22.11.2022 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 443/15 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tributação dos teletrabalhadores transfronteiriços e dos seus empregadores
(parecer de iniciativa)
(2022/C 443/02)
Relator: |
Krister ANDERSSON |
Decisão da Plenária |
20.1.2022 |
Base jurídica |
Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento |
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Parecer de iniciativa |
Competência |
Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social |
Adoção em secção |
1.7.2022 |
Adoção em plenária |
13.7.2022 |
Reunião plenária n.o |
571 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
195/0/2 |
1. Conclusões e recomendações
1.1 |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reconhece as dificuldades específicas que o aumento do teletrabalho transfronteiriço coloca aos sistemas de tributação vigentes a nível internacional. Essas dificuldades prendem-se, em particular, com a tributação dos salários e dos lucros das empresas. |
1.2 |
O CESE subscreve a opinião da Comissão Europeia de que um teletrabalhador transfronteiriço pode ser confrontado com a dupla tributação dos seus rendimentos e que essa situação conduzirá a litígios morosos e dispendiosos entre os trabalhadores e as autoridades tributárias dos Estados-Membros. Consoante o tratamento fiscal nacional dos rendimentos obtidos no estrangeiro, um trabalhador pode também ser obrigado a apresentar duas declarações fiscais separadas, possivelmente em momentos diferentes, devido às diferenças nos prazos de apresentação das declarações de rendimentos entre os Estados-Membros. A carga regulamentar impede o funcionamento eficiente do mercado único. Os Estados-Membros devem ponderar meticulosamente os eventuais obstáculos criados quando celebram convenções fiscais bilaterais. |
1.3 |
No que diz respeito à tributação dos lucros das empresas, os teletrabalhadores internacionais correm o risco de criar inadvertidamente um estabelecimento estável para a empresa num país estrangeiro. Se for criado um estabelecimento estável noutro país, a empresa será obrigada a repartir rigorosamente os seus rendimentos entre os dois locais e, por conseguinte, ficará sujeita a diferentes obrigações de declaração de rendimentos e encargos fiscais. |
1.4 |
O CESE congratula-se com as medidas fiscais temporárias adotadas pelos Estados-Membros no pico da pandemia e com as orientações emitidas pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) durante a pandemia. Essas medidas permitiram que os teletrabalhadores transfronteiriços e os seus empregadores prosseguissem com a sua atividade e evitaram que ambos tivessem de enfrentar a dupla tributação, criando condições para que as empresas continuassem a apoiar a economia e o emprego na União Europeia (UE) num momento importante. |
1.5 |
O CESE salienta a importância de continuar a atualizar os sistemas de tributação para responder às necessidades das condições de trabalho atuais. O quadro internacional em matéria de tributação das empresas foi revisto recentemente através do acordo sobre o Quadro Inclusivo da OCDE e do G20 relativo a um pacote fiscal composto por dois pilares. Se os trabalhadores utilizarem cada vez mais o teletrabalho, poderá ser necessário rever também as regras internacionais da tributação das pessoas singulares. Em particular, deve ser fácil cumprir essas regras. |
1.6 |
O CESE considera essencial que as regras de tributação relativas ao teletrabalho transfronteiriço evitem a dupla tributação ou a não tributação involuntária dos trabalhadores e dos empregadores. Para assegurar que as empresas de todas as dimensões conseguem proporcionar oportunidades de teletrabalho, é importante eliminar ou, pelo menos, minimizar as obrigações administrativas relacionadas com a tributação dos teletrabalhadores transfronteiriços. |
1.7 |
