CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

KARL ROEMER

apresentadas em 28 de Maio de 1963 ( *1 )

Sumário

 

Introdução (factos, pedidos das partes, tramitação do processo)

 

I — Admissibilidade

 

1. Recurso de anulação

 

a) Os particulares podem recorrer de uma decisão dirigida a um Estado-membro?

 

b) O direito de recurso não existe apenas quando uma decisão é aparentemente dirigida a outra pessoa?

 

c) A decisão recorrida pertence ao domínio legislativo?

 

d) A decisão diz directamente respeito à recorrente?

 

e) A decisão diz individualmente respeito à recorrente?

 

f) Resumo

 

2. Pedido de indemnização

 

a) Existe uma modificação do pedido que seja admissível?

 

b) O pedido de indemnização pode ser apresentado ao mesmo tempo que o recurso de anulação?

 

c) A exposição dos fundamentos é suficientemente completa?

 

II — Procedência

 

1. A atitude do Governo alemão federal

 

2. Foi provado um prejuízo especial?

 

3. A recorrente produziu a prova da violação de uma norma cujo objectivo é proteger os seus interesses?

 

III — Resumo e conclusões

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Em 27 de Julho de 1962, a recorrente, uma sociedade alemã em nome colectivo cujo objecto social é a importação de frutas meridionais, submeteu à apreciação do Tribunal uma decisão da Comissão da CEE relativa a direitos aduaneiros.

Sabemos que o Governo da República Federal tinha apresentado à Comissão, em 16 de Junho de 1961, um pedido escrito de autorização para suspender parcialmente a pauta exterior comum para as clementinas frescas. O pedido foi modificado verbalmente para obter a criação de uma «ex-posição clementinas» (direito de 10 %).

No entanto, a Comissão indeferiu o pedido por carta de 22 de Maio de 1962; é esta decisão o objecto do presente processo.

Este caracteriza-se por dois objectivos:

Por um lado, a recorrente pede a anulação da decisão mencionada.

A recorrente, com o acordo da Comissão, declarou no seu segundo memorando que pedidos suplementares, relativos ao recurso de anulação, eram destituídos de objecto: pretendiam obter a declaração de que a recorrida era obrigada a autorizar a República Federal da Alemanha a suspender a aplicação do direito aduaneiro em vigor para as clementinas no período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1962;

ou a decidir de novo e imediatamente sobre o pedido da República Federal da Alemanha, de 16 de Junho de 1961, de suspensão parcial da pauta exterior comum para as clementinas, tendo em conta a concepção jurídica do Tribunal sobre a interpretação do Tratado em matéria de suspensão dos direitos aduaneiros;

ou, subsidiariamente, obter a declaração de que a Comissão era obrigada a conceder à República Federal da Alemanha um contingente máximo de 11000 toneladas para importações de clementinas provenientes de países terceiros (…) com direito de 10 %.

Por outro lado, a recorrente pede ao Tribunal que condene a Comissão no pagamento de uma indemnização de 39414,01 DM. Este pedido substitui o que tinha sido originariamente apresentado na petição e dizia respeito à declaração de uma obrigação de reparação. Foi apresentado pela primeira vez no memorando de 18 de Janeiro de 1963, e o prejuízo era aí calculado em 43265,30 DM. Na audiência de 2 de Maio de 1963, a recorrente reduziu o montante dos danos à quantia acima referida, mantendo, a título subsidiário, o pedido de declaração que tinha apresentado originariamente.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal julgue o recurso inadmissível na totalidade ou, em todo o caso, improcedente.

Além disso, deve assinalar-se, no plano processual, que, com o acordo da Comissão, a recorrente retirou o seu pedido de intervenção da República Federal da Alemanha. Independentemente de dois pedidos de medidas provisórias (de 8 de Agosto de 1962 e de 4 de Dezembro de 1962), ambos indeferidos por despachos do presidente do Tribunal (de 31 de Agosto de 1962 e de 21 de Dezembro de 1962), o processo apresenta ainda a particularidade de a Comissão ter pedido ao Tribunal que decida previamente sobre a admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 91o do Regulamento Processual. Após ter recebido as observações da recorrente, que concluiu pedindo que o Tribunal indeferisse esse pedido, ou, subsidiariamente, reservasse para final a decisão sobre a admissibilidade, o Tribunal decidiu, em 24 de Outubro de 1962, apreciar conjuntamente a excepção e o mérito.

Temos hoje a missão de apresentar conclusões neste processo, mas naturalmente as questões de admissibilidade figuram em primeiro plano na discussão — o desenrolar do processo não deixa qualquer dúvida nesse ponto —, e isto tanto no que diz respeito ao recurso de anulação como ao pedido de indemnização.

Em qualquer sistema de garantias jurisdicionais, e, por consequência, também no dos Tratados europeus, as questões de admissibilidade apresentam uma importância tal que devem ser apreciadas oficiosamente, independentemente da argumentação das partes. A sua solução trará uma contribuição importante para a determinação dos limites da protecção jurisdicional que o Tratado oferece aos particulares.

