COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 23.9.2022
COM(2022) 482 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU
Trigésimo terceiro relatório sobre a proteção dos interesses financeiros da União Europeia e a luta contra a fraude – 2021
{SWD(2022) 302 final} - {SWD(2022) 303 final} - {SWD(2022) 304 final} - {SWD(2022) 305 final} - {SWD(2022) 306 final} - {SWD(2022) 307 final}
Índice
1.Introdução
1.1.Conceitos fundamentais
1.2.Os interesses financeiros da UE em 2021
2.Destaques de 2021
2.1.Principais atos adotados
2.2.Jurisprudência em matéria de PIF
3.Arquitetura antifraude da UE
3.1.A nível europeu
3.1.1.Parlamento Europeu
3.1.2.Conselho
3.1.3.Comissão Europeia
3.1.4.Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)
3.1.5.Procuradoria Europeia
3.1.6.Tribunal de Contas Europeu (TCE)
3.1.7.Eurojust
3.1.8.Europol
3.2.Ao nível dos Estados-Membros
3.2.1.Serviços de coordenação antifraude (AFCOS)
3.2.2.Estratégias nacionais antifraude (ENAF)
3.2.3.Aplicação das recomendações de 2020 pelos Estados-Membros
4.Cooperação antifraude
4.1.Cooperação internacional
4.1.1.Cooperação com países terceiros e disposições de acordos internacionais em matéria de assistência mútua e luta contra a fraude
4.1.2.Nona Conferência dos Estados Partes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e resoluções patrocinadas pela UE
4.1.3.Luta contra o comércio ilícito de produtos do tabaco
4.2.Cooperação entre a UE e os Estados-membros
4.2.1.Atividades do Comité Consultivo para a Coordenação da Luta Contra a Fraude (COCOLAF)
4.2.2.Programa Antifraude da UE
4.2.3.Cooperação no domínio das receitas
4.2.3.1.Programa Alfândega
4.2.3.2.Programa Fiscalis
4.2.3.3.Operações Aduaneiras Conjuntas (OAC)
5.Principais medidas de proteção dos interesses financeiros da UE e de luta contra a fraude
5.1.Transposição da Diretiva PIF
5.2.Luta contra o branqueamento de capitais
5.3.Mecanismo de Recuperação e Resiliência
5.4.Proteção dos denunciantes
5.5.Conjunto de instrumentos no domínio do Estado de direito
5.5.1.Relatório sobre o Estado de direito – principais conclusões e destaques em relação à proteção dos interesses financeiros da UE
5.5.2.Progressos na aplicação do Regulamento da UE relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da UE
5.6.Política anticorrupção
6.Resultados das atividades de controlo
6.1.Fontes de dados e metodologia
6.2.Receitas
6.2.1.Fraude ao IVA
6.2.2.Recursos próprios tradicionais
6.3.Despesas
6.3.1.Gestão partilhada
6.3.2.Gestão indireta
6.3.3.Gestão direta
7.Perspetivas para 2022, conclusões e recomendações
7.1.Espaço antifraude da UE
7.2.Transparência, gestão do risco de fraude e digitalização da luta contra a fraude
RESUMO
A pandemia de COVID-19 trouxe novos desafios aos quais a UE reagiu de forma célere e flexível, mobilizando novos instrumentos e recursos. Com a introdução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) e a execução dos planos nacionais de recuperação e resiliência, o papel das autoridades nacionais para assegurar um nível adequado de proteção dos interesses financeiros da UE aumentou significativamente. A Comissão apoiou as autoridades nacionais no contexto da avaliação dos planos nacionais, prestando especial atenção à conceção de medidas para proteger os recursos do MRR contra a fraude, a corrupção, os conflitos de interesses e o duplo financiamento.
Os intervenientes da UE e nacionais na luta contra a fraude reforçaram a sua cooperação ao longo de 2021, tanto no que diz respeito à proteção das receitas como das despesas da UE. A Procuradoria Europeia iniciou as suas atividades em 1 de junho de 2021. Os resultados operacionais do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e da Procuradoria Europeia mostram o valor acrescentado que os organismos da UE trazem à proteção dos interesses financeiros da UE e à luta contra a fraude, ultrapassando as limitações dos sistemas nacionais, em especial no combate à criminalidade transfronteiras.
Em 2021, a UE concluiu a adoção dos programas de despesas para 2021-2027. A legislação assegura que a Comissão, o OLAF, o Tribunal de Contas Europeu e a Procuradoria Europeia possam exercer o seu mandato e que as autoridades nacionais adotem medidas antifraude eficazes, tendo em conta eventuais riscos identificados. Entre estes programas conta-se o Programa Antifraude da União, que apoia a luta contra a fraude concedendo subvenções para iniciativas específicas e permitindo o financiamento de plataformas e ferramentas informáticas dedicadas para facilitar o intercâmbio de informações entre os Estados-Membros e a UE.
O número de fraudes e irregularidades comunicadas pelas autoridades nacionais e da UE competentes manteve-se estável em 2021 em comparação com 2020, enquanto os montantes irregulares correspondentes aumentaram, devido a deteções significativas num número limitado de Estados-Membros. O número de irregularidades não fraudulentas comunicadas em determinados domínios de despesas é baixo em comparação com o período de programação anterior. Esta diminuição pode, em parte, ser explicada, por exemplo, por atrasos na execução dos programas operacionais, por alterações nas práticas de comunicação de informações e pela utilização de opções de custos simplificados.
Para além dos riscos recorrentes, a execução do MRR aumentará a pressão sobre as administrações nacionais nos próximos anos, uma vez que estas terão de executar os planos do MRR e, ao mesmo tempo, os programas de despesas para 2021-2027. A este respeito, terão de dispor de conhecimentos especializados e controlar as diferentes modalidades de gestão associadas à execução dos vários fundos.
A UE pretende promover uma maior coerência e harmonização para eliminar potenciais lacunas na arquitetura global de controlo suscetíveis de serem exploradas pelos autores de fraudes. Os princípios orientadores já foram consagrados na legislação da UE, mas podem ser reforçados. Os Estados-Membros devem corrigir os problemas identificados na transposição da Diretiva relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal («Diretiva PIF») e promover o aumento da transparência, a digitalização da luta contra a fraude e o reforço e desenvolvimento contínuos da avaliação e gestão do risco de fraude. A Comissão apresentou uma proposta de alteração do Regulamento Financeiro que visa reforçar a ação da UE nestes moldes.
LISTA DE ABREVIATURAS
AFIS
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Sistema de Informação Antifraude
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AFCOS
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Serviço de Coordenação Antifraude
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CAFS
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Estratégia Antifraude da Comissão
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CoSP
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Conferência dos Estados Partes
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DG
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Direção-Geral
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TCE
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Tribunal de Contas Europeu
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EDES
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Sistema de deteção precoce e de exclusão
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PE
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Parlamento Europeu
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MEAP
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Mecanismo Europeu de Apoio à Paz
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EPPO
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Procuradoria Europeia
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FEEI
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Fundos Europeus Estruturais e de Investimento
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UE
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União Europeia
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EUBAM
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Missão de Assistência Fronteiriça da União Europeia na Moldávia e na Ucrânia
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CQCT
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Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco
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TDF
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Taxa de deteção de fraudes
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HFC
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Hidrofluorocarbonetos (gases refrigerantes)
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TDI
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Taxa de deteção de irregularidades
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SGI
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Sistema de gestão de irregularidades
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EIC
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Equipa de investigação conjunta
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QFP
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Quadro financeiro plurianual
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NGEU
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NextGenerationEU
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OFIS
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Sistema de informação sobre a agricultura biológica
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OLAF
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Organismo Europeu de Luta Antifraude
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PIF
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Proteção dos interesses financeiros
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MRR
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Mecanismo de Recuperação e Resiliência
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OCS
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Opções de custos simplificados
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TFUE
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Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
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RPT
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Recursos próprios tradicionais
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UNCAC
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Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção
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IVA
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Imposto sobre o valor acrescentado
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VOCU
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Unidade Virtual de Coordenação de Operações
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OMA
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Organização Mundial das Alfândegas
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1.Introdução
A UE e os Estados-Membros partilham a responsabilidade pela proteção dos interesses financeiros da UE e pelo combate à fraude. As autoridades dos Estados-Membros da UE gerem a maior fatia da despesa da UE e efetuam a cobrança dos recursos próprios tradicionais (RPT). A Comissão supervisiona ambos os domínios, estabelece as normas e verifica a sua observância. Nos termos do artigo 325.º, n.º 5, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a Comissão, em cooperação com os Estados-Membros, está obrigada a apresentar anualmente ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre as medidas tomadas para combater a fraude e outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da UE («relatório PIF»). O presente relatório e os documentos que o acompanham visam cumprir esta obrigação relativamente a 2021.
O relatório PIF de 2021 apresenta:
(1)Uma síntese dos interesses financeiros da UE, dos principais atos jurídicos adotados para a sua proteção e da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça;
(2)Os desenvolvimentos mais significativos em matéria de luta contra a fraude na UE no seu conjunto e nos Estados-Membros;
(3)A cooperação antifraude;
(4)Domínios essenciais para a proteção coerente e harmonizada dos interesses financeiros da UE;
(5)Estatísticas e dados sobre fraudes e irregularidades lesivas do orçamento da UE e respetiva análise;
(6)Uma perspetiva para 2022, conclusões e recomendações.
1.1.Conceitos fundamentais
Os termos mais importantes utilizados no relatório PIF encontram-se resumidos na caixa 1.
Caixa 1: Definições aplicáveis
Para uma descrição completa dos interesses financeiros da UE, ver secção 1.2.
Entende-se por irregularidade uma violação do direito da UE, ou do direito nacional relacionado com a sua aplicação, que resulte de um ato ou omissão de um operador económico que tenha, ou possa ter, por efeito lesar o orçamento da UE, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta da UE, quer pela imputação de uma despesa indevida ao orçamento da União.
Na sequência da adoção da Diretiva (UE) 2017/1371 («Diretiva PIF»), qualquer ato ou omissão intencional lesivo dos interesses financeiros da UE, incluindo a utilização ou apresentação de declarações ou documentos falsos, inexatos ou incompletos, ou a não comunicação de informações em violação de uma obrigação específica nesse sentido, ou a aplicação ilegítima de fundos ou benefícios, constitui fraude. A Diretiva PIF estabelece igualmente uma distinção entre fraude em:
(1)Despesas não relacionadas com contratação pública;
(2)Despesas relacionadas com contratação pública;
(3)Receitas distintas das receitas provenientes dos recursos próprios do IVA;
(4)Receitas provenientes dos recursos próprios do IVA.
Os regulamentos setoriais relativos à comunicação de irregularidades no regime de gestão partilhada introduzem o conceito de suspeita de fraude, definido como «a irregularidade que implica o início de um procedimento administrativo ou de um processo judicial a nível nacional, a fim de determinar a existência de um comportamento intencional, em especial de uma fraude».
A fraude é considerada uma fraude comprovada a partir do momento em que um organismo competente tome uma decisão definitiva (judicial ou administrativa) que determine a existência de um comportamento intencional.
A caixa 2 explica de que forma os conceitos de suspeita de fraude e fraude comprovada são utilizados no contexto das estatísticas publicadas no presente relatório.
Por corrupção entende-se qualquer abuso de poder por parte de um funcionário público em benefício próprio, que tem por efeito lesar os interesses financeiros da UE.
1.2.Os interesses financeiros da UE em 2021
Os interesses financeiros da UE incluem as receitas, as despesas e os ativos abrangidos pelo orçamento da UE e os abrangidos pelos orçamentos das instituições, organismos, serviços e agências da UE, bem como os orçamentos por estes geridos e controlados.
O lado das receitas do orçamento é composto pelos recursos próprios tradicionais (RPT), pelo imposto sobre o valor acrescentado, pelo recurso próprio baseado nos resíduos de embalagens de plástico não reciclados e por uma quota-parte do rendimento nacional bruto dos Estados-Membros da UE.
A figura 1 apresenta os recursos disponíveis para a UE em 2021.
Figura 1 – Receitas da UE em 2021
A UE financia as suas políticas utilizando os seguintes recursos (ver figura 2).
Figura 2 – Despesas da UE em 2021
Embora esteja sujeito a uma execução anual, o orçamento faz parte do orçamento de longo prazo da UE, o quadro financeiro plurianual (QFP), que prevê os limites de despesa para sete anos.
2.Destaques de 2021
A presente secção resume os principais atos adotados e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PIF em 2021.
2.1.Principais atos adotados
O quadro 1 apresenta os principais atos legislativos adotados em 2021. Durante este ano, foi adotada uma vasta gama de regulamentos relativos aos programas de despesas para 2021-2027. Estes regulamentos contêm disposições específicas que reiteram a competência do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e da Procuradoria Europeia para proteger os interesses financeiros da UE, e exigem que os países terceiros que participam nos programas concedam à Comissão, ao OLAF e ao Tribunal de Contas Europeu (TCE) os direitos e os acessos necessários para o pleno exercício das respetivas competências.
A referência a esses regulamentos não foi inserida no quadro.
Quadro 1 – Principais atos adotados
Título
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Descrição da forma como o ato protege os interesses financeiros da UE
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Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência
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O «Regulamento MRR». O artigo 22.º contém disposições acerca da proteção dos interesses financeiros da UE.
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Regulamento (UE) 2021/1060 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de junho de 2021, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu Mais, ao Fundo de Coesão, ao Fundo para uma Transição Justa e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura e regras financeiras aplicáveis a esses fundos e ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ao Fundo para a Segurança Interna e ao Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos
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O considerando 71 reitera a competência do OLAF e da Procuradoria Europeia para proteger os interesses financeiros da UE nos programas conexos.
O artigo 69.º exige que os Estados-Membros assegurem a legalidade e regularidade das despesas e tomem medidas para prevenir, detetar, corrigir e comunicar irregularidades, incluindo fraudes. Assegura igualmente que a Comissão, o OLAF e o TCE dispõem do acesso necessário às informações sobre os beneficiários efetivos dos destinatários do financiamento da UE.
Nos termos do artigo 74.º, as autoridades de gestão devem adotar medidas e procedimentos antifraude eficazes e proporcionados, tendo em conta os riscos identificados.
O anexo XII estabelece regras pormenorizadas e o modelo para a comunicação de irregularidades.
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Regulamento (UE) 2021/785 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, que cria o Programa Antifraude da União e revoga o Regulamento (UE) n.º 250/2014.
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O Programa Antifraude da União, sucessor do Hercule III, financia atividades destinadas a combater a fraude e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da UE.
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2.2.Jurisprudência em matéria de PIF
O Tribunal de Justiça da União Europeia assegura a aplicação e a interpretação uniformes do direito da UE. Em 2021, o Tribunal proferiu três decisões sobre a proteção dos interesses financeiros da UE.