Embora o CESE reconheça que os países têm o direito de decidir se cobram impostos, e a que taxa, nos seus territórios, é preferível que os princípios da tributação do teletrabalho transfronteiriço sejam acordados a nível mundial. No entanto, tendo em conta a mobilidade intra-UE inerente à liberdade de circulação no mercado único, justifica-se abordar primeiro esta questão a nível da UE antes de procurar uma solução mundial. Embora sejam possíveis diferentes abordagens, é importante alcançar um nível elevado de coordenação na UE. |
1.8 |
O CESE salienta que as regras devem ser fáceis de aplicar pelos trabalhadores e pelos empregadores. Por exemplo, os Estados-Membros poderiam comprometer-se a tributar um trabalhador apenas se o número de dias de trabalho no país em questão exceder 96 por ano civil. O CESE observa que, no âmbito dos trabalhos em matéria de fiscalidade do Quadro Inclusivo da OCDE, se optou pela convenção multilateral enquanto instrumento para facilitar a aplicação atempada das novas regras fiscais. |
1.9 |
O CESE incentiva a Comissão Europeia a ponderar se um balcão único, semelhante ao existente no espaço único do IVA, poderá ser uma possibilidade. Tal exigiria que os empregadores declarassem, relativamente aos teletrabalhadores transfronteiriços, o número de dias que cumpriram no seu país de residência e no país onde o empregador se encontra estabelecido. Munidas dessa informação, as autoridades tributárias poderiam avaliar em que país os rendimentos seriam tributáveis ou que parte dos rendimentos seria tributável em cada país. |
1.10 |
O desenvolvimento de um sistema de balcão único para os teletrabalhadores transfronteiriços poderá constituir o primeiro passo na criação de uma infraestrutura que permita aos trabalhadores e aos empregadores reduzir os litígios fiscais entre os Estados-Membros e, simultaneamente, assegurar que os impostos são cobrados corretamente sem exigir que as pessoas singulares apresentem declarações em vários países. |
2. Contexto
2.1 |
A pandemia de COVID-19 alterou a vida dos trabalhadores e das empresas de uma forma sem precedentes. Em virtude das restrições de viagem em vigor e das limitações governamentais ao número de trabalhadores presentes nos escritórios, a fim de reduzir a transmissão do vírus da COVID-19, o aumento do teletrabalho (1) foi uma das tendências mais marcantes registadas durante a pandemia de COVID-19. As empresas e os trabalhadores envidaram esforços significativos para digitalizar as suas atividades quotidianas (por exemplo, através de ferramentas para a realização de reuniões em linha), para que os trabalhadores pudessem exercer a sua atividade a partir de casa. Dessa forma, as empresas puderam continuar a fornecer bens e serviços (necessários) aos clientes e, assim, apoiar a economia, o emprego, o comércio e o crescimento económico na UE. |
2.2 |
Ao reduzir o tempo de deslocação diária entre o domicílio e o local de trabalho, o teletrabalho está associado a maior flexibilidade, podendo diminuir a pressão sobre os trabalhadores ao permitir um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal (2). Além disso, o aumento do teletrabalho pode contribuir para o objetivo de neutralidade carbónica da UE. Tendo em conta que uma elevada percentagem das emissões da UE resultam dos transportes, o aumento do teletrabalho poderá reduzir as emissões de dióxido de carbono e o congestionamento do tráfego (3). É provável que a transição para o teletrabalho reduza a necessidade de espaços de escritório, o que diminuirá os custos das emissões dos edifícios de escritórios (por exemplo, o aquecimento e arrefecimento). |
2.3 |
Com a entrada gradual na era «pós-COVID-19», caracterizada por taxas de vacinação elevadas em toda a UE, é previsível que alguns trabalhadores regressem aos seus escritórios mas é improvável que a tendência de crescimento do teletrabalho se inverta totalmente. Num inquérito da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound) de março de 2021, 46 % dos trabalhadores da UE manifestaram a preferência por continuar a trabalhar diariamente ou várias vezes por semana a partir de casa quando a pandemia terminar (4). Por conseguinte, prevê-se também que o teletrabalho passe a fazer parte da nossa cultura de trabalho. |