I — Admissibilidade

1. Recurso de anulação

O recurso baseia-se no artigo 173.o, segundo parágrafo, do Tratado CEE, segundo o qual «qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas mesmas condições (id est: que no parágrafo primeiro) recurso das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

A Comissão examinou em detalhe, por escrito e oralmente, as diferentes condições de aplicação desta disposição e concluiu que a recorrente não tinha direito de recurso.

a)

Em primeiro lugar, a Comissão coloca a questão de saber se os termos «outras pessoas» do artigo 173.o, segundo parágrafo, se referem também aos Estados-membros ou apenas aos particulares destinatários de uma decisão. Em nossa opinião, não há nenhuma razão para interpretar a citada expressão restritivamente.

Os Estados-membros também são pessoas, isto é, pessoas colectivas de direito público, e, como tal, incluem-se no âmbito de aplicação do texto do artigo 173.o, segundo parágrafo, que está redigido em termos muito gerais. Neste aspecto, recorde-se o disposto no artigo 34.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da CECA, que regulamenta o direito de intervenção. A fórmula «as pessoas singulares ou colectivas» refere-se a todos os interessados, incluindo os Estados-membros. Da mesma forma, o artigo 39.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE cita como tendo direito de interpor recurso de oposição de terceiro os Estados-membros, as instituições e «quaisquer outras pessoas singulares ou colectivas». Além disso, pode ainda observar-se que outras disposições dos tratados (por exemplo, o artigo 41.o do Estatuto do Tribunal da CECA ou o artigo 37.o do Estatuto do Tribunal da CEE) submetem expressamente os Estados-membros a uma regulamentação especial quando se pretendeu derrogar, em relação a eles, as disposições gerais. Neste aspecto, deve ainda mencionar-se que, no que diz respeito às directivas, ou seja, a actos que obrigam um Estado-membro a alcançar um objectivo mas deixam a escolha da forma e dos meios aos organismos internos, o direito de recurso dos particulares é expressamente excluído.

Esta ausência de diferenciação no segundo parágrafo do artigo 173.o implica já como primeira conclusão que as decisões dirigidas aos Estados-membros não estão subtraídas, em princípio, ao recurso dos particulares. Além disso, também não existe nenhum motivo de fundo para limitar assim o direito de recurso. O facto de uma decisão dirigida a um Estado-membro poder pôr em causa interesses que estão em plano diverso dos interesses privados é ainda menos decisivo. Independentemente do facto de, num caso concreto, por exemplo quando é imposta a um Estado-membro a tarefa de regulamentar uma situação específica, ser perfeitamente possível que interesses de particulares figurem em primeiro plano, a coincidência de interesses particulares e de interesses gerais é um fenómeno muito frequente no processo administrativo e na jurisdição constitucional. Pouco restaria do direito de recurso dos particulares se ele fosse limitado aos casos em que os interesses superiores do Estado tivessem um papel subordinado.

Por outro lado, poder-se-ia perguntar por que razão só o interesse dos Estados-membros e não o de outros organismos de direito público (os Estados federados num Estado federal, as comunas) exigiria um regime especial. Nos termos do segundo parágrafo do artigo 173.o, esses organismos também podem ser destinatários. Ora, em relação a essas decisões, a Comissão não parece considerar necessária a limitação do direito de recurso.

Finalmente, o argumento baseado na protecção jurisdicional, obtida eventualmente por iniciativa dos Estados-membros, não pode conduzir-nos a outra conclusão, uma vez que o caso em apreço nos mostra precisamente quão insuficiente é esse meio quando um particular não tem nenhuma possibilidade de obrigar o seu próprio Estado a iniciar um processo judicial. Tal como no Tratado CECA que, todavia, não apresenta particularidades no plano sistemático do direito, e sobre o qual existe jurisprudência muito clara (v. os acórdãos sobre as tarifas especiais de transportes nacionais) ( 1 ) no Tratado CEE o direito de recurso dos particulares não pode, em princípio, ser limitado quando decisões dirigidas aos Estados-membros são submetidas à fiscalização do Tribunal.

b)

Em segundo lugar, a Comissão pergunta se a expressão «decisão dirigida a outra pessoa» não deve ser entendida como parte da frase «as decisões (…) que, embora tomadas sob a forma de regulamento (…)», o que implicaria como consequência só existir direito de recurso se a decisão em causa apenas formalmente fosse dirigida à República Federal.

Consideramos que esta tese é igualmente errada. Embora, no que se refere ao direito de recurso dos particulares, os Tratados de Roma distingam, em primeiro lugar, entre decisões e regulamentos e, em princípio, subtraiam estes últimos ao direito de recurso, existe uma boa razão para permitir examinar a verdadeira natureza jurídica de um acto e para admitir o recurso quando o regulamento apenas tem a aparência exterior e não o conteúdo de fundo. Mas retomar a mesma ideia para a aplicar aos destinatários das decisões, isto é, de um grupo de actos jurídicos que incluem actos incontestavelmente individuais, seria supor que os autores do Tratado pretenderam restringir o direito de recurso de uma forma exorbitante. Nessa concepção, só o destinatário de um acto administrativo poderia interpor recurso, e qualquer pessoa não destinatária deveria provar que, na realidade, o acto lhe era dirigido, enquanto o destinatário de facto apenas deveria ser considerado como destinatário aparente.

