CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL JOSEPH GAND

apresentadas em 25 de Janeiro de 1968 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Os sete pedidos de decisões prejudiciais sobre os quais devemos hoje apresentar conclusões foram dirigidos ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado de Roma, por quatro órgãos jurisdicionais alemães, entre os quais o Bundesfinanzhof. Relacionam-se com a interpretação das disposições fiscais deste Tratado, mais precisamente dos seus artigos 95.o e 97.o Os pedidos incidem sobre cerca de 50 questões, algumas das quais se encontram em diversos processos ou se interpenetram, e não há praticamente um termo dos artigos em causa sobre cujo sentido e alcance não sejam postas questões: por exemplo, o que é uma imposição indirecta, um produto similar, um produto «substituível» ? O que se deve entender por «taxa média» ? O artigo 95.o confere aos particulares direitos individuais que os órgãos jurisdicionais nacionais devem tutelar? Passa-se o mesmo com o artigo 97.o? Encontra-se assim confrontado com o Tratado todo o regime do imposto sobre o volume de negócios, particularmente o imposto cumulativo em cascata tal como funcionava na República Federal da Alemanha antes de 1 de Janeiro último e tal como provavelmente se eternizará em quatro outros Estados-membros até 1 de Janeiro de 1970. É quanto basta para avaliar a extensão e complexidade dos problemas que este Tribunal deve decidir e que já foram postos em evidência pelas observações orais que o Tribunal acabou de ouvir.

Poder-se-ia pensar em reagrupar, antes de mais, o conjunto das questões colocadas pelos diferentes órgãos jurisdicionais, segundo elas se relacionem com uma ou outra das disposições dos artigos 95.o e 97.o e examiná-las em seguida nesta ordem lógica. Razões de clareza e simplicidade conduziram-nos, pelo contrário, a conformar-nos estritamente com a ordem pela qual o Tribunal entendeu que fossem discutidos estes processos. Por isso, abordaremos inicialmente o processo 28/67, que foi submetido ao Tribunal pelo Bundesfinanzhof, órgão jurisdicional supremo em matéria financeira e fiscal, e que coloca as questões de princípio mais importantes.

I

28/67 — Firma Molkerei-Zentrale contra Hauptzollamt Paderborn

Os factos que deram origem ao pedido de decisão prejudicial são os seguintes: uma empresa, que importou para a Alemanha em 15 de Junho de 1962 leite gordo em pó proveniente da Bélgica, vê-se confrontada com uma liquidação de um imposto de 4 % a título de imposto compensatório do imposto sobre o volume de negócios (Umsatzausgleichssteuer), além do direito aduaneiro. Reclama sem sucesso perante o Finanzgericht que esta liquidação é contrária ao artigo 95.o do Tratado pelo facto de a lei alemã relativa ao imposto sobre o volume de negócios exonerar deste imposto, desde 1 de Fevereiro de 1956, o leite em pó nacional, e que a transacção da matéria-prima, o leite, está, também, isenta. Retoma esta argumentação perante o Bundesfinanzhof. A sua tese assenta ainda na ideia de que o artigo 95.o do Tratado tem efeitos imediatos e confere aos particulares direitos individuais que os órgãos jurisdicionais nacionais devem tutelar; esta tese está em conformidade com o que o Tribunal decidiu no acórdão 57/65 (Lütticke, 16 de Junho de 1966, Colect. 1965-1968, p. 361).

É sobre esta questão primordial que o Bundesfinanzhof tem dúvidas sérias que expõe de forma muito clara e muito completa no despacho de reenvio e que se podem resumir da forma seguinte. O primado do direito comunitário sobre o direito nacional não é contestado em si mesmo, mas a jurisprudência do Tribunal — especialmente o acórdão Lütticke — foi interpretado na Alemanha como implicando que, quando se afirma a validade imediata de uma disposição do Tratado que impõe a um Estado uma obrigação, o particular deve poder recorrer ao tribunal nacional invocando violação do Tratado; ora, é aos órgãos da Comunidade — especialmente à Comissão — que compete obrigar os Estados a cumprir as suas obrigações, através do mecanismo do artigo 169.o Conferir aos particulares um direito de recurso directo baseado na violação do Tratado, em vez de os autorizar apenas a pedir ao Estado-membro que ponha fim a uma situação contrária ao direito «através de uma acção apropriada», equivale a dar-lhes na realidade um direito mais extenso que o direito conferido aos órgãos comunitários. Esta solução adaptar-se-ia mal, aliás, tratando-se do artigo 95o, com a situação do poder judiciário no âmbito da Constituição da República Federal Alemã, porque a missão dos órgãos jurisdicionais não é suprir as disposições de direito fiscal cuja adopção foi omitida pela autoridade competente por milhares de decisões isoladas. Em larga medida, trata-se, além disso, de questões de facto, que poderiam dar lugar por parte dos tribunais fiscais a decisões divergentes que a instância jurisdicional suprema não poderia harmonizar. Poderia mesmo nascer uma contradição entre a jurisprudência dos tribunais nacionais e a deste Tribunal decidindo no âmbito dos artigos 169.o e 170.o do Tratado. Não vale a pena esconder, finalmente, é o último argumento, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça esteve na origem de vários recursos perante os tribunais fiscais, o que fez surgir na República Federal uma lamentável situação de insegurança jurídica no domínio do imposto compensatório sobre o volume de negócios.

