Bruxelas, 11.12.2023

COM(2023) 778 final

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

Relatório sobre a execução do artigo 5.º da Diretiva (UE) 2018/2001 relativa às energias renováveis


Relatório sobre a execução do artigo 5.º da Diretiva Energias Renováveis

1.Introdução

A Diretiva Energias Renováveis 1 revista estabelece uma meta de 42,5 % para a quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia a nível da UE em 2030, com uma ambição de atingir 45 %. Contrariamente à meta para 2020, esta meta a nível da UE não se traduziu em contributos nacionais vinculativos. A meta deverá ser alcançada conjuntamente por todos os Estados-Membros, com base na ação coordenada e combinada dos mesmos, tal como refletido na diretiva e no Regulamento Governação 2 .

De acordo com o Regulamento Governação, os Estados-Membros devem cooperar entre si, tendo em conta todas as formas de cooperação regional existentes e potenciais, de modo que os objetivos, as metas e os contributos fixados nos seus planos nacionais integrados em matéria de energia e de clima (PNEC) sejam efetivamente cumpridos. Todavia, a Comissão Europeia concluiu, na avaliação a nível da UE dos PNEC 3 , efetuada em 2020, que os EstadosMembros deveriam fazer uma melhor utilização prática da cooperação regional.

O reforço da ambição em matéria de energias renováveis exigirá uma exploração eficaz em termos de custos do potencial de implantação das energias renováveis, o que significa que a cooperação entre os Estados-Membros terá um papel a desempenhar na consecução da meta. Ao mesmo tempo, a cooperação é um instrumento para alcançar um maior alinhamento da regulamentação entre os Estados-Membros. A Diretiva Energias Renováveis revista visa promover a cooperação por meio das disposições relativas a projetos conjuntos, transferências estatísticas e regimes de apoio conjuntos.

Até à data, a maior parte dos investimentos na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis beneficiaram de regimes de apoio nacionais, cujo papel na consecução da meta da UE é reconhecido no artigo 4.º da diretiva, bem como nas regras da UE em matéria de auxílios estatais 4 . Este apoio deve ser concedido de forma competitiva, por exemplo, por meio de concursos. 

O artigo 5.º da diretiva permite que os Estados-Membros abram a participação nos regimes de apoio à eletricidade de fontes renováveis a produtores situados noutros Estados-Membros. Esta abertura pode corresponder, em cada ano, a pelo menos 5 % do orçamento do regime ou da capacidade apoiada, entre 2023 e 2026, e a pelo menos 10 %, entre 2027 e 2030, ou, caso este nível seja inferior, ao nível de interligação do Estado-Membro em causa num determinado ano. Além disso, a abertura de regimes de apoio pode implicar, ou não, a importação física de eletricidade. Caso exija uma prova da importação física, o Estado‑Membro que abre o seu regime de apoio pode limitar a participação no regime a projetos em países com os quais tenha uma interligação direta. De acordo com a diretiva, se um Estado-Membro decidir proceder à abertura da participação em regimes de apoio, os Estados-Membros envolvidos devem chegar a acordo sobre os princípios relativos a essa participação, abrangendo, pelo menos, os princípios da atribuição de eletricidade renovável que beneficia de apoio transfronteiriço. A fim de adquirirem mais experiência em termos de execução, os Estados-Membros podem organizar um ou mais regimes-piloto em que o apoio esteja aberto a produtores situados noutros Estados-Membros.

O artigo 5.º, n.º 5, incumbe a Comissão de efetuar uma avaliação da execução deste artigo. O relatório de execução deve aferir a necessidade de introduzir a obrigação de os Estados‑Membros procederem à abertura parcial da participação nos seus regimes de apoio à eletricidade de fontes renováveis a produtores localizados noutros Estados-Membros, a fim de assegurarem uma abertura de 5 % até 2025 e de 10 % até 2030.

