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11.2.2022 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 70/23 |
Publicação de um pedido de registo de um nome em conformidade com o artigo 50.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios
(2022/C 70/08)
A presente publicação confere o direito de oposição ao pedido, nos termos do artigo 51.o do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (1), por um período de três meses a contar desta data.
CADERNO DE ESPECIFICAÇÕES DE UMA ESPECIALIDADE TRADICIONAL GARANTIDA
«Sopa da Pedra de Almeirim»
N.o UE: TSG-PT-02627 – 6 de agosto de 2020
Estado-Membro ou país terceiro: Portugal
1. Nome(s) a registar
«Sopa da Pedra de Almeirim»
2. Tipo de produto
Classe 2.21. Pratos cozinhados
3. Justificação do registo
3.1. Indicar se o produto: (assinalar as casas ☒, ☐)
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☒ |
é o resultado de um modo de produção, transformação ou composição que corresponde a uma prática tradicional para esse produto ou género alimentício; |
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☐ |
é produzido a partir de matérias-primas ou ingredientes utilizados tradicionalmente. |
O nome «Sopa da pedra de Almeirim» é por vezes utilizado indevidamente, ou seja, na pesquisa na Internet aparecem por vezes receitas que abrangem uma vasta gama de apresentações de «Sopa da pedra de Almeirim» que utilizam carne de vaca, cenoura e couves, ingredientes que não são contemplados na receita genuína da «Sopa da pedra de Almeirim», da qual estes ingredientes não fazem parte.
Assim, o nome «Sopa da pedra de Almeirim» refere-se a um produto específico, elaborado com determinados ingredientes (e apenas esses), em conformidade com o caderno de especificações do produto e que cumpre determinado método de obtenção.
3.2. Indicar se o nome:
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☒ |
é tradicionalmente utilizado para fazer referência ao produto específico; |
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☐ |
identifica o caráter tradicional ou a especificidade do produto. |
A denominação «Sopa da Pedra de Almeirim» ainda se encontra em uso e é referida em diferentes livros mencionados no ponto 4.3.
Sendo uma sopa típica de Almeirim há vários séculos, a divulgação comercial deste prato enquanto «Sopa da Pedra de Almeirim», para um público muito mais vasto, acontece a partir de 1960, quando um restaurante passa a confecioná-lo e a vendê-lo ao público, com tal designação. Devido às suas características físicas, uma vez que se trata de um caldo grosso, castanho- avermelhado e com muitos ingredientes, alguém o comparou às pedras que formam o piso de muitas estradas que, ainda hoje, existem na zona histórica de Almeirim. Assim, ganhou o nome de «Sopa da Pedra de Almeirim».
4. Descrição
4.1. Descrição do produto identificado com o nome inscrito no ponto 1, incluindo as principais características físicas, químicas, microbiológicas ou organoléticas que demonstram a especificidade do produto (artigo 7.o, n.o 2, do presente regulamento)
A «Sopa da Pedra de Almeirim» é uma especialidade cozinhada à base de vegetais, nomeadamente feijão e batata, e de carne de porco (chispes, faceira, toucinho e enchidos).
A «Sopa da Pedra de Almeirim» apresenta-se como um caldo grosso e irregular devido à presença de ingredientes como o feijão, a batata e os enchidos. Estas características físicas são responsáveis pelo nome de batismo deste prato, visto que faz lembrar as pedras que calcetam as ruas mais antigas de Almeirim.
Na tabela 1 são apresentados os principais parâmetros físicos e os respetivos intervalos para os principais ingredientes:
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Parâmetros (valores médios) |
Observações |
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Ingredientes |
Dimensão (cm) |
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Feijão catarino seco |
1,0 – 2,0 |
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Batata |
0,5 – 3,0 |
Cortada em cubos |
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Carne de suíno: chispes e/ou faceira |
1,0 – 3,0 |
Pode ser chispe da parte dianteira ou traseira do porco |
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Espessura (mm) |
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Enchidos: chouriço e morcela |
4,0 – 10,0 |
Cortados às rodelas |
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Enchidos: farinheira |
5,0 – 12,0 |
Cortada às rodelas |
A cor do caldo é castanho-avermelhada, pontuado, de forma irregular, pelos diferentes ingredientes que o integram, incluindo os enchidos, as carnes, as batatas e os coentros.
O feijão produz uma espécie de «nata» que engrossa o caldo e produz um concentrado, da mesma forma que os pequenos cubos de batata também emprestam uma consistência mais grossa à sopa.
A «Sopa da Pedra de Almeirim» define-se como uma sopa de textura densa, anatada devido às carnes de porco e aveludada em resultado da combinação homogénea da batata e do feijão. Tem um sabor acentuado e equilibrado proveniente das carnes de porco e dos enchidos. Revela também notas de especiarias como o cravinho/cominho, vindos da morcela e do pimentão-doce/colorau, característico do chouriço de carne. A adição de coentros frescos acrescenta à sopa notas de frescura.