1.

O Bundesfinanzhof pergunta, portanto, e é a sua primeira questão, se o Tribunal mantém a decisão relativa à interpretação do primeiro parágrafo do artigo 95.o do Tratado; além disso, interroga o Tribunal sobre a questão de saber se esse artigo pode conferir aos particulares o direito de exigirem perante os órgãos jurisdicionais nacionais serem considerados, apesar de não ter sido ainda alterado o texto da lei, na mesma situação em que estariam se o Estado-membro tivesse cumprido a obrigação que esse artigo lhe impõe no plano legislativo, quando, nos termos dos artigos 169o e 170.o, a Comissão ou os outros Estados-membros apenas podem exigir que o Estado-membro cumpra o Tratado, e se, por consequência, o terceiro parágrafo do artigo 95.o teve como efeito abrir, a este respeito, uma brecha na soberania legislativa dos Estados-membros no domínio das imposições internas.

É a primeira vez que se coloca assim expressamente ao Tribunal a questão de reexaminar a interpretação que anteriormente fez dum texto comunitário. Se é verdade que os órgãos jurisdicionais já colocaram questões sobre o sentido de disposições sobre as quais o Tribunal já se havia pronunciado, estas novas questões foram suscitadas, ou antes da vossa decisão prejudicial (Da Costa, 28/62 a 30/62, Colect. 1962-1964, p. 233), ou antes da sua publicação na Colectânea (Hessische Knappschaft, 44/65, Colect. 1954-1964, p. 251). Mas a jurisprudência do Tribunal reconhece ao tribunal nacional a faculdade de vos submeter de novo uma questão de interpretação, e não só é normal como também desejável que seja feito uso desta faculdade por um órgão jurisdicional superior de um Estado-membro, quando, por razões de direito ou de facto, a interpretação do Tribunal lhe pareça prestrar-se a controvérsia.

Dito isto, não pensamos que haja que modificar a posição que o Tribunal já adoptou.

A principal objecção suscitada pelo Bundesfinanzhof, com efeito, não se refere apenas ao artigo 95.o do Tratado e não contende com a argumentação que conduziu o Tribunal a declarar este artigo directamente aplicável. É mais geral e tem que ver essencialmente com o facto de ser consagrado um duplo sistema de protecção jurídica baseado simultaneamente na acção da Comissão e dos Estados-membros perante o Tribunal de Justiça e na dos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Estas duas vias são diferentes: quando a primeira obtiver sucesso, obriga o Estado-membro declarado em incumprimento a tomar as medidas que o cumprimento do acórdão do Tribunal implica. Os efeitos da outra são os seguintes: o tribunal nacional que, em recurso dum particular e, sendo caso disso, após interpretação pelo Tribunal de Justiça das disposições do direito comunitário invocadas, verifica que o direito nacional não está de acordo com essas disposições, aplica directamente o direito comunitário ao caso concreto sobre o qual é chamado a decidir. As duas vias são, portanto, complementares e igualmente úteis, porque não vale a pena esconder que, na prática, dificuldades de toda a ordem, jurídicas e materiais, atrasam ou entravam a instauração e o decurso do processo do artigo 169.o Pode, assim, acontecer que, como observa o Bundesfinanzhof, um particular se possa encontrar perante a jurisdição nacional na mesma situação em que se encontraria se o direito nacional tivesse já sido alterado, mas não é isso uma consequência lógica deste primado do direito comunitário que o Bundesfinanzhof não põe em dúvida?

