28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/130


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tribunal multilateral de arbitragem entre os investidores e o Estado: avaliação do processo da CNUDCI e respetivas realizações à luz das recomendações da sociedade civil

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/18)

Relator:

Christophe QUAREZ

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

14.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

176/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defende um sistema de proteção do investimento internacional adequado e eficaz e que inclua um mecanismo de resolução de litígios. No entanto, apoia as críticas ao sistema de resolução de litígios entre os investidores e o Estado previsto nos acordos de comércio e de investimento. Estas críticas, levantadas pela sociedade civil, dizem essencialmente respeito às questões de legitimidade, de coerência e de transparência deste sistema de arbitragem.

1.2.

O CESE toma nota do mandato da Comissão Europeia para negociar a criação eventual de um tribunal multilateral de investimento, sob a égide da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI). Lamenta, no entanto, que as negociações em curso se centrem mais nas questões processuais do que nos problemas de fundo.

1.3.

Cinco anos após o início deste primeiro processo multilateral de reforma do sistema de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, são limitados os progressos concretos alcançados, salvo no que respeita à redação de um código de conduta para os árbitros, cujos pormenores ainda estão por definir. No tocante aos debates sobre a reforma estrutural do sistema de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, de que a proposta de criação de um tribunal permanente é um elemento central, tem sido difícil encontrar uma solução que seja aceite por todos os Estados membros da CNUDCI.

1.4.

Com efeito, dado que continua a não haver consenso entre os Estados-Membros nas organizações internacionais pertinentes, não se antevê para já uma revisão do direito substantivo. Por conseguinte, o CESE exorta a Comissão Europeia a prosseguir os esforços no sentido de rever as questões de direito substantivo, a par das regras processuais, contando-se entre aquelas as disposições vagas ou demasiado abrangentes relativas ao tratamento justo e equitativo que cumpre circunscrever à não discriminação e à expropriação direta enquanto elementos essenciais da proteção do investimento.

1.5.

Além disso, o CESE apela para que algumas das questões mais transversais continuem a ser objeto de negociação, nomeadamente, o efeito dissuasor da resolução de litígios entre os investidores e o Estado, o esgotamento das vias de recurso nacionais e o acesso de terceiros, como as comunidades locais afetadas pelos investimentos. Os resultados desse processo têm de ser reais e fazer a diferença. O processo não deve terminar com a aclamação enquanto êxito de pequenas adaptações no atual sistema de arbitragem de resolução de litígios entre os investidores e o Estado.

1.6.

O CESE salienta que a reforma das regras processuais (nomeadamente no que respeita à transparência, às regras de deontologia, ao acesso à arbitragem ou ao custo desta) permite, não obstante, lançar as bases de um debate sobre a reforma das regras substantivas.

1.7.

O CESE espera que o modelo do amicus curiae (1) integre intervenções de terceiros de todas as partes interessadas (por exemplo, residentes locais, trabalhadores, sindicatos, grupos ambientais ou consumidores) e assegure que os juízes têm em devida consideração essas intervenções.

1.8.

O CESE congratula-se com os trabalhos da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) destinados a assegurar que os desafios do desenvolvimento sustentável são tidos em conta nos acordos de investimento, mas insta a que, no âmbito desses trabalhos, a organização tenha igualmente em consideração as questões sociais, em especial com vista a tornar o dever de diligência num critério de elegibilidade dos investidores estrangeiros.

1.9.

O CESE tem defendido sempre, nomeadamente no seu Parecer — Tribunal multilateral de investimento (REX/501) (2), que é fundamental que o tribunal multilateral de investimento não afete de modo algum a capacidade da União Europeia (UE) e dos Estados-Membros de cumprirem as suas obrigações decorrentes de acordos internacionais em matéria de ambiente, direitos humanos e direitos laborais, bem como de defesa dos consumidores. Além disso, importa prever garantias processuais contra as ações que visem a legislação de interesse público nacional. O CESE considera que é possível alcançar este objetivo com a inclusão de uma cláusula de hierarquia (3) e de uma exceção de interesse público.

1.10.

O CESE observa que, embora o Grupo de Trabalho III da CNUDCI se centre nos elementos processuais, a iniciativa poderá ter efeitos positivos no futuro, nomeadamente promovendo uma jurisprudência mais clara e estável, o que facilitará também uma reforma do direito substantivo aplicável nos tratados de investimento.

1.11.