Para o efeito, o presente relatório avalia em que medida os Estados-Membros deram execução ao artigo 5.º, abrindo a participação em regimes de apoio ou organizando regimes-piloto, desde a entrada em vigor da Diretiva (UE) 2018/2001. O presente relatório apresenta exemplos, como estudos de casos, bem como os resultados de consultas das partes interessadas sobre este tema.

2.Exemplos existentes da abertura de regimes de apoio e projetos-piloto

a.Concurso transfronteiras germano-dinamarquês no setor da energia solar fotovoltaica

Em 2016, com base num acordo de cooperação bilateral, a Alemanha e a Dinamarca realizaram dois leilões-piloto transfronteiras de energia solar fotovoltaica, um organizado pela Alemanha e outro pela Dinamarca. No leilão alemão de 50 MW, as instalações situadas na Dinamarca foram autorizadas a apresentar propostas para pagamentos de apoio, ao passo que, no leilão dinamarquês de 20 MW, 2,4 MW foram abertos a instalações situadas na Alemanha. Os leilões diferiram em várias características de conceção. Por exemplo, o leilão alemão atribuiu prémios de mercado variáveis, enquanto o da Dinamarca utilizou prémios fixos. A dimensão autorizada das propostas na Alemanha foi definida no intervalo de 0,1 MW a 10 MW, ao passo que na Dinamarca foi limitada a 2,4 MW. A Alemanha impôs um preço máximo de licitação, ao contrário da Dinamarca, que não impôs um limite máximo ao preço.

O leilão alemão recebeu 43 propostas, num total de 297 MW, dos quais 143 MW referentes a projetos localizados na Alemanha (26 propostas) e 154 MW, a projetos localizados na Dinamarca (17 propostas). As cinco propostas vencedoras foram apresentadas por projetos localizados na Dinamarca, com a capacidade máxima elegível de 10 MW. O leilão dinamarquês recebeu 36 propostas, num total de 79,45 MW, não tendo sido apresentadas propostas por instalações situadas na Alemanha. As nove propostas vencedoras foram apresentadas por projetos com a capacidade máxima elegível de 2,4 MW. Consequentemente, toda a capacidade objeto do concurso conjunto foi atribuída a projetos localizados na Dinamarca.

b.Acordo previsto entre a Irlanda e o Reino Unido relativo a parques eólicos

Em 2014, a Irlanda e o Reino Unido discutiram um acordo intergovernamental com o objetivo de construir parques eólicos com uma potência total de aproximadamente 5 GW nas Midlands irlandesas, com o apoio de subsídios públicos do Reino Unido, e exportar a eletricidade produzida para o Reino Unido. O acordo proporcionaria à Irlanda um mercado de exportação de eletricidade e outros benefícios económicos e ajudaria o Reino Unido a cumprir as suas metas em matéria de energias renováveis a um custo inferior ao da implantação de outras energias renováveis. De acordo com um dos promotores do projeto, os consumidores do Reino Unido deveriam poupar cerca de 7 mil milhões de GBP, no decurso de 15 anos, graças a este acordo 5 . O acordo acabou por ser abandonado, devido às preocupações das comunidades locais quanto à dimensão dos parques eólicos propostos, à altura das turbinas e ao impacto no ambiente e nos valores imobiliários. Além disso, considerou-se que os benefícios esperados para a Irlanda eram insuficientes para contrabalançar os impactos ambientais da instalação dos parques eólicos no país 6 .

3.Contributos das partes interessadas

Os Estados-Membros foram consultados no âmbito da Ação Concertada para a Diretiva Energias Renováveis (CA-RES) 7 e de pedidos bilaterais. No total, dez Estados-Membros responderam ao questionário enviado no âmbito da CA-RES, dos quais seis (Dinamarca, Chipre, Eslovénia, Eslováquia, Polónia e Finlândia) indicaram que não tencionavam abrir a participação em regimes de apoio. A Suécia referiu o atual sistema de certificados de eletricidade que gere em conjunto com a Noruega. A Grécia respondeu que, de acordo com uma recente decisão ministerial, estão previstos três leilões comuns de energia eólica e solar fotovoltaica para 2023, os quais estarão abertos a produtores situados noutros EstadosMembros. No que diz respeito a estes leilões, não foi especificada a quota-parte de capacidade disponível para produtores de outros Estados-Membros. Um outro leilão previsto para 2023 é consagrado apenas a produtores situados noutros Estados-Membros.