O Tribunal já encontrou de resto uma objecção semelhante baseada nos artigos 169.o e 170.o, quando começou a estabelecer a sua jurisprudência sobre as disposições directamente aplicáveis do Tratado CEE. Foi suscitada ao Tribunal no processo 26/62 (5 de Fevereiro de 1963, Colect. 1962-1964, p. 205) pelos Governos neerlandês, belga e alemão, e o Tribunal refutou-a expressamente em termos que não será mau recordar: “se as garantias contra a violação do artigo 12.o por parte dos Estados-membros fossem limitadas aos processos previstos nos artigos 169.o e 170.o, os direitos individuais dos seus nacionais ficariam desprovidos de qualquer protecção jurisdicional directa; o recurso a estes artigos correria o risco de se tomar ineficaz se ocorresse após a execução de uma decisão nacional tomada em violação das prescrições do Tratado. A vigilância dos particulares, interessados na salvaguarda dos seus direitos, cria um controlo eficaz que acresce ao controlo que os artigos 169.o e 170.o confiam à diligência da Comissão e dos Estados-membros”. Nenhuma razão de direito nos parece dever conduzir a por em causa uma posição que o Tribunal afirmou constantemente desde há cinco anos.

Não ignoramos, contudo, a inquietação do Bundesfinanzhof perante a insegurança jurídica que poderia nascer do afluxo de recursos interpostos nos órgãos jurisdicionais alemães competentes em matéria de imposto compensatório, fenómeno que, é preciso dizê-lo, não aconteceu em nenhum dos outros Estados-membros que aplicam o sistema do imposto cumulativo em cascata. Sem dúvida, a Comissão não deixa de ter razão ao procurar a causa deste afluxo nas deduções talvez apressadas que se fizeram a partir do acórdão do Tribunal 57/65; acreditou-se que ele implicava necessariamente que o artigo 97.o — que respeita ao regime do imposto cumulativo em cascata com o sistema de taxas médias — era também directamente aplicável, e daí resultou essa profusão de recursos. Ora, este problema, como veremos, não foi ainda decidido, e, aliás, é colocado ao Tribunal pelo Bundesfinanzhof. Continuando no domínio do artigo 95.o, pensamos que o Tribunal não deve fazer deste artigo uma interpretação nova ou diferente da que resulta do acórdão 57/65.

2.

A segunda questão suscitada tem por objecto saber se o artigo 90.o é directamente aplicável no sentido de conferir a qualquer cidadão o direito de submeter à apreciação pelo órgão jurisdicional nacional a questão de saber se a taxa média legal do imposto é compatível com os princípios estabelecidos no artigo 95.o, através de recurso de anulação da liquidação.

O artigo em causa, que se refere ao caso dos Estados-membros que aplicam o sistema do imposto cumulativo em cascata, comporta dois parágrafos: o primeiro autoriza estes Estados, relativamente às imposições nacionais que fazem incidir sobre os produtos importados, a fixar taxas médias por produto ou grupo de produtos, sem, contudo, violar os princípios estabelecidos no artigo 95.o; o outro prevê que, no caso de as taxas médias fixadas por um Estado-membro não estarem em conformidade com esses princípios, a Comissão dirija a esse Estado as directivas ou decisões adequadas.

A jurisprudência do Tribunal definiu progressivamente em que condições podia considerar-se uma disposição do Tratado directamente aplicável. A propósito do processo 57/65, tentámos resumi-las dizendo que a obrigação imposta ao Estado-membro devia ser precisa, não comportar qualquer reserva, não pressupor, para ser aplicada, nenhum acto jurídico das instituições comunitárias e, finalmente, não deixar ao Estado responsável um verdadeiro poder de apreciação quanto à aplicação da norma. Estas condições são, evidentemente, muito mais facilmente cumpridas quando se trata de uma obrigação de não fazer, de uma abstenção (processos 26/62 e 6/64), mas não se exclui a priori que também o sejam mesmo para uma obrigação de fazer.