2.4 |
O aumento do teletrabalho transfronteiriço coloca dificuldades aos sistemas de tributação vigentes. Embora o fenómeno do trabalho transfronteiriço não seja novo, a capacidade de um trabalhador de fazer teletrabalho a partir da sua residência noutro país suscita problemas no âmbito das regras fiscais internacionais, em especial se o trabalhador laborar uma parte significativa dos dias de trabalho no seu país de residência ou num país terceiro, e não no local de atividade tradicional. Esses problemas prendem-se, em particular, com a tributação dos salários e dos lucros da empresa. Estes casos podem ocorrer, em especial, em determinadas «regiões críticas», geograficamente próximas de outros Estados-Membros, mas é provável que o crescimento e o desenvolvimento das ferramentas de teleconferência aumentem este tipo de casos num contexto mais vasto. |
2.5 |
No que diz respeito à tributação dos salários, os trabalhadores que residem num Estado-Membro (jurisdição de residência) mas trabalham numa empresa estabelecida noutro Estado-Membro (jurisdição de origem) podem ser objeto de dupla tributação, uma vez que ambas as jurisdições podem tributar os rendimentos. Para evitar este cenário, os países celebraram convenções bilaterais para evitar a dupla tributação, muitas vezes seguindo o Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE. Este modelo estabelece como princípio geral que os rendimentos do trabalho devem ser tributados apenas na jurisdição de residência. Contudo, se o trabalho for realizado noutro país, ou seja, o Estado de origem, este pode tributar o rendimento imputável aos dias exercidos nesse Estado, desde que o trabalhador permaneça pelo menos 183 dias no Estado de origem no período de um ano, ou que a remuneração seja paga por um empregador no Estado de origem ou suportada por um estabelecimento estável do empregador no Estado de origem. |
2.6 |
Em conformidade com o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, um trabalhador residente num país diferente daquele em que exerce a sua atividade profissional habitual verá os direitos de tributação sobre os seus rendimentos do trabalho serem repartidos numa base proporcional desde o primeiro dia de trabalho entre a jurisdição de residência e a jurisdição de origem. |
2.7 |
A fim de evitar uma repartição imediata dos rendimentos do trabalho transfronteiriço, e uma vez que os Estados-Membros não são obrigados a seguir o modelo da OCDE, alguns países adotaram regras diferentes, nomeadamente estruturas de minimis. Neste caso, os rendimentos do trabalhador são tributados exclusivamente no país de residência, desde que esse trabalhador não exceda um determinado número de dias de ausência do local de atividade habitual (5). |
2.8 |
Devido às medidas adotadas durante a pandemia, como a aplicação de requisitos de quarentena estritos e a restrição das viagens transfronteiras, muitos trabalhadores, em especial os trabalhadores fronteiriços, foram obrigados a exercer o teletrabalho no seu país de residência e não no país de atividade habitual. Em consequência da pandemia de COVID-19, muitos Estados-Membros adotaram medidas temporárias para evitar que as jurisdições de origem perdessem totalmente o seu direito de tributação. Os Estados-Membros celebraram «memorandos de entendimento» segundo os quais os dias de trabalho no domicílio seriam considerados como uma atividade no Estado-Membro em que a atividade profissional normalmente ocorre. Tal aplicar-se-ia apenas aos trabalhadores afetados pela situação excecional da COVID-19 e não aos trabalhadores transfronteiriços que já exerciam teletrabalho antes da pandemia. Aparentemente, essas medidas temporárias não foram prorrogadas para além de 30 de junho de 2022 e os países regressarão às estruturas gerais do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE ou às estruturas de minimis. Do mesmo modo, a OCDE também emitiu orientações relativas à tributação dos rendimentos dos «trabalhadores bloqueados» (remetidos a uma jurisdição de origem por um longo período devido às restrições de viagem, às regras de quarentena, etc., relacionadas com a COVID-19) (6). |
