29.7.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 290/11


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Um novo quadro para os acordos de comércio livre, os acordos de parceria económica e os acordos de investimento que garanta a participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais e assegure a sensibilização do público

(parecer de iniciativa)

(2022/C 290/03)

Relator:

Stefano PALMIERI

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

9.3.2022

Adoção em plenária

23.3.2022

Reunião plenária n.o

568

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

215/1/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reitera o seu apoio à nova estratégia comercial europeia aberta, sustentável e assertiva, e considera especialmente importante que sirva, por um lado, para promover a competitividade dos setores produtivos europeus e dos intervenientes económicos (grandes, médias e pequenas empresas) e, por outro, para contribuir para a promoção dos valores e dos princípios europeus, com destaque para a democracia e os direitos humanos, sociais e de género, bem como para os direitos laborais e ambientais. Deste modo, será possível garantir que a União Europeia (UE) dispõe de instrumentos adequados para proteger os trabalhadores e as empresas de práticas comerciais desleais e os consumidores face a produtos nocivos e não sustentáveis, conjugando, assim, os interesses das empresas com os dos consumidores e dos trabalhadores.

1.2.

O CESE considera que a implementação da nova estratégia comercial ambiciosa da UE exige:

uma estratégia de negociação comercial inovadora (acordos comerciais, acordos de parceria económica, acordos de investimento), capaz de garantir a participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais, assegurando, assim, que todos os participantes da UE e dos países parceiros usufruem dos benefícios proporcionados pelas trocas comerciais;

uma reforma adequada dos instrumentos de acompanhamento, avaliação e execução dos acordos: os grupos consultivos internos — GCI.

1.3.

Na opinião do CESE, o duplo processo de reforma — dos instrumentos de negociação e dos GCI — permitirá uma partilha efetiva e, por conseguinte, uma consciência pública do valor dos acordos comerciais, de parceria económica e de investimento celebrados, quer por parte dos intervenientes afetados por tais acordos (empresas, trabalhadores, consumidores, etc.) quer nos territórios de ambas as partes nos acordos (UE e países parceiros).

2.   Observações gerais

2.1.

Em fevereiro de 2021, a Comissão Europeia definiu uma nova estratégia comercial europeia aberta, sustentável e decisiva (1), que visa concretizar os três objetivos seguintes da UE:

i)

apoiar a recuperação económica e as transições ecológica e digital,

ii)

adaptar as regras mundiais com vista a uma globalização mais sustentável e justa,

iii)

reforçar a capacidade da UE de prosseguir os seus interesses e de reforçar os seus direitos.

2.1.1.

Foram vários os fatores que contribuíram para a elaboração desta nova estratégia comercial. Desde logo, a pandemia de COVID-19, que engendrou uma reflexão séria sobre as novas estratégias no domínio da segurança sanitária, alimentar, de aprovisionamento de matérias-primas e das produções estratégicas e, de um modo geral, sobre as cadeias de valor mundiais.

2.1.2.

Outros fatores determinantes para a elaboração da nova estratégia comercial proposta pela Comissão têm que ver com: i) a crise em que se encontra a Organização Mundial de Comércio (OMC); ii) as relações problemáticas com alguns países ou blocos comerciais como a China, a Rússia e os EUA; iii) as negociações difíceis com o Reino Unido; iv) o atual impasse em que se encontram alguns acordos comerciais (nomeadamente o acordo UE-Mercosul e os acordos de parceria económica com a África Central ou a Comunidade da África Oriental).

2.1.3.

O documento proposto pela Comissão reitera várias vezes que para além de promover a competitividade dos setores produtivos europeus, a nova estratégia comercial europeia deve contribuir para a promoção dos valores e dos princípios europeus, com destaque para a democracia e os direitos humanos, sociais e de género, bem como para os direitos laborais e ambientais.

2.1.4.

O Parlamento Europeu (PE) acolheu favoravelmente a proposta da Comissão e exortou-a a certificar-se de que, nos acordos negociados, os capítulos sobre o comércio e desenvolvimento sustentável contribuem para assegurar que todos os participantes usufruem dos benefícios proporcionados pelas trocas comerciais (2).

2.1.5.