Mas o artigo 97.o consiste principalmente — o que é substancialmente diferente — numa habilitação conferida aos Estados-membros no âmbito do imposto cumulativo em cascata. Neste sistema é tecnicamente impossível calcular com precisão o montante das imposições que incidiram sobre as mercadorias nos estádios anteriores a título do imposto sobre o volume de negócios, montante que pode variar, por exemplo, consoante as empresas que concorrem para a fabricação do produto estejam mais ou menos integradas. É a constatação de uma evidência que não obriga a tomar desde já partido sobre o que é que pode ser admitido como imposição anterior. Daí, a faculdade conferida aos Estados-membros de adoptarem taxas médias que, por definição, podem afastar-se da imposição efectiva; para determinar esta imposição média, os Estados aplicam, aliás, métodos de cálculo diferentes, o que conduziu a Comissão a submeter ao Conselho, em 30 de Junho de 1967, uma proposta de directiva introduzindo um método comum para o cálculo das taxas médias, proposta de que se tratou suficientemente tanto no processo escrito como na audiência, e cujo texto é suficiente para provar as dificuldades que a fixação destas taxas apresenta. O poder do Estado não se exerce apenas no que diz respeito a esta fixação, mas também na questão de saber se a taxa se deverá aplicar a um produto ou, pelo contrário, a um grupo de produtos, e de que produtos esse grupo será composto. O Tribunal deverá definir, a propósito de outras questões de interpretação, o que se deve entender por grupos de produtos e qual é a extensão do poder de apreciação de que dispõe a este respeito o Estado interessado; basta, aqui, constatar que esse poder existe.

Sem dúvida que o artigo 97.o comporta um limite, na medida em que remete para os princípios enunciados no artigo 95. o, que fixam um plafond ao nível dos impostos compensatórios, mas isso não basta para eliminar o poder de apreciação que salientamos. A recorrente observa a este respeito que, em direito interno, uma decisão tomada no âmbito do poder discricionário não escapa, contudo, ao controlo jurisdicional, e isso é exacto, pelo menos numa certa medida, mas não parece que o argumento seja muito pertinente no âmbito do Tratado, porque o que está aqui em causa é o poder não da administração, mas do legislador.

Esta margem de apreciação, que se pode entender de forma mais ou menos lata, mas não suprimir, parece-nos excluir que o artigo 97.o possa ser considerado directamente aplicável. Sem fazer disso um argumento determinante, pode mencionar-se no mesmo sentido a disposição do segundo parágrafo do mesmo artigo que prevê que, quando as taxas médias não estão em conformidade com os princípios do artigo 95.o, a Comissão dirija ao Estado-membro as directivas ou decisões adequadas. Este processo, específico do artigo 97.o, afasta a possibilidade de instaurar de plano o processo do artigo 169.o, diferentemente do que acontece com o artigo 95.o, o que parece só poder explicar-se pelo carácter muito particular da disposição em causa e pelas dificuldades que a sua aplicação comporta.

Sobre a resposta à segunda questão que propomos ao Tribunal, e que se opõe à tese sustentada pela recorrente no processo principal, o Governo da República Federal e a Comissão estão de acordo, mas não completamente, pois esta última atenua em certa medida a rigidez da sua posição. Não basta que a administração recorrida sustente perante o órgão jurisdicional nacional que a imposição assenta numa taxa média permitida face ao artigo 97.o para que o Tribunal esteja privado do poder de controlo. Este tem competência para averiguar se nos encontramos em face de um caso de aplicação do artigo 97.o, isto é, se se trata de um imposto compensatório cobrado em substituição dum imposto sobre o volume de negócios segundo o sistema cumulativo em cascata, e de uma taxa média aplicável a produtos ou grupos de produtos.

3.

Na sua terceira questão o Bundesfinanzhof pergunta ao Tribunal sobre o que se deve entender por taxa média na acepção do artigo 97.o; pergunta, além disso, em função da resposta a esta questão, se a taxa controvertida do imposto compensatório de 4 %, aplicável, na altura, ao leite gordo em pó constitui uma taxa média.

Sobre este último ponto, que respeita na realidade à aplicação a um caso concreto do direito comunitário, somos de opinião, de acordo com o Governo alemão e com a Comissão, que não compete ao Tribunal responder. A resposta é da exclusiva competência do juiz nacional.

A questão principal é, em contrapartida, uma das questões delicadas que se têm posto ao Tribunal, e, mesmo após as discussões que lhe foram consagradas no recente processo, parece-nos difícil responder-lhe de forma absolutamente precisa.