Número e descrição do processo
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C-130/19, Tribunal de Contas/Pinxten.
Neste processo, o Tribunal de Justiça considerou que um antigo membro do TCE tinha violado as obrigações decorrentes do seu cargo de membro do TCE ao praticar vários atos, incluindo a utilização abusiva dos recursos do TCE para financiar atividades sem ligação com as suas funções e a utilização de um cartão de combustível fornecido pelo Tribunal para adquirir combustível para veículos pertencentes a terceiros. O Tribunal de Justiça privou o antigo membro de dois terços do seu direito a pensão. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou que é importante que os membros do TCE observem as mais rigorosas regras de comportamento e façam prevalecer, em todas as circunstâncias, o interesse geral da UE não só sobre os interesses nacionais mas também sobre interesses pessoais. A este respeito, o Tribunal de Justiça concluiu que, embora as pessoas a quem são confiadas altas funções nas instituições e organismos da UE devam observar as mais rigorosas regras de comportamento, a função específica que incumbe ao Tribunal de Contas – verificar a regularidade das despesas da UE e a boa gestão financeira – aumentou a gravidade das irregularidades cometidas pelo antigo membro.
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C-360/20, Ministerul Lucrărilor Publice, Dezvoltării şi Administraţiei.
Nesta decisão, o Tribunal de Justiça considerou que o conceito de «fraude lesiva dos interesses financeiros da União», na aceção do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Convenção PIF, inclui não só o recebimento indevido de fundos provenientes do orçamento da UE, mas também a sua retenção indevida. Por conseguinte, a fraude é suscetível de assumir a forma de incumprimento das obrigações declarativas posteriormente à obtenção dos referidos fundos. Consequentemente, a fraude na aceção do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Convenção PIF abrange a utilização intencional de declarações falsas ou inexatas apresentadas posteriormente à execução de um projeto financiado pela UE, para criar a aparência de observância das obrigações previstas durante a fase de sustentabilidade do projeto pelo contrato de financiamento, para reter, indevidamente, fundos provenientes do orçamento da UE.
O Tribunal de Justiça acrescentou que uma legislação nacional segundo a qual uma pessoa só pode ser alvo de um procedimento penal por tais declarações se estas tiverem sido proferidas durante a execução do projeto é incompatível com o artigo 325.º do TFUE. No entanto, a fim de respeitar os direitos fundamentais das pessoas em causa, os órgãos jurisdicionais nacionais não estarão obrigados a interpretar essa legislação nacional no sentido de que se aplica às declarações apresentadas posteriormente à execução do projeto, quando tal implique uma violação do princípio da legalidade dos delitos e das penas. Em caso de uma potencial infração, incumbirá ao legislador nacional adotar as medidas necessárias.
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C-357/19, C-379/19, C-547/19, C-811/19 e C-840/19, Euro Box Promotion e outros.
Foi solicitado ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre a compatibilidade da jurisprudência do Tribunal Constitucional romeno sobre as regras de processo penal aplicáveis aos processos de fraude e corrupção com o direito da União. Em 2018, o Tribunal Constitucional romeno anulou as decisões do Tribunal Superior de Cassação e Justiça da Roménia que condenaram várias pessoas por fraude relacionada com o IVA, corrupção e ingerência no contexto da gestão de fundos da UE, afirmando, em substância, que as formações de julgamento que tinham apreciado os processos tinham sido constituídas de forma irregular. Um órgão jurisdicional romeno de instância inferior submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre, entre outras, a questão de saber se a jurisprudência do Tribunal Constitucional criava um risco sistémico de impunidade na luta contra a fraude e a corrupção, em especial porque os crimes ficariam impunes devido à prescrição dos processos.
No seu acórdão, o Tribunal de Justiça sustentou que, embora as regras de organização do sistema judicial dos Estados-Membros sejam, em princípio, da competência dos Estados-Membros, essas regras devem, no entanto, corresponder às obrigações que lhes incumbem por força do direito da União. Essas obrigações incluem o combate a atividades ilegais, incluindo crimes de corrupção, lesivas dos interesses financeiros da UE através de medidas dissuasoras eficazes. O requisito da eficácia aplica-se tanto aos processos e às sanções aplicáveis a esses crimes como à execução das sanções impostas. Incumbe, antes de mais, ao legislador nacional assegurar que as regras processuais aplicáveis a esses crimes não comportam um risco sistémico de impunidade. Por seu turno, os órgãos jurisdicionais nacionais não podem aplicar disposições internas que impeçam a aplicação de sanções dissuasoras eficazes. No caso vertente, a aplicação da jurisprudência do Tribunal Constitucional romeno tem como consequência que os casos de fraude e corrupção em causa devem ser reexaminados, se necessário em várias ocasiões, em primeira instância e/ou em sede de recurso. Tal pode levar à sua prescrição, pelo que pessoas que ocupam os mais elevados cargos no Estado romeno e que foram condenadas por fraude ou corrupção não são penalizadas de uma forma eficaz e que tenha um efeito dissuasor. O risco de impunidade tornar-se-ia sistémico para esta categoria de pessoas e poria em causa o objetivo de combater a corrupção de alto nível. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 325.º do TFUE e o artigo 2.º da Convenção PIF se opõem a regras ou práticas nacionais nos termos das quais não tenham sido proferidos acórdãos em processos de corrupção e fraude relacionada com o IVA devido a formações de julgamento irregularmente constituídas, sempre que daí resulte um risco sistémico de impunidade de atos que constituam uma fraude grave lesiva dos interesses financeiros da UE ou da corrupção em geral. O Tribunal de Justiça acrescentou que o órgão jurisdicional de reenvio devia verificar a compatibilidade dessa abordagem com o direito do arguido a um tribunal imparcial consagrado no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
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3.Arquitetura antifraude da UE
A complexa arquitetura legislativa e organizacional criada para proteger os interesses financeiros da UE é o resultado de um processo contínuo que abarca mais de três décadas. A presente secção apresenta os desenvolvimentos mais significativos neste domínio em 2021.
3.1.A nível europeu
3.1.1.Parlamento Europeu
Para além das suas atividades legislativas, o Parlamento Europeu (PE) controla a execução do orçamento da UE pela Comissão (e por outras instituições e organismos) através de um processo conhecido por «quitação». Em 2021, o PE concedeu quitação para o exercício de 2019 e deu início ao processo para o exercício de 2020. A Comissão do Controlo Orçamental (CONT) é fundamental para o processo de quitação e elabora também um relatório anual sobre a proteção dos interesses financeiros da UE. Uma vez adotado sob a forma de resolução na sessão plenária do Parlamento, o relatório fornece orientações políticas à Comissão e aos Estados-Membros. Em 2021, várias reuniões da Comissão CONT incidiram sobre as atividades do OLAF, tendo o Organismo sido convidado a apresentar os seus resultados.
Síntese 1 – A resolução do PE de 2019 sobre a proteção dos interesses financeiros da UE
A resolução do PE sobre 2019 foi adotada na sua sessão plenária de 7 de julho de 2021, após votação favorável da Comissão CONT em 21 de junho de 2021.
A resolução caracteriza-se por um tom muito positivo, recomendando simultaneamente a adoção de novas medidas por parte da Comissão numa série de domínios relacionados com a luta contra a fraude. Toma nota da diminuição do número de irregularidades fraudulentas e não fraudulentas comunicadas em 2019 e apela a uma cooperação mais estreita por parte dos Estados-Membros em matéria de intercâmbio de informações. A resolução reconhece os esforços desenvolvidos pela Comissão para reformar o panorama da luta contra a fraude e solicita a atribuição de recursos adequados ao OLAF e à Procuradoria Europeia. A resolução salienta o papel crucial da capacidade de deteção e insta a Comissão a continuar a apoiar os Estados-Membros para assegurar a melhoria qualitativa e quantitativa dos controlos. Concretamente, o PE solicita à Comissão que:
·crie um sistema informático interoperável de comunicação e acompanhamento que permita aos Estados‑Membros apresentar atempadamente relatórios uniformes e normalizados no domínio da gestão partilhada;
·adote uma estratégia antifraude que envolva os Estados-Membros;
·apresente uma proposta legislativa sobre a assistência administrativa mútua no domínio da despesa da UE;
·inclua propostas de limites máximos por pessoa singular para os beneficiários da política agrícola comum (PAC) e dos fundos de coesão na sua proposta de revisão do Regulamento Financeiro;
·alargue o sistema de deteção precoce e de exclusão (EDES) por forma a abranger os fundos em regime de gestão partilhada; e
·apoie e proteja o jornalismo de investigação.
3.1.2.Conselho
O Grupo da Luta Antifraude do Conselho ocupa-se de questões relacionadas com a proteção dos interesses financeiros da UE e a luta contra a fraude e outras atividades ilegais lesivas desses interesses. Trata igualmente de questões relacionadas com o OLAF e o seu Comité de Fiscalização.
O grupo é responsável pela análise de:
·propostas legislativas sobre a luta contra a fraude e as atividades do OLAF;
·relatórios anuais sobre a proteção dos interesses financeiros da UE.
O OLAF representou a Comissão em vários grupos de trabalho do Conselho, nomeadamente no Grupo da Luta Antifraude.
3.1.3.Comissão Europeia
A Comissão Europeia define as estratégias e traduz em políticas e iniciativas os objetivos políticos globais desenvolvidos coletivamente pelas instituições da UE. As direções-gerais (DG) da Comissão gerem políticas específicas, bem como os programas de despesas conexos que as apoiam. Para melhor proteger o orçamento da UE, a Comissão adotou, em 2019, a sua estratégia antifraude (Estratégia Antifraude da Comissão – CAFS), acompanhada de um plano de ação.
Síntese 2 – Ponto da situação da execução do plano de ação que acompanha a CAFS
A Estratégia Antifraude da Comissão (CAFS) e o correspondente plano de ação, que compreende 63 ações, desempenham um papel significativo na prevenção da eventual utilização indevida dos fundos da UE. Sob a coordenação do OLAF, os serviços competentes da Comissão realizaram progressos muito satisfatórios na execução das ações, ficando no bom caminho para cumprir o prazo de dezembro de 2021 fixado para a sua conclusão. Em junho de 2022, tinham sido concluídas 59 das 63 ações (cerca de 94 %).
A estratégia tem dois objetivos prioritários, nomeadamente melhorar: i) a recolha e análise de dados e ii) a coordenação, a cooperação e os processos.
Em consonância com o primeiro objetivo, o OLAF intensificou o seu trabalho analítico, nomeadamente através do desenvolvimento de um quadro de risco para o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que abrange potenciais irregularidades graves – fraude, corrupção e conflitos de interesses – decorrentes da aplicação do MRR. Lançou igualmente um estudo sobre o futuro desenvolvimento do sistema de gestão de irregularidades (SGI), a fim de abordar questões de interoperabilidade e melhorar a comunicação de informações pelos Estados-Membros.
Em conformidade com o segundo objetivo da CAFS, continuaram a ser realizados progressos em várias ações destinadas a fomentar a coordenação e a cooperação entre os serviços da Comissão e a dotar a Comissão de um sistema mais eficaz de supervisão antifraude. Intensificaram-se os contactos e a cooperação entre os serviços da Comissão, nomeadamente através de reuniões regulares de grupos de representantes da Comissão – criados de acordo com a modalidade de gestão ou o tema – sob a égide da rede de prevenção e deteção da fraude (FPDNet) liderada pelo OLAF.
A Comissão comprometeu-se igualmente a melhorar o controlo do seguimento dado às recomendações do OLAF, uma parte essencial dos esforços desenvolvidos para repor os fundos indevidamente utilizados no orçamento da UE. A Comissão e o OLAF envidaram esforços concertados para aumentar a eficiência deste controlo e fizeram um balanço de cerca de 1 700 recomendações financeiras dirigidas aos serviços e agências de execução da Comissão entre 2012 e 2020. O total dos montantes recomendados para recuperações no período de 2012-2020 é equivalente a mais de 7 mil milhões de EUR, estando quase 40 % ligados a importantes casos de subavaliação no domínio aduaneiro.
A fim de assegurar a continuação dos esforços antifraude na Comissão e dar resposta às restantes ações do plano de ação CAFS de 2019 e às novas prioridades da Comissão, o OLAF está a ponderar uma revisão específica do plano. Os principais objetivos e princípios subjacentes da CAFS permanecem válidos e o plano de ação revisto deverá centrar-se nas prioridades da Comissão, como o novo QFP, o MRR, a cooperação com a Procuradoria Europeia e o papel da digitalização na luta contra a fraude.
3.1.4.Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)
O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) realiza inquéritos independentes sobre fraude e corrupção que envolvam fundos da UE e elabora a política antifraude da UE para combater a fraude, a corrupção e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da UE.
Síntese 3 – atividades do OLAF em 2021
Foram efetuadas cerca de 1 100 seleções durante o ano, o que conduziu à abertura de 234 novos processos de inquérito. Durante o ano, foram concluídos com êxito 212 inquéritos, o que levou o OLAF a dirigir 294 recomendações financeiras, judiciais, disciplinares e administrativas às autoridades da UE e nacionais competentes. A maioria destas recomendações dizia respeito à recuperação de fundos da UE pela UE e pelas autoridades nacionais em questão — 527,4 milhões de EUR em 2021. Graças ao trabalho do OLAF, foi possível evitar que mais de 340 milhões de EUR fossem indevidamente gastos.
Os inquéritos do OLAF revelaram uma série de novas tendências na atividade fraudulenta, como a fraude relacionada com a COVID-19, a transição ecológica e a gestão de resíduos.
Em 5 de julho de 2021, foi assinado um acordo sobre modalidades de cooperação entre o OLAF e a Procuradoria Europeia com vista a otimizar a cooperação operacional. Esta cooperação já está a produzir resultados concretos. Em 2021, o OLAF revelou-se uma fonte significativa de informação para a Procuradoria Europeia: 85 dos seus inquéritos penais basearam-se nos relatórios de investigação do OLAF. O total dos eventuais prejuízos para o orçamento da UE decorrentes das questões objeto de inquérito comunicadas pelo OLAF em 2021 foi estimado em 2,2 mil milhões de EUR. Os investigadores e analistas forenses do OLAF também prestaram um apoio substancial aos inquéritos da Procuradoria Europeia, participando na audição de testemunhas na qualidade de peritos e fornecendo uma análise pormenorizada de questões aduaneiras. O OLAF abriu vários inquéritos complementares, que produziram alguns resultados significativos em termos de justiça financeira e penal.
