21.12.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 486/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Investimento público em infraestruturas energéticas como parte da solução para os desafios climático

(parecer de iniciativa)

(2022/C 486/10)

Relator:

Thomas KATTNIG

Correlator:

Lutz RIBBE

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.9.2022

Adoção em plenária

22.9.2022

Reunião plenária n.o

572

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

162/7/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As consequências da crise climática estão a ter um impacto maciço na Europa e no mundo. Embora as soluções disponíveis de adaptação eficaz às alterações climáticas se tenham multiplicado nos últimos anos, os especialistas assinalam a mobilização insuficiente de recursos financeiros, o empenho demasiado fraco dos cidadãos e do setor privado e a falta de liderança política.

1.2.

A fim de satisfazer a crescente procura de eletricidade e cumprir as metas climáticas, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (1). Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis, bem como em infraestruturas de armazenamento, é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego.

1.3.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia as propostas da Comissão que visam acelerar e racionalizar os procedimentos de licenciamento de energias renováveis e definir as chamadas «zonas-alvo» para projetos nesse domínio. Tais medidas revestem-se de potencial significativo para acelerar a transição energética. Por isso, tanto mais importante é definir, de forma tão concreta quanto possível, quais as simplificações que devem ser aplicadas nas chamadas zonas «preferenciais».

1.4.

A legislação europeia sobre energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulamentação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática.

1.5.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância que reveste a participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e a criação de incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética e também contribuir para o seu financiamento.

1.6.

O nível de investimento público na União Europeia (UE) em tecnologias de energia limpa necessárias para a descarbonização é o mais baixo entre as economias de maior dimensão, pondo em risco a competitividade da UE. Desde o início da liberalização, o nível de investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. Este declínio no investimento levou a estrangulamentos no aprovisionamento e inibiu a expansão futura das energias renováveis. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão de financiar a execução do plano REPowerEU através dos planos de recuperação e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, bem como das dotações adicionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e da política agrícola da UE.

1.7.

A conceção e a regulamentação do mercado devem ser adaptadas às novas realidades das energias renováveis que predominarão no futuro (incluindo uma produção mais descentralizada e um maior consumo de energia produzida no local), criando as condições necessárias para os vários intervenientes e assegurando uma proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e defende firmemente a realização de avaliações de mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e a própria conceção deste mercado. Em todo o caso, o CESE sublinha a importância da realização de uma avaliação de impacto exaustiva a montante de qualquer proposta.

1.8.

O CESE recomenda, mais uma vez, a aplicação da «regra de ouro» ao investimento público, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica, em prol do bem-estar das gerações futuras.

1.9.

A opção de recorrer a mecanismos de financiamento misto com investidores privados só deve ser considerada se for possível assegurar que a atribuição é transparente e que o setor público não incorre em quaisquer custos adicionais injustificados em comparação com a opção de financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. É, pois, essencial que tais modelos de financiamento misto definam claramente os direitos e obrigações, clarifiquem as questões de responsabilidade e prevejam um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e controvérsias sobre questões de responsabilidade.

1.10.

O CESE sublinha que a «transição justa» não se reduz à questão do financiamento da transição. Também inclui o objetivo de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, mantendo a competitividade das empresas europeias, e requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional.

1.11.

O CESE está convicto de que importa ter especialmente em atenção a classificação da expansão da rede enquanto interesse público superior, a inclusão da ação climática como um objetivo da regulamentação e, em geral, uma melhor sincronização no planeamento das energias renováveis e da rede elétrica. Neste contexto, é imprescindível dispor de orientações concretas a nível europeu.

1.12.

Os acontecimentos da última década, os desafios da expansão da rede, o aumento exponencial dos preços da energia, o perigo de ataques cibernéticos e, não menos importante, a guerra na Ucrânia demonstram claramente que a questão central é saber quem controlará no futuro tais infraestruturas fundamentais, como a rede de energia. Assim, o que está em causa é, acima de tudo, o interesse público. A consequência lógica seria, portanto, a propriedade pública, que deve ter por finalidade proteger o bem comum e eliminar as desigualdades existentes.

1.13.