O CESE destacou, em pareceres recentes, a sua visão no que toca à política comercial da UE e manifestou o seu firme apoio à proposta da Comissão, sublinhando a importância, pertinência e tempestividade da mesma. Ao mesmo tempo, apresentou de forma clara as suas expectativas e recomendações para uma revisão ambiciosa dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável (3).

2.1.6.

Precisamente pelo facto de a nova estratégia proposta pela Comissão ser ambiciosa, o CESE considera que a sua implementação exige:

uma estratégia de negociação comercial inovadora (acordos comerciais, acordos de parceria económica, acordos de investimento), capaz de garantir a participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais, assegurando, assim, que todos os participantes da UE e dos países parceiros usufruem dos benefícios proporcionados pelas trocas comerciais;

uma reforma adequada dos instrumentos de acompanhamento, avaliação e execução dos acordos: os grupos consultivos internos — GCI.

2.1.6.1.

O duplo processo de reforma — dos instrumentos de negociação e dos GCI — permitirá uma partilha efetiva e, por conseguinte, uma consciência pública do valor dos acordos comerciais, de parceria económica e de investimento celebrados, quer por parte dos intervenientes afetados por tais acordos (empresas, trabalhadores, consumidores, etc.) quer nos territórios de ambas as partes nos acordos (UE e países parceiros).

3.   Uma avaliação crítica dos atuais acordos comerciais

3.1.

Embora salientando a sua convicção quanto à importância central do multilateralismo nas trocas comerciais, bem como quanto ao facto de que a OMC deve — através de uma reforma significativa — voltar a desempenhar o papel de guardiã desse mesmo multilateralismo, o CESE entende que, no atual contexto específico, os acordos comerciais podem assumir um papel decisivo não só no que toca às trocas comerciais bilaterais da UE (que representam, ainda assim, mais de 30 % do comércio de mercadorias e serviços da União), mas principalmente à disseminação de um desenvolvimento sustentável em termos económicos, sociais e ambientais, quer para a UE quer para os seus países parceiros.

3.2.

Ao longo dos últimos anos, vários instrumentos de negociações utilizados pela UE (acordos comerciais, acordos de parceria económica, acordos de investimento) foram objeto de avaliações especialmente críticas por parte do CESE (4).

3.3.

O CESE considera que tais avaliações devem constituir o ponto de partida para analisar a pertinência de uma reforma dos atuais instrumentos de negociação, com vista a assegurar a consecução dos objetivos da nova estratégia comercial proposta pela Comissão.

3.3.1.

Um primeiro aspeto diz respeito à reduzida transparência dos processos de negociação de acordos comerciais. Não obstante a evidente necessidade de garantir a confidencialidade sobre o teor dos acordos sob negociação, o CESE considera que as negociações comerciais devem ser levadas a cabo de forma transparente, assegurando a transmissão contínua de informações aos cidadãos e às partes interessadas nas negociações.

3.3.1.1.

A Comissão sempre se opôs firmemente à ideia de assegurar uma transparência total das negociações, apoiando-se nas regras em vigor (5) e em determinados acórdãos do Tribunal de Justiça (6) e alegando que divulgar informações durante as negociações prejudicaria os interesses da União Europeia.

3.3.1.2.

O CESE reconhece que, ao longo dos últimos anos, a Comissão deu mostras de uma importante e interessante abertura, reforçando o nível de transparência através da disponibilização — no que se refere a diferentes acordos comerciais — de informações como: os relatórios sobre as várias rondas de negociação e o mandato de negociação atribuído; as diferentes propostas de redação, bem como a realização de reuniões através do diálogo com a sociedade civil e com o grupo de peritos sobre acordos comerciais da UE.

3.3.1.3.

Apesar destas melhorias, o mandato de negociação decidido pelo Conselho deve ser mais ambicioso e proporcionar à Comissão possibilidades acrescidas de associar a sociedade civil e os parceiros sociais, assegurando a sua participação efetiva no processo de negociação. Além disso, o CESE preconizou também a reinstituição do grupo de peritos, cujo mandato cessou (7).

3.3.1.4.

Embora esteja consciente da necessidade de encontrar um equilíbrio entre transparência e confidencialidade durante as negociações, o CESE assinala que a questão da transparência continua a ser a que mais tensões gera com as partes interessadas, com as organizações da sociedade civil e com os parceiros sociais.