Para o Governo alemão, contudo, a questão é simples. O imposto cumulativo em cascata implica fatalmente taxas médias, porque, por todas as razões que foram enumeradas, não se pode geralmente calcular senão de forma aproximada a carga fiscal que incide sobre os produtos nacionais, em particular a carga fiscal indirecta que é objecto da quinta questão do Bundesfinanzhof. É necessário, pois, com base “em números globais e em estimativas” estabelecer taxas médias que, sem dúvida, devem manter-se no quadro dos princípios do artigo 95.o, “com base nas informações de que a administração disponha tendo em conta o trabalho que dela se pode exigir”, e notar-se-á o carácter muito vago desta formulação. Em todos os casos em que existe um produto nacional similar ou de substituição, a taxa do imposto compensatório do imposto cumulativo em cascata é sempre uma taxa média, tal como prevê a legislação alemã, e, resumindo a sua argumentação, este Governo considera que há que entender por taxas médias, na acepção do artigo 97.o, as taxas que estão em vigor nos Estados-membros que praticam o sistema do imposto cumulativo.

A rigidez com que esta tese é apresentada e o seu carácter absoluto só podem conduzir a pô-la de parte. A Comissão observa com razão que não é suficiente que uma taxa seja definida como taxa média pela lei nacional para que tenha essa natureza na acepção do artigo 97.o Quanto ao poder de apreciação que se deve reconhecer ao Estado-membro, deve, sob pena de cair na arbitrariedade, conter limites que se podem traçar da forma seguinte.

A fixação de taxas médias pressupõe que seja conhecida a carga fiscal suportada a título de imposto sobre o volume de negócios pelos produtos nacionais similares nos sucessivos estádios de elaboração; não pode, pois, ser objecto de uma estimativa global e arbitrária, mas deve resultar de cálculos. Como os circuitos de produção são mais ou menos longos e o número de transacções de que o produto é objecto difere consoante as empresas, pode se ser levado a adoptar preços médios que tenham em conta esta diversidade. Como, por outro lado, alguns elementos da carga fiscal indirecta representam apenas um percentagem muito pequena da carga fiscal total, pode mesmo adoptar-se um imposto fixo relativamente aos mesmos. Todavia, a determinação da carga fiscal suportada pelos produtos nacionais similares deve continuar a ser uma operação tão precisa quanto possível, e os cálculos devem poder ser controlados, sem o que, por exemplo, a Comissão não poderia desempenhar o papel que lhe atribui o segundo parágrafo do artigo 97.o, e certificar-se de que a taxa média foi estabelecida em bases correctas. É necessário acrescentar que estes cálculos devem ter sido efectuados numa data suficientemente recente para serem ainda verdadeiramente representativos no momento em que é determinada a taxa do imposto compensatório.

4.

O Bundesfinanzhof pergunta em seguida se os particulares continuam a encontrar no artigo 97.o o direito de pedirem o controlo da taxa média pelos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo quando a Comissão cumpriu a sua obrigação de assegurar o respeito pelo Tratado e o Estado-membro modificou a taxa média em conformidade com o pedido da instituição comunitária.

Esta questão pressupõe que o artigo 97.o do Tratado confere aos particulares direitos de acesso directo aos tribunais para pedir o controlo das taxas médias aplicadas no caso concreto. Se o Tribunal de Justiça considerar, como propusemos, que não é assim, a questão fica sem objecto.

5.

Última questão colocada pelo Bundesfinanzhof: o que se deve entender por carga fiscal indirecta suportada pelos produtos nacionais na acepção do primeiro parágrafo do artigo 95.o?

Sendo a regra nas trocas comerciais internacionais aplicar o princípio da tributação no país de destino, os Estados-membros têm razão para querer realizar a compensação integral da imposição dos produtos nacionais no momento da importação, o que conduz a interpretar no sentido mais amplo o conceito de «tributação indirecta».

Partindo deste ponto, pode explicitar-se o conceito controvertido da forma seguinte. Na elaboração dum produto acabado entram os produtos de base: matérias-primas e produtos semiacabados. Entram igualmente nessa elaboração matérias auxiliares que são consumidas no processo de fabrico (a cola por exemplo na fabricação de livros) ou matérias acessórias (as embalagens). Por outro lado, o processo de fabrico necessita de meios de produção e de serviços, tais como os transportes de mercadorias.

Todos estes elementos concorrem para a elaboração do produto; há, pois, que entender por tributação interna incidindo indirectamente sobre um produto as imposições que incidiram sobre esses diversos elementos.

Esta tomada em consideração deve fazer-se em todos os estádios da produção, mas é evidente que a incidência do imposto sobre o preço do produto final é tanto mais reduzida quanto mais se sobe nos estádios sucessivos, o que não permite excluir o recurso a impostos fixos quando se trata de determinar a carga fiscal que incide sobre os produtos de base e as matérias auxiliares.