2.9 |
Segundo a Comissão Europeia (7), um teletrabalhador transfronteiriço pode ser confrontado com a dupla tributação dos seus rendimentos, o que conduz a litígios (morosos e dispendiosos) entre os trabalhadores e os Estados-Membros. Consoante o tratamento fiscal nacional dos rendimentos obtidos no estrangeiro, um trabalhador pode também ser obrigado a apresentar duas declarações fiscais separadas, possivelmente em momentos diferentes, devido às diferenças nos prazos de apresentação das declarações de rendimentos entre os Estados-Membros. Além disso, poderão surgir questões complexas nos casos em que for necessário dividir rigorosamente entre os dois Estados-Membros determinadas despesas necessárias à formação do rendimento. Um teletrabalhador transfronteiriço pode também perder benefícios ou créditos fiscais. |
2.10 |
Os contribuintes não residentes com rendimentos em dois ou mais Estados-Membros, como os trabalhadores móveis, os trabalhadores sazonais, os desportistas, os artistas e os reformados não são, regra geral, elegíveis para a tomada em consideração, para efeitos de tributação, da sua situação pessoal e familiar, como acontece para os contribuintes residentes. Nos termos do Acórdão Schumacker (8), os Estados-Membros têm de conceder tais benefícios aos não residentes se os contribuintes auferirem «o essencial dos seus rendimentos e a quase totalidade dos rendimentos familiares» nesse Estado-Membro. Alguns Estados-Membros aplicam um limiar de 90 % do rendimento total a auferir nesse Estado-Membro para a concessão desses benefícios fiscais, o que pode constituir um obstáculo à livre circulação, uma vez que um rendimento acima desses 10 % do rendimento total noutros Estados-Membros resultará na perda, pelo menos parcial, desses benefícios fiscais, pois o limiar para a concessão integral de tais benefícios já não será atingido. Os Estados-Membros devem permitir a tomada em consideração da situação pessoal e familiar, se os não residentes auferirem 75 % do rendimento do contribuinte no Estado de origem. |
2.11 |
A carga regulamentar impede o funcionamento eficiente do mercado único. Os Estados-Membros devem ponderar meticulosamente os eventuais obstáculos criados quando celebram convenções fiscais bilaterais. |
2.12 |
No que diz respeito à tributação dos lucros das empresas, os teletrabalhadores internacionais correm o risco de criar inadvertidamente um estabelecimento estável para a empresa num país estrangeiro. Se for criado um estabelecimento estável noutro país, a empresa será obrigada a repartir rigorosamente os seus rendimentos entre os dois locais e, por conseguinte, ficará sujeita a diferentes obrigações de declaração de rendimentos e encargos fiscais. |
2.13 |
Muitas empresas, em especial pequenas e médias empresas (PME) sem uma estrutura internacional, podem não saber que, ao empregarem trabalhadores que trabalham a partir de outro país, tal pode conferir-lhes funções e estatutos e, por conseguinte, obrigá-las a repartir os lucros e cumprir obrigações relativas às regras em matéria de preços de transferência, bem como obrigações de declaração. As PME podem não ter um departamento fiscal ou acesso a consultores, sendo os seus custos de cumprimento já bastante elevados. Segundo um estudo da Comissão Europeia, estima-se que as empresas na UE e no Reino Unido gastem um montante total anual de aproximadamente 204 mil milhões de euros para cumprir obrigações relacionadas com o IRC, o IVA, os impostos e contribuições associados a salários, os impostos sobre imóveis e fundiários e os impostos municipais. Uma empresa média suporta um custo anual de cumprimento das suas obrigações fiscais que representa 1,9 % do seu volume de negócios (9). Qualquer aumento suplementar poderá pôr em causa a viabilidade das empresas. |