O CESE sublinha que, ao abrigo do direito internacional consuetudinário e do direito internacional dos direitos humanos, as pessoas singulares devem primeiro procurar obter reparação junto dos tribunais nacionais antes de poderem intentar uma ação contra o Estado junto de um tribunal internacional; lamenta que, em contrapartida, o direito internacional em matéria de investimento não exija normalmente o esgotamento das vias de recurso nacionais. O CESE salienta que este sistema é discriminatório em relação às PME, tendo em conta as limitações financeiras destas empresas. Por conseguinte, incentiva a Comissão a prosseguir, no âmbito do processo da CNUDCI, a questão do esgotamento das vias de recurso nacionais antes do recurso perante tribunais internacionais. A resolução de litígios entre os investidores e o Estado deve ter o estatuto de via de recurso extraordinária.

1.12.

O CESE recorda à Comissão o seu pedido de ser mais estreitamente associado aos seus trabalhos no âmbito da CNUDCI.

1.13.

O CESE recorda a necessidade de conciliar o quadro de reforma do modelo de resolução de litígios entre os investidores e o Estado com os objetivos ambiciosos em matéria de desenvolvimento sustentável a que a União se propôs. Tratados de investimento mal elaborados podem travar o progresso, enquanto os bem elaborados podem ajudar as sociedades a enfrentar os desafios com que se confrontam atualmente. Importa desenvolver um novo modelo de governação do investimento internacional que colmate o fosso significativo entre o sistema de investimento, por um lado, e os direitos humanos e laborais e o ambiente, por outro.

2.   Introdução

2.1.

A resolução de litígios entre os investidores e o Estado (RLIE) é um dispositivo presente num grande número de acordos de comércio livre e de acordos de investimento internacionais, que permite a resolução dos litígios relativos à aplicação dos acordos de proteção dos investimentos.

2.2.

Trata-se de uma via de recurso perante um tribunal de arbitragem privado que pode ser acionada por um investidor estrangeiro originário de um Estado contratante contra um Estado que não respeita as disposições do tratado em causa.

2.3.

Um dos árbitros é nomeado pela empresa, outro pelo Estado e outro ainda pelo secretário-geral do Tribunal Permanente de Arbitragem.

2.4.

O CESE já se debruçou, por diversas vezes, sobre as problemáticas colocadas pela RLIE (4). Por conseguinte, o presente parecer não tem como objetivo analisar todas as lacunas que a arbitragem da RLIE apresenta nem todos os desafios que coloca, mas sim examinar e tomar uma posição sobre o processo de reforma e de modernização deste modo de resolução de litígios que está a ser debatido na CNUDCI e no qual a Comissão Europeia desempenha um papel central.

3.   Observações gerais

3.1.

O modelo de RLIE tem sido objeto de várias críticas nos últimos anos e o interesse pela revisão dos tratados de investimento tem vindo continuamente a aumentar, uma vez que estão em causa o direito dos Estados de legislarem, a legitimidade democrática, as normas europeias (quer sejam sanitárias, fitossanitárias, sociais ou ambientais), bem como a neutralidade e a independência dos árbitros.

3.2.

Os problemas mais frequentemente identificados dizem respeito à falta de transparência nos litígios em matéria de investimento, à falta de coerência e de previsibilidade das decisões de arbitragem, ao papel e à independência dos árbitros, às dúvidas sobre a sua legitimidade e sobre o efeito dissuasor das sentenças sobre os poderes regulamentares do Estado. O efeito dissuasor refere-se, nomeadamente, ao facto de os Estados poderem ser dissuadidos de adotar legislação, por definição, de interesse geral, por receio de se exporem a uma responsabilidade decorrente de um tratado de investimento e a uma eventual obrigação de pagamento de somas elevadas aos investidores estrangeiros em caso de litígio, em detrimento dos seus cidadãos e contribuintes.

3.3.

As críticas incidem frequentemente também sobre as cláusulas dos regimes de RLIE, pelo facto de estas conterem conceitos vagos e demasiado abrangentes, como os conceitos de «tratamento justo e equitativo» e de «expropriação indireta», que podem gerar insegurança jurídica e levar a uma potencial utilização abusiva.

3.4.

De igual modo, o princípio da impossibilidade de recurso ou de recurso de anulação ou de revisão, salvo convenção em contrário, afeta o direito de exercício de um recurso jurisdicional efetivo. Nos últimos anos, os investidores têm explorado as lacunas existentes nestes sistemas de RLIE clássicos, o que tem conduzido a um crescimento sem precedentes do número de litígios entre investidores e Estados, bem como a um aumento significativo das quantias reclamadas pelos investidores e dos custos dos processos.

3.5.