Até à data, os Estados-Membros que responderam não assinaram nenhum acordo de cooperação com vista à abertura da participação em regimes de apoio. À exceção da Dinamarca, nenhum dos Estados-Membros que responderam organizou regimes-piloto em que o apoio estivesse aberto a produtores situados noutros Estados-Membros 8 .

Perguntou-se aos Estados-Membros qual consideram ser o principal obstáculo à abertura da participação em regimes de apoio. Nas respostas, foram mencionados vários fatores: as diferenças entre os regimes de apoio nacionais e o risco de as mesmas gerarem concorrência desleal; diferenças nos processos administrativos; preocupações relacionadas com a segurança do aprovisionamento; desafios relacionados com a comunicação e o entendimento comum com outros Estados-Membros; falta de interligação elétrica com outros Estados-Membros.

Quanto às medidas que a Comissão poderia tomar para incentivar ou ajudar os Estados‑Membros a abrir regimes de apoio a produtores situados noutro Estado-Membro, as respostas mencionaram a normalização dos procedimentos, incluindo um quadro predefinido para os acordos.

Além da consulta no âmbito da CA-RES, a Comissão lançou um convite à apreciação em linha sobre a alternativa de os Estados-Membros abrirem parcialmente a participação nos seus regimes de apoio à eletricidade proveniente de fontes renováveis a produtores situados noutros Estados-Membros, incluindo a possibilidade de a Comissão propor a abertura obrigatória dos regimes de apoio.

A Comissão recebeu 18 contributos no âmbito do convite à apreciação, a que se somaram duas respostas enviadas por correio eletrónico após o termo do prazo. A maior parte dos respondentes manifestaram a sua oposição à abertura obrigatória dos regimes de apoio. Todas as respostas de pessoas singulares ao convite à apreciação revelaram oposição à abertura obrigatória, enfatizando, sobretudo, algumas preocupações com a soberania dos Estados‑Membros.

A Comissão recebeu três contributos de Estados-Membros no âmbito do convite à apreciação e um outro contributo na sequência de um pedido bilateral complementar da Comissão dirigido aos Estados-Membros. Entre as respostas ao convite à apreciação, duas provieram dos Estados-Membros que já realizaram um projeto-piloto de leilões transfronteiras — Dinamarca e Alemanha 9 . Na sua resposta, a Dinamarca salientou a necessidade de os EstadosMembros serem flexíveis ao decidirem sobre os instrumentos adequados para apoiar as energias renováveis, incluindo por meio de regimes de apoio nacionais e da abertura destes regimes a produtores de outros Estados-Membros. A Dinamarca realçou ainda que, futuramente, as energias renováveis em terra deverão ser implantadas, em grande medida, sem recurso a regimes de apoio.