Por vezes, é contraposto a esta concepção o acórdão que o Tribunal proferiu no processo 45/64 (Colea. 1965-1968, p. 223) a propósito da interpretação do artigo 96.o do Tratado relativo aos reembolsos de impostos relativos a produtos exportados. Argumenta-se que o Tribunal declarou nesse acórdão que o termo «indirectamente» se referia às imposições que incidiam, nos diferentes estádios da produção, sobre as «matérias-primas ou produtos semiacabados que entram na fabricação dos produtos», para concluir que o Tribunal decidiu excluir a imposição que incide sobre os meios de produção e de transporte e a utilização de energia. Não estamos persuadidos disso, porque o que importava sobretudo eram os impostos cujo reembolso estava a ser discutido e que o Tribunal recusou admitir; tratava-se nomeadamente do imposto de registo, do selo e de hipoteca, acerca dos quais o Tribunal declarou que incidiam sobre a empresa produtora nas diversas manifestações da actividade comercial ou financeira em geral, e não sobre os produtos enquanto tais, nem nos diferentes estádios da sua fabricação, nem no estádio final. O mesmo se passa com os impostos sobre licenças e concessões, sobre veículos automóveis e sobre a publicidade, igualmente visados por esse acórdão. Todos estes impostos não têm evidentemente nada de comum com o imposto alemão sobre o volume de negócios. Por isso, o acórdão 45/64 não nos parece excluir a concepção ampla de imposição indirecta tal como nós a expusemos.

II

31/67 — Firma Stier contra Hauptzollamt Hamburg

Este processo foi enviado ao Tribunal pelo Finanzgericht de Hamburgo e refere-se ao artigo 95.o do Tratado.

A firma Stier, que importou, em 1966, 3834 caixas de limões provenientes de Itália, foi notificada pela alfândega para pagar um imposto compensatório à importação de 2,5 %. Argumentou perante o Finanzgericht que a lei fiscal alemã, em aplicação da qual se pretendia cobrar-lhe esse imposto, era contrária ao artigo 95.o do Tratado; este artigo só permite tributar com um imposto compensatório à importação os produtos importados que concorrem, no mercado interno, com produtos nacionais comparáveis. Ora, a Alemanha não produz limões (hipótese do parágrafo primeiro do artigo 95.o) nem outros frutos susceptíveis de substituir estes citrinos no consumidor (hipótese do parágrafo segundo do artigo 95.o).

1.

Nestas condições, o Finanzgericht colocou ao Tribunal três questões, a primeira das quais pretende saber se um Estado-membro tem o direito de cobrar impostos sobre produtos originários de outros Estados-membros que não concorram nem com produtos nacionais similares, nem com produtos nacionais de substituição, ou se, pelo contrário, esta medida é contrária ao direito do Tratado.

O despacho de reenvio indica claramente por que razões e com que espírito o Finanzgericht pensa dever recorrer a este Tribunal. Para ele — como mostra a redacção da primeira questão — os termos do artigo 95.o não regulam a questão: mais do que interpretar o Tratado, trata-se eventualmente de preencher uma lacuna que aí se encontra, e é a este Tribunal que compete fazê-lo. Por outro lado, a norma jurídica invocada pela empresa recorrente para afastar a tributação parece ao Tribunal poder ser deduzida, por via de analogia, dos objectivos do Tratado, em particular das disposições deste que garantem a livre circulação das mercadorais no mercado interno da Comunidade e proíbem os entraves às trocas entre Estados-membros. Finalmente, dado que podem ser invocadas em apoio desta tese «argumentos plausíveis», o juiz a quo considera que deve colocar a questão a este Tribunal, mesmo que o segundo parágrafo do artigo 177.o do Tratado não o obrigue, e isto é uma atitude que, com efeito, não podemos deixar de encorajar.

Qual é o alcance do artigo 95.o? É este o ponto de que se deve partir para responder à questão colocada pelo Finanzgericht.