3.1.5.Procuradoria Europeia
Sendo a primeira autoridade supranacional com competência para o exercício da ação penal, a Procuradoria Europeia tem poderes para investigar e exercer a ação penal em relação a crimes lesivos dos interesses financeiros da UE nos 22 Estados-Membros da UE participantes.
Síntese 4 – Primeiros sete meses da atividade operacional da Procuradoria Europeia em números
A Procuradoria Europeia iniciou as suas atividades em 1 de junho de 2021. No total, o Organismo recebeu 2 832 denúncias e abriu 576 inquéritos até ao final de 2021 (515 inquéritos em curso até 31 de dezembro de 2021).
As denúncias foram apresentadas principalmente por autoridades nacionais e entidades privadas.
A Procuradoria Europeia celebrou um acordo sobre modalidades de cooperação com a Procuradoria-Geral da Hungria e estão em curso negociações para a celebração de um acordo idêntico com a Polónia, a Irlanda e a Dinamarca.
No que diz respeito à recuperação do produto de atividades criminosas, foram realizadas 81 ações de recuperação em 12 dos Estados-Membros participantes (Itália, Bélgica, Alemanha, Roménia, Chéquia, Croácia, Finlândia, Letónia, Luxemburgo, Espanha, Lituânia e Portugal). No total, a Procuradoria Europeia solicitou a apreensão de mais de 152 milhões de EUR, tendo sido autorizada a apreensão de mais de 147 milhões de EUR.
Em conformidade com o princípio da legalidade, a Procuradoria Europeia tem a obrigação de dar início a um inquérito sempre que existam motivos razoáveis para crer que está a ser ou foi cometido um crime abrangido pela sua esfera de competência. As autoridades nacionais são obrigadas, por lei, a comunicar à Procuradoria Europeia qualquer conduta criminosa a respeito da qual esta possa exercer a sua competência. Se as autoridades nacionais tiverem começado a investigar um crime da competência da Procuradoria Europeia e esta decidir exercer o seu direito de avocação, as referidas autoridades são obrigadas a transferir os processos para a Procuradoria Europeia. Os inquéritos são iniciados pelos procuradores europeus delegados nos Estados-Membros participantes e supervisionados por 22 procuradores europeus e pela procuradora-geral europeia no Luxemburgo. Os procuradores europeus delegados estão integrados nos serviços do Ministério Público ou nos sistemas judiciários nacionais. No entanto, só podem receber instruções sobre o seu trabalho operacional da sede da Procuradoria Europeia, através das 15 câmaras permanentes ou dos 22 procuradores europeus. Em 2021, estavam ativos 95 procuradores europeus delegados e a intenção é nomear 140. O Colégio de Procuradores reuniu-se 34 vezes e adotou 125 decisões. Alterou e completou algumas decisões com base nos primeiros ensinamentos retirados da experiência, por exemplo sobre a atribuição de processos às câmaras permanentes ou a verificação das informações registadas para apreciar a competência da Procuradoria Europeia.
Síntese 5 – Acordo que estabelece as modalidades de cooperação entre a Comissão e a Procuradoria Europeia
O quadro jurídico que rege a Procuradoria Europeia prevê que esta estabeleça e mantenha uma relação de cooperação com a Comissão para efeitos de proteção dos interesses financeiros da UE. Para o efeito, celebraram um acordo que estabelece as modalidades da sua cooperação.
Este acordo, assinado em 18 de junho de 2021, especifica as medidas administrativas para dar cumprimento às obrigações de informação e consulta mútuas estabelecidas no Regulamento Procuradoria Europeia. Essas medidas visam, por um lado, permitir que a Procuradoria Europeia exerça eficazmente os seus poderes de investigação e exercício da ação penal em relação aos crimes que afetam o orçamento da UE e, por outro, permitir que os serviços da Comissão deem um seguimento administrativo, financeiro e disciplinar adequado aos inquéritos da Procuradoria Europeia, nomeadamente adotando medidas conservatórias para proteger o orçamento da UE.
O acordo especifica, em especial: a) os tipos específicos de informações ou consultas a transmitir em cada caso; b) os pontos de contacto pertinentes; c) os procedimentos, os instrumentos de comunicação, o modelo e os prazos aplicáveis; e d) as condições em que a Procuradoria Europeia pode aceder a bases de dados específicas pertinentes geridas pela Comissão. Inclui igualmente uma referência a uma cooperação estreita e oportuna entre a Comissão e a Procuradoria Europeia no que diz respeito à aplicação do Regulamento (UE) 2020/2092 relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da UE.
3.1.6.Tribunal de Contas Europeu (TCE)
O Tribunal de Contas Europeu (TCE) avalia a economia, a eficácia, a eficiência, a legalidade e a regularidade da ação da UE para melhorar a responsabilização, a transparência e a gestão financeira.
Síntese 6 – O relatório anual do Tribunal de Contas Europeu
Todos os anos, o TCE audita as receitas e as despesas do orçamento da UE e apresenta um parecer sobre a fiabilidade das contas anuais e a conformidade das receitas e das despesas com as regras e a regulamentação em vigor. O relatório anual relativo ao exercício de 2020 foi publicado em 26 de outubro de 2021.
O TCE concluiu que as contas não estavam afetadas por distorções materiais. No que se refere à regularidade das operações, concluiu que as receitas estavam isentas de erros materiais. Quanto às despesas, os resultados da auditoria mostram que o nível de erro estimado se manteve igual ao do ano passado, ou seja, 2,7 %. As despesas de risco elevado (principalmente baseadas em reembolsos) estavam afetadas por um nível significativo de erros. Em 2021, foram comunicados ao OLAF seis casos de suspeita de fraude.
3.1.7.Eurojust
A Eurojust, a Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal, coordena o trabalho das autoridades nacionais – dos Estados-Membros da UE e de países terceiros – de investigação e ação penal no domínio da criminalidade transnacional. No contexto da proteção dos interesses financeiros da UE, desempenha principalmente o seu papel em relação aos Estados-Membros que não participam na Procuradoria Europeia.
Síntese 7 – Destaques da Eurojust em 2021
Em 2021, a Eurojust prosseguiu, juntamente com a Procuradoria Europeia, o OLAF e a Europol, o seu trabalho operacional de luta contra a fraude lesiva do orçamento da UE e outros crimes contra os interesses financeiros. A cooperação na luta contra a fraude incluiu a participação da Eurojust na operação SENTINEL, destinada a proteger os fundos relacionados com a iniciativa NextGenerationEU contra a fraude, a corrupção e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da UE (ver Síntese 11).
A cooperação da Eurojust com a Procuradoria Europeia teve início em 2021. Após a assinatura do acordo que estabelece as suas modalidades de cooperação em fevereiro de 2021, a Eurojust começou a cooperar com a Procuradoria Europeia no âmbito de inquéritos pouco depois de esta ter iniciado o seu trabalho operacional em 1 de junho de 2021.
O OLAF continuou a ser um importante parceiro operacional da Eurojust em 2021, tendo participado em várias reuniões de coordenação sobre processos lesivos do orçamento da UE. Os dois organismos criaram igualmente um novo fluxo de trabalho para uma cooperação mais estreita e continuaram a trabalhar na avaliação das equipas de investigação conjunta (EIC) em que o OLAF participou. Tal como em anos anteriores, a Eurojust e o OLAF continuaram a partilhar conhecimentos especializados em matéria de luta contra a fraude. Na sequência do seminário da Eurojust destinado aos investigadores do OLAF realizado em 2020, em 2021 os peritos da Eurojust participaram em apresentações do OLAF sobre estudos de casos, métodos de análise de dados e o quadro jurídico revisto aplicável aos inquéritos do OLAF.
3.1.8.Europol
A Europol, a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial, serve como um centro de apoio para as operações de aplicação da lei, uma plataforma para informações sobre atividades criminosas e um centro de conhecimentos especializados em matéria de aplicação da lei.
Síntese 8 – A Europol em 2021
Em setembro de 2021, o Centro Europeu de Criminalidade Económica e Financeira (CECEF), em cooperação com as autoridades italianas, organizou em Roma uma reunião de alto nível sobre a aplicação da lei, durante a qual foi acordado o seguinte princípio: qualquer ameaça para o MRR é lesiva do bem-estar financeiro da UE.
Também em setembro de 2021, a Europol, o OLAF, a Procuradoria Europeia, a Eurojust e 21 Estados-Membros uniram forças na Operação SENTINEL (ver Síntese 11).
3.2.Ao nível dos Estados-Membros
3.2.1.Serviços de coordenação antifraude (AFCOS)
Desde 2013, os Estados-Membros são obrigados a designar um serviço de coordenação antifraude (AFCOS) para facilitar uma cooperação eficaz e o intercâmbio de informações, incluindo informações operacionais, com o OLAF. Os Estados-Membros são livres de decidir qual a melhor posição para o AFCOS dentro da sua estrutura administrativa nacional e quais os poderes a atribuir ao serviço.
O mandato do AFCOS pode variar em função das circunstâncias específicas de cada país. No entanto, deve incluir, em todos os casos, a garantia da cooperação com o OLAF e a coordenação, no Estado-Membro em causa, das atividades e obrigações legislativas, administrativas e de inquérito relacionadas com a proteção dos interesses financeiros da UE.
Síntese 9 – Medidas adotadas pelos Estados-Membros em 2021
O Luxemburgo e a Letónia reforçaram os seus AFCOS. No Luxemburgo, a equipa do AFCOS foi reforçada para assegurar uma coordenação adequada da luta contra a fraude e da proteção dos interesses financeiros da UE. A Letónia comunicou a adoção de uma nova lei e do correspondente manual de procedimentos, a fim de garantir que o seu AFCOS tem o direito de a) participar e prestar assistência nos controlos no local efetuados pelo OLAF, b) solicitar informações ou documentos a particulares e c) receber informações sobre contas bancárias no âmbito de inquéritos administrativos.
A Grécia, a Espanha e a Suécia comunicaram as medidas tomadas pelos respetivos AFCOS para ajudar as autoridades de gestão a melhorarem a comunicação de eventuais fraudes aos serviços responsáveis pela aplicação da lei.
3.2.2.Estratégias nacionais antifraude (ENAF)
O persistente incentivo da Comissão aos Estados-Membros para adotarem estratégias nacionais antifraude (ENAF) resultou num aumento constante do número de ENAF adotadas. No final de 2021, 17 Estados-Membros tinham adotado ou atualizado uma ENAF e, dos 11 que ainda não a tinham adotado, 4 comunicaram que estavam a elaborar, ou prestes a adotar, uma ENAF.
Figura 3 – ENAF: situação atual da adoção
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Legenda
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5
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ENAF adotada ou atualizada e comunicada
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4
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ENAF setorial
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3
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EAF regional
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2
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Elaboração ou adoção da ENAF em curso
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1
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Sem ENAF
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Embora a âmbito e o conteúdo das estratégias continuem a variar entre os Estados-Membros e algumas estratégias tenham de ser atualizadas, a situação global melhorou em relação a 2020. Na sequência das recomendações da Comissão, várias das atuais estratégias foram atualizadas para refletir novos riscos significativos, como os riscos associados à execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) e aos efeitos da pandemia de COVID-19.
3.2.3.Aplicação das recomendações de 2020 pelos Estados-Membros
No seu relatório de 2020 sobre a proteção dos interesses financeiros da União Europeia, a Comissão formulou três conjuntos de recomendações aos Estados-Membros, abrangendo: a) aspetos transversais da luta contra a fraude; b) receitas; e c) despesas. Estas recomendações visavam melhorar a cooperação entre a UE e os organismos nacionais; aumentar a coerência e a consistência das medidas nacionais antifraude; otimizar o funcionamento da União Aduaneira e das autoridades aduaneiras dos Estados-Membros; reforçar os quadros de controlo interno; e aumentar a flexibilidade e a resiliência em tempos de crise.
No que diz respeito aos aspetos transversais da luta contra a fraude, a Comissão recomendou que os Estados-Membros que não aderiram à Procuradoria Europeia ponderassem fazê-lo.
Dos cinco Estados-Membros que ainda não fazem parte da Procuradoria Europeia, a Suécia manifestou a intenção de aderir em 2023; a Dinamarca, a Irlanda, a Hungria e a Polónia declararam que não tencionavam aderir.
No domínio das receitas, 16 Estados-Membros responderam que aplicaram integralmente a recomendação da Comissão no sentido de avaliar os riscos e as deficiências das suas estratégias nacionais de controlo aduaneiro reveladas pela pandemia de COVID-19, 4 aplicaram parcialmente essa recomendação e 6 não a aplicaram. As respostas mostram uma série de medidas bem-sucedidas, como a flexibilidade dos controlos e a definição de perfis de risco, permitindo assim que os controlos continuassem a ser realizados de forma eficiente durante o período da COVID-19.
Em resposta à recomendação de avaliar os riscos que poderão não ter sido abordados em 2020 e aplicar medidas corretivas para lhes dar resposta, 16 Estados-Membros aplicaram integralmente a recomendação, 3 aplicaram-na parcialmente e 7 não a aplicaram.
Quanto às recomendações em matéria de despesas, 11 Estados-Membros comunicaram que tinham lançado exercícios específicos de gestão dos riscos ligados ao impacto da COVID-19 e à futura execução do MRR, e que aplicaram integralmente a recomendação; 11 apenas o fizeram parcialmente e 4 não aplicaram a recomendação.
Quanto à questão de saber se melhoraram a forma como os dados subjacentes e os dados relativos às irregularidades e fraudes detetadas são recolhidos e utilizados, 14 Estados-Membros comunicaram que aplicaram integralmente a recomendação, 7 que a aplicaram parcialmente e 5 que não a aplicaram. A maioria dos Estados-Membros comunicaram que tinham adaptado a forma como utilizam determinados sistemas informáticos, como o sistema de gestão de irregularidades (SGI), a Arachne, o sistema de deteção precoce e de exclusão (EDES), bem como uma série de ferramentas informáticas nacionais, a fim de melhorar a qualidade dos dados com que trabalharam.
A última recomendação sobre as despesas incentivava os Estados-Membros a utilizarem o sistema integrado e interoperável de informação e de acompanhamento que a Comissão disponibilizará para o MRR e para o orçamento da UE. Dezanove Estados-Membros comunicaram que a aplicaram integralmente, quatro aplicaram-na parcialmente e três não aplicaram a recomendação.
4.Cooperação antifraude
A luta contra a fraude é crucial para a UE, sobretudo tendo em conta o papel que desempenha na cena mundial. A cooperação é fundamental para garantir a eficácia desta luta. A presente secção descreve os desenvolvimentos mais significativos neste domínio.