A questão das vantagens e desvantagens da propriedade pública e privada e/ou do financiamento privado de infraestruturas energéticas para um mercado energético eficiente é sem dúvida importante e deve ser considerada na avaliação prevista pela Comissão quanto às opções para a otimização da conceção do mercado energético. Os resultados dessa análise podem constituir um valioso instrumento de decisão para os Estados-Membros, que são responsáveis por decidir sobre a propriedade pública ou privada das infraestruturas energéticas. Na opinião do CESE, a eletricidade é não só um bem estratégico fundamental para toda a economia da UE, mas também um bem público. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a analisar em pormenor o impacto e as consequências de todo o processo de privatização e liberalização do setor energético europeu no que diz respeito à sua estabilidade, à fiabilidade do aprovisionamento e ao funcionamento do mercado da eletricidade, e a traduzir os resultados numa reconfiguração de todo o setor da energia, incluindo opções para reforçar o papel dos setores nacional e público.

2.   Contexto

2.1.

As consequências da crise climática já estão a afetar milhares de milhões de pessoas em todo o mundo, assim como os ecossistemas, como revelam os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), ainda mesmo antes de o aumento da temperatura ter atingido o limite de 1,5oC fixado no Acordo de Paris. É particularmente problemático que os sistemas e os grupos que serão mais duramente atingidos pelo calor, secas, inundações, doenças e escassez de água e alimentos sejam muitas vezes os que têm menos recursos para fazer face a essas situações.

2.2.

As opções disponíveis para uma adaptação eficaz às alterações climáticas têm aumentado nos últimos anos. No entanto, as medidas aplicadas e as previstas não são satisfatórias em muitas partes da Europa. Os especialistas apontam para a mobilização insuficiente de recursos financeiros, o empenho muito fraco, quer dos cidadãos quer do setor privado, e a falta de liderança política.

2.3.

A situação atual na Europa, caracterizada pela afetação rápida de montantes muito significativos para fins militares devido à guerra na Ucrânia, impele-nos a recear que os recursos financeiros fiquem imobilizados e, em consequência, a ação climática sofra atrasos. Por conseguinte, o CESE congratula-se com as medidas e os instrumentos anunciados pela Comissão no plano REPowerEU (2) para reduzir a dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis, em particular aos importados da Rússia, adotando medidas de poupança de energia, acelerando a transição para as energias renováveis, promovendo a diversificação do aprovisionamento e unindo esforços para estabelecer um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia.

2.4.

Para atingir os objetivos climáticos, é necessário mais do que duplicar as capacidades de produção de energia de fontes renováveis. Atualmente, as situações em que é impossível utilizar ou transportar energia verde, obrigando a reduzir a sua produção, já representam desperdícios de várias centenas de milhões de euros anuais em países de grande dimensão, como a Alemanha. Esta perda económica multiplicar-se-á se as redes elétricas e a capacidade de armazenamento não forem desenvolvidas rapidamente e se, ao mesmo tempo, não se melhorar a possibilidade de utilizar a eletricidade produzida diretamente a nível local. É importante alinhar o desenvolvimento das redes de energia pelo objetivo de neutralidade climática no âmbito do planeamento e da regulamentação das redes. Neste contexto, as redes de distribuição desempenham um papel crucial, uma vez que a maior parte das instalações de energias renováveis estão ligadas a elas.

2.5.

Para satisfazer estes requisitos, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (3). Neste contexto, o CESE destaca o valor acrescentado das propostas da Comissão relativas à agilização dos procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis e à criação de «zonas-alvo» para esses projetos. O CESE apoia a aceleração e a racionalização dos procedimentos de licenciamento de energias renováveis. Importa prestar especial atenção às redes de distribuição, pois é aí que entram habitualmente as energias renováveis.

2.6.

Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego. A transformação ecológica tal como prevista no Pacto Ecológico Europeu terá seguramente um impacto enorme no emprego nos setores energéticos com utilização intensiva de CO2. Ao mesmo tempo, um aumento razoável do investimento público em sistemas energéticos com impacto neutro no clima gera um vasto leque de novas oportunidades de emprego. Para tal, é necessário garantir uma margem de manobra orçamental adequada, reformulando o quadro orçamental, como propõe o CESE no seu Parecer de iniciativa — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa, de outubro de 2021.