Do ponto de vista da recorrente no processo principal, o parágrafo primeiro do artigo 95.o, ao prever que os produtos importados não podem ser submetidos a imposições superiores às que incidem sobre produtos nacionais similares, estabelece uma proibição, mas também uma autorização. Estando esta autorização claramente limitada aos produtos concorrentes com os produtos nacionais, a proibição de tributação relativamente aos outros produtos importados dos Estados-membros resulta directamente do artigo 95.o e a interpretação assim dada a esta disposição é conforme aos objectivos do Tratado, o qual deve designadamente assegurar a liberdade de circulação das mercadorias. Este raciocínio parece-nos mais subtil do que convincente, mesmo que se procure aproximar o artigo 95.o das disposições próximas dos artigos II e III do GATT, porque é um abuso de linguagem ver uma disposição de autorização no primeiro parágrafo do artigo 95o, cujo objectivo é fundamentalmente proibir a discriminação entre produtos importados e produtos nacionais.

No caso de a interpretação que propõe não ser acolhida, a firma Stier sustenta que o imposto em litígio deve ser considerado como um direito aduaneiro ou como um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro. Responde com efeito às condições de um direito aduaneiro com carácter fiscal visto que tem como único objectivo proporcionar recursos ao Estado; neste caso, as disposições sobre a redução progressiva dos direitos aduaneiros deviam ter-lhe sido aplicadas de modo a fixar a sua taxa em 1 de Janeiro de 1966 no máximo de 1,6 %. Chega-se ao mesmo resultado se se considerar como encargo de efeito equivalente, consideração a que o acórdão 57/65 do Tribunal não se opõe.

Voltando agora ao artigo 95.o, há que admitir com o Governo alemão e a Comissão que não se pode, de modo algum, deduzir dele uma proibição de tributar com um imposto interno os produtos importados dos Estados-membros que não estejam em concorrência com os produtos nacionais. O Tratado, aplicando a norma habitualmente seguida nas trocas internacionais, submete os produtos importados às imposições em vigor no país de destino, e o artigo 95.o proíbe que seja aplicado um regime fiscal menos favorável do que o dos produtos nacionais similares ou de substituição. Esta disposição tem como objectivo assegurar a igualdade da concorrência e vale apenas dentro destes limites, mas se não houver produtos similares, nem produtos de substituição, não se pode deduzir do artigo 95.o uma disposição que limite o direito de tributação pelo Estado importador. Dito isso, é preciso não esquecer que, diferentemente do que acontece em matéria aduaneira, o Tratado apenas em medida muito limitada contende com a soberania dos Estados-membros em matéria fiscal e financeira, como provam os artigos 95.o a 99.o inclusive, e é isso que o Governo alemão afirma de forma um tanto absoluta ao dizer que nesta matéria o Tratado permite tudo o que não proíbe expressamente. Da mesma forma, a realização das condições semelhantes às de um mercado interno parece sobretudo depender, neste domínio, da harmonização do direito, tal como está actualmente a ser preparada através da introdução do imposto sobre o valor acrescentado. Dir-se-á apenas que as directivas do Conselho de 11 de Abril de 1967 não excluem a cobrança deste imposto no momento da importação dos produtos para os quais não existam produtos nacionais similares ou de substituição.

Por outro lado, não é possível afirmar de forma generalizada que a cobrança de imposições internas sobre as mercadorias não produzidas no país seja incompatível com o sistema geral do Tratado. O n.o 3 do artigo 17.o do Tratado permite substituir os direito aduaneiros de carácter fiscal por um imposto interno em conformidade com o disposto no do artigo 95.o; diz respeito, senão essencialmente, pelo menos em larga medida, às mercadorias não produzidas no país e que não concorram com produtos nacionais. A interpretação dada aos objectivos do Tratado pela recorrente retiraria ao n.o 3 do artigo 17.o uma grande parte do seu conteúdo.

Consideramos, por conseguinte, que há que responder à primeira questão do Finanzgericht que as disposição do Tratado não são contrárias a que um Estado-membro cobre impostos internos sobre os produtos provenientes de outros Estados-membros que não concorram nem com produtos nacionais similares na acepção do primeiro parágrafo do artigo 95.o, nem com produtos nacionais de substituição na acepção do segundo parágrafo do artigo 95.o

2.

O Finanzgericht questiona em seguida se uma norma jurídica elaborada a partir do direito do Tratado, na acepção da questão precedente e contrária ao direito de imposição nacional, produz efeitos jurídicos imediatos a favor dum particular.

Esta questão pressupõe evidentemente que o Tratado exclui a possibilidade de onerar os produtos em litígio com impostos internos. Se o Tribunal partilhar o ponto de vista que acabamos de expor, a questão fica sem objecto.

3.

