29.6.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 228/108


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2011/36/UE relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas

[COM(2022) 732 final — 2022/0426 (COD)]

Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre os progressos alcançados na luta contra o tráfico de seres humanos (quarto relatório)

[COM(2022) 736 final]

(2023/C 228/15)

Relator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Correlator:

Pietro Vittorio BARBIERI

Consulta

Comissão Europeia, 8.2.2023

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

3.4.2023

Adoção em plenária

27.4.2023

Reunião plenária n.o

578

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

125/01/01

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O tráfico de seres humanos é um crime execrável e uma violação grave dos direitos fundamentais das pessoas. A Estratégia de Segurança da União Europeia de 2020 destaca o papel da criminalidade organizada no tráfico de seres humanos e os custos pessoais envolvidos.

1.2.

Em 2011, foi adotada a Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (1) relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas. Em 2021, a Comissão Europeia aprovou a Estratégia da UE em matéria de Luta contra o Tráfico de Seres Humanos para 2021-2025 e indicou que seria pertinente avaliar a aplicação da diretiva com vista à sua melhoria.

1.3.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com agrado o quarto relatório sobre os progressos, que destaca a evolução deste fenómeno, bem como a proposta de alteração da Diretiva relativa à luta contra o tráfico de seres humanos. A diretiva visa prevenir e combater o tráfico de seres humanos e proteger as vítimas. Para o efeito, está estruturada em três quadros de ação: i) criminalização, investigação e exercício da ação penal relativamente ao tráfico de seres humanos, incluindo a definição de infrações, penas e sanções; ii) assistência e apoio às vítimas de tráfico de seres humanos, bem como a sua proteção; e iii) prevenção do tráfico de seres humanos.

1.4.

O CESE congratula-se com o alargamento da definição das diferentes formas de exploração. Concorda que estes crimes devem ser entendidos como uma lista não exaustiva, uma vez que, infelizmente, as formas de exploração assumem diariamente novas facetas. Considera que os Estados-Membros devem entender desta forma a questão do tráfico, adotando uma visão global das questões relacionadas com a exploração.

1.5.

O CESE considera pertinente reforçar a perspetiva de género no conteúdo e na aplicação da diretiva, uma vez que a grande maioria das vítimas são mulheres e raparigas. Do mesmo modo, deve prestar-se especial atenção às situações de vulnerabilidade que podem favorecer o recrutamento e a exploração por redes criminosas e outras entidades. Além disso, é necessário prestar mais atenção a outros grupos vulneráveis, como os refugiados, os requerentes de asilo e as pessoas sem documentos ou titulares de um estatuto de residência precário.

1.6.

O CESE congratula-se com a referência explícita à dimensão em linha dos crimes relacionados com o tráfico de seres humanos. A utilização das novas tecnologias facilitou os crimes relacionados com o tráfico de seres humanos, proporcionando e permitindo um maior acesso às vítimas e a sua exploração, para além de criar mais dificuldades no controlo dos lucros obtidos com estes crimes.

1.7.

O CESE apoia o desenvolvimento pela Comissão de um sistema de sanções mais eficaz. Uma vez que a avaliação revelou que a maioria dos Estados-Membros não desenvolveu plenamente as medidas punitivas de caráter facultativo, o novo sistema obrigatório, que distingue entre infrações comuns e infrações agravadas, reforça a luta contra os crimes de tráfico.

1.8.

O CESE considera também positiva a possibilidade de penalizar as pessoas coletivas com sanções que as possam excluir de ajudas ou apoios públicos, com o encerramento temporário ou definitivo de estabelecimentos ou com a proibição temporária ou permanente de exercer atividade comercial. O CESE considera que a utilização consciente de serviços objeto de exploração poderia ser articulada com a Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, para que as empresas que beneficiam das diferentes formas de exploração também possam ser responsabilizadas.

1.9.