A resposta da Alemanha descreveu as características de conceção dos leilões-piloto transfronteiras com a Dinamarca, os ensinamentos retirados dos mesmos em termos de ganhos de eficiência que podem resultar da cooperação e a importância das condições regulamentares nos leilões transfronteiras, bem como a regulamentação aplicável na Alemanha aos regimes de apoio às energias renováveis. De acordo com as regras nacionais, a partir de 2017, quando o apoio às energias renováveis tiver de ser determinado por meio de leilão, uma quota-parte da capacidade total a acrescentar anualmente deverá ser aberta, sob determinadas condições, a projetos de energias renováveis noutros Estados-Membros 10 . As regras foram posteriormente alteradas em 2017, 2021 e 2023, aumentando a quota-parte de capacidade que tem de estar aberta a projetos noutros Estados-Membros, tornando outras tecnologias elegíveis para participação em leilões transfronteiras, introduzindo alterações no cálculo dos prémios de mercado e suspendendo o requisito de reciprocidade. De acordo com as regras atuais, 20 % da capacidade total a acrescentar anualmente deve estar aberta a projetos de energias renováveis noutros Estados-Membros, ao passo que a capacidade de energia eólica marítima não é contabilizada para efeitos do limite estabelecido de 20 % e a totalidade da capacidade pode estar aberta a projetos noutros Estados-Membros. Na sua contribuição, a Alemanha reconheceu que a obrigação de abrir os regimes de apoio reforçaria a cooperação entre os Estados-Membros em matéria de energias renováveis. No entanto, recordou igualmente o reforço das disposições do artigo 9.º da Diretiva Energias Renováveis recentemente revista, relativas a projetos conjuntos. A Alemanha considerou que o apoio da Comissão à cooperação é útil para aumentar a eficiência dos regimes de apoio na UE.

Na maior parte das respostas de representantes da indústria argumentou-se que a abertura obrigatória dos regimes não responde às necessidades subjacentes dos governos envolvidos, que tal poderia reduzir a legitimidade e o apoio público aos regimes e à transição energética no seu conjunto e que a introdução de uma obrigação vinculativa não se afigura a forma mais adequada de contribuir para a consecução da meta da UE para 2030 em matéria de energias renováveis, uma vez que pode implicar a alteração dos requisitos que as instalações apoiadas devem cumprir para receber apoio ou a alteração do próprio regime de financiamento, criando assim encargos administrativos. Por exemplo, alguns respondentes referiram que, nos termos do regime de apoio espanhol REER (Régimen Económico de Energías Renovables), as instalações de produção de eletricidade devem estar localizadas no território continental espanhol e cumprir determinadas etapas administrativas. Para permitir a abertura dos regimes de apoio, seria necessário alterar o requisito de localização e o requisito de cumprir determinadas etapas administrativas para instalações situadas noutros Estados-Membros, uma vez que estas estariam sujeitas a processos de licenciamento e administrativos diferentes dos aplicáveis na Espanha. Além disso, se o concurso assumir a forma de um contrato por diferenças, a divergência das regras de repartição dos encargos financeiros dos pagamentos de apoio pelos participantes no mercado aplicáveis nos países em causa pode dar origem a um tratamento desigual entre Estados-Membros.

Em contrapartida, uma associação industrial favorável à abertura obrigatória defendeu um regime unitário da UE ou medidas de apoio harmonizadas, a fim de apoiar a implantação eficaz em termos de custos das energias renováveis e a integração e o funcionamento do mercado da eletricidade. Outra associação industrial alertou para o facto de que, na eventualidade de a abertura dos regimes de apoio se tornar obrigatória, o financiamento nacional seria concedido direta ou indiretamente pela população do respetivo Estado‑Membro, pelo que esse financiamento deveria contribuir, em especial, para alcançar as metas energéticas e climáticas do Estado-Membro em causa. Uma outra associação industrial manifestou o seu apoio à abertura obrigatória, a fim de exportar a energia produzida para o Estado-Membro que organiza o leilão. Esta associação defendeu ainda a opção de transportar a eletricidade renovável objeto de apoio transfronteiriço sob a forma de moléculas em estado gasoso, nomeadamente hidrogénio, argumentando que tal poderia ajudar a resolver o problema da ocasional falta de capacidade suficiente da rede elétrica e possibilitar o armazenamento sazonal de energia renovável.

Embora a maior parte dos respondentes tenham manifestado uma preferência por não tornar vinculativa a abertura dos regimes de apoio, reconheceram amplamente os benefícios da cooperação na implantação das energias renováveis. A energia eólica marítima, em particular, foi identificada como um setor em que a coordenação e cooperação sistemáticas dos países que partilham uma bacia marítima se revestem de importância crucial.