3.4.

Outros aspetos visados pelas críticas incluem o alcance limitado das avaliações de impacto que os acordos têm na sustentabilidade, o atraso com que são publicadas — quando as negociações já se encontram concluídas — ou, ainda, o facto de não contemplarem sequer os países parceiros nos acordos.

3.4.1.

Com efeito, o atraso na publicação da avaliação do impacto na sustentabilidade do acordo UE-Mercosul motivou uma denúncia, apresentada à Provedora de Justiça Europeia por um grupo de organizações não governamentais (8). Em março de 2021, a provedora de Justiça Europeia criticou o facto de a Comissão Europeia não ter garantido a conclusão atempada da avaliação de impacto na sustentabilidade, a saber, antes do termo das negociações comerciais UE-Mercosul. Segundo a provedora, tal configura um caso de má administração (9).

3.4.2.

O CESE destaca que as avaliações do impacto na sustentabilidade económica, social e ambiental dos acordos devem ser publicadas em tempo oportuno, ou seja, no início das negociações, e atualizadas ao longo das negociações, devendo, além disso, integrar periodicamente uma avaliação ex post do acordo, durante a fase de acompanhamento do mesmo. Nesse sentido, tais avaliações devem contemplar ambas as partes nas negociações: a União Europeia e os seus Estados-Membros e os Estados da contraparte que se senta à mesa das negociações (10).

3.5.

Uma outra crítica apontada aos acordos comerciais prende-se com a sua incapacidade de assegurar de forma eficaz o respeito pelos direitos humanos e sociais, pelas convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho e pelas normas ambientais e de segurança. Por outro lado, os acordos não garantem condições de concorrência equitativas entre todos os operadores ativos nos mercados (em especial para as pequenas e médias empresas, bem como para determinados setores produtivos) (11).

3.6.

Ao que precede acresce o facto de, por vezes, os acordos comerciais não terem em conta as especificidades dos países em vias de desenvolvimento ou a existência de assimetrias entre a UE e os países parceiros no acordo, com o risco inerente de as diferenças existentes não serem corrigidas ou, por vezes, até serem acentuadas (por exemplo, o acesso equitativo a medicamentos suscetíveis de salvar vidas ou a vacinas); além disso, também não é tida em conta a possibilidade de as multinacionais virem a ocupar posições proeminentes na sequência da celebração dos acordos comerciais.

3.7.

A fim de assegurar uma participação efetiva e ampla da sociedade civil organizada, é necessário generalizar os grupos consultivos internos não só em todas as futuras negociações comerciais, mas também, em especial, nos atuais acordos de parceria económica em África, em que esses grupos estão de todo ausentes. Os processos de revisão em curso e futuros e a aplicação do novo Acordo UE-OEACP podem proporcionar uma oportunidade para a introdução de grupos consultivos internos nos acordos comerciais existentes que não dispõem deste instrumento (p. ex., a revisão do Acordo de Parceria Económica entre a União Europeia e o Grupo APE da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC)).

3.8.

A participação da sociedade civil e dos parceiros sociais nas negociações e no acompanhamento dos acordos celebrados pela União registou alguns progressos desde as primeiras experiências. O CESE reconhece os esforços envidados, tendo em muitos casos estado envolvido nos mesmos.

3.9.

O CESE toma nota dos resultados do recente «Study Reviewing the DG Trade Civil Society Dialogue» (12) [Estudo que analisa o diálogo entre a DG Comércio e a sociedade civil], que procedeu à avaliação do diálogo com a sociedade civil a nível europeu e nacional. Embora esteja de acordo com alguns dos resultados do estudo, o CESE considera que importa dar um salto qualitativo no que toca à participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais na política comercial da UE.

3.10.

O CESE já solicitou por várias vezes que seja assegurada, em todas as fases da negociação dos acordos comerciais, uma participação efetiva e acrescida da sociedade civil e dos parceiros sociais de ambas as partes sentadas à mesa das negociações (Comissão e países parceiros) (13).

3.11.