O carácter indefensável desta tese surge imediatamente se a aplicarmos a actos administrativos que favorecem uma pessoa impondo obrigações a outra, ou eventualmente a autorizações dadas a acordos, portanto a casos em que, segundo a prática administrativa habitual, acontece frequentemente que o acto não seja dirigido a todas as pessoas a quem, segundo os princípios gerais, deve ser reconhecido um interesse importante. Consideramos que essa limitação do direito de recurso não pode ter sido querida e, portanto, não a tomamos em consideração.

c)

A Comissão afirma também que a decisão em causa, na realidade, se inclui no domínio da legislação. Tratar-se-ia de conceder ou recusar autorização para alterar normas de direito nacional, uma vez que, segundo o direito alemão, os direitos aduaneiros só podem ser suspensos através de uma alteração das posições pautais fixadas legalmente. Consequentemente, o direito de recurso dos particulares devia excluir-se, tal como para os regulamentos.

Não podemos esconder que esta argumentação nos parece sedutora, porque nos lembra a opinião que expressámos no processo 18/57, em que se tratava de apreciar sob o ângulo do direito dos acordos a autorização dada a uma regulamentação comercial. Na época, considerámos correcto ter em conta, na qualificação do acto jurídico, as suas repercussões nos compradores afectados pela regulamentação comercial e, assim, concluímos que existia uma decisão geral. É certo que o Tribunal não seguiu essa sugestão. Considerou que o elemento decisivo era que a decisão da Alta Autoridade se referia a decisões concretas de determinadas empresas ( 2 ). Portanto, em relação às empresas que tinham pedido a autorização, dever-se-ia falar de uma decisão individual. Ora, essa decisão não podia ao mesmo tempo ser considerada como uma decisão geral em relação a terceiros.

A opinião do Tribunal foi afirmada ainda mais claramente noutros processos. Pensamos no recurso relativo ao prémio alemão para mineiros de fundo, que foi interposto por um agrupamento de empresas. Ainda que o Tribunal tenha afirmado, num processo baseado no artigo 35.o do Tratado CECA, que a decisão de indeferimento da Alta Autoridade devia ser qualificada da mesma forma que a decisão solicitada à Alta Autoridade ( 3 ), e embora o recorrente tivesse requerido a esta que adoptasse uma decisão dirigida a um Estado-membro, nos termos do artigo 88.o do Tratado, o que teria provocado a alteração de uma legislação nacional, o Tribunal partiu da ideia de que o processo tinha por objecto uma decisão individual, uma vez que se tratava de examinar uma medida concreta adoptada por um Estado-membro determinado. Portanto, o recurso foi julgado admissível.

Cremos que esta jurisprudência vale igualmente para os Tratados de Roma, já que não vemos, neste ponto, qualquer diferença no sistema dos Tratados. Embora o Tratado CECA distinga entre decisões gerais e decisões individuais para delimitar o direito de recurso, os Tratados de Roma referem-se em primeiro lugar à diferença entre regulamentos e decisões, ambos definidos no artigo 189.o do Tratado. Mas, se o elemento que surge em primeiro plano no exame é o carácter jurídico de um acto, ou seja, a sua validade jurídica e o seu carácter obrigatório, e não os seus efeitos posteriores (estes últimos podem ter importância na questão do interesse), o Tribunal, segundo a sua jurisprudência actual, não poderá deixar de considerar a decisão da Comissão como um acto individual dirigido a um sujeito de direito determinado (um Estado-membro) e cujo objecto é regulamentar uma situação jurídica individual, uma questão clara e determinada. Nesse exame, a convicção do Tribunal pode ser reforçada pelo facto de, no direito administrativo alemão, actos semelhantes, por exemplo a autorização dada a estatutos comunais pela autoridade de tutela, poderem ser igualmente considerados actos individuais recorríveis.

Mas, então, não resta qualquer possibilidade de negar o direito de recurso no caso em apreço afirmando que a decisão em causa tem a natureza de regulamento.

d)

Para que o recurso de anulação seja admissível, o Tratado exige seguidamente um interesse directo («digam directamente respeito»). A recorrente considera que esta condição está preenchida, uma vez que a decisão se reveste para ela de «uma certa importância». Em sua opinião, o critério do carácter directo não é mais do que um meio para determinar a intensidade do interesse. Mas, em nossa opinião, não é bem esse o seu sentido. Deve-se entendê-lo de uma forma especial, partindo do sistema dos tratados e da estrutura da organização comunitária. Um elemento essencial da Comunidade é, se assim se pode dizer, a sua estrutura federal, isto é, a circunstância de os órgãos comunitários estarem colocados acima das instâncias estaduais, com poderes que, em parte, influem directamente no domínio dos Estados-mem-bros e que, também em parte, são limitados e pressupõem a colaboração dos Estados-membros para atingir determinados objectivos. Na organização das garantias jurisdicionais, é o critério do interesse directo que deve ter em conta essa estrutura. Assim, tem como sentido concretizar de forma positiva o interesse jurídico que, em bastantes ordens jurídicas, é de forma geral uma condição de recurso.

Deste ponto de vista, a Comissão tem razão quando afirma que não existe carácter directo quando uma decisão dos executivos comunitários dá uma autorização ou cria uma obrigação para um Estado-membro. Neste caso, o acto da Comissão é seguido de um acto do Estado-membro interessado e é apenas este último que tem consequências directas para o particular. É sobretudo nas autorizações que esta relação surge claramente: só quando o Estado-membro utiliza a autorização, o que para ele é um acto discricionário, se produzem efeitos jurídicos para os indivíduos. Portanto, na cadeia dos vários actos jurídicos, a decisão do Estado-membro é um elo importante que se situa entre a decisão da Comissão e o efeito jurídico concreto em relação ao particular.