O CESE considera que a diretiva deve prestar mais atenção às vítimas de tráfico de seres humanos e recorda a obrigação dos Estados-Membros de cuidarem das vítimas, de as protegerem e de garantirem, na medida do possível, a sua inclusão social. Para além de recordar a necessidade de não punir as vítimas do tráfico, a diretiva deve reforçar os mecanismos e instrumentos de assistência e apoio às vítimas, especialmente as pertencentes a grupos vulneráveis.

1.10.

O CESE solicita à Comissão que inclua na sua proposta de diretiva a necessidade de cumprir a Diretiva 2004/81/CE (2) do Conselho, de 2004, relativa ao título de residência concedido aos nacionais de países terceiros que sejam vítimas do tráfico de seres humanos ou objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal, e que cooperem com as autoridades competentes.

1.11.

O CESE reitera a importância de trabalhar na prevenção do tráfico de seres humanos, salientando a necessidade de reduzir a procura de qualquer forma de exploração. Como referido no relatório, a procura de mão de obra barata e de prostituição continua a aumentar, embora esteja frequentemente ligada à existência de crimes relacionados com o tráfico de seres humanos.

1.12.

O CESE concorda com a necessidade de melhorar a recolha de dados, mas também de aperfeiçoar os instrumentos para identificar estes crimes de forma mais eficaz. Como salientado no relatório, é evidente que existe um número significativo de casos não denunciados, situação que deve ser corrigida e combatida mediante a coordenação e cooperação entre os Estados-Membros, bem como com as instituições europeias.

1.13.

O CESE considera que se deve tirar partido da apresentação da proposta de diretiva em apreço para sensibilizar e comunicar melhor a necessidade de reforçar a luta contra o tráfico de seres humanos. A violação de direitos decorrente dos diferentes tipos de exploração exige uma resposta abrangente e multidimensional, em que se afigura fundamental o papel dos cidadãos na luta contra a impunidade e a normalização desses abusos.

1.14.

O CESE recorda que são vários os fatores que influenciam o tráfico de seres humanos, incluindo: a «feminização da pobreza», as disparidades entre homens e mulheres no acesso à educação e aos recursos, as desigualdades em matéria de cuidados médicos e saúde, a propagação da violência de género em todo o mundo e, de forma mais geral, a disparidade social entre homens e mulheres.

1.15.

A criação pelos Estados-Membros de novos mecanismos de referenciação nacionais, envolvendo as organizações da sociedade civil na identificação das vítimas e na prestação de serviços de apoio, constitui um passo importante e necessário. Poderia ser criado um novo instrumento para cada Estado-Membro: um organismo independente de controlo e garantia, com um relator nacional incumbido de acompanhar a eficácia das medidas aplicadas pelos Estados-Membros na luta contra o tráfico, realizar investigações e colaborar com as partes interessadas públicas e privadas que enfrentam o fenómeno a vários níveis.

2.   Observações gerais

2.1.

O tráfico de seres humanos foi definido internacionalmente pelas Nações Unidas em 2000:

Por «tráfico de pessoas» entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração (artigo 3.o do Protocolo das Nações Unidas relativo ao tráfico de pessoas, 2000);

A exploração inclui «a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos».

2.2.

O tráfico de seres humanos é um crime execrável e uma violação grave dos direitos fundamentais das pessoas. A Estratégia de Segurança da União Europeia de 2020 destaca o papel da criminalidade organizada no tráfico de seres humanos e os custos pessoais envolvidos.

2.3.

Em 2011, foi adotada a Diretiva 2011/36/UE relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas (a «Diretiva Antitráfico»), o que constituiu um passo importante na harmonização das regras entre os Estados-Membros. Em 2021, a Comissão aprovou a Estratégia da UE em matéria de Luta contra o Tráfico de Seres Humanos para 2021-2025 e indicou que seria pertinente avaliar a aplicação da diretiva com vista à sua melhoria.

2.4.

A avaliação efetuada pela Comissão abrange o período desde a transposição da diretiva (abril de 2013 até março de 2022) e assenta em dados recolhidos a nível europeu e em informações qualitativas resultantes de contactos com peritos e entidades especializadas.

2.5.