4.1.Cooperação internacional
4.1.1.Cooperação com países terceiros e disposições de acordos internacionais em matéria de assistência mútua e luta contra a fraude
A cooperação com os parceiros internacionais é crucial para proteger os fundos da UE despendidos fora da Europa e o lado das receitas do orçamento da UE. Para o efeito, em 2021, o OLAF, juntamente com o serviço competente da Comissão, continuou a assegurar que as convenções de financiamento e outros contratos continham disposições antifraude adequadas, incluindo a possibilidade de realizar controlos e inquéritos em relação a fundos aplicados fora da UE. O OLAF celebrou igualmente acordos de cooperação administrativa com duas autoridades internacionais parceiras: a Procuradoria-Geral da Ucrânia e a Organização Mundial das Alfândegas (OMA). Tais acordos ajudam a fomentar relações estreitas com os parceiros envolvidos na luta contra a fraude, proporcionando um quadro orientador para uma cooperação prática, por exemplo a partilha de informações ou de boas práticas. Em 2021, o OLAF organizou igualmente eventos de sensibilização em linha para estabelecer novos contactos operacionais com as autoridades de investigação em países terceiros e incentivar a comunicação de fraudes e irregularidades através das delegações da UE espalhadas pelo mundo.
A cooperação com países terceiros para prevenir, detetar e combater infrações à legislação aduaneira assenta em acordos de assistência administrativa mútua em matéria aduaneira. Estes acordos dão um contributo fundamental para a proteção dos interesses financeiros da UE. Atualmente, estão em vigor acordos com mais de 87 países, incluindo importantes parceiros comerciais da UE, como os Estados Unidos, a China e o Japão. Em 2021, foram concluídas as negociações com os países da África Oriental e Austral (ESA5) e estavam em curso negociações com a Austrália, a Indonésia e o Reino Unido relativamente a Gibraltar.
Os acordos de comércio livre geralmente contêm uma cláusula antifraude, que envolve a suspensão temporária das preferências pautais para um produto em caso de fraudes aduaneiras graves ou da falta persistente de uma colaboração adequada para as combater. Na verdade, essa cláusula é uma condição sine qua non para a concessão de preferências pautais a países terceiros.
4.1.2.Nona Conferência dos Estados Partes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e resoluções patrocinadas pela UE
A UE é parte na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), o único instrumento universal juridicamente vinculativo de luta contra a corrupção. A Comissão representa a UE em todos os processos relacionados com a UNCAC, nomeadamente através da participação nas reuniões do grupo de avaliação da aplicação e nos grupos de trabalho abertos sobre a prevenção da corrupção e a recuperação de bens.
O mecanismo de avaliação da aplicação da Convenção é vinculativo para todas as partes na Convenção, incluindo a UE. Em junho de 2021, a Comissão anunciou ao Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e a Criminalidade (UNODC) a sua disponibilidade para se submeter ao processo de avaliação previsto no âmbito da UNCAC. Em julho de 2021, foi oficialmente dado início a esse processo.
Na sua nona Conferência dos Estados Partes, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, em dezembro de 2021, a UE destacou os seus esforços incansáveis para apoiar continuamente a mais ampla participação possível da sociedade civil e das organizações não governamentais pertinentes na luta contra a corrupção.
Durante o debate geral, a UE chamou a atenção para o papel da Procuradoria Europeia e do OLAF na luta contra a corrupção e salientou a importância dos meios de comunicação social e dos jornalistas de investigação. Quatro das oito resoluções adotadas foram patrocinadas pela UE, nomeadamente sobre a prevenção da corrupção, o reforço da cooperação internacional em períodos de emergência e de resposta a crises e recuperação, bem como sobre a luta contra a corrupção a nível regional.
4.1.3.Luta contra o comércio ilícito de produtos do tabaco
O segundo plano de ação de luta contra o comércio ilícito de tabaco (2018-2022), apresentado pela Comissão em dezembro de 2018 e que contém medidas estratégicas e operacionais de aplicação da lei, continuou a ser executado ao longo de 2021 e, no final do ano, estava em curso ou tinha sido concluído um grande número de ações-chave.
A Comissão desempenha um papel de liderança neste domínio a nível multilateral e, a nível bilateral, com os países de origem e de trânsito. A nível multilateral, o Protocolo para a Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco da Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco (Protocolo da CQCT) é um acordo internacional que visa reduzir significativamente o comércio ilícito de tabaco a nível mundial. O OLAF, em estreita cooperação com os serviços competentes da Comissão e os Estados-Membros, tem participado ativamente nos trabalhos relacionados com o Protocolo da CQCT. O OLAF representou a UE e os Estados-Membros participantes na segunda reunião das partes, que teve lugar em novembro de 2021. Durante esta reunião, foram aprovadas as conclusões de dois grupos de trabalho (Localização e Seguimento, e Assistência e Cooperação), tendo sido proposta uma nova estratégia de assistência para apoiar a aplicação do protocolo. Todas as partes envolvidas concordaram igualmente em continuar a trabalhar para um ponto de contacto mundial de partilha de informações, a fim de permitir que os sistemas de localização e seguimento troquem informações e apoiem a luta mundial contra o comércio ilícito de tabaco.
4.2.Cooperação entre a UE e os Estados-membros
4.2.1.Atividades do Comité Consultivo para a Coordenação da Luta Contra a Fraude (COCOLAF)
O Comité Consultivo para a Coordenação da Luta Contra a Fraude (COCOLAF) reúne a Comissão (representada pelo OLAF) e peritos dos Estados-Membros. Proporciona um fórum para debater os principais desenvolvimentos em matéria de luta contra a fraude e para a elaboração do presente relatório. O seu trabalho está estruturado em quatro grupos de trabalho e sessões plenárias.
Em 2021, foram organizadas duas reuniões plenárias em junho e dezembro, duas reuniões do subgrupo sobre a comunicação e análise de fraudes e outras irregularidades e uma do subgrupo sobre a prevenção da fraude. Estas reuniões constituíram boas oportunidades para debater as tendências mais recentes em matéria de irregularidades e fraude e as ferramentas informáticas utilizadas para gerir os fundos da UE. Serviram também como uma ligação importante entre o OLAF e os seus parceiros durante a pandemia, mantendo as linhas de comunicação abertas e permitindo aos participantes partilhar informações e boas práticas.
A reunião anual entre os AFCOS dos Estados-Membros teve lugar em setembro, por via virtual. Os debates centraram-se no MRR. Em dezembro, o subgrupo sobre a prevenção da fraude decidiu criar um grupo de peritos dedicado à utilização de ferramentas informáticas para proteger os recursos do MRR.
4.2.2.Programa Antifraude da UE
O programa Hercule III, que prestava assistência a projetos de apoio à luta contra a fraude e à proteção dos interesses financeiros da UE no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2014-2020, foi substituído pelo novo Programa Antifraude da União com a adoção do Regulamento (UE) 2021/785.
O Programa Antifraude da União combina três atividades diferentes, anteriormente separadas, mas baseia-se no êxito do programa Hercule III. O Programa Antifraude da União agrupa num único quadro a parte do programa Hercule relativa ao financiamento, o financiamento do Sistema de Informação Antifraude (plataforma AFIS), para apoiar os Estados-Membros na assistência mútua em matéria aduaneira e agrícola, e o Sistema de Gestão de Irregularidades (SGI), para a comunicação de irregularidades, incluindo fraudes, em casos relacionados com os fundos de gestão partilhada e de assistência de pré-adesão.
Deste modo, reforça as sinergias entre as diferentes vertentes e cria economias de recursos, incluindo a flexibilidade financeira para reafetar fundos no âmbito do programa a uma ou outra parte da atividade, se necessário.
O Programa Antifraude da União tem dois objetivos gerais. Em primeiro lugar, visa proteger os interesses financeiros da UE. Em segundo lugar, visa apoiar a assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e a colaboração entre estas e a Comissão para assegurar a correta aplicação do direito em matéria aduaneira e agrícola.
O programa tem três objetivos específicos:
(1)A prevenção e combate à fraude, a corrupção e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da UE;
(2)O apoio à comunicação de irregularidades, incluindo a fraude, no que respeita aos fundos de gestão partilhada e de assistência de pré-adesão do orçamento da União;
(3)A disponibilização de ferramentas para o intercâmbio de informações e apoio às atividades operacionais no domínio da assistência administrativa mútua em matéria aduaneira e agrícola.
Síntese 10 — Foco no AFIS e no SGI
AFIS é um termo genérico para designar um conjunto de aplicações informáticas antifraude gerido pelo OLAF utilizando uma infraestrutura técnica comum, que tem por objetivo assegurar o intercâmbio seguro e em tempo útil de informações relacionadas com a fraude entre as administrações nacionais e da UE competentes, bem como a análise e o armazenamento de dados conexos. O portal AFIS tem mais de 8 500 utilizadores finais registados em quase 1 400 serviços competentes dos Estados-Membros, de países terceiros parceiros, de organizações internacionais, da Comissão e de outras instituições da UE. Possibilita economias de escala e sinergias substanciais no desenvolvimento, manutenção e funcionamento de um conjunto tão vasto e diversificado de serviços e ferramentas informáticas.
O AFIS apoia a assistência mútua no domínio aduaneiro com instrumentos de colaboração como a VOCU (Unidade Virtual de Coordenação de Operações) para operações aduaneiras conjuntas, o correio eletrónico seguro (AFIS Mail) e módulos específicos de intercâmbio de informações. Presta igualmente apoio através de bases de dados como o SIA (Sistema de Informação Aduaneira) e a FIDE (Base de Dados de Identificação de Processos de Investigação Aduaneira), o repertório de mensagens sobre a situação dos contentores (MSC) e o repertório de importação, exportação e trânsito (IET); e presta apoio através de ferramentas de análise de dados, como o AMT (instrumento de acompanhamento automatizado) e aplicações eletrónicas de fluxo de trabalho como a ToSMA (aplicação de gestão de apreensões de tabaco). Estão em curso outros desenvolvimentos para a criação de uma plataforma analítica no AFIS para apoiar a análise estratégica e operacional.
A principal base jurídica do funcionamento da plataforma AFIS é o Regulamento (CE) n.º 515/97 do Conselho relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola.
O SGI é uma aplicação na plataforma AFIS que facilita a comunicação de irregularidades e fraudes detetadas pelas autoridades nacionais no domínio da gestão partilhada e da pré-adesão, em conformidade com os regulamentos setoriais e as convenções de financiamento. Em 2021, foi encomendado um estudo para identificar possíveis melhorias do sistema com base nas necessidades dos utilizadores e das partes interessadas e para explorar a possibilidade de reforçar a interoperabilidade com outros sistemas informáticos antifraude da Comissão, como a Arachne e o EDES.
4.2.3.Cooperação no domínio das receitas
4.2.3.1.Programa Alfândega
Embora não vise diretamente a luta contra a fraude, o Programa Alfândega [Regulamento (UE) 2021/444] é um parceiro importante na proteção dos interesses financeiros e económicos da UE e dos Estados-Membros. Enquanto pilar do programa, os seus sistemas informáticos desempenham um papel essencial na facilitação do intercâmbio de informações e de dados, incluindo informações sobre riscos, entre os Estados-Membros, apoiando assim a cobrança dos vários direitos e impostos (por exemplo, direitos aduaneiros, IVA e impostos especiais de consumo sobre as importações). O programa apoia igualmente ações de colaboração, incluindo grupos de projeto, redes de peritos, seminários e atividades de formação e outras ações de apoio ao reforço das competências humanas, que permitem às autoridades dos Estados-Membros partilhar boas práticas e melhorar os controlos aduaneiros e a cobrança de direitos e impostos. Além disso, o recém-criado Instrumento de Apoio Financeiro aos Equipamentos de Controlo Aduaneiro [Regulamento (UE) 2021/1077], destinado a ser utilizado em todos os tipos de fronteiras, deve apoiar a União Aduaneira e o trabalho das autoridades aduaneiras, nomeadamente ajudando-as a proteger os interesses financeiros e económicos da UE, a garantir a segurança e a proteção na UE e a protegê-la do comércio desleal e ilegal, como a contrafação de mercadorias, facilitando simultaneamente as atividades comerciais legítimas.
4.2.3.2.Programa Fiscalis
O Programa Fiscalis [Regulamento (UE) 2021/847] abrange uma vasta gama de ações destinadas a apoiar a colaboração entre as autoridades fiscais dos Estados-Membros para proteger os interesses financeiros e económicos da UE e dos seus Estados-Membros, incluindo a sua proteção contra a fraude e a evasão e a elisão fiscais. O Programa Fiscalis proporciona igualmente às autoridades nacionais oportunidades de cooperação através da utilização de sistemas informáticos, atividades de colaboração e ações de reforço das competências humanas.
4.2.3.3.Operações Aduaneiras Conjuntas (OAC)
As operações aduaneiras conjuntas (OAC) são ações específicas de duração limitada, que visam combater a fraude e o contrabando de mercadorias sensíveis em zonas em risco específicas e/ou rotas comerciais identificadas.
Além dos inquéritos em casos de fraude nas receitas e de contrafação, o OLAF coordena OAC em grande escala que envolvem parceiros operacionais da UE e internacionais. O apoio prestado pelo OLAF é adaptado a cada OAC e pode incluir a utilização da sua infraestrutura técnica permanente, ferramentas informáticas e de comunicação, sobretudo a VOCU para o intercâmbio seguro de informações, bem como análises estratégicas e apoio administrativo e financeiro. Em 2021, o OLAF organizou ou coorganizou duas operações sobre máscaras e produtos do tabaco, tendo também participado em várias operações lançadas pelos Estados-Membros, pela Europol, pela Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (FRONTEX) ou pela OMA.
Quadro 2 – OAC em 2021
Operação
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Descrição
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S’CARE FACE
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Organizada pelo OLAF, em estreita coordenação com outras DG (DG TAXUD, GROW, SANTE e JUST) para melhorar o conhecimento, em toda a UE, do processo de autorização de introdução de máscaras na UE. A S’CARE FACE teve lugar entre janeiro e março de 2021. Durante a operação, os Estados-Membros participantes impediram a entrada de 49 milhões de máscaras contrafeitas ou não conformes com as normas no mercado da UE.
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SCORPION II
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Coorganizada pela Missão de Assistência Fronteiriça da União Europeia na Moldávia e na Ucrânia (EUBAM) e pelo OLAF, esta OAC, que visa o contrabando de produtos do tabaco na fronteira oriental da UE, resultou na apreensão de 8,5 milhões de cigarros.
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POSTBOX III
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Coorganizada pelas alfândegas italianas e pela Guardia di Finanza, com o apoio do OLAF, a colaboração da Europol e a participação de 20 Estados-Membros. A operação centrou-se no comércio ilegal de produtos contrafeitos, produtos farmacêuticos e mercadorias relacionadas com a COVID-19, drogas, espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção e na subavaliação de mercadorias utilizando tanto a Internet aberta como a Web obscura. A operação levou à apreensão de mais de 1 400 remessas de mercadorias ilícitas, incluindo mais de 35 000 unidades de mercadorias de contrafação, notas falsas com um valor aproximado de 240 000 EUR, mais de 1 500 artigos de materiais relacionados com a COVID-19, 240 kg de cigarros e tabaco de contrabando e mais de 20 kg de canábis e marijuana.