Vários representantes da indústria pronunciaram-se a favor de incentivar a abertura dos regimes de apoio, uma vez que tal criaria concorrência entre um maior número de proponentes, encorajaria os Estados-Membros a harmonizarem os seus procedimentos administrativos e daria azo a abordagens de pendor mais europeu nos casos em que, por exemplo, um Estado-Membro com uma procura interna significativa possui um espaço limitado para implantar energias renováveis adicionais, ao passo que outro Estado-Membro dispõe de um potencial de recursos superior à procura interna. Contudo, o setor da energia solar salientou que, para que os concursos transfronteiras sejam bem-sucedidos, os encargos administrativos devem continuar a ser limitados e a visibilidade dos mecanismos de apoio e das políticas nacionais de ambas as partes deve ser garantida.

Os respondentes dos setores da energia solar e da energia eólica salientaram a importância de várias questões relacionadas com a infraestrutura da rede, tendo destacado a necessidade de aumentar o nível de interligação elétrica e referido as ligações físicas à rede como uma das condições prévias para a abertura dos regimes de apoio. Um respondente do setor da energia eólica salientou que os custos de ligação à rede também têm de ser contabilizados na atribuição de custos-benefícios. Um outro do setor da energia solar argumentou que é necessário assegurar condições de concorrência equitativas entre os países em causa mediante a harmonização dos quadros regulamentares ou a aplicação de medidas de partilha de custos. Por exemplo, se os custos de ligação à rede divergirem, no processo de seleção de propostas, poder-se-ia atribuir um prémio adicional às propostas no mercado com condições mais favoráveis.

Os pontos de vista de vários respondentes convergiram igualmente no que respeita a uma partilha mais abrangente de custos e benefícios. O setor da energia eólica salientou que os regimes transfronteiriços devem ajudar os Estados-Membros a superar diferenças na avaliação dos custos e benefícios, que a eletricidade produzida deve melhorar a segurança do aprovisionamento do país que abre o seu regime de apoio e que este país deve também beneficiar da diminuição dos preços da eletricidade decorrente da instalação de capacidade de energias renováveis adicional. O setor da energia solar destacou algumas possibilidades de conceção do mecanismo de apoio que permitam que o país de acolhimento também obtenha benefícios da instalação, nomeadamente a participação da população local e de promotores locais e a eventual propriedade local da instalação. Salientou ainda a importância de uma contabilização clara e transparente da eletricidade produzida e exportada, a fim de evitar a dupla contabilização.

Um respondente do setor das energias renováveis na Dinamarca afirmou que têm sido concretizados projetos de energias renováveis, tanto em terra como no mar, sem recurso a regimes de apoio e que a utilização de subsídios comprometeria o êxito e os benefícios do setor das energias renováveis. Por outro lado, o representante do setor chamou a atenção para a necessidade de subsídios à produção de energia eólica e solar como forma de reforçar as cadeias de valor europeias.

4.Avaliação

Tendo por base os dados recolhidos na preparação do presente relatório, é evidente que há muito poucos desenvolvimentos específicos nos Estados-Membros no que diz respeito à abertura dos regimes de apoio, tanto em termos de requisitos legislativos como de experiência de execução por meio de regimes-piloto.