2.7.

Até agora, a legislação europeia relativa à energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática.

2.8.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância que reveste a participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades de energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes. A este respeito, as promessas infelizmente não se traduziram em iniciativas concretas. O CESE apela, portanto, para incentivos no sentido de dinamizar os prossumidores, as comunidades de energias renováveis ou comunidades de cidadãos para a energia, de modo que a sociedade civil possa participar na transição energética e os consumidores tenham a oportunidade de participar ativamente no mercado. Esta dinamização também pode atenuar o problema do aumento dos custos causado pela redução da produção de energias renováveis devido à saturação da rede.

2.9.

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

2.10.

Os aumentos atuais dos preços constituem um encargo pesado para os cidadãos e as empresas da UE. O CESE lamenta que, no passado, os decisores políticos não tenham dado seguimento ao seu apelo (4) para a redução da dependência estratégica em relação a terceiros pouco fiáveis e que, pelo contrário, esta dependência tenha aumentado. A Rússia é o maior exportador de petróleo, gás natural e carvão para a UE e muitas centrais nucleares dependem de combustíveis e tecnologia provenientes da Rússia. A atual crise dos preços da energia teria atingido em muito menor escala os cidadãos e as empresas europeias se a Europa já tivesse reduzido as importações de combustíveis fósseis, como prometido. Por conseguinte, o CESE congratula-se com os esforços previstos no plano REPowerEU para reduzir rapidamente esta dependência, especialmente em relação à Rússia. Apoia os esforços das instituições da UE e dos Estados-Membros para resolver eficazmente o problema dos preços, em conformidade com a Comunicação de outubro de 2021, a Comunicação sobre o mercado da eletricidade [COM(2022) 236] e os instrumentos disponibilizados ao abrigo do quadro temporário relativo aos auxílios estatais.

2.11.

Face ao contexto atual, o CESE chama a atenção, mais uma vez, para o facto de que o objetivo principal não deve, contudo, ser a diversificação das dependências, mas antes, se possível, a «independência e autonomia energética estratégica». As energias renováveis e o hidrogénio serão uma força motriz no processo de descarbonização, e a sua produção deve, tanto quanto possível, realizar-se dentro da UE.

2.12.

Em algumas regiões, o gás natural liquefeito (GNL) substituirá o gás natural russo a curto e médio prazo, a par de importantes medidas de poupança de energia. A longo prazo, o hidrogénio verde é uma opção compatível com o clima se estiver disponível em quantidades suficientes e a um preço razoável. Uma vez que a Europa não pode produzir o volume total dos gases de que necessita — o que é obviamente o caso do GNL, embora a independência em relação às importações de hidrogénio ainda seja concebível –, é necessário retirar os ensinamentos certos da relação com a Rússia. O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás proveniente da Rússia, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências em relação a países terceiros que não partilham os valores europeus, como a estabilidade democrática, o respeito pelos direitos humanos e o Estado de direito.

2.13.

O nível de investimento público na UE em tecnologias de energia limpa necessárias para a descarbonização é o mais baixo entre as economias de maior dimensão, pondo em risco a competitividade da UE à escala mundial. Além disso, o Tribunal de Contas Europeu alerta para o facto de a estratégia REPowerEU não ter capacidade para mobilizar fundos suficientes. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão de financiar a execução do plano REPowerEU através dos planos de recuperação e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, bem como das dotações adicionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e da política agrícola da UE.

2.14.

O impacto da guerra na Ucrânia é visto em alguns Estados-Membros e a nível da UE como o derradeiro impulso para alcançar uma maior independência energética e a neutralidade climática. O CESE apoia esta tendência. No entanto, a situação é paradoxal: o aumento da utilização de gás de petróleo liquefeito e o regresso ao carvão voltaram ao debate e poderão levar a um retrocesso na transição energética. O CESE não vê com bons olhos esta situação, mas está ciente de que, a curto prazo, as diferentes opções de produção de energia contribuem para a segurança energética enquanto medidas de emergência. Por conseguinte, além da energia eólica e solar, cabe aproveitar as diversas fontes de energia hipocarbónica que são económica e ecologicamente compatíveis com o sistema energético. Ao mesmo tempo, apela para que sejam envidados mais esforços na transformação ecológica do sistema energético.