A avaliação interna da Comissão salientou as dificuldades em identificar corretamente o número real de vítimas, uma vez que se considera tratar-se de uma subestimativa as 55 314 identificadas entre 2013 e 2022. A exploração sexual continua a ser a forma predominante de exploração do tráfico de seres humanos, representando 55,7 % dos casos assinalados em 2021, sendo que a exploração laboral assume proporções cada vez mais importantes, em particular em setores como a agricultura, a construção ou os serviços de prestação de cuidados. As vítimas menores representam 21 % do total, enquanto as mulheres e raparigas representam 75 % das vítimas do tráfico.

2.6.

A avaliação e o relatório salientam que o número de ações penais e condenações é muito baixo, o que pode contribuir para uma cultura de impunidade entre os traficantes. As redes sociais criaram novas oportunidades para as redes criminosas que operam na UE, a maioria das quais está envolvida no tráfico de seres humanos. A guerra na Ucrânia pode também conduzir a um aumento da introdução clandestina e do tráfico de pessoas. O tráfico de seres humanos continua a ser um crime de baixo risco e lucros elevados.

2.7.

Embora a diretiva tenha servido para estabelecer um quadro comum de legislação contra o tráfico de seres humanos, veio igualmente pôr a descoberto as dificuldades em realizar progressos na luta contra certas formas de exploração que não são abrangidas pela definição de tráfico e criminalidade transfronteiriça. A diretiva identifica igualmente os domínios em que existe margem para melhorias nos processos de investigação e ação penal contra os traficantes, bem como a necessidade de melhorar as capacidades policiais e judiciais para realizar investigações financeiras relacionadas com o tráfico de seres humanos.

2.8.

Embora a diretiva também se concentre na proteção contra o tráfico de seres humanos, a avaliação demonstrou que há margem para melhorias, nomeadamente em questões como a aplicação dos princípios da não instauração de ação penal e não aplicação de sanções à vítima, a proteção das vítimas em processos de investigação ou judiciais e a prestação de assistência adequada às especificidades e necessidades das vítimas, especialmente no caso de menores e grupos vulneráveis. As deficiências na recolha e no tratamento de dados sobre o tráfico são também identificadas como um problema.

2.9.

A avaliação reconhece a importância da diretiva como ponto de viragem na luta contra o tráfico na UE. Ao mesmo tempo, salienta também a necessidade de fazer progressos no desenvolvimento de instrumentos para melhorar a monitorização, a prevenção, a ação penal e a judicialização do tráfico e dos traficantes, bem como para melhorar a assistência às vítimas.

2.10.

Neste contexto, a proposta apresentada pela Comissão tem por objetivo alterar a diretiva. A proposta visa definir uma série de medidas para melhorar a prevenção e a luta contra o tráfico de seres humanos na UE e para melhorar a proteção das vítimas.

3.   Sobre a Diretiva relativa à luta contra o tráfico de seres humanos

3.1.

A Diretiva relativa à luta contra o tráfico de seres humanos visa prevenir e combater o tráfico de seres humanos e proteger as vítimas. Para o efeito, está estruturada em três quadros de ação: i) criminalização, investigação e exercício da ação penal relativamente ao tráfico de seres humanos, incluindo a definição de infrações, penas e sanções; ii) assistência e apoio às vítimas de tráfico de seres humanos, bem como a sua proteção; e iii) prevenção do tráfico de seres humanos.

3.2.

O CESE congratula-se com a proposta de alteração da diretiva em apreço, uma vez que concorda com a necessidade de realizar mais progressos e melhorias na luta contra o tráfico de seres humanos e na proteção das vítimas. O CESE concorda que o crime de tráfico de seres humanos se tornou uma ameaça crescente, num contexto mais complexo do que em 2011.

3.3.