A Alemanha é um dos poucos Estados-Membros que integraram a abertura dos regimes de apoio na legislação nacional em matéria de energia. Todavia, chamou a atenção para a falta de interesse nos leilões transfronteiras por parte de outros Estados-Membros, o que dificulta a aplicação deste mecanismo de cooperação. A maior parte dos outros Estados-Membros não tencionam abrir a participação em regimes de apoio. A exceção é a Grécia, que planeia organizar vários leilões de energia eólica e solar abertos a produtores situados noutros Estados-Membros em 2023, um dos quais consagrado apenas a produtores situados em países vizinhos. Em alguns Estados-Membros, a abertura dos regimes de apoio não seria viável sem alterações do atual quadro regulamentar — por exemplo na Espanha, onde as instalações financiadas por regimes de apoio devem estar localizadas em território espanhol e cumprir determinadas etapas administrativas. Nesses casos, as eventuais alterações regulamentares teriam de proporcionar maior flexibilidade no que diz respeito à localização da instalação e, na medida em subsistissem elementos específicos nos procedimentos administrativos nacionais aplicáveis às energias renováveis não harmonizados pelas regras da UE, permitir a identificação de etapas administrativas comparáveis no quadro regulamentar de outro país, tendo simultaneamente em conta as especificidades nacionais.

Em termos de experiência de execução por meio de projetos-piloto, o exemplo germano‑dinamarquês demonstrou que os leilões transfronteiras permitem que projetos com condições mais favoráveis, como as relacionadas com o potencial de recursos, concorram a um custo inferior para o orçamento público do país que financia o regime de apoio. Neste projeto-piloto, as cinco propostas vencedoras no leilão alemão, respeitantes a projetos a construir na Dinamarca, exigiram um prémio variável de 5,38 cents de EUR/kWh, um valor inferior ao preço médio dos leilões nacionais alemães realizados até essa data (7,25 cents de EUR/kWh), o que representou uma diminuição de quase 26 %. No entanto, como patente nos contributos de várias partes interessadas para o presente relatório, além do benefício que constitui a implantação de energias renováveis de forma eficaz em termos de custos, os regimes de apoio transfronteiriço devem também assegurar uma repartição equilibrada dos custos em geral entre os países participantes, de maneira que permita a concretização de projetos de energias renováveis.

A experiência do regime-piloto germano-dinamarquês põe ainda em evidência a importância de ter em conta as diferenças das condições regulamentares entre os países participantes. O resultado do leilão alemão, em que todas as propostas vencedoras se situavam em terras agrícolas dinamarquesas, poderá dever-se não só ao melhor potencial de recursos da Dinamarca, mas também às restrições de localização na Alemanha, que proíbem a instalação de projetos solares fotovoltaicos em terras agrícolas, bem como a impostos ligeiramente mais baixos e custos de locação de terras inferiores na Dinamarca 11 .

A Dinamarca também impôs as mesmas restrições no seu leilão, mas apenas a instalações situadas no território alemão, o que algumas partes interessadas consideraram uma desvantagem para as instalações alemãs no concurso transfronteiras 12 . Além disso, a antecipação de futuros leilões na Alemanha poderá ter desencorajado alguns proponentes alemães de participarem no leilão transfronteiras. A cessação do mecanismo de apoio a parques solares fotovoltaicos de grande dimensão na Dinamarca antes do leilão transfronteiras e a ausência de leilões previstos também poderão ter estimulado a participação ativa de proponentes dinamarqueses. A influência recíproca entre medidas nacionais e transfronteiriças evidencia a importância: i) do momento em que as medidas nacionais e transfronteiriças são tomadas; ii) da interação entre os países participantes no que diz respeito à configuração institucional, jurídica e financeira.

A maior parte das partes interessadas que responderam à consulta realizada pela Comissão para preparar o presente relatório manifestaram-se contra a abertura obrigatória dos regimes de apoio. As razões apresentadas variam entre a soberania nacional, o aumento dos encargos administrativos e a dificuldade de repartir os custos e benefícios de uma forma que fosse considerada justa pelas partes envolvidas. Alguns intercâmbios bilaterais com os Estados‑Membros revelaram igualmente problemas relacionados com a aceitação, por parte do público, da utilização do orçamento nacional para financiar o desenvolvimento das energias renováveis noutro Estado-Membro. Foi adicionalmente mencionado o argumento de que o apoio ao investimento sob a forma de despesas de capital exige um desembolso imediato por parte do Estado-Membro contribuinte, o que tem implicações orçamentais, ao passo que os potenciais ganhos da cooperação só se concretizariam no futuro. Contudo, uma vez que a maioria dos atuais regimes de apoio às energias renováveis não implicam quaisquer pagamentos iniciais de despesas de capital, mas sim pagamentos contínuos e espaçados no tempo pela produção de eletricidade, esta preocupação não se colocaria na maior parte dos casos.