2.15.

A Federação Sindical Europeia dos Serviços Públicos (EPSU) publicou um relatório (5) que confirma que a liberalização do sistema energético tem dado poucas respostas ao avanço da crise climática. A utilização generalizada de alternativas viáveis às fontes de energia emissoras de carbono tem sido em grande parte possível graças à ajuda de subvenções públicas consideráveis, e não à livre concorrência do mercado. O relatório revela que, sem alterar o modelo atual do sistema energético na Europa, não é possível cumprir os compromissos do Acordo de Paris.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Devido ao rápido avanço das alterações climáticas e à crise energética atual, são necessários no imediato investimentos em infraestruturas para alcançar o objetivo da neutralidade climática até 2050 e para assegurar o aprovisionamento de energia. Ao mesmo tempo, o aumento dos preços da energia revelou as fragilidades do mercado da energia. Cabe dar resposta a questões fundamentais sobre o futuro energético, com vista a assegurar um aprovisionamento de energia ecológico, fiável e a preços acessíveis, bem como o direito à energia. O CESE assinala explicitamente a urgência do investimento público para alcançar o objetivo da independência energética em relação às importações de gás provenientes da Rússia e apoia as medidas propostas a este respeito pela Comissão no plano REPowerEU.

3.2.

Neste contexto, importa ter em conta a configuração do mercado, assim como a sua regulamentação, a criação das condições necessárias para os diversos intervenientes e o reforço da proteção adequada dos consumidores. O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de explorar opções para otimizar a conceção do mercado da eletricidade e regista a sua análise dos mercados da eletricidade e do gás, as medidas propostas para fazer face aos elevados preços da energia, as propostas para melhorar as redes de energia e as capacidades de armazenamento e as promessas renovadas de melhorar o acesso ao mercado para os pequenos intervenientes (prossumidores) e de garantir a segurança do aprovisionamento.

3.3.

A conceção e a regulamentação do mercado devem ser adaptadas às novas realidades das energias renováveis que predominarão no futuro, com destaque para a produção mais descentralizada e o reforço do consumo de energia produzida no local. Contudo, para que tal aconteça, cabe assegurar aos diferentes intervenientes as condições necessárias e proteger adequadamente os consumidores. São necessárias avaliações do mercado que analisem o comportamento de todos os potenciais intervenientes no mercado da energia e a conceção do mercado da energia. Em todo o caso, o CESE sublinha a importância da realização de uma avaliação de impacto exaustiva a montante de qualquer proposta. O CESE salienta a necessidade urgente de combater os elevados preços da eletricidade, incluindo a agregação dos preços da eletricidade e do gás, que têm um impacto negativo nas economias dos Estados-Membros.

3.4.

Há muito que se adia a questão de saber até que ponto e com que conceção de mercado é possível garantir a segurança do aprovisionamento através da dinâmica de mercado. Em princípio, um sistema energético assente em energias renováveis (produzidas, em grande medida, internamente) proporciona um elevado grau de segurança do aprovisionamento. No entanto, tal não acontecerá naturalmente — para o efeito, é necessário um quadro regulamentar adequado. Em particular, são importantes as redes inteligentes, que enviam sinais claros aos muitos milhões de produtores e consumidores para que possam agir de forma favorável ao sistema e, assim, contribuir para a segurança do aprovisionamento.

3.5.

No que se refere ao financiamento de projetos de infraestruturas, no passado, as regras orçamentais rigorosas revelaram-se repetidamente o maior obstáculo para o setor público. Assim, o objetivo deve ser isentar de qualquer regulamentação que impeça esse investimento público os projetos associados ao Pacto Ecológico Europeu, à independência energética e ao setor digital. Por conseguinte, e na sequência do seu parecer sobre a reformulação do quadro orçamental da UE (6), o CESE recomenda que se aplique a «regra de ouro» ao investimento público, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica em prol do bem-estar das gerações futuras.

3.6.