2.14 |
Devido às preocupações resultantes da possível criação de estabelecimentos estáveis em resultado do teletrabalho transfronteiriço, a OCDE emitiu orientações sobre este tema (10) em abril de 2020 e março de 2021, considerando que a mudança excecional e temporária do local de trabalho dos trabalhadores não deve criar novos estabelecimentos estáveis do empregador (11). Em geral, a OCDE defendeu que, embora uma parte da atividade de uma empresa possa ser realizada num local como o domicílio do trabalhador, tal não pode levar a concluir que esse local está ao dispor da empresa apenas porque é utilizado por uma pessoa singular (por exemplo, um trabalhador) que trabalha para a empresa, preconizando também que um trabalhador obrigado a trabalhar a partir de casa devido à pandemia de COVID-19 e a medidas de saúde pública não tem um nível suficiente de permanência ou continuidade para se poder considerar que o seu domicílio é um estabelecimento estável do empregador. |
2.15 |
Embora reconhecendo a natureza excecional da COVID-19, a OCDE observou que, mesmo que os trabalhadores continuem a trabalhar a partir de casa após a pandemia de COVID-19, conferindo assim um certo nível de permanência ou continuidade ao seu trabalho no domicílio, tal não cria necessariamente um estabelecimento estável de uma empresa. Segundo a OCDE, essas situações exigem uma análise aprofundada dos factos e circunstâncias específicos. No caso das pessoas que ocupam cargos de decisão, as autoridades tributárias aventaram frequentemente a possibilidade de se ter criado um estabelecimento estável. |
3. Observações na generalidade
3.1 |
O CESE congratula-se vivamente com os esforços envidados pelas empresas e pelos trabalhadores ao longo da pandemia de COVID-19 para se manterem em atividade mediante recurso a ferramentas digitais. As circunstâncias sem precedentes da pandemia de COVID-19 e as consequentes medidas de saúde pública obrigaram as empresas e os trabalhadores a adaptarem as suas condições de trabalho para poderem continuar a operar e fornecer bens e serviços, apoiando assim a economia, o emprego e o crescimento na UE. |
3.2 |
Uma vez que os progressos contínuos em matéria de ferramentas buróticas em linha (por exemplo, programas informáticos de reuniões à distância) permitirão a alguns trabalhadores exercer, com maior ou igual eficiência, a sua atividade de forma crescente a partir de casa, prevê-se que o número de teletrabalhadores (transfronteiriços) aumente na UE. Os legisladores têm de adaptar as regras existentes a uma nova realidade. |
3.3 |
Embora a possibilidade de teletrabalho varie consoante os setores e as funções, o CESE considera que é importante acolher e incentivar, sempre que possível, o aumento do teletrabalho. Além de proporcionar maior flexibilidade aos trabalhadores, o teletrabalho pode também contribuir para a agenda global da UE no âmbito do Pacto Ecológico, já que menos pessoas se deslocarão para o trabalho, o que diminuirá as emissões dos transportes e a poluição atmosférica. O CESE reconhece a especial importância deste tema para a UE e para a livre circulação de trabalhadores no mercado único. |
3.4 |
O CESE reconhece as dificuldades específicas que o aumento do teletrabalho transfronteiriço coloca ao sistema de tributação internacional e observa que os trabalhadores já mencionavam obstáculos em situações de trabalho transfronteiriças ainda antes da pandemia (12). O CESE congratula-se com as medidas fiscais temporárias adotadas pelos Estados-Membros no pico da pandemia e com as orientações emitidas pela OCDE durante a pandemia. Essas medidas permitiram que os teletrabalhadores transfronteiriços e os seus empregadores prosseguissem com a sua atividade e evitaram que ambos tivessem de enfrentar a dupla tributação, criando condições para que as empresas continuassem a apoiar a economia e o emprego na UE num momento importante. |