Tendo em conta que a superação dos desafios com que a UE se confronta atualmente — como as alterações climáticas (que implicam uma transição para uma economia hipocarbónica justa para os trabalhadores), a resposta à COVID-19, a transformação digital e a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (que incluem a noção de trabalho digno) — depende de investimentos internacionais e nacionais, é fundamental proceder a uma reforma profunda dos sistemas de resolução de litígios entre os investidores e os Estados.

3.6.

O CESE recorda a necessidade de dispor de um sistema de proteção do investimento internacional adequado, eficaz e moderno e que inclua um mecanismo de resolução de litígios, mas também de conciliar o quadro de reforma do modelo de RLIE com os objetivos ambiciosos em matéria de desenvolvimento sustentável a que a União se propôs. Tratados de investimento mal elaborados podem travar o progresso, enquanto os bem elaborados podem ajudar as sociedades a enfrentar os desafios com que se confrontam atualmente.

4.   Desafios do debate na União Europeia

4.1.

As críticas ao modelo de RLIE levaram a Comissão, em 2015, a procurar substituí-lo pela criação de um órgão permanente de resolução de litígios em matéria de investimento, concebido especificamente para responder às preocupações mencionadas anteriormente.

4.2.

Convém salientar que, com a criação de um tribunal multilateral de investimento, a Comissão visa questões processuais ligadas à resolução dos litígios, mas não responde de forma cabal às críticas de fundo formuladas contra o sistema de RLIE.

4.3.

Segundo a abordagem de reforma em apreço, as questões de fundo relativas, por exemplo, ao direito substantivo aplicável ou às regras de interpretação, nomeadamente o respeito pela coerência com outras obrigações internacionais (por exemplo, as obrigações no quadro da Organização Internacional do Trabalho e das convenções das Nações Unidas), só poderão ser tratadas no âmbito dos acordos de investimento subjacentes aplicáveis ao tribunal multilateral de investimento.

4.4.

O CESE manifesta, por conseguinte, o receio de que, mesmo que se chegue a um acordo sobre um novo sistema de resolução de litígios no plano multilateral, esse sistema não resolva o problema de fundo dos acordos bilaterais de proteção dos investimentos que contêm disposições vagas ou demasiado abrangentes suscetíveis de conduzir a abusos (nomeadamente, os conceitos de tratamento justo e equitativo e de expropriação indireta, referidos anteriormente). O CESE defende, portanto, que se circunscreva as disposições relativas ao tratamento justo e equitativo exclusivamente à não discriminação e à expropriação direta e exorta a Comissão Europeia a ter também em conta a problemática destas questões do direito substantivo aplicável, em vez de se restringir aos elementos processuais.

4.5.

As modalidades exatas do funcionamento do tribunal multilateral de investimento (nomeadamente no que respeita à composição, ao orçamento, à possibilidade de ser assistido por um secretariado, etc.) dependerão dos resultados das negociações que terão lugar entre os países que venham a aderir ao novo sistema.

5.   Necessidade de uma abordagem coerente com os objetivos de desenvolvimento sustentável e de justiça social

5.1.

Atualmente, existe na opinião pública — e mesmo nos peritos — a perceção de uma grande discrepância entre a proteção dos investimentos, que beneficia de força jurídica obrigatória e de instrumentos jurídicos vinculativos para a sua execução, e a proteção conferida aos direitos humanos, sociais, ambientais ou sanitários, cujos dispositivos internacionais não são vinculativos ou têm pouca força jurídica, ou, quando são vinculativos, carecem de instrumentos para uma aplicação adequada.

5.2.

O debate sobre a reforma do sistema de RLIE deve ter igualmente em conta a nova abordagem da Comissão Europeia relativa à aplicação e execução dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre da UE, que procede à revisão do plano de ação de 15 pontos de 2018 (5).

5.3.

O CESE congratula-se com o lançamento pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) de uma iniciativa (6) sobre o futuro dos acordos de investimento que visa examinar de que forma os futuros acordos permitirão responder aos desafios identificados e estimular reflexões de reforma. A necessidade primordial de fazer face à crise climática está no cerne desta iniciativa. No entanto, o CESE insta a que, no âmbito desses trabalhos, se tenha igualmente em consideração as questões sociais, em especial com vista a tornar o dever de diligência num critério de elegibilidade dos investidores estrangeiros.

5.4.