A opção de recorrer a mecanismos de financiamento misto com investidores privados só deve ser considerada se for possível assegurar que a atribuição é transparente e que o setor público não incorre em quaisquer custos adicionais injustificados em comparação com a opção de financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. Um relatório do Banco Europeu de Investimento (BEI) concluiu que, por exemplo, os contratos de parcerias público-privadas (PPP) no transporte rodoviário na Europa eram, em média, 24 % mais onerosos do que os projetos comparáveis com financiamento tradicional (7). É, pois, essencial que tais modelos de financiamento misto definam claramente os direitos e obrigações, clarifiquem as questões de responsabilidade e prevejam um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e controvérsias sobre questões de responsabilidade.

3.7.

A Comissão salienta, com razão, que os investimentos públicos podem e devem mobilizar fundos privados. Mas o plano REPowerEU não aborda o refinanciamento dos respetivos fundos públicos. A eliminação dos subsídios aos recursos fósseis seria uma abordagem possível para organizar esse processo, tal como a tributação dos lucros inesperados resultantes da grande crise do petróleo e do gás que se traduz em ganhos extraordinariamente elevados, especialmente para as grandes empresas petrolíferas. O CESE está preocupado com o risco de os lucros extremamente elevados das empresas de energia, por um lado, e o aumento da pobreza energética causado pela explosão dos preços da energia, por outro, se transformarem num barril de pólvora social. O CESE propõe que estes lucros sejam reduzidos com a ajuda de impostos e convertidos em compensações financeiras para os consumidores de energia, por exemplo, agregados familiares financeiramente mais vulneráveis ou empresas com utilização intensiva de energia, e utilizados para a expansão da produção de energias renováveis e das infraestruturas de rede necessárias, especialmente porque esta possibilidade já está a ser equacionada ou já existe em alguns Estados-Membros. O CESE considera que a definição dessa tributação requer muito cuidado para não desencorajar as empresas do setor da energia de investirem em soluções hipocarbónicas. O CESE insta a Comissão a propor as respetivas medidas sem mais demoras.

3.8.

O objetivo das infraestruturas é, antes de mais, que estas funcionem, e não que se limitem a transportar eletricidade de um ponto para outro como um fim em si mesmo para gerar rendimentos estáveis. Os acontecimentos da última década, os desafios da expansão da rede, o aumento exponencial dos preços da energia, o perigo de ataques cibernéticos e, não menos importante, a guerra na Ucrânia demonstram claramente que a questão central é saber quem controlará no futuro tais infraestruturas fundamentais, como a rede de energia. Assim, o que está em causa é, acima de tudo, o interesse público. A consequência lógica seria, portanto, a propriedade pública, que deve ter por finalidade proteger o bem comum e eliminar as desigualdades existentes.

3.9.

O CESE sublinha que a «transição justa» não se reduz à questão do financiamento da transição. Também inclui o objetivo de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, mantendo a competitividade das empresas europeias, e requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional. Outros fatores fundamentais para uma «transição justa» são o papel ativo e organizacional do setor público e a garantia da participação democrática dos parceiros sociais a todos os níveis.

3.10.

A rede de energia faz parte das infraestruturas críticas. A falha ou a perturbação destas infraestruturas pode causar uma escassez de oferta devastadora e pôr em perigo a segurança pública. As infraestruturas críticas, como os transportes e o tráfego, os serviços de saúde, os serviços financeiros e os serviços de segurança — para referir apenas algumas — estão cada vez mais nas mãos de intervenientes privados na Europa devido à vaga de liberalização e privatizações das últimas décadas. Esta circunstância é problemática na medida em que os setores estão interligados e a vulnerabilidade de um setor reduz ou impede o desempenho das outras infraestruturas críticas, aquilo a que se chama o «efeito de cascata». Por um lado, estas interdependências são difíceis de avaliar; por outro, assegurar a sua eficiência é do interesse público. Especialmente no caso de perturbações do mercado ou catástrofes, a importância da ação de organismos públicos de coordenação que detenham o controlo das infraestruturas torna-se decisiva para poder assegurar uma resiliência coordenada geograficamente. Estes riscos são particularmente elevados no caso da eletricidade, sem a qual o funcionamento de uma civilização avançada do século XXI é praticamente impensável, e apagões generalizados levariam à rutura da sociedade no seu conjunto.