É verdade que se coloca a questão de saber se os factos devem ser apreciados de forma diferente em caso de recusa de uma autorização, uma vez que aí a regulamentação existente, cuja alteração foi pedida, subsiste sem que haja necessidade de outro acto.

Em nossa opinião, essa particularidade não pode conduzir a um resultado diferente. Com efeito, não é possível negligenciar a circunstância importante de que também aqui estamos colocados perante um domínio de apreciação governamental, pois é ao Estado-membro que compete decidir se quer prosseguir o seu objectivo inicial através de vias de recurso ou inclinar-se perante uma decisão da Comissão cuja exposição de motivos pode tê-lo convencido. Deve também pensar-se que, mesmo que um particular conseguisse fazer anular a decisão da Comissão e obtivesse em seu lugar uma decisão positiva, a execução desta última dependeria do exercício de um poder discricionário do Estado: ora, tendo em conta as modificações de facto ou uma alteração da posição política após um certo tempo, não é certo que esse Estado exercesse esse poder da mesma forma que no momento em que requereu o contingente. Este facto basta para excluir qualquer nexo directo nas relações entre as instituições comunitárias e os particulares interessados quando se trata das questões aduaneiras a que se refere o artigo 25.o

Assim, o recurso de anulação da empresa Plaumann surge como inadmissível.

e)

No entanto, dedicaremos ainda alguns momentos à questão de saber se a decisão em causa diz individualmente respeito à recorrente, o que é também uma condição de admissibilidade.

A Comissão considera que uma decisão só diz individualmente respeito às pessoas que afecta devido à sua individualidade ou a circunstâncias particulares relativas à sua pessoa.

Neste aspecto, a recorrente afirma que foi afectada na sua esfera jurídica pela recusa de concessão do contingente, mas que o Tratado não exige que seja ela a única a ser afectada.

Ao tentar definir a noção de interesse individual, deve-se notar, em primeiro lugar, que os Tratados de Roma apresentam uma particularidade que não existe no Tratado CECA. Para este último, é a natureza jurídica do acto em causa que está em primeiro plano quando se trata de delimitar as condições do direito de recurso. Portanto, basta que exista uma decisão individual que diga respeito ao recorrente.

Como os Tratados de Roma tiveram já em conta a natureza jurídica dos actos na definição do direito de recurso, opondo os regulamentos às decisões, deve então considerar-se (e é com razão que a Comissão assim conclui) que com o critério do «interesse individual» os autores do Tratado pretenderam uma maior restrição do direito de recurso, sob o ângulo dos efeitos jurídicos de um acto.

Se examinarmos esses efeitos no caso em apreço, verificamos que, para efeitos do. exame a que aqui procedemos, a decisão de indeferimento da Comissão apresenta o mesmo carácter que uma autorização de suspensão de direitos aduaneiros que implica uma modificação do direito aduaneiro nacional.

Partindo do ponto de vista dos efeitos jurídicos, que devem ser ignorados na determinação da natureza jurídica do acto impugnado mas que, pelo contrário, estão em primeiro plano na questão do interesse individual, não pode negar-se a existência de uma concordância entre o acto impugnado e medidas legislativas. São afectados todos aqueles que, no decurso do ano de 1962, pretendiam importar clementinas. Expirado esse período, talvez se conclua que o número de interessados é relativamente reduzido. Mas isso não pode ser decisivo. O que é importante é que aqui o interesse não resulta da individualidade de pessoas determinadas mas da pertença ao grupo, abstractamente definido, de todos os que pretendiam importar clementinas na época em causa. Esse grupo não pode ser determinado no momento em que a decisão é adoptada, uma vez que, pela sua natureza, se modifica constantemente, ainda que em fraca medida.

Mas se as consequências jurídicas da decisão são as mesmas que as de uma medida legislativa que não está sujeita a recurso dos particulares, do ponto de vista do interesse individual também não é possível reconhecer a existência de interesse em interpor recurso.

f)

Assim, em suma, devemos propor que o recurso seja julgado inadmissível.

2. Pedido de indemnização

O pedido de indemnização baseia-se no segundo parágrafo do artigo 215.o do Tratado CEE, ou seja, na disposição segundo a qual, «em matéria de responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, em conformidade com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-mem-bros, os danos causados pelas suas Instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções».

Embora este processo nos leve pela primeira vez a examinar esta disposição, a nossa primeira tarefa é esclarecer a ideia fundamental do artigo 215.o, segundo parágrafo, que caracteriza a missão do Tribunal. Eis como a entendemos.