O CESE congratula-se com o alargamento da definição das diferentes formas de exploração e com o facto de o relatório lhes fazer referência. Embora a exploração sexual continue a ser a mais comum nos casos de tráfico de seres humanos, seguida da exploração laboral, existem outras formas que são abrangidas pela diretiva (exploração para mendicidade, para o exercício de atividades criminosas ou para o tráfico de órgãos), algumas das quais também têm vindo a aumentar nos últimos anos. Do mesmo modo, surgiram outros métodos que não estavam incluídos na diretiva, mas que também podem ser considerados formas de tráfico, como os casamentos forçados, a gestação de substituição ou as adoções ilegais. O CESE acolheria favoravelmente a inclusão de uma referência a «condições de trabalho particularmente abusivas», tal como consta da Diretiva Sanções Aplicáveis aos Empregadores. O CESE considera que são necessárias orientações suplementares da Comissão sobre as definições de todas estas diferentes formas possíveis, a fim de assegurar uma aplicação mais uniforme pelos Estados-Membros.

3.4.

O CESE concorda que estes crimes devem ser entendidos como uma lista não exaustiva, uma vez que, infelizmente, as formas de exploração assumem diariamente novas facetas. Considera que os Estados-Membros devem entender desta forma a questão do tráfico, adotando uma visão global das questões relacionadas com a exploração.

3.5.

O CESE considera pertinente reforçar a perspetiva de género no conteúdo e na aplicação da diretiva, uma vez que a grande maioria das vítimas são mulheres e raparigas. Do mesmo modo, deve prestar-se especial atenção a grupos vulneráveis específicos, como os refugiados, os requerentes de asilo e as pessoas sem documentos ou titulares de um estatuto de residência precário, bem como às situações de vulnerabilidade que podem favorecer o recrutamento e a exploração por redes criminosas. O CESE assinala que são vários os fatores que influenciam o tráfico de seres humanos, incluindo: a «feminização da pobreza», as disparidades entre homens e mulheres no acesso à educação e aos recursos, as desigualdades em matéria de cuidados médicos e saúde, a propagação da violência de género em todo o mundo e, de forma mais geral, a disparidade social entre homens e mulheres.

3.6.

O CESE congratula-se com a referência explícita à dimensão em linha dos crimes relacionados com o tráfico de seres humanos. A utilização das novas tecnologias facilitou os crimes relacionados com o tráfico de seres humanos, proporcionando e permitindo um maior acesso às vítimas e a sua exploração, para além de criar mais dificuldades no controlo dos lucros obtidos com estes crimes. As redes sociais facilitaram o recrutamento e a exploração das vítimas e incorporaram novos abusos nas situações de exploração, como a distribuição de imagens, vídeos, etc.

3.7.

O CESE apoia o desenvolvimento pela Comissão de um sistema de sanções mais eficaz. Uma vez que a avaliação revelou que a maioria dos Estados-Membros não desenvolveu plenamente as medidas punitivas de caráter facultativo, o novo sistema obrigatório, que distingue entre infrações comuns e infrações agravadas, reforça a luta contra os crimes de tráfico.

3.8.

O CESE considera também positiva a possibilidade de penalizar as pessoas coletivas com sanções que as possam excluir de ajudas ou apoios públicos, com o encerramento temporário ou definitivo de estabelecimentos ou com a proibição temporária ou permanente de exercer atividade comercial. O CESE considera que a utilização consciente de serviços objeto de exploração poderia ser articulada com a Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, para que as empresas que beneficiam das diferentes formas de exploração também possam ser responsabilizadas. As experiências em relação aos casos de exploração laboral podem constituir uma referência.

3.9.

O CESE considera um progresso a proposta de alteração que criminaliza a utilização de serviços ou o usufruto de atividades que tenham origem na exploração, quando se tem conhecimento de que a pessoa que presta o serviço ou realiza a atividade é vítima de um crime de tráfico, ou seja, a utilização consciente de serviços objeto de exploração, sendo que essa criminalização também pode ser acompanhada de medidas mais rigorosas por parte dos Estados-Membros. O CESE considera que importa prestar um maior apoio aos Estados-Membros na aplicação desta disposição e que o relatório sobre a transposição, a apresentar pela Comissão ao Parlamento e ao Conselho, deve prever uma avaliação do seu impacto na prevenção e repressão do tráfico de seres humanos, a fim de assegurar que não teve efeitos prejudiciais nas vítimas ou grupos vulneráveis e que representou um progresso contra a «cultura de impunidade» destes crimes.