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ATHENA V
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Sobre o contrabando de dinheiro na UE através de serviços postais, de estafeta e de entrega de encomendas. Esta operação foi coordenada pela administração aduaneira espanhola com o apoio do OLAF e a participação de 13 Estados-Membros e da Europol. Durante a operação, foram controladas mais de 14 000 embalagens. A avaliação dos resultados está em curso.
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ARKTOS 3
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Ação conjunta liderada pela FRONTEX, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, e coliderada pela Lituânia e pela Polónia, apoiada pela INTERPOL, pelo OLAF, pela Eurojust e pela Europol, juntamente com guardas de fronteira e agentes policiais e aduaneiros da Estónia, da Finlândia, da Letónia, da Eslováquia e da Suécia. Visava a fraude em matéria de impostos especiais de consumo, em especial o contrabando de tabaco, a fraude documental e a introdução clandestina de migrantes em determinados pontos de passagem nas fronteiras terrestres orientais da UE. Em resultado da ação, as autoridades responsáveis pela aplicação da lei detetaram mais de 400 produtos do tabaco inovadores, como cigarros eletrónicos e líquido de enchimento. Entre as mercadorias ilegais apreendidas contam-se 6,7 milhões de cigarros ilegais e 2,6 toneladas de tabaco em rama, juntamente com meia tonelada de drogas ilegais. Foram detidos 15 contrabandistas e foram detetados mais de 200 documentos falsificados.
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Atividade conjunta CELBET 8
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Organizada pela equipa de peritos nas alfândegas das fronteiras terrestres de Leste e de Sudeste (CELBET) com o apoio do OLAF. Centrou-se nos controlos de dinheiro e na deteção de cigarros e outros produtos do tabaco ilegais, bem como de peças contrafeitas de veículos, vestuário, calçado e cosméticos, que entram na UE através da sua fronteira oriental.
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STOP II
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Organizada pela OMA, esta foi a maior operação mundial de sempre liderada pelas alfândegas, envolvendo 146 administrações aduaneiras membros, com o apoio da Europol, da INTERPOL, do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e a Criminalidade (UNODC) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), juntamente com empresas farmacêuticas e outros intervenientes do setor privado. A operação visava o comércio ilícito de medicamentos, vacinas e dispositivos médicos relacionados com a COVID-19. Resultou na apreensão de 365,7 milhões de unidades, das quais 195,5 milhões de medicamentos relacionados com a COVID-19, 156,7 milhões de dispositivos médicos (tais como kits de teste da COVID-19, máscaras, luvas usadas, gel hidroalcoólico e garrafas de oxigénio) e cerca de 13,5 milhões de doses de vacinas contra a COVID-19.
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LUDUS II
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Organizada pela Europol com a participação do OLAF, do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), da OMA e de 21 países. Conduziu à apreensão de mais de 5 milhões de brinquedos falsificados e ilegais, no valor de 18 milhões de EUR. As mercadorias apreendidas colocavam riscos como exposição química, estrangulamento, asfixia, choque elétrico, lesões auditivas e riscos de incêndio.
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OPSON X
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Operação conjunta Europol/INTERPOL que visava alimentos e bebidas falsificados e não conformes. O OLAF liderou uma ação específica sobre o vinho e as bebidas alcoólicas e coordenou o trabalho de 19 Estados-Membros e 3 países terceiros. Esta ação resultou na apreensão de cerca de 1,8 milhões de litros de vinho e bebidas alcoólicas pelas autoridades aduaneiras e policiais europeias: 215 000 litros de bebidas alcoólicas contrafeitas, sobretudo vinho e vodca; e 1 550 000 litros de várias bebidas alcoólicas, vinhos e cervejas, que infringiam regras fiscais ou normas de segurança alimentar.
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SHIELD II
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Organizada pela Europol. O OLAF liderou uma ação específica com 17 Estados-Membros contra substâncias contrafeitas e hormonais, suplementos alimentares e medicamentos para disfunção erétil, impedindo a entrada na UE de um total de 254 731 comprimidos e 131 027 frascos de vários medicamentos injetáveis e 278 kg de suplementos alimentares.
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DEMETER VII
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Coordenada pela OMA para combater o tráfico ilícito de resíduos, de substâncias destruidoras da camada de ozono (SDO) e de hidrofluorocarbonetos (HFC). Participaram nesta operação 102 serviços responsáveis pela aplicação da lei. O papel do OLAF consistiu em estabelecer o contacto entre a UE e países terceiros para obter informações, o que levou à deteção e apreensão de mais de 4 000 toneladas de resíduos (por exemplo, artigos eletrónicos usados, resíduos de pilhas/baterias, veículos usados, máquinas de impressão) e 493 elementos de SDO e HFC.
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SILVER AXE VI
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Operação anual liderada pela Europol. O OLAF participou nesta operação através da disponibilização de conhecimentos especializados para a identificação e a localização de remessas suspeitas. Durante a operação, que envolveu 35 países diferentes, foram apreendidas mais de 1 200 toneladas de pesticidas ilegais. Conduziu à apreensão de produtos ilegais e contrafeitos num valor estimado de 80 milhões de EUR. O OLAF partilhou informações operacionais com as autoridades aduaneiras dos Estados-Membros e da China, da Ucrânia, da Rússia e da Colômbia. Localizou remessas suspeitas de pesticidas ilegais, o que levou à apreensão de cerca de 39 toneladas no total.
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5.Principais medidas de proteção dos interesses financeiros da UE e de luta contra a fraude
5.1.Transposição da Diretiva PIF
A Diretiva (UE) 2017/1371 relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (Diretiva PIF) entrou em vigor em 5 de julho de 2017. O prazo para transposição da diretiva para o direito nacional terminou em 6 de julho de 2019.
Em 6 de setembro de 2021, a Comissão publicou o primeiro de três relatórios sobre a transposição da diretiva, tal como exigido pelo seu artigo 18.º. O relatório conclui que, embora todos os Estados-Membros tenham transposto a diretiva, são necessárias medidas adicionais para resolver as questões pendentes em matéria de conformidade. Sublinha que é necessário transpor corretamente as definições, sanções, regras de competência e prazos de prescrição da Diretiva PIF aplicáveis a fraudes e a outros crimes lesivos dos interesses financeiros da UE, a fim de permitir à Procuradoria Europeia conduzir inquéritos e exercer a ação penal de modo eficaz. O relatório sublinha igualmente que a cooperação entre a Procuradoria Europeia e os Estados-Membros é crucial.
Em dezembro de 2021, a Comissão decidiu instaurar processos por infração contra oito Estados-Membros por não terem transposto corretamente a Diretiva PIF. Em fevereiro de 2022, a Comissão instaurou processos por infração contra mais cinco Estados-Membros. Em maio de 2022, a Comissão instaurou processos por infração contra mais quatro Estados-Membros.
A Comissão continuará a tomar todas as medidas necessárias para assegurar a transposição correta e completa da Diretiva PIF, instaurando, se necessário, mais processos por infração.
A Comissão está a elaborar um segundo relatório sobre a transposição da Diretiva PIF, previsto para o terceiro trimestre de 2022. Esse relatório centrar-se-á na pertinência do limiar de 10 milhões de EUR para as infrações em matéria de IVA e na eficácia das disposições da diretiva no domínio da fraude no contexto dos contratos públicos e dos prazos de prescrição.
5.2.Luta contra o branqueamento de capitais
A fraude contra o orçamento da UE pode também ser o precursor de outros crimes (ou seja, pode ser uma infração principal). Assim, mesmo que não esteja diretamente ligado à proteção do orçamento da UE, o quadro jurídico da UE em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo é relevante neste contexto.
Todos os Estados-Membros comunicaram a transposição integral da Quinta Diretiva Branqueamento de Capitais relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.
5.3.Mecanismo de Recuperação e Resiliência
O Regulamento Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) entrou em vigor em 19 de fevereiro de 2021. O MRR financia reformas e investimentos nos Estados-Membros desde o início da pandemia, em fevereiro de 2020, até 31 de dezembro de 2026. Para beneficiar do MRR, os Estados-Membros têm de apresentar os seus planos nacionais de recuperação e resiliência à Comissão Europeia. Cada plano define as reformas e os investimentos a realizar até ao final de 2026, permitindo aos Estados-Membros receber financiamento até ao limite de uma dotação previamente acordada.
Cada plano deve dar resposta aos desafios identificados no Semestre Europeu, nomeadamente aplicando as recomendações específicas por país de 2019 e 2020 adotadas pelo Conselho. Deve também promover as transições ecológica e digital e tornar as economias e as sociedades dos Estados-Membros mais resilientes. Os investimentos têm de respeitar o princípio de «não prejudicar significativamente».
O MRR é um instrumento baseado no desempenho. O desembolso de subvenções e empréstimos a favor do Estado-Membro depende do cumprimento dos marcos e das metas acordados para a realização das reformas e dos investimentos previstos nos planos.
O Regulamento MRR exige que os Estados-Membros adotem todas as medidas adequadas para proteger os interesses financeiros da UE e assegurar que a utilização dos fundos cumpra o direito nacional e o direito da UE aplicáveis. Para este efeito, os Estados-Membros têm de prever um sistema de controlo interno eficaz e eficiente e a recuperação dos montantes indevidamente pagos ou utilizados de forma incorreta. Este novo modelo de prestação atribui aos Estados-Membros a importante responsabilidade de garantir a proteção destes recursos contra a fraude, a corrupção, os conflitos de interesses (definidos como «irregularidades graves») e o duplo financiamento.
Figura 4 – Processo de avaliação dos planos nacionais
Cada plano contém, por conseguinte, uma secção sobre controlo e auditoria, onde os Estados-Membros descrevem as medidas (incluindo medidas antifraude) que irão aplicar e identificam marcos e metas específicos para proteger os interesses financeiros da UE contra irregularidades graves e o duplo financiamento. A Comissão só pode avaliar positivamente um plano se os sistemas de controlo nele previstos merecerem uma avaliação positiva. Enquanto serviço da Comissão, o OLAF contribuiu para a avaliação dos planos de recuperação e resiliência dos Estados-Membros pela Comissão, prestando aconselhamento específico sobre medidas antifraude. Existe uma cooperação contínua com as autoridades nacionais para trocar pontos de vista e facilitar a divulgação de boas práticas e experiências (como a utilização de ferramentas informáticas – ver também a secção 4.2.1).
Síntese 11 – Operação SENTINEL
Em setembro de 2021, a Europol, o OLAF, a Procuradoria Europeia, a Eurojust e 21 Estados-Membros uniram forças no âmbito da operação SENTINEL para se prepararem para a esperada vaga de fraudes relacionadas com os fundos de recuperação. Para o efeito, a Europol criou um mecanismo interno específico para proceder ao tratamento de dados operacionais, ajudar o intercâmbio de informações e apoiar os processos em curso. As atividades conjuntas visaram a fraude, bem como a evasão fiscal, a fraude em matéria de impostos especiais de consumo, a corrupção, o peculato, a apropriação indevida de fundos e o branqueamento de capitais. Em fevereiro de 2022, a Europol e o OLAF publicaram um relatório conjunto intitulado «Assessing the Threats to the Next Generation EU (NGEU) Fund» [Avaliação das ameaças para o Fundo NextGenerationEU (NGEU)].
Entre as obrigações dos Estados-Membros no que diz respeito às medidas de proteção dos interesses financeiros da UE, destaca-se a recolha de dados sobre os beneficiários, contratantes, subcontratantes e beneficiários efetivos. A Comissão disponibilizou a Arachne aos Estados-Membros para utilizarem esta ferramenta no contexto do MRR.
No final de 2021, tinham sido adotados 22 planos nacionais; em 31 de julho de 2022, eram 25.
5.4.Proteção dos denunciantes
As atividades ilícitas e o abuso de direito podem ocorrer em qualquer organização, seja ela pública ou privada, de pequena ou grande dimensão. Podem assumir muitas formas, tais como corrupção, fraude, práticas irregulares ou negligência por parte das empresas. Se não forem combatidas, tais atividades podem prejudicar gravemente o interesse público. As pessoas que trabalham ou que estão contacto com uma organização no âmbito de atividades profissionais são frequentemente as primeiras a ter conhecimento dessas ocorrências e, por conseguinte, encontram-se em posição privilegiada para informar quem possa resolver o problema.
Os denunciantes, ou seja, as pessoas que comunicam (à organização em causa ou a uma autoridade externa) ou divulgam (ao público) informações sobre uma irregularidade obtidas em contexto profissional, contribuem para prevenir danos e detetar ameaças ou situações lesivas do interesse público que, de outra forma, poderiam permanecer ocultas.
No entanto, a nível europeu e nacional, a proteção dos denunciantes é desigual e fragmentada. Consequentemente, os denunciantes são frequentemente desencorajados de comunicar as suas preocupações ou suspeitas por receio de retaliação.
A Diretiva relativa à proteção das pessoas que denunciam infrações ao direito da UE, adotada em 23 de outubro de 2019, concedia aos Estados-Membros até 17 de dezembro de 2021 para a sua transposição para o direito nacional. Abrange muitos domínios fundamentais do direito da UE, como a luta contra o branqueamento de capitais, a proteção de dados, a proteção dos interesses financeiros da UE, a segurança dos alimentos e dos produtos, a saúde pública, a proteção do ambiente e a segurança nuclear.
No final de 2021, apenas cinco Estados-Membros tinham adotado legislação específica. Em junho de 2022, mais quatro Estados-Membros o tinham feito. Apenas um Estado-Membro ainda não deu início a qualquer procedimento nesse sentido. Três Estados-Membros até alargaram o âmbito de aplicação da diretiva.
Até 17 de dezembro de 2023, a Comissão tem de apresentar um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a execução e a aplicação da diretiva.
5.5.Conjunto de instrumentos no domínio do Estado de direito
No âmbito do conjunto de instrumentos no domínio do Estado de direito, a Comissão desenvolveu uma série de instrumentos para responder aos diferentes desafios que se colocam ao Estado de direito.
Este conjunto de instrumentos inclui o mecanismo europeu para o Estado de Direito, centrado no relatório anual sobre o Estado de direito. Tem por objetivo melhorar o conhecimento e a compreensão da evolução da situação nos Estados-Membros, a fim de poder identificar os desafios que se colocam ao Estado de direito, desenvolver possíveis soluções e direcionar o apoio numa fase precoce. O mecanismo prevê igualmente um processo de diálogo anual sobre o Estado de direito entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu, juntamente com os Estados-Membros, os parlamentos nacionais, a sociedade civil e outras partes interessadas.