3.5 |
O CESE salienta, contudo, a importância de continuar a atualizar os sistemas de tributação para responder às necessidades das condições de trabalho atuais. Em particular, é importante que os empregadores, quando estabelecem mecanismos de teletrabalho, não sejam desencorajados de contratar trabalhadores fora da sua jurisdição devido a obstáculos fiscais. De igual forma, as regras de tributação não devem constituir um obstáculo para os trabalhadores quando se candidatam a empregos em contextos transfronteiriços. |
3.6 |
O CESE considera essencial que as regras de tributação relativas ao teletrabalho transfronteiriço evitem a dupla tributação ou a não tributação involuntária dos trabalhadores e dos empregadores. Para assegurar que as empresas de todas as dimensões conseguem proporcionar oportunidades de teletrabalho, é importante eliminar ou, pelo menos, minimizar as obrigações administrativas relacionadas com a tributação dos teletrabalhadores transfronteiriços (13). |
3.7 |
O quadro internacional em matéria de tributação das empresas foi revisto recentemente através do acordo sobre o Quadro Inclusivo da OCDE e do G20 relativo a um pacote fiscal composto por dois pilares. Se os trabalhadores utilizarem cada vez mais o teletrabalho, poderá ser necessário rever também as regras internacionais da tributação das pessoas singulares. Em particular, deve ser fácil cumprir essas regras. |
3.8 |
O CESE congratula-se com os debates iniciados pela Comissão Europeia sobre este tema com os Estados-Membros e com as partes interessadas da Plataforma para a Boa Governação Fiscal, o Planeamento Fiscal Agressivo e a Dupla Tributação, com vista a atualizar os sistemas de tributação a fim de refletir as condições de trabalho atuais com base no aumento do teletrabalho. O CESE recorda debates anteriores realizados sobre esta matéria no âmbito da Comunicação — Eliminar os obstáculos fiscais transfronteiras em benefício dos cidadãos da UE e do relatório do grupo de peritos da Comissão Europeia sobre as formas de combater os obstáculos fiscais transfronteiras que se colocam às pessoas singulares na UE (14). |
4. Observações na especialidade
4.1 |
Embora o Comité reconheça que os países têm o direito de decidir se cobram impostos, e a que taxa, nos seus territórios, é preferível que os princípios da tributação do teletrabalho transfronteiriço sejam acordados a nível mundial. No entanto, tendo em conta a mobilidade intra-UE inerente à liberdade de circulação no mercado único, justifica-se abordar primeiro esta questão a nível da UE antes de procurar uma solução mundial. Embora sejam possíveis diferentes abordagens, é importante alcançar um elevado nível de coordenação entre os Estados-Membros da UE e, sempre que possível, com países terceiros (Reino Unido, Suíça, etc.). |
4.2 |
As regras devem ser fáceis de aplicar pelos trabalhadores e pelos empregadores. Por exemplo, os Estados-Membros poderiam comprometer-se a tributar um trabalhador apenas se o número de dias de trabalho no país em questão exceder 96 por ano civil. O CESE observa que, no âmbito dos trabalhos em matéria de fiscalidade do Quadro Inclusivo da OCDE, se optou pela convenção multilateral enquanto instrumento para facilitar a aplicação atempada das novas regras fiscais. |
4.3 |
Afigura-se razoável dispor de regras ambiciosas que facilitem o teletrabalho transfronteiriço. Se a regra dos 183 dias for aplicada, os trabalhadores disporão de maior flexibilidade e aumentará a probabilidade de alcançar os objetivos ambientais. Com o aumento gradual do número de dias de teletrabalho, também poderá impor-se a necessidade de algum tipo de sistema declarativo normalizado e de algum tipo de mecanismo de compensação para transferir as receitas fiscais entre os países (15). |
4.4 |