Esta sopa distingue-se pelo facto de ser uma combinação destes aromas e texturas, destacando-se as notas de especiarias por conta dos enchidos e das carnes de porco, assim como a frescura resultante da adição de coentros frescos.
4.2. Descrição do método de obtenção do produto identificado com o nome inscrito no ponto 1, incluindo, se pertinente, a natureza e características das matérias-primas ou ingredientes utilizados e o método de preparação do mesmo (artigo 7.o, n.o 2, do presente regulamento)
As matérias-primas e ingredientes auxiliares usados para a obtenção do produto «Sopa da Pedra de Almeirim» são os seguintes (para uma quantidade de 50 litros):
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Feijão catarino seco (6 a 8 kg) |
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Chouriço de carne de porco (1,4 -2,1 kg) |
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Morcela de sangue (1,4 - 2,1 kg) |
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Farinheira (1,35 - 2,25 kg) |
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Chispes e/ou faceira de porco (15 a 25 kg) |
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Toucinho curado (0,5 a 1,5 kg) |
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Batata (15 a 25 kg) |
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Cebola - (2,5 a 5 kg) |
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Coentros frescos - antes e depois da cozedura (30 a 150 g) |
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Alho - (250 a 500 g) |
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Louro - (10 a 30 folhas de louro seco) |
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Pimenta - (15 a 25 g) |
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Colorau - (30 a 150 g) e/ou massa de pimentão - (200 a 350 g) |
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Azeite - (1 - 2,5 l) e/ou banha - (200 a 400 g) |
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Água (a necessária para a confeção da quantidade do produto indicada) |
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Sal, q.b. |
Os chispes são salgados no dia anterior, sendo, depois, imediatamente antes da fase de cozedura, passados por água para retirar o excesso de sal. Da mesma forma, o feijão catarino seco deve ser posto de molho com antecedência ou, em alternativa, passado por água antes de colocado na panela. As cebolas são finamente picadas, assim como os alhos. As batatas são partidas em pequenos cubos.
Cozedura – duração aproximada de 2 a 4 h
Começa-se por colocar água na panela, a que se junta o feijão, a cebola, o alho, o colorau e/ou massa de pimentão, a pimenta, o louro e, caso assim se opte, adicionam-se outros temperos, como os coentros, o azeite ou a banha (não necessariamente por esta ordem). Os ingredientes são colocados na panela, sem refogado, a frio.
De seguida, acrescentam-se os chispes, as faceiras e o toucinho, assim como os enchidos. As farinheiras podem ser colocadas numa fase mais tardia, quando os chispes e o feijão catarino estejam quase cozidos. Há mesmo quem opte por cozer as farinheiras à parte, para as mesmas não abrirem.
Depois de tudo cozido, retiram-se as carnes e os enchidos. Quando arrefecidos, procede-se ao seu corte, em pequenos pedaços e rodelas, respetivamente.
Ao caldo que fica na panela e que continua a cozer, adicionam-se as batatas, cortadas em pequenos cubos irregulares. Nesta altura, se necessário, retificam- se os temperos. Depois de a batata estar cozida, desliga-se o lume. A sopa deve ficar a «descansar» para que o feijão produza a chamada «nata», de forma a engrossar o caldo. Também a batata deve desfazer-se quanto baste (q.b.), ficando os pequenos cubos irregulares com as «arestas limadas», arredondadas, engrossando também o caldo. Desta forma, garante-se que todos os ingredientes ficam «ligados» entre si, tornando a sopa macia e aveludada.
4.3. Descrição dos principais elementos que determinam o caráter tradicional do produto (artigo 7.o, n.o 2, do presente regulamento)
A origem da «Sopa da Pedra de Almeirim», ainda que sem esta designação, recua aos anais da cozinha popular, sendo recorrente na mesa dos agricultores desta região de vocação agrícola, plantada à beira do rio Tejo.
Mas, nesta região, a agricultura de subsistência ganha maior relevância, uma vez que sendo zona de coutadas, para as práticas de lazer da monarquia e das suas cortes, as gentes locais não podiam caçar. Por isso, o cultivo de vegetais nas hortas familiares e a criação do porco caseiro, que era morto no inverno e do qual se aproveitavam todas as partes, eram cruciais para a sobrevivência da população.
São precisamente estes os ingredientes da conhecida «Sopa da Pedra de Almeirim» – ainda que a receita pudesse diferir de família para família. Plantava-se feijão, batata e conservava-se em salgadeiras a carne do porco e produziam-se enchidos. Na generalidade, eram estes produtos a base da sopa tradicional desta região, muito nutritiva e ótima para retemperar as forças exigidas pelos pesados trabalhos agrícolas. Também por ser rica, contendo carne de porco, toucinho e enchidos, valia como uma refeição completa. «Esta receita, de raiz popular, é parte categórica da cultura popular de Almeirim», refere o historiador Eurico Henriques, também vereador da Câmara Municipal de Almeirim, com o pelouro da Cultura.