5.5.1.Relatório sobre o Estado de direito – principais conclusões e destaques em relação à proteção dos interesses financeiros da UE
O relatório de 2021 sobre o Estado de direito, incluindo os seus 27 capítulos por país, apresenta uma evolução positiva e negativa nos Estados-Membros, no período de julho de 2020 a junho de 2021, em quatro domínios fundamentais para o Estado de direito: o sistema judicial, o quadro de luta contra a corrupção, o pluralismo e a liberdade dos meios de comunicação social e outras questões institucionais relacionadas com o equilíbrio de poderes. As questões relacionadas com o sistema judicial ou o quadro de luta contra a corrupção podem ter um impacto significativo na forma como os interesses financeiros da UE são protegidos num determinado Estado-Membro.
O terceiro relatório sobre o Estado de direito, adotado em julho de 2022, abrange o período de julho de 2021 a junho de 2022 e inclui, pela primeira vez, recomendações específicas dirigidas a todos os Estados-Membros, tal como anunciado pela presidente Ursula von der Leyen no discurso sobre o estado da União de 2021. Em consonância com a natureza preventiva do relatório, o objetivo das recomendações consiste em apoiar os Estados-Membros nos esforços de execução das reformas em curso ou planeadas, encorajar progressos e ajudá-los a identificar os domínios em que poderá ser necessário introduzir melhorias ou dar seguimento a mudanças ou reformas recentes, tendo igualmente em vista dar resposta a desafios sistémicos em certos casos.
5.5.2.Progressos na aplicação do Regulamento da UE relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da UE
O Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 relativo a um regime geral de condicionalidade visa proteger o orçamento da UE de violações dos princípios do Estado de direito que afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a sua boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da UE.
Em 2 de março de 2022, a Comissão adotou orientações que explicam o modo como irá aplicar o regulamento, incluindo a forma como os direitos dos destinatários finais e dos beneficiários do financiamento da UE serão protegidos (ver secção 7).
A Comissão deu início a um procedimento ao abrigo do Regulamento Condicionalidade.
5.6.Política anticorrupção
Em 2021, a Comissão continuou a prestar apoio técnico aos Estados-Membros no domínio da luta contra a corrupção e da integridade através dos seus programas, concretamente o Programa de Apoio às Reformas Estruturais e o recém-criado Instrumento de Assistência Técnica. O apoio técnico facilitou a análise dos procedimentos de seleção e avaliação de juízes e magistrados do Ministério Público, bem como a aplicação de medidas anticorrupção nos domínios da educação, do ambiente e do desporto. Algumas autoridades nacionais receberam apoio para estabelecer mecanismos de acompanhamento dos respetivos planos nacionais de luta contra a corrupção, rever as suas regras para gerir conflitos de interesses, assegurar a supervisão da despesa pública ou demonstrar a preparação para aderir à Convenção sobre a Luta contra a Corrupção da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE).
A Comissão organiza seminários de partilha de experiências em matéria de luta contra a corrupção em toda a UE. Em 13 de dezembro de 2021, o 14.º seminário dedicado à partilha de experiências reuniu representantes dos Estados-Membros da UE, da Comissão Europeia, da Europol e do meio académico para debater o tema da resiliência anticorrupção em tempos de crise. A Comissão apoia igualmente projetos destinados a melhorar a integridade e a combater a corrupção nos Estados-Membros da UE, entre outros. Em 2021, o Fundo para a Segurança Interna – Polícia (FSI – Polícia) 2014-2020 financiou projetos anticorrupção, entre os quais o projeto C.O.R.E, que visa desenvolver e validar um procedimento replicável de cálculo do risco de corrupção nos contratos públicos em tempos de pandemia, com base na recolha e no tratamento cruzado de dados sobre contratos públicos. O procedimento destina-se a melhorar a deteção do risco de corrupção numa fase mais precoce e a promover uma base de dados concretos mais sólida para a reforma das políticas, beneficiando principalmente as autoridades de luta contra a corrupção e os serviços responsáveis pela aplicação da lei, mas também os jornalistas e o público em geral em termos de realização dos objetivos de responsabilização.
A Comissão incentiva igualmente os Estados-Membros a adotarem estratégias nacionais de luta contra a corrupção, uma vez que estas asseguram que:
·os compromissos políticos se traduzem em ações concretas;
·as lacunas legislativas ou institucionais são colmatadas de forma coerente, abrangente e coordenada; e
·os esforços de luta contra a corrupção são adaptados a um contexto em evolução.
6.Resultados das atividades de controlo
6.1.Fontes de dados e metodologia
A presente secção baseia-se principalmente nos dados comunicados pelos Estados-Membros nos domínios dos recursos próprios tradicionais (RPT) e da gestão partilhada e pelos países candidatos no domínio da pré-adesão. Os dados relativos às despesas diretas (secção 6.1.2) são extraídos do sistema interno de contabilidade da Comissão. A caixa 2 especifica as condições em que é efetuada a comunicação de informações pelos Estados-Membros e a forma como essas informações são utilizadas na presente secção.
Caixa 2: Comunicação de irregularidades pelos Estados-Membros
Os regulamentos setoriais relativos aos RPT e aos fundos de gestão partilhada especificam uma série de condições em que os Estados-Membros têm de comunicar as irregularidades detetadas nesses domínios.
Utilizam dois sistemas informáticos para comunicar irregularidades: a OWNRES no domínio dos RPT e o SGI no domínio da gestão partilhada e da pré-adesão.
Em relação aos RPT, os Estados-Membros estão obrigados a comunicar as irregularidades e fraudes detetadas que envolvam mais de 10 000 EUR e a especificar na sua comunicação se o caso detetado está relacionado ou não com um comportamento fraudulento.
Quanto à gestão partilhada, aplica-se o mesmo limiar financeiro e os Estados-Membros têm de fornecer uma classificação da irregularidade comunicada, indicando se se trata de uma suspeita de fraude, de uma fraude comprovada ou de uma irregularidade (administrativa) simples. Os Estados-Membros podem atualizar as informações comunicadas sobre as irregularidades a qualquer momento, alterando também a sua classificação. No caso de uma irregularidade simples, são aplicáveis outras derrogações e os Estados-Membros não são obrigados a comunicar casos:
(1)Em que a irregularidade consiste só na falta de execução parcial ou total da operação incluída no programa operacional cofinanciado devido à insolvência do beneficiário;
(2)Assinalados à autoridade de gestão ou à autoridade de certificação pelo beneficiário, voluntariamente e antes da sua deteção por uma destas autoridades, tanto antes como após o pagamento da contribuição pública;
(3)Detetados e corrigidos pela autoridade de gestão ou pela autoridade de certificação antes da inclusão da despesa em questão numa declaração de despesas apresentada à Comissão.
No presente relatório, são utilizadas duas categorias gerais para os casos comunicados pelos Estados-Membros: irregularidades fraudulentas e irregularidades não fraudulentas.
As irregularidades fraudulentas são aquelas que os Estados-Membros classificaram como fraude nos RPT ou como suspeita de fraude ou fraude comprovada em relação à gestão partilhada e à pré-adesão.
Os restantes casos são designados por irregularidades não fraudulentas.
Em 2021, foram comunicadas, no total, 11 218 irregularidades, que envolviam cerca de 3,24 mil milhões de EUR. Em termos do número de irregularidades comunicadas, a situação é estável em comparação com 2020, registando-se uma ligeira diminuição de cerca de 5 %. No entanto, os montantes correspondentes representam um aumento significativo para mais do dobro em relação ao ano anterior (+121 %).
A caixa 3 apresenta uma breve nota metodológica sobre a forma de interpretar estes dados e os dados publicados nas secções seguintes.
Caixa 3: Nota metodológica
A comunicação de irregularidades está sujeita a algumas limitações.
No que diz respeito aos RPT, o tempo decorrido entre o momento em que as irregularidades são cometidas e o momento em que são detetadas depende do tipo de controlo: os controlos de desalfandegamento permitem uma deteção imediata, ao passo que os controlos após a autorização de saída são realizados no prazo de três anos para a notificação de uma dívida aduaneira. Por conseguinte, a deteção de irregularidades pode demorar até três anos a contar da autorização de saída das mercadorias. A comunicação após a deteção é geralmente célere, tendo em conta os prazos legais específicos aplicáveis.
Em relação às despesas, com exceção das irregularidades fraudulentas detetadas antes do pagamento, ou seja, evitadas, a grande maioria das irregularidades comunicadas (fraudulentas e não fraudulentas) são detetadas durante os controlos ex post. Tal significa que existe um intervalo de tempo entre o momento em que as irregularidades são cometidas e o momento em que são comunicadas à Comissão. Este intervalo situa-se, em média, entre dois anos e meio e três anos.
Grande parte das despesas da UE seguem também ciclos plurianuais, com a intensificação gradual da execução até ao encerramento do programa (geralmente n+2 ou n+3 em relação ao último ano do ciclo, ou seja, 2022-2023 em relação ao atual período de programação), representando também anos com um pico na comunicação de irregularidades.
Por estas razões, a comparação anual em termos de comunicação de irregularidades não fornece uma imagem fiável da situação, em especial no que se refere a variações relativas ao impacto financeiro, uma vez que este pode ser influenciado por um número muito reduzido de casos de elevado valor.
Por conseguinte, juntamente com as variações anuais, o presente relatório (e o documento de avaliação estatística das irregularidades que o acompanha) apresenta também uma perspetiva plurianual (por período de programação para a política de coesão e de pré-adesão e cinco anos para os outros setores), a fim de atenuar uma eventual distorção da análise pelos fatores acima referidos.
6.2.Receitas
Em 2021, a Comissão adotou uma proposta de alteração do Regulamento relativo à disponibilização com o objetivo de reforçar ainda mais o sistema de disponibilização de recursos próprios, a fim de assegurar pagamentos regulares e em tempo útil ao orçamento da UE. Além disso, foi implementada uma nova estratégia de aplicação destinada a reagir mais rapidamente a riscos futuros e a proteger melhor os RPT.
6.2.1.Fraude ao IVA
A Procuradoria Europeia tem competência para investigar infrações graves contra o sistema comum do IVA. Essas infrações devem estar relacionadas com o território de dois ou mais Estados-Membros e implicar prejuízos totais de, pelo menos, 10 milhões de EUR.
Em 2021, a Procuradoria Europeia investigou 91 casos deste tipo, com prejuízos estimados em 2,5 mil milhões de EUR.
6.2.2.Recursos próprios tradicionais
Em 2021, a pandemia de COVID-19 continuou a afetar a vida de todos os cidadãos e empresas na UE. Embora em 2020 a pandemia tenha sido vivida como uma situação de emergência, em 2021 tornou-se um dado adquirido, como atestam os valores relativos aos volumes de importação: após um decréscimo drástico das importações na UE-27 de 11,6 % em 2020, registou-se um aumento de 23 % em 2021.
Quadro 3– Receitas: Irregularidades detetadas e comunicadas pelos Estados-Membros – RPT – em 2021
Setor orçamental
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Irregularidades fraudulentas
|
Irregularidades não fraudulentas
|
TDF
|
TDI
|
|
N
|
Em milhões de EUR
|
N
|
Em milhões de EUR
|
%
|
%
|
Recursos próprios tradicionais
UE-27
|
482
|
157,1
|
3 506
|
366,8
|
0,63 %
|
1,48 %
|
Em 2021, o número de irregularidades fraudulentas e não fraudulentas relacionadas com os RPT (ver quadro 3) manteve-se bastante estável, registando uma diminuição de apenas 3 % em comparação com a média quinquenal. O número de irregularidades fraudulentas aumentou 1 % e as irregularidades não fraudulentas diminuíram 4 %. Do total de casos fraudulentos e não fraudulentos detetados em 2021, 12 % foram classificados como fraudulentos. O montante correspondente de RPT aumentou, tendo sido o montante de RPT mais elevado detetado nos últimos cinco anos. Tanto para as irregularidades fraudulentas como para as não fraudulentas, o montante de RPT detetado aumentou 32 % e 13 %, respetivamente, em comparação com a média quinquenal. No total, o montante de RPT aumentou 18 % em 2021 em relação à média de 2017-2021.
Os serviços antifraude nacionais, juntamente com os serviços aduaneiros, desempenharam um papel fundamental na deteção de casos fraudulentos em 2021. As inspeções realizadas pelos serviços antifraude revelaram-se a forma mais eficaz de detetar casos fraudulentos e superaram os controlos após a autorização de saída e os controlos de desalfandegamento na deteção de evasões fraudulentas a direitos aduaneiros. As irregularidades não fraudulentas foram principalmente detetadas por meio de controlos após a autorização de saída.
Síntese 12 – RPT: irregularidades mais frequentes e tipos de mercadorias em causa
A maioria dos casos comunicados em 2021 como fraudulentos e não fraudulentos dizem respeito a subavaliação, origem incorreta ou classificação/descrição incorreta das mercadorias. O contrabando continua a ser um dos principais tipos de fraude. Os têxteis e as máquinas e equipamentos elétricos foram os tipos de mercadorias mais afetados por fraudes e irregularidades em termos de número de casos e em termos monetários, seguidos por diversos produtos químicos, calçado e tabaco em termos de quantidades e por veículos e plásticos em termos de número de casos. Em 2021, a China continuou a ser o principal país de origem das mercadorias afetadas por irregularidades comunicadas como fraudulentas ou não fraudulentas.
Quanto aos produtos relacionados com a COVID-19, em 2021 observou-se um aumento significativo dos montantes comunicados como irregulares em relação a mercadorias como desinfetantes e produtos de esterilização, vestuário de proteção e consumíveis médicos. No entanto, a análise demonstra que o impacto das irregularidades que afetam as mercadorias relacionadas com a COVID-19 permaneceu relativamente baixo em 2021 (54 % do número total de irregularidades comunicadas e 6 % dos montantes correspondentes).
Em 2021, a Comissão continuou a realizar, no local ou à distância, as suas visitas de acompanhamento e controlo para garantir a aplicação correta da legislação da UE em matéria aduaneira e de RPT. Nos casos em que a cooperação e os progressos realizados na resolução de questões pendentes são considerados insuficientes, estão a ser aplicadas medidas corretivas.
Como referido no relatório PIF de 2020, a Comissão já aplicou medidas corretivas deste tipo contra o Reino Unido por subavaliação de têxteis e calçado provenientes da China. Em 8 de março de 2022, o Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão no processo C-213/19 contra o Reino Unido. A Comissão está a analisar as implicações desse acórdão do TJUE tanto para o Reino Unido (por exemplo, novo cálculo das perdas de RPT) como para os outros Estados-Membros.