3.11.

Tendo em conta que os edifícios na Europa representam cerca de 40 % do consumo de energia, a combinação inteligente de novas tecnologias, as renovações eficazes e a promoção de novos modelos de participação dos cidadãos tornam-se particularmente importantes para a transição energética e o reforço da eficiência energética no setor da habitação. A Diretiva Mercado Interno da Eletricidade promove esta participação dos consumidores na produção de eletricidade renovável e constitui uma base essencial para a aceitação da produção descentralizada de energia. Neste contexto, a harmonização em todo o espaço europeu é importante para que o maior número possível de agregados familiares na Europa possa participar na transição energética. Conceitos como a partilha de energia e a produção de energia pelos cidadãos em geral abrem perspetivas significativas à utilização de redes de energia para o abastecimento em pequena escala e orientado pela procura, que descongestiona a rede.

3.12.

O CESE reitera a sua posição de que o objetivo é maximizar a redução de emissões com o menor custo socioeconómico possível. Recomenda uma combinação de instrumentos compatíveis com um mercado bem regulado, bem como medidas regulamentares quando necessário, incluindo instrumentos financeiros com o apoio do Quadro Financeiro Plurianual e do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU), a fim de contribuir para um ambiente energético mais eficiente. No entanto, também deve ser claro que, quando uma análise cuidadosa revela indícios bem fundamentados de uma falha de mercado existente ou iminente, o setor público deve tomar medidas corretivas, por exemplo, através de investimentos ou intervenções no mercado.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Os investimentos em infraestruturas energéticas visam promover a segurança do aprovisionamento e a expansão das energias renováveis de forma rápida, eficiente e rentável, no interesse dos consumidores e da economia. Neste contexto, a questão crucial é saber quem controlará no futuro as infraestruturas centrais como a rede de energia e a infraestrutura de armazenamento. Desde o início da liberalização, o nível de investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. Este declínio do investimento — na rede e na produção — levou a estrangulamentos no aprovisionamento e inibiu a expansão futura das energias renováveis.

4.2.

Do ponto de vista económico, coloca-se a questão de saber por que razão uma rede de energia, que os investidores consideram um investimento apelativo por ser seguro, não seria também atrativa para o Estado. Se fossem propriedade do setor público, os dividendos distribuídos anualmente por empresas privadas poderiam ser reinvestidos no interesse do bem comum e aliviariam os orçamentos públicos. até porque algumas privatizações parciais no passado acabaram por demonstrar que, tendo por base apenas argumentos financeiros, a propriedade pública teria sido a decisão mais sensata. Alguns Estados-Membros já recorrem a estruturas públicas ou semipúblicas. Ao mesmo tempo, há uma tendência para a remunicipalização. A questão das vantagens e desvantagens da propriedade pública e privada e/ou do financiamento privado de infraestruturas energéticas para um mercado energético eficiente é sem dúvida importante e deve ser considerada na avaliação prevista pela Comissão quanto às opções para a otimização da conceção do mercado energético. Os resultados dessa análise podem constituir um valioso instrumento de decisão para os Estados-Membros, que são responsáveis por decidir sobre a propriedade pública ou privada das infraestruturas energéticas.

4.3.

Neste contexto, o aprovisionamento local e regional de energia e a remunicipalização dos serviços públicos — especialmente no âmbito de estratégias de descentralização — estão a ganhar importância. Mas também os investimentos públicos para a produção descentralizada de energia a nível municipal desempenham um papel decisivo. Há que explorar outras possibilidades de financiamento, como a concessão direta de recursos financeiros através de fundos. Os telhados em edifícios públicos são particularmente adequados para abastecer bairros inteiros com energia solar de baixo custo.

4.4.