O próprio segundo parágrafo do artigo 215.o enumera toda uma série de condições para intentar as acções por responsabilidade da administração. Embora se deixe à jurisprudência do Tribunal o cuidado de desenvolver outras condições importantes, nomeadamente a da ilegalidade (violação de um direito, infracção a uma lei de protecção) e da culpa, o reenvio para o direito nacional dos Estados-membros só pode ser um reenvio para o direito nacional da responsabilidade administrativa (o que, segundo certas afirmações da doutrina, não parece ser manifestamente evidente) e não ao direito geral da responsabilidade, e não pode ser interpretado no sentido de um nexo estreito com os detalhes da organização dogmática do direito da responsabilidade administrativa nos diferentes Estados, mas apenas no sentido de uma orientação sobre as ideias fundamentais segundo as quais o alcance da responsabilidade administrativa é admitido a nível nacional. É uma experiência geral do direito comparado que ordens jurídicas, mesmo muito próximas, sigam frequentemente vias diferentes nos métodos de técnica jurídica para resolver um problema, embora os resultados coincidam grosso modo. O mesmo se passa com a responsabilidade administrativa.

Portanto, consideramos que o Tribunal, nos termos do artigo 215.o, segundo parágrafo, é relativamente livre para apreciar os problemas particulares no plano dogmático, mas que, no resultado da sua procura do direito em matéria de responsabilidade administrativa da Comunidade, deve respeitar um quadro comum a todas as ordens jurídicas dos Estados-membros.

Visto assim, o artigo 215. o, segundo paragrafo, perde muito do carácter perigoso e da novidade que à primeira vista parece ter. No fundo, só exige em relação ao direito da responsabilidade administrativa a actividade de criação e de comparação do direito a que o Tribunal, tendo em conta as numerosas lacunas no direito da Comunidade, se deve dedicar constantemente em numerosas questões jurídicas adjectivas e substantivas. Mas, antes de mais, nesta forma de compreender a regra da responsabilidade administrativa dos Tratados de Roma, vê-se que o Tribunal não se.encontra perante um domínio inteiramente novo. Da mesma forma, se observarmos com atenção a regra geral do Tratado CECA sobre a responsabilidade administrativa (artigo 40.o), esta não oferece um sistema mais preciso que o do artigo 215.o, segundo parágrafo. É certo que aí surge o critério da culpa dos serviços. Mas o Tribunal, creio que correctamente, nos casos que até agora teve de apreciar, evitou apoiar-se estreitamente no direito francês e, tendo em conta as ordens jurídicas dos outros Estados-membros, organizou o direito da responsabilidade administrativa como se existisse no direito da Comunidade CECA uma linha directriz semelhante à do artigo 215.o, segundo parágrafo. Portanto, podem retirar-se da jurisprudência sobre o Tratado CECA indicações úteis para a decisão das acções por responsabilidade administrativa segundo os Tratados de Roma.

Sobre o pedido de indemnização, tal como sobre o de anulação, a Comissão expôs toda uma série de objecções tendentes a demonstrar a sua inadmissibilidade.

a)

A primeira excepção diz respeito à evolução do pedido, cujo conteúdo foi várias vezes alterado no decurso do processo, como de início referimos.

Coloca-se a questão de saber como apreciar essas repetidas alterações; designadamente, se são lícitas.

As regras escritas sobre o processo comunitário não dão qualquer informação sobre as possibilidades e os limites de uma alteração do recurso. Tanto quanto sei, até agora o Tribunal só uma vez se pronunciou sobre a admissibilidade de alterações do recurso quando, no processo 17/57, as partes afirmaram que o recurso devia ser considerado como interposto com base no artigo 35.o do Tratado CECA, se não fosse possível admiti-lo com base no artigo 33.o Na época, o Tribunal declarou que não era possível modificar na réplica a qualificação de um recurso ( 4 ). Ora, a particularidade desse caso era que o artigo 35.o do Tratado CECA prevê um processo prévio que não tinha sido respeitado no caso concreto. Portanto, esse acórdão não pode ajudar-nos hoje.

Sem abordar a questão de saber quais são as regras aplicáveis num processo de anulação em que, ao contrário da acção por indemnização, existe um prazo de recurso, gostaríamos de admitir que, nos processos em que está em causa a responsabilidade das instituições, não devem aplicar-se, em princípio, critérios demasiadamente rígidos à alteração do pedido. Um olhar sobre o direito nacional confirma-nos essa ideia. Por exemplo, no processo administrativo alemão o pedido pode ser alterado sem mais, desde que se trate apenas de uma extensão ou de uma limitação, mantendo-se inalterados o objecto da acção e os factos em que se baseia ( 5 ). Da mesma forma, a passagem de uma acção declarativa para uma acção de indemnização não é considerada como alteração que exija autorização. Finalmente a alteração do pedido que consista em alterar o objecto do litígio, isto é, o seu objectivo ou a sua causa, também pode ser admitida sem o consentimento da parte contrária se o tribunal a considerar oportuna.

Se no caso em apreço nos deixarmos guiar por estas ideias (cremos saber que também existem, com forma semelhante, no direito administrativo francês ( 6 ), chegamos aos resultados seguintes:

Na passagem do pedido de declaração ao pedido de indemnização, que foi acompanhada do facto de o dano ser calculado em relação a todo o ano de 1962, contrariamente ao exposto na petição, a alteração do objecto do litígio (o pedido de indemnização estava já, quanto ao fundo, em litígio) dizia respeito apenas à evolução do dano e à extensão no tempo dos fundamentos de facto.

Consequentemente, o único factor novo eram os argumentos suplementares de facto; se fizermos um paralelo com o processo de anulação, podemos colocá-los no mesmo plano que os argumentos suplementares admissíveis no quadro dos fundamentos já expostos. Nada pode opor-se a essa extensão, e o mesmo vale a fortiori para a redução do montante do prejuízo na audiência e para os pedidos subsidiários relativos à manutenção do pedido de declaração. Este último, logicamente, encontra-se em plano inferior em relação ao pedido de indemni-zação.