Síntese 13 – Evasão e absorção de medidas de defesa comercial
O acompanhamento das medidas de defesa comercial existentes continuou a ser uma prioridade em 2021. Foi dada especial atenção às medidas de defesa comercial em que foi detetado um risco acrescido de elisão fiscal, através de práticas de evasão, da redução do preço de exportação ou da absorção do preço de revenda, após a instituição de medidas anti-dumping ou de compensação.
Em 2021, a Comissão deu início a quatro inquéritos sobre a eventual evasão às medidas sobre as importações de têxteis em fibra de vidro da Turquia e de Marrocos, após a instituição, em 2020, de direitos anti-dumping e de compensação sobre estes produtos originários da China e do Egito. Foi igualmente realizado um inquérito sobre práticas de absorção relativamente ao mesmo produto, originário do Egito. Estes elevaram o número total de inquéritos desse tipo iniciados nos últimos três anos para onze e dois, respetivamente. Além disso, em 2021, a Comissão apurou que os direitos anti-dumping em vigor sobre dois tipos diferentes de folha de alumínio para uso doméstico provenientes da China estavam a ser objeto de evasão através da Tailândia, onde o produto só era submetido a pequenas operações de montagem.
Alguns dos casos investigados, que envolviam transbordo após o produto em causa ter sido enviado da China para ser submetido a pequenas operações de montagem na Turquia e em Marrocos, são emblemáticos dos desafios colocados pela política chinesa «Uma Cintura, uma Rota» e da determinação da Comissão em tomar medidas firmes contra o comércio desleal daí resultante.
6.3.Despesas
Embora tenham sido introduzidos instrumentos e flexibilidades para fazer face à crise provocada pela pandemia de COVID-19, o orçamento da UE também enfrentou novos desafios e riscos. De um modo geral, a Comissão conseguiu manter um elevado nível de cobertura e garantia das auditorias. Foi também o que aconteceu nos Estados-Membros, que realizam a maior parte das auditorias e todos os controlos no âmbito da gestão partilhada.
Foi assim possível assegurar que a flexibilidade proporcionada não conduzia a um relaxamento dos controlos. As regras alteradas introduzidas nos procedimentos de controlo dos Estados-Membros foram limitadas no tempo e no âmbito, o que ajudou os beneficiários e os Estados-Membros em circunstâncias difíceis.
Foram também adotadas, ou já estavam em vigor, medidas de sólidas para atenuar os riscos associados à impossibilidade de realizar auditorias e controlos no local. Estas incluíram a substituição das auditorias no local por análises documentais e auditorias à distância, bem como a possibilidade de substituir as inspeções no local por soluções informáticas (fotografias com geomarcação, imagens de satélite, reuniões por videoconferência, etc.).
Neste contexto, e em conformidade com a tendência prevista, nos últimos cinco anos, o número de irregularidades comunicadas (fraudulentas e não fraudulentas) relacionadas com as despesas da UE para o período de programação de 2007-2013 diminuiu, ao passo que as relacionadas com o quadro financeiro de 2014-2020 têm vindo a aumentar, em consonância com os ciclos de execução, pelo que representam atualmente a grande maioria das irregularidades comunicadas (cerca de 90 %). As irregularidades comunicadas relacionadas com as despesas anuais (ajudas diretas aos agricultores e medidas de apoio ao mercado) mantiveram-se estáveis.
Quadro 4 – Despesas: Irregularidades detetadas e comunicadas por setor orçamental em 2021
Setor orçamental
|
Irregularidades fraudulentas
|
Irregularidades não fraudulentas
|
TDF
|
TDI
|
|
N
|
Em milhões de EUR
|
N
|
Em milhões de EUR
|
%
|
%
|
Agricultura
|
250
|
30,0
|
3 455
|
204,0
|
0,06 %
|
0,38 %
|
Desenvolvimento rural
|
144
|
16,5
|
2 400
|
94,7
|
0,12 %
|
0,68 %
|
Apoio à agricultura
|
98
|
13,0
|
1 015
|
107,5
|
0,03 %
|
0,27 %
|
Ambos/ambíguo
|
8
|
0,5
|
40
|
1,8
|
-
|
-
|
Fundos Europeus Estruturais e de Investimento
|
215
|
1 624,0
|
2 271
|
812,9
|
2,57 %
|
1,29 %
|
Coesão e regional
|
155
|
1 605,5
|
1 627
|
588,5
|
3,42 %
|
1,25 %
|
Política social
|
50
|
16,7
|
614
|
217,6
|
0,11 %
|
1,39 %
|
Pescas
|
10
|
1,8
|
70
|
6,8
|
0,35 %
|
1,32 %
|
Outros fundos de gestão partilhada
|
0
|
0
|
45
|
4,3
|
0,00 %
|
0,22 %
|
Pré-adesão
|
29
|
1,9
|
86
|
4,2
|
0,10 %
|
0,22 %
|
Assistência de pré-adesão
|
|
|
1
|
0,4
|
-
|
-
|
Instrumento de pré-adesão I
|
4
|
0,4
|
29
|
2,3
|
-
|
-
|
Instrumento de pré-adesão II
|
25
|
1,5
|
56
|
1,5
|
-
|
-
|
Despesas diretas
|
54
|
7,0
|
825
|
35,9
|
0,03 %
|
0,16 %
|
TOTAL
|
548
|
1 662,9
|
6 682
|
1 061,3
|
1,0 %
|
0,63 %
|
6.3.1.Gestão partilhada
Agricultura – A análise do período quinquenal (2017-2021) confirma os principais padrões salientados em relatórios PIF anteriores. Embora estejam a aumentar progressivamente, as irregularidades fraudulentas no setor do desenvolvimento rural relacionadas com o período de programação de 2014-2020 são, ainda assim, inferiores às comunicadas para o período de 2007-2013 após um período de execução comparável. A comunicação de casos de fraude no apoio à agricultura (incluindo as ajudas diretas e as medidas de mercado) permanece bastante estável ao longo do tempo, embora registe uma diminuição de 17 % em 2021 em relação ao ano anterior. A incidência de fraudes comunicadas proporcionalmente aos pagamentos continua a ser muito baixa no caso dos pagamentos diretos. Regista o valor mais elevado para as medidas de mercado, em especial no setor das frutas e produtos hortícolas e em relação aos programas nacionais de apoio ao setor vinícola. Os montantes financeiros em causa foram também relativamente elevados para a medida de mercado especificamente relacionada com a promoção dos produtos agrícolas.
No que diz respeito ao desenvolvimento rural e aos pagamentos diretos aos agricultores, a análise de risco e informações espontâneas da sociedade civil, incluindo os meios de comunicação social, dão um contributo marginal para a deteção de irregularidades fraudulentas e não fraudulentas. Em relação às medidas de mercado, a análise de risco desempenha um papel mais importante na deteção, uma vez que as entidades que recebem pagamentos submetem a documentação comercial a um controlo baseado no risco.
Síntese 14 – Luta contra a fraude na produção biológica
Com base no Plano de Ação para o Desenvolvimento da Produção Biológica, a Comissão reforçou ainda mais a luta contra a fraude na produção biológica. No que diz respeito à proteção dos interesses financeiros da UE, a Comissão sistematizou a verificação cruzada das informações constantes do sistema de informação sobre a agricultura biológica (OFIS) relativas a eventuais incumprimentos na produção biológica com as informações de que dispõe sobre a prestação de apoio financeiro da UE à produção biológica. Neste contexto, foi concedido ao OLAF acesso direto aos dados do OFIS.
Realizaram-se conversações exploratórias com a Procuradoria Europeia sobre a concessão de acesso aos dados do OFIS, embora já tenha sido concedido acesso ao TRACES.
Decorridos cerca de dez anos após a comunicação inicial, a proporção de casos de suspeita de fraude que não resultaram em condenação continua a ser muito elevada, enquanto a proporção de casos em que a fraude é comprovada é baixa. Esta situação poderá indicar a necessidade de investir mais na sua investigação e ação penal.
Síntese 15 – Agricultura: irregularidades detetadas com maior frequência
No período de 2017-2021, no que se refere aos pagamentos de ajudas diretas aos agricultores, a falsificação de provas documentais ou do pedido de ajuda foram as irregularidades fraudulentas detetadas com maior frequência. É possível falsificar uma vasta gama de documentos e informações, como contratos de arrendamento ou documentos relativos à propriedade, bem como documentos relacionados com o cumprimento dos requisitos de condicionalidade.
Em relação às medidas de mercado, a fraude dizia principalmente respeito à execução da ação, muitas vezes em combinação com outras violações. Foram registados montantes financeiros significativos em vários casos investigados pelo OLAF, em que os conflitos de interesses se combinavam com outras irregularidades, em relação à medida de mercado «Promoção». A criação de condições artificiais para receber apoio financeiro constitui um risco potencial.
No domínio do desenvolvimento rural, os autores das fraudes recorreram principalmente à prática de falsificação de documentos. Esta prática poderá envolver a falsificação de faturas, a declaração de equipamento em segunda mão como sendo novo, a manipulação de propostas no âmbito de procedimentos de adjudicação de contratos ou a prestação de informações falsas sobre o cumprimento das condições de concessão da ajuda. Um número significativo de irregularidades fraudulentas dizia respeito à não execução integral da ação. A criação de condições artificiais constitui também um risco potencial para o financiamento do desenvolvimento rural. Por exemplo, os beneficiários poderão dividir artificialmente as explorações agrícolas e solicitar ajuda através de várias empresas associadas, a fim de evitar os limites máximos do apoio.
Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) – Entre 2017 e 2021, o número de irregularidades fraudulentas e não fraudulentas no âmbito dos FEEI relacionadas com o período de programação de 2007-2013 diminuiu. O número de irregularidades comunicadas para o período de programação de 2014-2020 aumentou. Esta dinâmica está em consonância com as tendências e os padrões conhecidos de deteção e comunicação de irregularidades e está associada ao ciclo de execução dos programas plurianuais.
O número de irregularidades comunicadas como fraudulentas no período de programação de 2014-2020 foi consentâneo com o número de irregularidades detetadas no período de programação de 2007-2013 após o mesmo número de anos desde o início do período; situando-se em cerca de 1 %, a TDF foi mais elevada do que no período de 2007-2013. A situação é diferente no caso das irregularidades não fraudulentas. Neste caso, a diminuição do número e dos montantes financeiros comunicados decorridos oito anos desde início do período de programação é notável (ver síntese 17 para uma análise das razões subjacentes a este decréscimo).
Síntese 16 – Motivos da diminuição das irregularidades não fraudulentas no domínio da política de coesão
No que diz respeito, de um modo geral, às políticas de coesão e das pescas, o OLAF realizou uma análise específica com base nas irregularidades não fraudulentas comunicadas pelos Estados-Membros até 2020, inclusive. Esta análise identifica uma série de fatores que poderão explicar, em grande medida, este acentuado decréscimo.
Os atrasos na execução dos programas operacionais em questão poderão explicar parte da disparidade atual. Outra parte da diminuição das irregularidades não fraudulentas poderá ficar a dever-se a uma possível alteração das práticas de comunicação de informações por parte de algumas autoridades relativamente a irregularidades que envolvam menos de 10 000 EUR.
Para o período de programação de 2014-2020, foi alargada a possibilidade de utilizar opções de custos simplificados (OCS). Relativamente ao Fundo Social Europeu, o aumento da percentagem das despesas cobertas pelas OCS (de 7 % para 33 %) poderá ser um fator que contribui significativamente para a diminuição das irregularidades não fraudulentas.
Outro motivo poderão ser os atrasos na adaptação à alteração de uma derrogação à comunicação de irregularidades não fraudulentas, que ocorreu em 2009 e afetou a comunicação de informações durante o período de 2007-2013.
A introdução das contas anuais e a exclusão das avaliações em curso poderão também ter contribuído para essa diminuição. A partir do período de programação de 2014-2020, os Estados-Membros podem excluir das contas anuais as despesas para as quais esteja em curso uma avaliação da legalidade e regularidade. Com esta exclusão, os Estados-Membros evitam uma redução da contribuição de um determinado fundo, mesmo que existam irregularidades. Os Estados-Membros estão a recorrer a esta possibilidade.
Em determinadas condições, após sete anos de execução (final de 2020), o efeito combinado destes motivos explicaria cerca de dois terços da diminuição na comunicação de irregularidades não fraudulentas a nível da UE.
O efeito do aumento da capacidade administrativa é outro aspeto a ter em conta. Não existem indicadores para avaliar o aumento da capacidade dos organismos de execução e dos beneficiários, nem o impacto que tal poderia ter em termos de diminuição das irregularidades não intencionais. No entanto, existem alguns fatores pertinentes que apontam para efeitos positivos como, por exemplo: a) a adoção de medidas antifraude eficazes e proporcionadas a nível do programa operacional, que poderão ter resultado na deteção das irregularidades (fraudulentas e não fraudulentas) numa fase mais precoce e na sua prevenção; b) a melhoria da qualidade e da experiência das autoridades competentes (sobretudo em determinados Estados-Membros), incluindo os beneficiários; e c) maior participação da sociedade civil através dos pactos de integridade (ver síntese 18).
Por outro lado, o surto de COVID-19 poderá ter colocado maior pressão sobre a capacidade administrativa dos intervenientes nos sistemas de gestão e controlo. Tal poderá contribuir para a deteção de mais irregularidades nos próximos anos.
Os riscos de irregularidades aparentam ser mais elevados nos domínios da política de coesão relacionados com os transportes, a proteção do ambiente, a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação (IDT&I), a inclusão social e a promoção do emprego e da mobilidade laboral.
A análise aponta para riscos relacionados com a transição ecológica, nomeadamente em relação a investimentos na eficiência energética, no fornecimento de água potável, na gestão de resíduos, na energia renovável (solar) e na prevenção de riscos. Os riscos associados à transição digital parecem ser mais acentuados nos serviços e aplicações para as pequenas e médias empresas (PME) no que diz respeito ao número de irregularidades, e nos serviços e aplicações para a administração pública em linha no que diz respeito aos montantes financeiros envolvidos. Foram igualmente comunicadas irregularidades em relação a investimentos em infraestruturas para a transição digital.
No domínio da IDT&I, a análise sugere riscos mais elevados para os investimentos destinados a prestar assistência a estas atividades nas empresas. As medidas destinadas a estimular a investigação, a inovação e o empreendedorismo nas PME foram particularmente afetadas.
Os investimentos em infraestruturas de transportes registam riscos elevados, devido à frequência das irregularidades em projetos rodoviários genéricos, que afetam os níveis regional e local, e devido aos elevados montantes financeiros envolvidos em irregularidades relativas aos caminhos de ferro e às estradas da rede transeuropeia (RTE). Os investimentos em infraestruturas multimodais da RTE e nas redes de eletricidade também se afiguram arriscados.