Em alguns Estados-Membros, são atribuídos incentivos financeiros para impulsionar a expansão da energia fotovoltaica. Numa carta dirigida à Comissão, a Áustria, a Bélgica, a Lituânia, o Luxemburgo e Espanha solicitam que edifícios administrativos, supermercados, telhados planos e instalações industriais sejam obrigatoriamente equipados com sistemas fotovoltaicos mediante certas condições. Os sistemas fotovoltaicos devem também passar a ser a norma tanto em casas novas como em casas renovadas. Os países mencionados solicitam à Comissão que disponibilize mais recursos do orçamento da UE para esta expansão. O CESE é favorável a esta ideia e solicita à Comissão que efetue uma análise das necessidades de investimento, regulamentação e medidas de acompanhamento, nomeadamente em matéria de investigação e desenvolvimento, para impulsionar a expansão da energia fotovoltaica e também a produção na UE.

4.5.

A energia como bem social: neste contexto, o CESE recorda a aplicação dos valores comuns da União em matéria de serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tal como consagrados no Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral. Tal poderia melhorar a eficiência e a acessibilidade dos preços e evitar deficiências do mercado.

4.6.

A atual crise energética ilustra a especial importância da energia como um bem pertinente para a sociedade. Além da preservação de postos de trabalho de qualidade e do emprego, ressalta igualmente a importância da ligação entre os aspetos sociais e ambientais. A propriedade pública pode assegurar o controlo democrático, o investimento público, a segurança do aprovisionamento e uma distribuição justa dos custos da reestruturação da indústria energética para fontes de energia renováveis.

4.7.

Para evitar maus investimentos, é urgente resolver as ambiguidades e incoerências existentes relativamente às estruturas essenciais do novo sistema energético, à arquitetura do mercado e às funções e regras do mercado e, acima de tudo, prevenir os efeitos sociais nos trabalhadores e consumidores. A distribuição justa dos encargos associados ao investimento, bem como a distribuição justa de eventuais ganhos, desempenham um papel importante neste contexto. A questão de saber como satisfazer as necessidades de investimento e garantir a rentabilidade é uma das questões importantes a abordar, a fim de assegurar o excelente funcionamento do mercado da energia a longo prazo. O CESE regista as conclusões do estudo da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) e da comunicação sobre os mercados da eletricidade e do gás a este respeito e congratula-se com a intenção da Comissão de avaliar o mercado da eletricidade.

4.8.

Um aspeto importante no âmbito da transição energética será a coordenação e a articulação entre importadores, operadores de redes regionais, comunidades de cidadãos para a energia, prossumidores e comunidades de energia que utilizam a eletricidade produzida localmente, por um lado, e as empresas de armazenamento e os fornecedores, por outro.

Bruxelas, 22 de setembro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(2)  Plano REPowerEU, COM(2022) 230 final.

(3)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(4)  Parecer do CESE — Preços da energia (JO C 275 de 18.7.2022, p. 80).

(5)  «A Decarbonised, Affordable and Democratic Energy System for Europe» [Um sistema energético descarbonizado, a preços acessíveis e democrático para a Europa].

https://www.epsu.org/sites/default/files/article/files/Going%20Public_EPSU-PSIRU%20Report%202019%20-%20EN.pdf

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa (JO C 105 de 4.3.2022, p. 11).

(7)  BEI (2006), «Ex ante construction costs in the European road sector: a comparison of public-private partnerships and traditional public procurement» [Custos de construção ex ante no setor rodoviário europeu: comparação entre as parcerias público-privadas e os contratos públicos tradicionais]. Relatório Económico e Financeiro 2006/01, da autoria de Blanc-Brude F., Goldsmith H. e Välilä T. https://www.eib.org/attachments/efs/efr_2006_v01_en.pdf


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 2.9

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

O CESE apoia a melhoria da adaptação das regras da UE sobre as redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, em particular no que se refere à descarbonização do sistema energético, à transição para a neutralidade climática, ao desenvolvimento das energias renováveis, à eficiência energética e à atenuação do risco de pobreza energética. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, o CESE solicita que o regulamento vise mais claramente a criação de uma dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada, incluindo a nuclear, e de impedir qualquer forma de desintegração. Neste contexto, é louvável a iniciativa tomada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu de classificar as redes de distribuição como sendo «de interesse público superior», a par das energias renováveis.

Justificação

A produção de energia nuclear desempenha e continuará a desempenhar um papel importante entre o vasto leque de tecnologias de baixas emissões, tal como salientado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em discursos recentes.

Resultado da votação

Votos a favor:

44

Votos contra:

109

Abstenções:

14