O CESE solicita à Comissão Europeia que pondere se um balcão único, semelhante ao existente no espaço único do IVA (16), poderá ser uma possibilidade. Tal exigiria que os empregadores declarassem, relativamente aos teletrabalhadores transfronteiriços, o número de dias que cumpriram no seu país de residência e no país onde o empregador se encontra estabelecido. Munidas dessa informação, as autoridades tributárias poderiam avaliar em que país os rendimentos seriam tributáveis ou que parte dos rendimentos seria tributável em cada país. Esta recomendação foi apoiada pelo grupo de peritos da Comissão Europeia no seu relatório sobre as formas de combater os obstáculos fiscais transfronteiras que se colocam às pessoas singulares na UE (17). O regime de compensação de receitas fiscais entre os países poderá ser associado às informações comunicadas no balcão único. O contribuinte deve ter de interagir apenas com uma administração fiscal. |
4.5 |
Geralmente, o empregador tem de reter na fonte os impostos sobre os salários e vencimentos do trabalhador. Além disso, as contribuições para a segurança social, nomeadamente para os regimes de pensões públicos, e outras prestações sociais em nome do trabalhador são muitas vezes pagas separadamente, mas baseiam-se nos rendimentos do trabalhador (18). Se essas contribuições pudessem ser pagas pelo empregador em nome do trabalhador, permitindo que o balcão único afetasse os fundos ao país beneficiário em causa, reduzir-se-iam consideravelmente os encargos administrativos. Esse sistema exigiria uma cooperação estreita entre as autoridades tributárias e os sistemas de declaração eletrónica. |
4.6 |
O CESE apelou repetidamente para uma cooperação mais estreita entre as autoridades tributárias dos Estados-Membros, o que simplificará a vida dos cidadãos comuns e das empresas e aumentará as possibilidades de combater com maior eficácia a fraude e a evasão fiscais. Para combater a evasão, é fundamental facilitar o cumprimento. |
4.7 |
O desenvolvimento de um sistema de balcão único para os teletrabalhadores transfronteiriços poderá constituir o primeiro passo na criação de uma infraestrutura que permita aos trabalhadores e aos empregadores reduzir os litígios fiscais entre os Estados-Membros e, simultaneamente, assegurar que os impostos são cobrados corretamente sem exigir que as pessoas singulares apresentem declarações em vários países. |
Bruxelas, 13 de julho de 2022.
A Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Christa SCHWENG
(1) Embora reconheça a importância dos contratos de trabalho, das contribuições para a segurança social, dos direitos de pensão, das preocupações relativas à saúde (física e mental) e segurança, assim como do impacto nas organizações do mercado de trabalho, da competitividade, etc., o presente parecer concentra-se na tributação direta dos trabalhadores e dos empregadores numa situação em que o trabalhador está ao serviço de uma empresa num país mas exerce uma parte limitada do tempo de trabalho a partir do estrangeiro utilizando ferramentas de teletrabalho. O parecer não abrange os trabalhadores destacados e os trabalhadores fronteiriços como definidos nos acordos bilaterais, nem os trabalhadores por conta própria que realizam vendas transfronteiriças.
(2) «The impact of teleworking and digital work on workers and society» [O impacto do teletrabalho e do trabalho digital nos trabalhadores e na sociedade].
(3) «The impact of teleworking and digital work on workers and society» [O impacto do teletrabalho e do trabalho digital nos trabalhadores e na sociedade].
(4) Eurofound: «Labour market change: Teleworkability and the COVID-19 crisis: a new digital divide?» [Mudanças no mercado de trabalho: A possibilidade de teletrabalho e a crise da COVID-19: uma nova divisão digital?], documento de trabalho WPEF20020.
(5) Estas estruturas abrangem o teletrabalho, mas também a formação e as deslocações em serviço.
(6) «Updated guidance on tax treaties and the impact of the COVID-19 pandemic» [Orientações atualizadas sobre as convenções fiscais e o impacto da pandemia de COVID-19], OCDE.