Os trabalhos da OCDE abrangem metas importantes da recomendação do Conselho sobre as qualidades do investimento direto estrangeiro (IDE) necessárias para fortalecer o desenvolvimento sustentável (7), adotada pelos ministros da OCDE em junho de 2022. Trata-se do primeiro instrumento multilateral destinado a ajudar os decisores políticos a reforçar o contributo positivo do investimento internacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. É acompanhado de um instrumentário de políticas de qualidade para reforçar o impacto do IDE (FDI Qualities Policy Toolkit (8)) e de indicadores para medir a qualidade do IDE, atualizados em 2022 (FDI Qualities Indicators 2022 (9)).

5.5.

Tal como a Comissão do Comércio Internacional (INTA) do Parlamento Europeu (10), o CESE considera que a política da União em matéria de investimento deve certamente responder às expectativas dos investidores e dos Estados beneficiários, mas também ser consentânea com os interesses económicos mais gerais da União, os objetivos de política externa e as prioridades da União, nomeadamente em matéria de proteção do ambiente, dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.

5.6.

O CESE afirma que ao abrigo do direito internacional consuetudinário e do direito internacional dos direitos humanos, as pessoas singulares devem primeiro procurar obter reparação junto dos tribunais nacionais antes de poderem interpor ações contra um Estado junto de tribunais internacionais; lamenta que, em contrapartida, o direito internacional em matéria de investimento não exija normalmente o esgotamento das vias de recurso nacionais antes do recurso aos tribunais internacionais.

5.7.

Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a dedicar mais atenção à questão do esgotamento das vias de recurso nacionais.

6.   Papel do Grupo de Trabalho III (GT-III) da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI)

6.1.

Com base no mandato que lhe foi conferido pelo Conselho, a Comissão encetou negociações com os Estados membros das Nações Unidas, sob a égide da CNUDCI, no âmbito do GT-III.

6.2.

O CESE recorda à Comissão o seu pedido de ser mais estreitamente associado aos seus trabalhos no âmbito da CNUDCI.

6.3.

Em novembro de 2017, a CNUDCI confiou ao GT-III «um mandato amplo para trabalhar na eventual reforma da resolução dos litígios entre investidores e Estados (RLIE)». Na primeira fase das deliberações, o GT-III identificou vários problemas.

Problemas relacionados com a duração e os custos globais da RLIE (11):

O grupo de trabalho tomou nota de análises baseadas nas informações limitadas que estão disponíveis atualmente, que indicam que 80 % a 90 % dos custos da RLIE dizem respeito aos custos de representação jurídica e aos honorários de peritos, e que o montante dos custos ascende, em média, a 8 milhões de dólares por processo.

Foi chamada a atenção, em particular, para o facto de os Estados em desenvolvimento, com recursos financeiros limitados, terem dificuldades em justificar os custos elevados dos processos de RLIE financiados com fundos públicos.

Foi sublinhado que as consequências em termos de duração e de custo do processo decorriam igualmente do facto de o regime de RLIE não seguir a regra do precedente vinculativo, o que conduz à falta de previsibilidade.

Foi também assinalado que os elevados custos dos processos, em determinados sistemas, limitavam o acesso das pequenas e médias empresas ao mecanismo de RLIE, o que as privava da proteção prevista nos termos dos tratados de investimento.

No entanto, foi também observado que os custos adicionais podiam resultar também, em determinados sistemas, de práticas abusivas, da existência de processos paralelos, da ausência de regras processuais claras e da ausência de um mecanismo que permita o rápido indeferimento dos pedidos abusivos.

Além disso, foi salientado que o aumento dos custos se deve a problemas sistémicos e à estrutura do regime de RLIE, ou mesmo à falta de um sistema. Foi observado ainda que estes problemas estão na origem da falta de coerência e de previsibilidade dos resultados, o que afeta principalmente os Estados demandados.

Problemas relacionados com preocupações de fundo, tendo em conta a interação com as normas de direito substantivo subjacentes (12):

Outros meios, além da arbitragem, para resolver os litígios em matéria de investimento e métodos de prevenção de litígios.

Esgotamento das vias de recurso nacionais.

Participação de terceiros.

Pedidos reconvencionais.

Impeditivo regulamentar.

Cálculo dos danos.

6.4.

Desde o início dos trabalhos, o GT-III trabalhou em duas vertentes principais: a primeira relativa a uma eventual reforma estrutural, abrangendo a criação de um tribunal permanente e de um sistema de recurso, a nomeação dos juízes e o âmbito do recurso. A segunda vertente paralela referente aos elementos de reforma incrementais e não estruturais, como a elaboração de um código de conduta para os árbitros e os juízes de forma a aumentar a transparência e evitar os conflitos de interesses, uma metodologia para avaliar as perdas e danos e os meios de favorecer a mediação entre as partes. Em contrapartida, não se registaram progressos significativos em relação à reforma estrutural e a questões transversais. Por exemplo, as questões da jurisdição e da composição do tribunal permanente e do processo de nomeação dos respetivos membros continuam a suscitar controvérsia no seio das delegações.