3.10.

O CESE considera adequado que a Comissão adapte o quadro regulamentar e sancionatório ao ambiente em linha. Neste sentido, é particularmente positivo que a diretiva inclua o congelamento e o confisco de bens, em conformidade com os quadros regulamentares estabelecidos pela União Europeia a este respeito. Os bens recuperados junto dos autores dos crimes devem ser disponibilizados para a indemnização das vítimas, que devem ter prioridade na hierarquia dos credores.

3.11.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão sublinhar a necessidade de melhorar a cooperação entre os diferentes Estados-Membros em matéria de crimes de tráfico. A cooperação transfronteiriça é fundamental e pode ser melhorada através do intercâmbio de informações ou de ações conjuntas, bem como da formação dos profissionais que prestam assistência às vítimas transfronteiriças, em particular dos serviços policiais.

3.12.

A criação pelos Estados-Membros de novos mecanismos de referenciação nacionais, envolvendo as organizações da sociedade civil na identificação das vítimas e na prestação de serviços de apoio, constitui um passo importante e necessário. O CESE considera que a Comissão deve apoiar os Estados-Membros na criação ou reforço destes instrumentos, que podem ser coordenados a nível europeu para melhorar a assistência e a proteção das vítimas de tráfico. São necessários progressos na criação de um instrumento de referenciação europeu, a fim de melhorar a harmonização na prestação de cuidados e assistência às vítimas e no desenvolvimento de sistemas de apoio às mesmas. Poderia ser criado um novo instrumento para cada Estado-Membro: um organismo independente de controlo e garantia, com um relator nacional incumbido de acompanhar a eficácia das intervenções levadas a cabo pelos Estados-Membros na luta contra o tráfico, realizar investigações e colaborar com as partes interessadas públicas e privadas que enfrentam o fenómeno a vários níveis.

3.13.

O CESE considera que a diretiva deve prestar mais atenção às vítimas de tráfico de seres humanos e recorda a obrigação dos Estados-Membros de cuidarem das vítimas, de as protegerem e de garantirem, na medida do possível, a sua inclusão social. Para além de recordar a necessidade de não punir as vítimas do tráfico, a diretiva deve reforçar os mecanismos e instrumentos de assistência e apoio às vítimas, especialmente as pertencentes a grupos vulneráveis, como os menores, as minorias, os refugiados e os migrantes indocumentados. Deve também explorar e reforçar de forma mais aprofundada os instrumentos de reparação das vítimas e a prevenção, incluindo mecanismos seguros de denúncia e acusação e fundos de indemnização.

3.14.

A integração no país de destino concretiza-se facultando às vítimas do tráfico o acesso a projetos de assistência personalizada, informação, capacitação e autonomia, mediante: o acolhimento em estruturas protegidas específicas; a emissão obrigatória de uma autorização de residência, como condição sine qua non para sair do tráfico; a assistência, informação e prevenção sanitária; o apoio psicológico e a mediação cultural; a informação e o aconselhamento social e jurídico; cursos de línguas e alfabetização; a avaliação de aptidões e competências; a orientação e formação profissional; a integração no mercado de trabalho.

3.15.

A diretiva não aborda as alterações legislativas em matéria de proteção dos direitos das vítimas, nem de assistência e apoio às pessoas vítimas de tráfico, em que ainda existe uma ampla margem para melhorias. O CESE recorda que a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (3), que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, aborda, nomeadamente, as necessidades específicas das categorias particulares de vítimas do tráfico de seres humanos, do abuso sexual, da exploração sexual e da pornografia infantil.

3.16.

O CESE solicita à Comissão que inclua na sua proposta de alteração da diretiva a necessidade de cumprir a Diretiva 2004/81/CE.

3.17.