Os riscos relacionados com a inclusão social, a pobreza e a discriminação parecem ser mais elevados para os investimentos em i) inclusão ativa; ii) infraestruturas de saúde; iii) melhoria do acesso aos cuidados de saúde e aos serviços sociais; iv) infraestruturas sociais e regeneração de zonas rurais e urbanas; v) investimentos a favor de comunidades marginalizadas; e vi) infraestruturas de acolhimento de crianças.
No que diz respeito à promoção do emprego e da mobilidade laboral, os riscos afiguram-se mais elevados para os investimentos i) na adaptação à mudança de trabalhadores e empresas, em especial operações de conceção e divulgação de métodos de trabalho inovadores e mais produtivos; ii) no acesso ao emprego, em especial operações que visam os candidatos a emprego e as pessoas inativas, incluindo os desempregados de longa duração e as pessoas afastadas do mercado de trabalho; e iii) apoio à atividade por conta própria e ao arranque de novas empresas.
Síntese 17 – FEEI: tipos de irregularidades detetadas
As irregularidades fraudulentas mais frequentes foram a utilização de documentos falsos ou falsificados. A infração fraudulenta das disposições contratuais/regras envolveu montantes financeiros elevados. Este tipo de fraude consistiu frequentemente na execução incompleta ou não execução da ação financiada. A maioria das irregularidades fraudulentas em matéria de ética e integridade diziam respeito a conflitos de interesses. As infrações às regras em matéria de contratos públicos foram as irregularidades não fraudulentas comunicadas com maior frequência, mas apenas em 4 % destes casos foram detetadas fraudes.
A análise dos riscos ainda contribui de forma marginal para a deteção de fraudes, mas as informações da sociedade civil (incluindo as informações publicadas nos meios de comunicação social) desempenham um papel significativo e cada vez mais importante. A situação é diferente no caso das irregularidades não fraudulentas. É possível melhorar a deteção de fraudes e irregularidades através de projetos de análise temática dos riscos ex post centrados em grupos de operações anteriores.
Síntese 18 – Pactos de integridade e cooperação com a sociedade civil
Os pactos de integridade, um instrumento de acompanhamento apoiado pela sociedade civil e que visa aumentar a transparência, a responsabilização e a boa governação na contratação pública, são promovidos nos programas de 2021-2027 em fase de conceção e avaliação. Com a conclusão dos 18 projetos-piloto (em 11 Estados-Membros, entre 2016 e 2021), a Comissão incentiva os Estados-Membros a continuarem a implementar pactos de integridade em projetos específicos financiados por fundos da UE, integrando gradualmente esses pactos nos seus programas, e presta apoio neste domínio aos Estados-Membros, concretamente através do conjunto de instrumentos recentemente publicado.
Decorridos cerca de dez anos após a comunicação inicial, a proporção de casos de suspeita de fraude que não resultaram em condenação continua a ser muito elevada, enquanto a proporção de casos em que a fraude é comprovada é baixa. Esta situação poderá indicar a necessidade de investir mais na sua investigação e ação penal.
Outros fundos de gestão partilhada – No que diz respeito aos fundos de gestão partilhada para outras políticas internas, o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD) foi o mais afetado pela fraude. Mais de 90 % das irregularidades não fraudulentas detetadas estavam relacionadas com os seguintes fundos: o Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI), o FEAD e a Iniciativa para o Emprego dos Jovens (IEJ).
6.3.2.Gestão indireta
Pré-adesão – As irregularidades comunicadas neste domínio em 2021 estão a diminuir em comparação com a média quinquenal (-23 % em número de irregularidades e -48 % em termos de montantes financeiros irregulares). Durante o mesmo período, o maior número de irregularidades detetadas dizia respeito à assistência de pré-adesão para o desenvolvimento rural (IPARD) e à cooperação transfronteiriça.
6.3.3.Gestão direta
As irregularidades fraudulentas detetadas pela Comissão relacionadas com as despesas diretas diminuíram desde 2016 e mantiveram-se estáveis nos últimos quatro anos, não obstante terem registado um aumento marginal em 2021. As irregularidades não fraudulentas continuaram a diminuir e 2021 foi o ano com o valor mais baixo, tanto no que diz respeito ao número de casos como aos montantes em causa.
Síntese 19 – Despesas diretas: irregularidades detetadas com maior frequência e domínios de intervenção em causa
Os tipos de irregularidades mais frequentes dizem respeito à elegibilidade das despesas e a deficiências na execução/não execução.
Em 2021, os domínios de intervenção mais afetados por irregularidades foram a investigação e a inovação; o mercado único; a segurança, defesa e gestão das fronteiras; os investimentos estratégicos europeus; e as ações externas.
7.Perspetivas para 2022, conclusões e recomendações
A pandemia de COVID-19 trouxe novos desafios aos quais a UE reagiu de forma célere e flexível, mobilizando novos instrumentos e recursos. Os desafios e as consequências desta crise ainda não foram totalmente superados, mas a invasão da Ucrânia pela Rússia gerou uma nova dinâmica importante, com profundas implicações para a UE e para a sua economia e sociedade.
Em 18 de maio de 2022, a Comissão apresentou um pacote para abordar os temas que passaram para primeiro plano desde a invasão da Ucrânia, desde a segurança do aprovisionamento energético até ao défice de investimento da UE em matéria de defesa e à reconstrução a longo prazo da Ucrânia. Todos estes temas terão repercussões no orçamento da UE.
O orçamento da UE já está sob pressão, uma vez que estão a ser aplicadas novas medidas para fazer face às repercussões de acontecimentos recentes (por exemplo, o REPowerEU), as prioridades estão a mudar (migração) e é necessário assegurar a aplicação do mais vasto pacote de sanções alguma vez aprovado contra um país (em geral, mas também em relação a indivíduos específicos), com efeitos nas receitas (importação e exportação de mercadorias) e nas despesas (exclusões dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos e de subvenções) da UE.
Com a introdução do MRR e a execução dos planos nacionais de recuperação e resiliência, o papel das autoridades nacionais na garantia de um nível adequado de proteção dos interesses financeiros da UE já aumentou significativamente. Em 2022 e nos anos seguintes, as administrações nacionais permanecerão sujeitas a uma elevada pressão, uma vez que também terão de executar as despesas do ciclo de programação de 2021-2027 e terão de dispor de conhecimentos especializados e controlar as diferentes modalidades de gestão associadas à execução dos vários fundos.
7.1.Espaço antifraude da UE
Os resultados do OLAF e da Procuradoria Europeia em 2021 mostram o valor acrescentado que a dimensão da UE pode trazer à proteção dos interesses financeiros da UE e à luta contra a fraude, superando os limites inerentes aos sistemas nacionais, nomeadamente no combate à criminalidade transfronteiras.
Mais importante ainda, revelam também a necessidade de continuar a trabalhar no sentido de um espaço antifraude da UE cada vez mais harmonizado, o que exige, em especial, que a legislação nacional esteja em consonância com o direito da UE e os seus princípios.
O Regulamento 2020/2092 relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (Regulamento Condicionalidade) é aplicável desde 1 de janeiro de 2021, produzindo efeitos vinculativos a partir dessa data. Abrange todas as violações dos princípios do Estado de direito num Estado-Membro que afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da UE e os interesses financeiros da UE após essa data.
O Regulamento Condicionalidade permite à UE adotar medidas (por exemplo, a suspensão de pagamentos ou correções financeiras) para proteger o orçamento, assegurando ao mesmo tempo que os beneficiários finais dos fundos da UE continuam a receber os seus pagamentos diretamente dos Estados-Membros em causa. A conduta das autoridades públicas em relação à fraude figura entre as situações que, se forem afetadas por violações dos princípios do Estado de direito, poderão ser relevantes no âmbito do procedimento estabelecido pelo Regulamento Condicionalidade.
Em 16 de fevereiro de 2022, o Tribunal de Justiça Europeu negou provimento aos recursos interpostos por dois Estados-Membros (C-156/21 e C-157/21), tendo decidido que o regulamento é abrangido pela competência conferida pelos Tratados para estabelecer regras financeiras para a execução do orçamento da UE. Em 2 de março de 2022, a Comissão publicou orientações para a aplicação do regulamento, que têm em conta o acórdão do Tribunal de Justiça.
Recomendação 1 – Transposição correta da Diretiva PIF
Os Estados-Membros contra os quais a Comissão deu início a procedimentos de infração devem tomar rapidamente medidas corretivas e alterar a legislação nacional para transpor corretamente a Diretiva PIF.
Um espaço antifraude da UE coerente e cada vez mais harmonizado contribui também para eliminar eventuais lacunas na arquitetura global de controlo suscetíveis de serem exploradas pelos autores de fraudes.
Recomendação 2 – Participação na Procuradoria Europeia
A Comissão reitera o seu apelo a que os Estados-Membros que ainda não aderiram à Procuradoria Europeia o façam. Os Estados-Membros que participam na Procuradoria Europeia devem assegurar que esta está em condições de exercer todos os poderes que lhe são conferidos pelo seu regulamento de base.
7.2.Transparência, gestão do risco de fraude e digitalização da luta contra a fraude
Para o QFP 2021-2027 e o NextGenerationEU, a Comissão apresentou propostas destinadas a melhorar a qualidade dos dados e a interoperabilidade dos sistemas informáticos relativos aos destinatários do financiamento da UE nos casos em que o orçamento é executado em regime de gestão partilhada e no âmbito do MRR.
Uma das propostas da Comissão aceites pelos colegisladores para o MRR e a política de coesão exige que os Estados-Membros registem e conservem dados sobre os destinatários do financiamento da UE e os seus beneficiários efetivos. Para a PAC, os Estados-Membros recolherão, quando pertinente, dados relativos aos grupos a que os beneficiários pertencem.
Com a alteração seletiva do Regulamento Financeiro, a Comissão tenciona melhorar ainda mais a forma como as informações sobre a utilização do orçamento da UE e sobre os beneficiários do financiamento da UE são disponibilizadas ao público. Propôs exigir que os Estados-Membros e outros organismos que executam o orçamento da UE ao abrigo de todas as modalidades de gestão forneçam anualmente à Comissão informações sobre os respetivos destinatários de financiamento da UE, incluindo identificadores únicos caso os referidos destinatários sejam pessoas coletivas. Importa proteger os direitos dos beneficiários ao respeito pela sua vida privada e pelos seus dados pessoais. A Comissão juntaria a essas informações os dados sobre gestão direta que tem ao seu dispor e seria responsável pela consolidação, centralização e publicação das informações numa base de dados num único sítio Web, que abrangeria todas as modalidades de gestão. Esse sítio Web seria uma versão melhorada do Sistema de Transparência Financeira atualmente utilizado para a gestão direta.
A alteração seletiva do Regulamento Financeiro proporciona outra oportunidade para reforçar a proteção do orçamento da UE contra irregularidades, fraude, corrupção e conflitos de interesses.
Em primeiro lugar, a Comissão propôs tornar obrigatória a utilização de um único sistema informático integrado para a extração de dados e a avaliação do risco. A utilização do sistema existente, Arachne, é voluntária e, embora já seja amplamente utilizado na política de coesão e esteja a ser introduzido para as despesas agrícolas, a sua utilização obrigatória seria um importante passo em frente.
Em segundo lugar, a Comissão também propõe alargar o âmbito e aumentar a eficácia do sistema de deteção precoce e de exclusão (EDES). Este sistema consiste num conjunto de medidas contra operadores económicos não fiáveis. Em especial, permite detetar operadores económicos fraudulentos ou não fiáveis numa fase precoce e eventualmente excluí-los do financiamento da UE. As práticas proibidas incluem um vasto leque de comportamentos que afetam a integridade profissional (tais como fraude, corrupção e falta profissional grave) e incumprimentos contratuais (como deficiências graves na execução de contratos financiados pela UE). A este respeito, a Comissão propôs igualmente alargar o sistema aos beneficiários em regime de gestão partilhada com base numa abordagem proporcionada e direcionada. O objetivo é garantir que as decisões de exclusão tomadas a nível da UE são aplicadas pelas autoridades dos Estados-Membros no regime de gestão partilhada. A Comissão propôs ainda permitir que as entidades afiliadas e/ou os beneficiários efetivos de uma entidade primária excluída sejam excluídos dos concursos públicos e, em última análise, da obtenção de fundos da UE.
Em terceiro lugar, as alterações do Regulamento Financeiro propostas, se aprovadas pelos colegisladores, aumentarão a eficiência e a qualidade dos controlos e das auditorias com a ajuda da digitalização e de tecnologias emergentes, como a aprendizagem automática, a automatização robótica de processos e a inteligência artificial. Estes aspetos assumem maior visibilidade no Regulamento Financeiro, tendo em vista uma utilização mais ampla e mais coerente das auditorias e controlos digitais, reduzindo simultaneamente o custo dos controlos e das auditorias. A digitalização da luta contra a fraude será também um tema a contemplar na revisão do plano de ação que acompanha a Estratégia Antifraude da Comissão, prevista para 2023.
Recomendação 3 – Digitalização da luta contra a fraude
Enquanto a revisão do Regulamento Financeiro estiver em curso, a Comissão convida os Estados-Membros a fazerem pleno uso dos instrumentos ao seu dispor (Arachne, EDES, SGI) e incentiva o desenvolvimento de soluções interoperáveis com os sistemas nacionais, a fim de concretizar plenamente o seu potencial.
Uma abordagem oportuna e proativa à avaliação e monitorização dos riscos é indispensável para a proteção eficaz dos interesses financeiros da UE. Tal inclui a utilização de todas as fontes de informação disponíveis, o intercâmbio de informações entre os serviços envolvidos e o rápido retorno de informação sobre as medidas tomadas. Essa avaliação permanente, o intercâmbio de informações e o acompanhamento dos riscos, das tendências de fraude e do retorno de informação são necessários para aperfeiçoar as medidas a tomar para proteger melhor os interesses financeiros da UE.
Recomendação 4 – Reforçar a análise do risco de fraude
Os Estados-Membros devem adotar uma abordagem proativa para proteger os interesses financeiros da UE, o que implica a utilização de dados de todas as fontes disponíveis, a análise dos dados e o intercâmbio de informações, nomeadamente com as autoridades responsáveis pela aplicação da lei e a Comissão, a fim de identificar e dar resposta aos riscos emergentes e às tendências de fraude em tempo útil.
Os Estados-Membros devem também agir com base nas informações fornecidas pela Comissão neste e noutros relatórios de análise estratégica e relatórios temáticos e fornecer rapidamente informações sobre as medidas adotadas para ajudar a acompanhar os riscos e as tendências de fraude.