6.5.

Por seu turno, a Comissão Europeia aventa no debate a criação de regras claras em matéria de deontologia e de imparcialidade, e defende nomeações não renováveis, o emprego a tempo inteiro dos árbitros e mecanismos de nomeação de juízes independentes. O CESE subscreve esta posição por considerar que a imposição de regras estritas é fundamental para evitar conflitos de interesses.

6.6.

Os assuntos referidos inicialmente sobre questões mais transversais, como o efeito dissuasor da RLIE, o esgotamento das vias de recurso nacionais e o acesso de terceiros, como as comunidades locais afetadas pelos investimentos, não mereceram grande atenção para grande frustração dos muitos grupos da sociedade civil que assistiam na qualidade de observadores. Em plena consonância com as recomendações que apresentou no Parecer REX/501, o CESE incentiva a Comissão a assegurar que essas questões de fundo continuem a ser objeto de negociação, sendo abordadas de forma satisfatória.

6.7.

O CESE lamenta a falta de legibilidade dos relatórios das reuniões e do sítio Web do GT-III, que obsta a que as partes interessadas se possam informar corretamente sobre o desenrolar dos trabalhos.

6.8.

O CESE observa que, embora os trabalhos do GT-III se centrem nos elementos processuais, a iniciativa poderá ter efeitos positivos no futuro, nomeadamente conduzir a uma jurisprudência mais clara e mais estável, o que facilitará também uma reforma do direito substantivo aplicável no âmbito dos tratados de investimento. No entanto, para fazer verdadeiramente a diferença, o CESE considera essencial que a reforma institucional do processo multilateral de reforma do sistema de RLIE assuma uma abordagem mais holística da governação internacional do investimento, abandonando a arbitragem pontual, sem se limitar a substituir a arbitragem da RLIE por um tribunal entre os investidores e o Estado.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A figura do amicus curiae (amigo do tribunal) designa a entidade ou a pessoa que, não sendo parte no litígio, deseja apresentar argumentos jurídicos ao tribunal. A admissão de amicus curiae realiza-se sob condições estritas, a fim de garantir o respeito pelo equilíbrio de direitos entre as partes litigantes durante o processo. No entanto, encerra a promessa de legitimidade que os amicus curiae conferem ao processo de arbitragem do investimento, https://www.iisd.org/itn/fr/2019/04/23/protecting-social-rights-using-the-amicus-curiae-procedure-in-investment-arbitration-a-smokescreen-against-third-parties-maxime-somda/.

(2)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 145.

(3)  Nos casos em que os Estados envolvidos nas negociações pretendem estabelecer a ordem hierárquica de tratados sucessivos sobre a mesma matéria, as cláusulas finais contêm disposições que regem as relações entre o novo tratado e os tratados em vigor ou os tratados que venham a ser celebrados posteriormente sobre a mesma matéria.

(4)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 145, JO C 487 de 28.12.2016, p. 30, JO C 332 de 8.10.2015, p. 45.

(5)  O CESE debruçou-se sobre a questão no seu Parecer — Comércio de próxima geração e desenvolvimento sustentável — Revisão do plano de ação de 15 pontos (JO C 105 de 4.3.2022, p. 40).

(6)  https://www.oecd.org/investment/investment-policy/investment-treaties.htm

(7)  https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0476

(8)  https://www.oecd-ilibrary.org/finance-and-investment/fdi-qualities-policy-toolkit_7ba74100-en

(9)  https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=1144_1144750-u5ks4jvtnl&title=FDI-Qualities-Indicators-2022

(10)  Resolução do Parlamento Europeu, de 23 de junho de 2022, sobre o futuro da política da UE em matéria de investimento internacional [2021/2176 (INI)].

(11)  Relatório do Grupo de Trabalho III (Reforma da Resolução de Litígios entre os Investidores e o Estado) sobre os trabalhos da sua trigésima quarta sessão (Viena, 27 de novembro a 1 de dezembro de 2017) (em inglês).

(12)  Relatório do Grupo de Trabalho III (Reforma da Resolução de Litígios entre os Investidores e o Estado) sobre os trabalhos da sua trigésima sétima sessão (Nova Iorque, 1 a 5 de abril de 2019) (em inglês).