Por todas as razões apresentadas, o CESE considera que chegou o momento de desenvolver uma nova estratégia de negociação mais eficaz, dotada de novas regras e procedimentos para garantir a participação efetiva e eficaz das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais. Tal favorecerá a consecução dos objetivos da nova estratégia comercial da UE, garantindo a celebração de acordos compatíveis com o desenvolvimento sustentável, em termos económicos, sociais e ambientais, de ambas as partes nas negociações: UE e países parceiros nos acordos comerciais.

4.   Um novo quadro de negociações para os acordos comerciais

4.1.

O CESE considera que a nova política comercial oferecerá a possibilidade de avaliar e melhorar as regras, procedimentos e critérios, de modo a organizar de forma muito mais eficaz, transparente e inclusiva a participação da sociedade civil organizada e dos parceiros sociais, quer durante as negociações quer posteriormente, durante o acompanhamento, a avaliação e a eventual aplicação dos acordos.

4.2.

O CESE considera adequado elaborar uma nova metodologia de negociação, capaz de definir um novo roteiro que preveja, em todas as fases da negociação, a participação efetiva das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais. Esta metodologia deve ser aplicável quer à União Europeia quer aos Estados da contraparte que se sentam à mesa das negociações.

4.3.

O primeiro passo do roteiro de negociações deve prever a assinatura de um memorando de entendimento entre os negociadores (a Comissão e os Estados da contraparte) através do qual se garanta que ambos os negociadores se comprometem a:

i)

respeitar as diferentes fases da negociação;

ii)

e a associar as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais, na qualidade de observadores reunidos num comité consultivo misto específico das partes interessadas, ao longo das diferentes fases da negociação.

4.3.1.

As fases da negociação previstas no memorando de entendimento aplicar-se-ão tanto à ronda geral de negociações como a eventuais rondas de negociação técnica que seja necessário prever.

4.3.2.

A criação de um comité consultivo misto das partes interessadas deve assentar na mesma abordagem do princípio da parceria em vigor no que toca à política de coesão.

4.3.2.1.

Através da parceria, cada programa da política de coesão é desenvolvido por meio de um processo coletivo que envolve as autoridades a nível europeu, regional e local, bem como os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil. Esta parceria é aplicável a todas as fases do processo de programação, desde a conceção à gestão, passando ainda pela aplicação, acompanhamento e avaliação. Esta abordagem contribui para garantir que a ação é adaptada às necessidades e prioridades locais e regionais de todas as partes interessadas.

4.3.3.

A escolha de observadores de entre o grupo de representantes das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais deve reger-se pelos critérios fundamentais da representatividade efetiva, da independência e da representação equitativa das partes interessadas. No que se refere aos parceiros sociais, a representatividade e a independência devem ter por base os critérios adotados pelo Grupo dos Trabalhadores e pelo Grupo dos Empregadores da OIT, ao passo que no que toca às organizações da sociedade civil, devem assentar na adesão a organismos internacionais. Os observadores que integram o comité consultivo misto das partes interessadas devem respeitar um código de conduta específico.

4.3.4.

Para além das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais, o comité consultivo misto das partes interessadas deve ainda incluir — na qualidade de observadores externos — instituições internacionais pertinentes, como, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) e o secretariado dos acordos multilaterais no domínio do ambiente do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.

4.3.4.1.

O código de conduta deve assegurar a definição:

i)

dos direitos e deveres dos observadores presentes no comité consultivo misto das partes interessadas, que participam nas negociações em nome da sociedade civil e dos parceiros sociais. Deve prever-se um protocolo de confidencialidade específico — incluído no código de conduta —, que exigirá o respeito do princípio da discrição, que implica a obrigação de não partilhar as informações transmitidas durante as fases de «negociação confidencial» e de «alerta precoce»;

ii)

dos princípios relacionados com a seleção transparente dos observadores presentes no comité consultivo misto das partes interessadas, no pleno respeito da sua independência efetiva e representatividade, bem como de uma representação equitativa dos diferentes setores da sociedade civil e parceiros sociais (ver o ponto 4.3.3);

iii)

das regras e dos procedimentos das várias fases da negociação previstas no roteiro pertinente.

O código de conduta deve ser subscrito por todos aqueles que participam na negociação na qualidade de observadores no comité consultivo misto.

4.4.