Além disso, a reflexão sobre a imposição da abertura dos regimes de apoio também deve ter em conta as disposições recentemente introduzidas na Diretiva Energias Renováveis, as quais exigem que, até ao final de 2025, todos os Estados-Membros acordem em prever um regime de cooperação para projetos conjuntos com um ou mais Estados-Membros para a produção de energia renovável. Esta disposição de cariz vinculativo foi introduzida em resposta à insuficiente cooperação entre os Estados-Membros em matéria de energias renováveis, pelo que a aquisição de experiência na sua execução poderia contribuir para melhor aferir a necessidade de novas medidas vinculativas para reforçar a cooperação e, assim, alcançar uma implantação mais eficiente das energias renováveis.

Não obstante, existe um reconhecimento generalizado dos benefícios da cooperação e da necessidade de a incentivar. À medida que a implantação das energias renováveis progride, os locais adequados para novas instalações podem tornar-se escassos em alguns Estados‑Membros, mas não noutros, particularmente atendendo às diferenças entre os Estados-Membros em termos de procura de eletricidade, potenciais fontes de energia renovável e locais disponíveis para novas instalações.

A aplicação de regimes de apoio transfronteiriço a projetos de energias marítimas renováveis, que muitas vezes proporcionam grandes volumes de produção que excedem as necessidades de um país, exigindo simultaneamente investimentos significativos, parece encerrar um potencial adicional. Tais projetos podem ser uma opção particularmente atrativa para os países sem litoral e com disponibilidade local limitada para novos projetos de energias renováveis acederem ao potencial de produção de energia renovável das tecnologias eólicas marítimas. Tal como explicado acima, esta abordagem pode ser complementada pela exigência de um intercâmbio físico de eletricidade, embora tal possa não ser necessário e esteja sujeito às necessidades dos Estados-Membros envolvidos. Além disso, os regimes de apoio transfronteiriço também podem ser particularmente pertinentes no contexto de alguns dos projetos de interligação híbridos 13 em fase de conceção e autorização, nos casos em que os projetos marítimos híbridos garantam uma interligação física e os regimes de apoio transfronteiriço sejam suscetíveis de facilitar projetos transfronteiriços de energia eólica marítima.

5.Conclusão

O presente relatório descreve a experiência adquirida até à data na execução do artigo 5.º da Diretiva Energias Renováveis, bem como as opiniões dos Estados-Membros e de várias partes interessadas no que diz respeito aos ensinamentos retirados e às perspetivas futuras.

Os dados mostram claramente que, se bem organizada, a cooperação entre os Estados‑Membros no domínio das energias renováveis tem um potencial significativo em termos de relação custo-eficácia, convergência dos quadros regulamentares e melhor utilização dos recursos renováveis disponíveis. No caso dos regimes de apoio transfronteiriço, esse potencial só pode ser alcançado se a configuração do regime tiver em conta o impacto de várias características de conceção nos resultados e os custos e benefícios para os países participantes, tanto a nível local como numa perspetiva de integração do mercado. Além disso, o impacto das diferenças regulamentares nos resultados dos regimes de apoio transfronteiriço parece sugerir que os Estados-Membros dispõem ainda de margem para melhorar os quadros nacionais de implantação das energias renováveis.