(7) «Tax in an Increasingly Mobile Working Environment: Challenges and Opportunities» [A tributação num ambiente de trabalho cada vez mais móvel: desafios e oportunidades], grupo de peritos da Comissão Europeia da Plataforma para a Boa Governação Fiscal, o Planeamento Fiscal Agressivo e a Dupla Tributação.
(8) Ver o Acórdão Schumacker do Tribunal de Justiça Europeu de 14 de fevereiro de 1995 relativo ao processo C-279/93.
(9) «Tax compliance costs for SMEs: An update and a complement: Final Report» [Custos de cumprimento fiscal das PME: atualização e complemento: relatório final], 2022.
(10) «Updated guidance on tax treaties and the impact of the COVID-19 pandemic» [Orientações atualizadas sobre as convenções fiscais e o impacto da pandemia de COVID-19] e «OECD Secretariat analysis of tax treaties and the impact of the COVID-19 crisis» [Análise pelo Secretariado da OCDE das convenções fiscais e do impacto da crise da COVID-19].
(11) «OECD Secretariat analysis of tax treaties and the impact of the COVID-19 crisis» [Análise pelo Secretariado da OCDE das convenções fiscais e do impacto da crise da COVID-19].
(12) Ver a Comunicação da Comissão — Eliminar os obstáculos fiscais transfronteiras em benefício dos cidadãos da UE, [COM(2010) 769 final], página 3: «Os cidadãos da UE que vão viver para o estrangeiro, para aí trabalhar temporária ou permanentemente, ou que quotidianamente atravessam fronteiras para ir trabalhar queixam-se sobretudo de dificuldades na obtenção de subsídios, reduções da carga fiscal e deduções da parte das administrações fiscais estrangeiras. Também se queixam com frequência das taxas de tributação progressivas mais elevadas aplicadas aos não residentes e da tributação mais elevada do rendimento estrangeiro. Os problemas de dupla tributação sobressaem igualmente, sendo o resultado de conflitos acerca da residência fiscal, de limitações no montante de crédito disponível nos termos de tratados bilaterais de dupla tributação e mesmo da ausência de tais tratados em determinados casos».
(13) Os trabalhadores que, na sequência da pandemia, têm residência permanente num país da UE diferente daquele em que a empresa está estabelecida e que trabalham à distância serão confrontados com muitas questões: qual será o sistema de segurança social aplicável; a qual autoridade tributária terá o empregador de pagar impostos sobre o seu rendimento; poderá o empregador continuar a fazer a retenção de imposto na fonte; terá a relação de trabalho de ser registada nos serviços de emprego competentes no novo país de residência do trabalhador; qual será a legislação laboral aplicável à relação de trabalho, etc.
(14) «Ways to tackle cross-border tax obstacles facing individuals within the EU» [Formas de combater os obstáculos fiscais transfronteiras com que se deparam as pessoas singulares na UE].
(15) O regime de compensação criado para a tributação internacional das empresas consiste em afetar uma parte dos lucros de empresas altamente lucrativas ao país onde se realizam as vendas (montante A no pilar 1). É importante que qualquer regime de compensação entre países associado ao teletrabalho transfronteiriço seja o mais simples possível. O número de dias e os rendimentos do trabalho devem ser os parâmetros fundamentais a ter em conta.
(16) A UE introduziu o balcão único do IVA para reduzir os encargos sobre as empresas que efetuam vendas a consumidores noutros Estados-Membros da União. Os balcões únicos permitem que as empresas apresentem uma única declaração de IVA com as vendas em vários Estados-Membros da UE, em vez de terem de se registar para efeitos de IVA em cada país.
(17) «Ways to tackle cross-border tax obstacles facing individuals within the EU» [Formas de combater os obstáculos fiscais transfronteiras com que se deparam as pessoas singulares na UE].
(18) O CESE considera que será igualmente necessário abordar a questão do impacto nos benefícios como as pensões, entre outros, se as contribuições para a segurança social forem repartidas entre países. Este tema poderá vir a ser objeto de parecer futuro do CESE.