Foi só muito mais tarde, no início da década de 1960 (seis décadas), que a receita passa a ser designada «Sopa da Pedra de Almeirim». Para a divulgação desta especialidade gastronómica foi determinante a pequena mercearia detida pelo vendedor de peixe José Manuel «Toucinho» e a mulher, Maria Manuela Aranha, cuja mãe, Mariana, nascida em 1912 e considerada a «mãe da sopa da pedra», começou a confecionar esta sopa de feijão e carne muito antes de 1960 [ver «Morreu a Mãe da Sopa da Pedra» – YouTube, publicado a 4 de maio de 2009].
Segundo relatos da família, esta loja, na zona antiga da cidade, recebia «caixeiros-viajantes» que se detinham nestas paragens para vender os seus produtos e restabelecer as forças para o resto do caminho. Ali comiam alguns dos pratos regionais que a família cozinhava. Na mesa, nunca faltava a sopa de feijão, batata e enchidos, que deliciava os comensais. Conta Hélia Costa, filha do casal que fundou a mercearia e, depois, o restaurante: «Estes vendedores eram também nossos fornecedores, pessoas da nossa confiança. Um dia, um deles veio cá para comer e a minha mãe serviu-lhe a sopa que tinha feito, que era uma receita que já as minhas avós faziam. O senhor gostou tanto que quis trazer uns amigos para experimentar. Mas como aqui se faziam outras sopas, para conseguir identificar aquela receita específica, o senhor disse: “É aquela sopa escura, pesada, que parece as pedras da rua”, referindo-se às ruas empedradas que existiam nesta zona. Aqui à volta ainda há muitas estradas assim.»
Este nome de «batismo», dado por comparação com as pedras que formavam o piso das estradas mais antigas desta cidade ribatejana, passou a designar comercialmente uma receita tradicional de sopa rural que, de boca em boca, ganhou fama e passou a atrair visitantes à vila, vindos apenas para provarem este prato. A pequena mercearia acabaria por dar lugar ao restaurante, em 1962, que se assume como «o pioneiro da Sopa da Pedra de Almeirim». Com o passar do tempo, outros restaurantes abriram portas empenhados na produção da «Sopa da Pedra de Almeirim» de acordo com o receituário das gentes rurais, exponenciando este setor de atividade na região.
Recolhida em 1883 por Teófilo de Braga na obra «Contos Tradicionais do Povo Português», reza a lenda que tudo começou com um frade que, engenhoso na forma de pedir, conseguiu ludibriar a ingenuidade de um lavrador e fazer um saboroso caldo a partir de uma pedra que trazia no bolso. Ao calhau, adicionou batata, feijão e os enchidos. Pela similitude do nome «Sopa da Pedra» e até pelos ingredientes, tanto da receita de Almeirim como da fórmula da lenda, rapidamente a lenda se colou à história real. Tratou-se de uma colagem publicitária que ajudou a divulgar a verdadeira «Sopa da Pedra de Almeirim». Como os visitantes que chegavam aos restaurantes perguntavam pela pedra, passou a incluir-se uma na terrina servida à mesa.
A «Sopa da Pedra de Almeirim» é divulgada um pouco por todo o país, e até no estrangeiro, pela Confraria Gastronómica de Almeirim, que tem como missão divulgar e preservar o património cultural, histórico, etnográfico e gastronómico deste concelho ribatejano. «De todas as receitas típicas de Almeirim, a Sopa da Pedra destaca-se enormemente. Andamos por todo o país em ações e já fomos fazer divulgação em países como Espanha, França, Bélgica ou Hungria», indica Rui Figueiredo, grão-mestre da Confraria que promove anualmente, e desde 2013, o festival «Sopa da Pedra de Almeirim».
Esta especialidade tradicional está tão conotada com Almeirim, o seu local de origem, que, ao longo dos anos, nos diversos programas de televisão dedicados à gastronomia nacional, a «Sopa da Pedra de Almeirim» tem sido um ícone gastronómico de elevada importância, sendo uma das iguarias portuguesas mais conhecidas. (RTP, 2009, 7 Maravilhas da Gastronomia, Sopa da Pedra, Reportagem; RTP Memória, 2017, Horizontes da Memória, Sopa da Pedra, Almeirim, 1999; TV4Ribatejo, 2009, Morreu a Mãe da Sopa da Pedra).
Personalidades muito importantes para a preservação e divulgação da cozinha nacional, como Maria de Lourdes Modesto, incluíram a receita da «Sopa da Pedra de Almeirim» nos seus acervos de receitas populares, que datam da década de 1960. [Modesto, M.L. (1982), «Cozinha Tradicional Portuguesa», Verbo, Lisboa, 1.a edição].
Todos os anos, desde 2013, é organizado o «Festival da Sopa da Pedra», que já se tornou num evento incontornável na vida cultural da cidade e atrai milhares de visitantes. Com o apoio da câmara, este evento é promovido pela Confraria Gastronómica de Almeirim, que nasceu com a missão de divulgar o cardápio típico deste concelho, em especial a «Sopa da Pedra de Almeirim».