Tendo em conta a necessidade de adaptar os regimes de apoio às circunstâncias específicas dos países parceiros, não se afigura existir uma solução única para a abertura desses regimes que possa ser aplicada em todos os países. No entanto, mediante pedido dos Estados‑Membros em causa, a Comissão pode facilitar este processo fornecendo orientações, modelos de acordos de cooperação, conhecimentos técnicos especializados e assistência sobre os custos e benefícios diretos e indiretos da cooperação. No atinente às energias marítimas, que apresentam um particular potencial para a instituição de futuros regimes de apoio transfronteiriço, a Comissão já discute regularmente com os Estados-Membros em instâncias como a Cooperação Energética entre os Países dos Mares Setentrionais, abordando, entre outros, domínios como as infraestruturas marítimas e a partilha dos custos das energias renováveis. A este respeito, a Comissão adotará, até meados de 2024, orientações sobre a partilha de custos no domínio das energias marítimas. A Comissão partilhará igualmente dados com os Estados-Membros e prestar-lhes-á aconselhamento, a fim de os ajudar a identificar oportunidades para as energias marítimas renováveis, incluindo por tipo de tecnologia, na sequência da avaliação, que irá realizar, dos PNEC atualizados finais.

A Diretiva Energias Renováveis revista inclui um requisito obrigatório relativo ao estabelecimento de um quadro de cooperação em projetos conjuntos, pelo que a diretiva já dá resposta à necessidade de reforçar a cooperação entre os Estados-Membros no domínio das energias renováveis. Não existem dados conclusivos sobre os benefícios de introduzir a obrigação de os Estados-Membros abrirem parcialmente a participação nos seus regimes de apoio à eletricidade de fontes renováveis a produtores situados noutros Estados-Membros. Por conseguinte, a forma mais adequada de avançar poderá passar pelo acompanhamento da execução das disposições recentemente acordadas no que diz respeito à cooperação e ao seu impacto na consecução das metas, mantendo simultaneamente a possibilidade de propor novas obrigações numa fase posterior, enquanto medida destinada a reforçar os progressos no sentido da consecução da meta para 2030 em matéria de energias renováveis, caso estes sejam considerados insuficientes.

(1)

Diretiva (UE) 2018/2001, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva (UE) 2023/2413.

(2)

Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática.

(3)

 Impulsionar a transição ecológica e promover a recuperação económica através do planeamento integrado no domínio da energia e do clima [COM(2020) 564 final].

(4)

 Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022 (2022/C 80/01).

(5)

https://www.bbc.com/news/science-environment-21147279.

(6)

 Cross-border cooperation on renewable energy (não traduzido para português), p. 5, disponível em: https://www.eea.europa.eu/publications/cross-border-cooperation-on-renewable-energy.

(7)

A CA-RES é um projeto do Programa Horizonte 2020 que apoia a transposição e execução da diretiva. Através da CA-RES, os países participantes partilham experiências e boas práticas.

(8)

Na sua resposta, a Dinamarca referiu o concurso-piloto transfronteiras relativo a energia solar fotovoltaica, coorganizado em 2016 com a Alemanha e descrito na secção 2, alínea a), do presente relatório.

(9)

A terceira resposta de um Estado-Membro (Lituânia) referiu o quadro regulamentar aplicável aos regimes de apoio conjuntos e à participação em leilões noutro Estado-Membro, sem tomar uma posição a favor ou contra a abertura obrigatória dos regimes de apoio.

(10)

A saber: 1) está em vigor um tratado internacional relativo a um mecanismo de cooperação ao abrigo da Diretiva Energias Renováveis

entre a Alemanha e o país parceiro; 2) a cooperação é recíproca, o que significa que ambas as partes abrem os seus leilões nos respetivos mercados ao país parceiro, em volumes comparáveis; 3) a eletricidade produzida deve ser importada fisicamente ou ter um efeito comparável no mercado alemão da eletricidade.

(11)

  https://static.agora-energiewende.de/fileadmin/Projekte/2017/RES-Policy/144_cross-border_RES_cooperation_WEB.pdf . 

(12)

  https://www.eea.europa.eu/publications/cross-border-cooperation-on-renewable-energy . 

(13)

Entende-se por «híbrido» a combinação de produção de energia eólica marítima e interligação elétrica.