A única objecção importante da recorrida a esta forma de proceder consiste na referência à limitação do seu direito de defesa, que só poderia exercer num memorando em caso de alargamento na réplica do pedido do recurso. Esta objecção pode ser afastada no essencial declarando que a Comissão não tem um direito absoluto de apresentar dois memorandos, como acontece, por exemplo, quando o próprio recorrente renuncia à réplica. Em todo o caso, não pode dizer-se que, no presente processo, a recorrida tenha sido prejudicada na sua defesa.

Portanto, estamos dispostos a admitir que não existem objecções de ordem processual às alterações do pedido relativas à indemnização; o que não significa, obviamente, que tenhamos apreciado de forma definitiva a admissibilidade dos diferentes pedidos.

b)

Uma segunda objecção da Comissão diz respeito ao facto de o pedido de indemnização ter sido apresentado simultaneamente e em paralelo com o pedido de anulação. A Comissão afirma expressamente que com esta objecção não pretende abordar o problema geral das relações entre o recurso de anulação e a acção de indemnização, que têm ambos como objecto o mesmo acto jurídico, mas que pretende realçar a particularidade de, neste processo, os dois pedidos visarem a mesma finalidade: com a anulação da decisão impugnada, a recorrente pretende substituir o indeferimento do pedido apresentado pelo Governo da República Federal por uma solução positiva, tendo como resultado final o reembolso pelo Governo federal dos direitos aduaneiros pagos na sequência da recusa de suspensão dos direitos aduaneiros. A título de indemnização, a recorrente pede à Comissão o mesmo montante, sem partir de uma relação de subsidiariedade, o que faz com que, em caso de acolhimento dos dois pedidos, ela receberia mais do que aquilo a que tem direito. Por conseguinte, o pedido de indemnização deveria ser julgado inadmissível.

Somos de opinião de que, neste processo, o Tribunal também não tem qualquer razão para tratar de forma geral o problema de saber se um recorrente pode pedir ao mesmo tempo a anulação de um acto, com todas as consequências legais previstas, e a reparação do prejuízo alegadamente causado por esse acto. Referiremos apenas que, em princípio, não consideramos inadmissível a junção desses dois pedidos num único processo quando, por exemplo, é certo que as medidas a adoptar pela administração após a anulação não implicarão um restabelecimento completo da situação anterior.

No que diz respeito aos problemas específicos deste processo, é evidente que o mesmo resultado não pode ser reclamado duas vezes. No entanto, deve perguntar-se se é de facto isso o pretendido nos pedidos.

A relação processual só diz respeito à recorrente e à Comissão. Mesmo admitindo que o processo termine a favor da recorrente, pela anulação da decisão impugnada, apenas deixando à Comissão a possibilidade de dar uma resposta inteiramente positiva ao pedido de contingente, isso em nada condicionaria a atitude a adoptar pelo Governo federal após ter recebido a autorização. Este pode muito bem renunciar a utilizar retroactivamente a autorização após o fim de 1962. Recusará certamente reembolsar os direitos aduaneiros pagos, como a recorrente provou. Por outras palavras, o reembolso dos direitos pagos pela recorrente não é a consequência indispensável de um acórdão favorável no processo de anulação. Ora, este facto não nos permite considerar inadmissível um pedido de indemnização deduzido ao mesmo tempo contra a Comissão, e que pretende a mesma compensação financeira. Uma outra questão com que, no actual estado de coisas, não temos de nos ocupar é a de saber se, por estes motivos, o pedido de indemnização pode não estar pronto a ser julgado ao mesmo tempo que o pedido de anulação, porque os efeitos do acórdão de anulação devem primeiro ser aguardados, e se, por essa razão, pode ser considerado improcedente.

c)

Uma terceira objecção da Comissão diz respeito ao facto de o pedido de indemnização, ou seja, a exposição pertinente das condições de facto e de direito do pedido apresentado, ser incompleto. Esta exposição deve ser feita na petição, como prevêem o artigo 19. o do Estatuto e o artigo 38.o, n.o 1, do Regulamento Processual do Tribunal.

Nos seus memorandos, a recorrente invoca essencialmente o facto de a decisão da Comissão ser contrária ao Tratado e ao seu poder discricionário, e expõe que o prejuízo se calcula a partir do encargo suplementar de direitos aduaneiros, incluindo o imposto sobre o volume de negócios, que não pode repercutir na clientela. Na audiência, afirmou também que a Comissão não cumpriu o seu dever de diligência, que cometeu uma violação patente do Tratado e que, em larga medida, utilizou os seus poderes para outros fins.