A cooperação da vítima deve ser entendida como a vontade de aderir a um projeto individual de integração social e de saída da condição de exploração. As autorizações de residência não podem ser concedidas apenas a quem decida cooperar com a justiça, uma vez que as alternativas ao tráfico, ou seja, o acesso a serviços territoriais que proporcionam capacitação e autonomia, passam inevitavelmente pela emissão de uma autorização de residência.

3.18.

As vítimas mostram-se relutantes em testemunhar contra os seus traficantes. Muitas vezes, vivem num estado de chantagem permanente e o seu testemunho obriga-as a arriscar a sua vida e a das suas famílias. A este respeito, há que recordar que o consentimento dado por uma vítima de tráfico de seres humanos tendo em vista a exploração é irrelevante (artigo 3.o, alínea b), do Protocolo das Nações Unidas relativo ao tráfico de pessoas, 2000).

3.19.

O CESE insta igualmente a Comissão a avançar na aplicação das recomendações contidas na sua publicação «Direitos da União Europeia para as vítimas do tráfico de seres humanos» (4), para que os Estados-Membros concedam sempre autorizações de residência às vítimas do tráfico nos seguintes casos:

se a presença da vítima for necessária para a investigação ou para o processo judicial;

se a vítima tiver demonstrado uma vontade clara de cooperar;

se a vítima tiver cessado qualquer relação com o(s) autor(es) do crime de tráfico;

se a vítima não representar um risco para a ordem pública ou para a segurança.

O CESE convida também os Estados-Membros a aproveitarem mais amiúde a oportunidade de conceder autorizações de residência às vítimas por motivos humanitários ou pessoais, mesmo quando não estão preenchidas as condições acima referidas.

3.20.

O CESE reitera a importância de trabalhar na prevenção do tráfico de seres humanos, salientando a necessidade de reduzir a procura de qualquer forma de exploração. A procura de mão de obra barata ou prostituição continua a aumentar, embora esteja frequentemente ligada à existência de crimes relacionados com o tráfico de seres humanos.

3.21.

O CESE considera que importa reforçar as inúmeras atividades que visam melhorar a informação e a sensibilização para estas questões, nomeadamente através da exploração de novos instrumentos de comunicação, ações de formação, programas educativos e campanhas de sensibilização, para intensificar a luta contra o tráfico de seres humanos em todos os Estados-Membros.

3.22.

O CESE concorda com a necessidade de melhorar a recolha de dados, inclusive melhorando os instrumentos de identificação destes crimes. É evidente que existe um número significativo de casos não denunciados, situação que deve ser corrigida e combatida mediante a coordenação e cooperação entre os Estados-Membros, bem como com as instituições europeias. A proposta de elaboração de um relatório estatístico anual sobre o tráfico de seres humanos pode ajudar a aumentar a qualidade dos dados, a melhorar a intervenção e a sensibilizar o público para estes crimes.

3.23.

Do mesmo modo, o CESE congratula-se com o reconhecimento pela Comissão da necessidade de apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório anual sobre o trabalho dos Estados-Membros em matéria de luta contra o tráfico de seres humanos, destacando a execução das medidas e o seu impacto.

3.24.

O CESE considera que se deve tirar partido da apresentação da proposta de alteração de diretiva em apreço para sensibilizar e comunicar melhor a necessidade de reforçar a luta contra o tráfico de seres humanos. A violação de direitos decorrente dos diferentes tipos de exploração exige uma resposta abrangente e multidimensional, em que se afigura fundamental o papel dos cidadãos na luta contra a impunidade e a normalização desses abusos.

Bruxelas, 27 de abril de 2023.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Oliver RÖPKE


(1)  Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas, e que substitui a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho (JO L 101 de 15.4.2011, p. 1).

(2)  Diretiva 2004/81/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao título de residência concedido aos nacionais de países terceiros que sejam vítimas do tráfico de seres humanos ou objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal, e que cooperem com as autoridades competentes (JO L 261 de 6.8.2004, p. 19).

(3)  Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO L 315 de 14.11.2012, p. 57).

(4)  Direitos da União Europeia para as vítimas do tráfico de seres humanos.