumenta que as disposições dos artigos 12.o e 95.o, os únicos susceptíveis de ser aplicados no caso concreto, não podem levar a condenar o imposto em causa, já que este incide igualmente sobre os produtos nacionais e importados e não tem um efeito equivalente ao dos direitos aduaneiros.

11

Esta argumentação leva a afirmar que, a partir do momento em que um auxílio é financiado através de um imposto interno, este modo de financiamento só poderá ser examinado sob o ângulo da sua compatibilidade com o artigo 95.o, com exclusão das exigências dos artigos 92.o e 93.o

12

Entretanto, estes dois tipos de disposições têm objectivos diferentes.

13

A circunstância de uma medida nacional satisfazer as exigências do artigo 95 o não implica que seja legítima nos termos de outras disposições, tais como as dos artigos 92.o e 93.o

14

Quando um auxílio for financiado por um imposto que incida sobre certas empresas ou certas produções, a Comissão é obrigada a examinar, não somente se o seu modo de financiamento é conforme ao artigo 95.o do Tratado, mas ainda se, conjugado com o auxílio que financia, écompatível com as exigências dos artigos 92.o e 93.o

15

O Governo francês sustenta, por outro lado, que, ao reconhecer a necessidade de um auxílio à indústria têxtil francesa, a Comissão não podia recusá-lo sem se contradizer, nem impor uma modificação do seu financiamento quando, por um lado, este não altera as trocas. de um modo contrário ao interesse comum e, por outro, o mesmo resultado poderia ser atingido se o auxílio em causa, em vez de ser financiado através da afectação de um imposto, o fosse através de um meio orçamental financiado pelo imposto sobre o valor acrescentado.

16

Um auxílio propriamente dito, ainda que exorbite da regra comunitária, pode não alterar substancialmente as trocas entre Estados e ser, assim, considerado admissível, mas ver o seu efeito perturbador agravado por um modo de financiamento que tornaria o conjunto incompatível com um mercado único e com o interesse comum.

17

A apreciação da Comissão deve, assim, ter em conta todos os elementos directos e indirectos que caracterizam a medida em causa, ou seja, não somente o auxílio propriamento dito concedido às actividades nacionais favorecidas mas ainda o auxílio indirecto que também podem constituir, o seu modo de financiamento e o vínculo estreito que faz depender o volume do primeiro do rendimento do segundo.

18

Se um tal sistema, que integra num auxílio o produto de um imposto consignado fosse generalizado, teria por efeito abrir uma brecha no artigo 92.o do Tratado e prejudicar, assim, as possibilidades de um controlo permanente pela Comissão.

19

Tal sistema conduz de facto a um sistema de auxílios permanentes de montante imprevisível e dificilmente controlável.

20

Ao aumentar automaticamente a importância do auxílio nacional à medida do crescimento do rendimento do imposto e, mais particularmente, do seu rendimento sobre os produtos concorrentes importados, o modo de financiamento em causa atinge um efeito protector que vai além do auxílio propriamente dito.

21

Nomeadamente, quanto mais as empresas da Comunidade, através de um esforço de comercialização e compressão de preços, conseguirem aumentar as suas vendas num Estado-membro, mais o sistema do imposto consignado as obriga a contribuir para um auxílio essencialmente destinado àqueles dos seus concorrentes que não tenham realizado esse esforço no mesmo grau.

22

A Comissão pôde, assim; considerar que o o facto de empresas estrangeiras poderem aceder aos trabalhos de investigação efectuados em França, não era de molde a anular os efeitos nocivos, para o mercado comum, de um auxílio associado a um imposto consignado.

23

A Comissão decidiu validamente que este auxílio, atento o seu modo de financiamento e independentemente do montante do imposto a ele consignado, tem por efeito a alteração das condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum para efeitos da alínea c) do n.o 3 do artigo 92.o

24

Resulta destes elementos que a Comissão, ao apreciar no seu conjunto o auxílio concedido pela República Francesa através de recursos estatais, se encontrava em condições de considerar contrário ao «interesse cumum» e de convidar o Governo francês a suprimi-lo, reconhecendo, ao mesmo tempo, tanto o carácter útil do auxílio propriamente dito como a sua conformidade com o «interesse comum» no caso de o seu modo de financiamento poder ser corrigido.

25

Em consequência, deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

26

Nos termos do n.o 2 do artigo 69 o do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

ouvido o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações das partes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, em especial os seus artigos 2.o, 3.o, 7.o, 12.o, 85.o, 92.o, 93.o, 95.o e 173.o,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A recorrente é condenada nas despesas.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Trabucchi

Strauß

Mertens de Wilmars

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Junho de 1970.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: francês.