É certo que o processo perante o Tribunal exige apenas uma exposição sumária dos fundamentos e não a discussão integral de todas as questões. Mas, no entanto, não vemos como as poucas observações da recorrente poderiam satisfazer essas exigências. Nomeadamente, temos dúvidas quanto às condições de exercício do seu direito relativas à existência de culpa dos serviços. Essas dúvidas não podem ser afastadas pela objecção de que a evolução do direito da responsabilidade administrativa da CEE se encontra ainda no início. A recorrente deveria saber que, no que se refere à responsabilidade administrativa, a simples ilegalidade de um acto não basta, ou então um recurso de anulação e uma acção por responsabilidade administrativa deveriam ser fundamentados da mesma forma apesar da diferença de efeitos jurídicos, o que o Tratado não pode ter querido visto que delimitou diferenciadamente os direitos de acção. Mesmo que não pudesse esperar-se da recorrente um amplo exame de direito comparado para determinar os princípios gerais do direito da responsabilidade administrativa, o conhecimento do direito alemão e tálvez também o do direito francês deveriam tê-la levado à conclusão de que só pode invocar-se um direito resultante da responsabilidade administrativa quando está provada a existência de falta ou de comportamento culposo na acepção de «culpa dos serviços». Ora, a sua exposição sumária não contém qualquer indicação sobre esse elemento necessário da acção por responsabilidade administrativa.

Além disso, a recorrente deveria ter indicado, pelo menos em traços largos, como calculou a indemnização. Designadamente, deveria ter dado explicações sobre como os seus negócios teriam evoluído em caso de redução dos direitos aduaneiros, uma vez que não é evidente que nesse caso a totalidade do acréscimo de direitos aduaneiros teria constituído para ela um lucro.

Assim, deveria ter exposto qual era a estrutura da sua margem de lucro nos anos anteriores e qual era a situação do mercado em 1962, que não permitia repercutir o aumento dos direitos aduaneiros. A determinação desses factos essenciais não pode ser reservada a uma eventual instrução cujo efeito útil não pode ser avaliado, uma vez que as ofertas de prova que foram feitas não permitem discernir com segurança que esclarecimentos esses meios de prova podem trazer.

Resumindo, a exposição escrita e oral da recorrente não satisfaz as exigências em vigor para um pedido devidamente fundamentado, o que obriga o Tribunal a julgar inadmissível o pedido de indemnização.

II — Procedência

No entanto, gostaríamos de abordar em poucas palavras o mérito da causa e provar que o pedido de indemnização não pode ser considerado procedente.

1.

Antes de mais, põe-se a questão de saber qual é o papel desempenhado pelo Governo federal na apreciação do pedido baseado na responsabilidade administrativa.

Já no exame das questões de admissibilidade sublinhámos que as decisões adoptadas em matérias de direitos aduaneiros com base no artigo 25.o, n.o 3, do Tratado, quer se trate de autorização ou de recusa de suspensão de direitos aduaneiros, não podem dizer directamente respeito aos particulares, uma vez que, entre estes e a Comissão, existe uma área discricionária de política económica que está reservada ao Governo nacional, que tem o poder de influenciar a marcha dos acontecimentos alegadamente danosos.

Se a Comissão indefere um pedido de contingente ou de suspensão de direitos aduaneiros, só o Estado interessado, e não os seus nacionais, tem direito de recurso. Que o utilize ou não, é também uma questão de apreciação discricionária no plano político. No quadro da responsabilidade da instituição, não podemos ignorar este facto. Em relação aos sujeitos de direito, verifica-se, portanto, que não é só a Comissão mas também o Estado-membro que apresentou o pedido que suportam a responsabilidade da não alteração do direito aduaneiro. Mas então coloca-se a questão de saber se a responsabilidade desse Estado-membro não prevalece sobre a da Comissão. Inclinamo-nos para uma resposta afirmativa a esta questão e para a exclusão do direito dos particulares a uma indemnização porque, no fundo, a situação que se nos apresenta difere bem pouco daquela em que um Estado-membro, apesar da vontade dos seus nacionais, não apresenta um pedido de contingente ou, por determinadas razões, não utiliza uma autorização que lhe foi concedida. Ora, ninguém pensará em reconhecer um direito a indemnização contra o Estado-membro interessado com base nessa atitude.

2.

Existe uma segunda consideração da mesma ordem. Como já demonstrámos, o recurso de anulação deve ser julgado inadmissível, designadamente por não existir interesse individual. Embora a decisão da Comissão, enquanto tal, não se inclua no domínio da legislação, os seus efeitos jurídicos fazem com que deva ser equiparada aos actos legislativos. Isto leva-nos a colocar a questão de saber se os direitos resultantes de falta dos serviços também podem ser invocados nesses casos ou se não existem, devido à inexistência de um prejuízo especial. A nossa opinião é de que o Tribunal deveria aplicar aqui o princípio que vale, por exemplo, no direito administrativo francês para os «actos-regra». Segundo a jurisprudência constante do Conseil d'État, uma acção por falta dos serviços não pode, em princípio, basear-se em actos legislativos que criem uma situação jurídica geral e impessoal a avaliar segundo critérios abstractos ( 7 ). Só pode considerar-se uma excepção a esta regra em condições muito rigorosas, ou seja, em caso de dano anormal, especial e directo, portanto se existir um encargo especial suportado apenas por algumas pessoas.

No nosso caso, a recusa de suspensão dos direitos aduaneiros afecta igualmente todos os importadores de clementinas que procedem a operações de importação na República Federal. Além disso, afecta também os consumidores, em caso de repercussão total ou parcial do encargo aduaneiro sobre eles, o que não é certo, sem no entanto estar excluído. Por conseguinte, não pode falar-se de um prejuízo especial da recorrente e, também por este motivo, deve ser negado provimento ao seu pedido de indemnização.