O Tribunal deve, em contrapartida, pronunciar-se sobre a última questão que foi colocada e que é de saber se, na medida em que o seu direito de tributação seja em princípio reconhecido, um Estado-membro está submetido neste domínio, no que respeita ao montante dos impostos internos, a restrições nos termos do Tratado, e, em caso afirmativo, a que restrições.

A questão é bastante embaraçosa e não comporta possivelmente uma resposta perfeitamente satisfatória. Felizmente, é meramente teórica.

Pode-se concluir, como faz o Governo da República Federal, que, pelo facto de o Tratado não conter regulamentação sobre a cobrança de impostos internos na importação de semelhantes produtos, o direito de tributação se aplica nesta matéria sem limitação, quer se trate de decidir se há lugar à cobrança de tais impostos ou de fixar o seu montante. O mesmo Governo acrescenta que, no caso de surgirem dificuldades ou abusos neste domínio, a solução poderia ser encontrada na via da harmonização, e cita como exemplo as recentes directivas do Conselho sobre o imposto sobre o valor acrescentado.

A Comissão aborda o problema dum ponto de vista diferente. Retomando a argumentação que desenvolveu no processo 20/67 que veremos em seguida, alega que o facto de um Estado-membro tributar de maneira exorbitante uma mercadoria que não é produzida no território nacional e não é concorrente de outra mercadoria nacional poderia violar a proibição de cobrar encargos de efeito equivalente ao dos direitos aduaneiros. O que conta é a incidência do imposto e não a sua natureza. Na medida em que um imposto desta natureza ultrapassa o «nível geral de imposição indirecta», tem a mesma incidência que um direito aduaneiro do mesmo montante que se acrescentasse a uma imposição indirecta normal; haveria que lhe aplicar, portanto, a proibição dos encargos de efeito equivalente ao dos direitos aduaneiros. A Comissão reconhece, contudo, que a questão discutida não apresenta interesse actual, porque o imposto compensatório alemão sobre os limões importados se encontra, com uma taxa de 2,5 %, dentro dos limites das taxas usuais de imposição do volume de negócios para os frutos comuns ou tropicais.

A argumentação é sedutora, apesar de se poder fazer-lhe algumas objecções. Em primeiro lugar, como declarou na audiência o representante do Governo alemão, porque torna pouco clara a distinção entre imposições internas e encargos de efeito equivalente. Em segundo lugar, porque é praticamente impossível definir o que é uma imposição exorbitante; citou-se, relativamente à República Federal, uma taxa de 100 % do preço médio da mercadoria sobre o café, de 75 % sobre o chá, dois produtos que não concorrem com produtos alemães. Há que admitir que se trata de imposições exorbitantes, senão proibitivas? A esta objecção pode responder-se que a Comissão se refere ao nível geral de imposição indirecta, o que deve, parece-nos, ser entendido como referindo-se às taxas normais de imposição sobre os produtos do mesmo tipo, e que, aliás, os produtos citados pelo Governo alemão estão abrangidos pelo artigo 17.o do Tratado e pertencem a uma categoria especial para a qual a taxa de imposição foi sempre elevada.

Outro ponto a assinalar: os artigos 12.o e seguintes prevêem as modalidades de abolição dos encargos de efeito equivalente, que deve ocorrer antes do fim do período transitório. No caso de, após este termo, parecer que a taxa de um imposto é «exorbitante», competiria à Comissão, por via de directiva ou de decisão, obter do Estado-membro interessado a sua diminuição, mas encontrar-nos-íamos, naturalmente, fora das condições de aplicação e das regras de processo dos artigos 12.o e seguintes do Tratado.

Diga-se mais uma vez, tudo isso é muito teórico, não apenas no caso presente mas mesmo de forma geral. O Governo alemão observa com razão que as taxas proibitivas são uma contradição interna, porque não produzem rendimento, e por isso não há que recear que os Estados-membros apliquem nesse domínio taxas excessivas. A prova é que nunca até agora a Comissão teve que intervir. Além disso, um imposto que muda de natureza através de uma mudança de taxa parece-nos complicar inutilmente uma classificação já complexa. Por isso, sem ignorar o interesse que poderia haver em definir que os poderes do Estado não são ilimitados, não propomos que o Tribunal responda à questão colocada no sentido das observações apresentadas pela Comissão.

NB: As conclusões feitas nos capítulos seguintes relativas aos processos 25/67, 27/67, 13/67, 7/67 e 20/67 encontram-se sumariamente resumidas nas traduções desses acórdãos.


( *1 ) Língua original: francês.