3.

Finalmente, devemos examinar se no direito da Comunidade só existe um direito a indemnização quando as instituições da Comunidade tenham violado normas que têm por objectivo a protecção do recorrente.

A Comissão referiu que, no direito alemão, o direito a indemnização por falta dos serviços só pode ser reconhecido se existir uma norma que tenha por objectivo a protecção dos interesses do recorrente. Provou que existem posições semelhantes no direito belga. Quanto aos direitos francês e luxemburguês, recorde-se que o direito resultante de falta dos serviços pressupõe a violação de um direito individual, de uma «situação jurídica particular». Mas, antes de mais, deve remeter-se para a jurisprudência sobre o artigo 40.o do Tratado CECA, ou seja, a regra geral sobre a culpa dos serviços que corresponde à do segundo parágrafo do artigo 215.o

Nos processos 9/60 e 12/60 ( 8 ), o Tribunal desenvolveu a ideia de que a violação de um direito não basta só por si para fundamentar o direito à indemnização; deve provar-se que a norma violada se destina precisamente a proteger os interesses do recorrente ou do grupo a que ele pertence. Sem entrarmos mais no exame desse processo, consideramos que o princípio jurídico então aplicado é particularmente útil para delimitar de forma adequada o direito a indemnização. Portanto, deveria ser reconhecido também no direito da CEE. Assim, é adequado examinar, do ponto de vista da sua finalidade de protecção, as normas que a recorrente invoca para fundamentar o seu direito.

O artigo 25.o, n.o 3, ou seja, a norma que constituiu o fundamento directo da decisão em causa, não permite deduzir qualquer indício. Por outro lado, se considerarmos os pontos de vista do artigo 29.o, nos quais a Comissão se deve inspirar para adoptar decisões baseadas no artigo 25.o, n.o 3, surge a imagem seguinte.

Segundo o artigo 29.o, alínea a), deve ter-se em conta a necessidade de promover as trocas comerciais com os países terceiros. Esta disposição repete uma tese várias vezes enunciada no Tratado, a de uma política comercial da Comunidade e dos Estados-membros aberta ao mundo. Deve também ter em conta as necessidades particulares da política comercial de certos Estados-membros. Mas não pode afirmar-se que deve favorecer o interesse comercial e as vantagens comerciais dos importadores. Em seu favor, pode quanto muito falar-se de um efeito reflexo indirecto.

A alínea b) dispõe que se deve promover a competitividade das empresas da Comunidade. Esta alínea não pode ser considerada para o nosso objectivo, porque no decurso do processo a recorrente não afirmou que a Comissão, erradamente, ignorou este ponto de vista, cometendo assim uma falta.

A alínea c) do artigo 29.o trata das necessidades de abastecimento da Comunidade em matérias-primas e produtos semi-acabados. Deve, portanto, tal como uma parte da alínea d) (expansão do consumo), proteger os interesses dos consumidores e dos transformadores, mas não os dos comerciantes, que não são necessariamente idênticos.

Finalmente, a alínea d) do artigo 29.o, que fala da necessidade de evitar perturbações graves na vida económica dos Estados-membros e de assegurar o desenvolvimento nacional da produção, não entra em linha de conta, visto que a recorrente nada tem a ver com ela e não alegou que a recusa do contingente tenha provocado perturbações graves. Recorde-se também que os diferentes pontos de vista do artigo 29.o, como foi várias vezes afirmado noutros processos, não podem ser considerados todos da mesma forma, atendendo às suas tendências divergentes, sendo, pelo contrário, necessário ponderar os diferentes interesses em questão. Ainda que pudesse ver-se inscrita numa das alíneas do artigo 29.o a protecção dos interesses dos comerciantes, isso nem assim significaria que se devesse dar-lhes preferência num determinado caso.

Portanto, o artigo 25.o, n.o 3, conjugado com o artigo 29.o, não pode de forma alguma ser invocado, sob qualquer aspecto, como norma de protecção adequada, na acepção da acção por culpa dos serviços, para fundamentar o direito a indemnização da sociedade importadora recorrente.

Também por este motivo, deve ser negado provimento ao pedido de indemnização.

III — Resumo e conclusões

Chegamos assim ao resultado de que deve ser negado provimento ao recurso. Ele é inadmissível na medida em que pretende a anulação da decisão em causa; é também inadmissível, ou pelo menos improcedente, o pedido de indemnização.

Concluímos assim que lhe deve ser negado provimento. Segundo as disposições do nosso Regulamento Processual, a recorrente deve suportar as despesas.


( *1 ) Língua original: alemão.

( 1 ) Processos apensos 3/58 a 18/58, 25/58 e 26/58, Colect. 1954-1961, p. 397; 27/58 a 29/58, Colect. 1954-1961, p. 405.

( 2 ) Colect. 1954-1961, p. 315.

( 3 ) Colect. 1954-1961, p. 551.

( 4 ) Colect. 1954-1961, p. 289.

( 5 ) Kochler: Kommentar zur Verwaltungsgerichtsordnung, 1960, notas II e III, § 91.

( 6 ) Gabolde: Traité pratique de la procédure administrative contentieuse, 1960, n.o 310.

( 7 ) Duez-Debeyre, Droit Administratif, 1952, p. 458 e seguintes.

( 8 ) Colect. 1954-1961, p. 623.