O roteiro de negociação deve ser parte integrante das fases ulteriores que se repetirão ciclicamente até ao termo da negociação.

4.4.1.

A fase de negociação confidencial. Fase na qual participam tanto os elementos que formam a mesa de negociações (Comissão e países da área geográfica que constitui a contraparte nas negociações) como os representantes da sociedade civil e dos parceiros sociais, na qualidade de observadores, e que se comprometem — por meio da assinatura do protocolo de confidencialidade incluído no código de conduta — a assegurar o caráter confidencial das informações que lhes serão disponibilizadas nesta fase. Nesta fase, a OIT deve apresentar um relatório pré-negociação sobre a situação da ratificação e da aplicação das suas convenções fundamentais no país terceiro, disponibilizando-o a todos os elementos que formam a mesa de negociações (negociadores e observadores). Esse relatório não terá qualquer força vinculativa, mas servirá para dar conta da observância, ou não, das normas sociais nos países parte no acordo.

4.4.2.

A fase de alerta precoce com o comité consultivo misto. Fase na qual os observadores identificam temas sensíveis visados nas negociações e para os quais as negociações não estão a assegurar soluções satisfatórias para a sociedade civil e os parceiros sociais. Trata-se também de uma «fase confidencial», durante a qual os observadores são instados a respeitar a mais absoluta confidencialidade.

4.4.3.

A fase da comunicação aberta. Tanto a Comissão como os países da área geográfica que constitui a contraparte nas negociações apresentam um relatório de informação público e, periodicamente, conjunto sobre o ponto da situação das negociações. Nesta fase, os observadores podem manifestar as suas avaliações segundo «a regra da Chatham House» (14), descrevendo os temas sensíveis das negociações identificados na anterior fase de alerta precoce com o comité consultivo. Trata-se de uma fase pública, durante a qual são revelados os resultados preliminares das negociações. É uma fase que serve para sensibilizar o público para o ponto da situação das negociações.

4.4.4.

A fase de apresentação do relatório preliminar independente da avaliação do impacto do acordo comercial. Nesta fase, ambas as partes (a Comissão e os países da área geográfica que constitui a contraparte) apresentam a avaliação preliminar independente do impacto do acordo. É nesta fase que as organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais dão a conhecer as suas avaliações sobre os efeitos económicos, sociais e ambientais do acordo, recorrendo, nomeadamente, às suas próprias análises independentes. Os observadores externos devem dar um contributo importante, através da apresentação de um relatório disponibilizado a todas as partes e tornado público.

4.4.5.

Concluída a fase de apresentação do relatório preliminar de impacto, dar-se-á novamente início, de forma cíclica, à fase de negociação confidencial, à qual se seguira a fase de alerta precoce com o comité consultivo, seguida, por sua vez, da fase de comunicação aberta e, por fim, da fase de apresentação do relatório final da avaliação do impacto do acordo comercial. O ciclo de negociação prosseguirá até que os representantes da Comissão e dos países da área geográfica que constitui a contraparte assinem, ou não, o acordo.

4.4.6.

Caso assinem o acordo, as partes — juntamente com os observadores da sociedade civil e dos parceiros sociais do grupo consultivo — estabelecerão um protocolo específico para a criação do grupo consultivo interno (para a UE e os países parceiros), do qual constem as respetivas regras de funcionamento (ver o ponto 5.5.2).

4.4.7.

O CESE considera que o quadro de negociações proposto representará um desafio para todas as partes envolvidas nas negociações, desafio esse que requer que cada um dos intervenientes ativos no terreno (Comissão, organizações da sociedade civil, parceiros sociais, observadores externos) conheça o seu papel, além de exigir a todos os intervenientes envolvidos um nível de profissionalismo e de preparação especialmente elevado. O CESE considera que seria vantajoso reforçar a participação do Parlamento Europeu, que deve desempenhar um papel mais importante nas fases de negociação e no acompanhamento dos acordos. O CESE está também convicto de que esta é a única forma de garantir a participação efetiva de todos nas negociações comerciais, incluindo da sociedade civil e dos parceiros sociais, assegurando, nesse sentido, a partilha efetiva do conteúdo dos acordos.

5.   Uma proposta de reforma dos grupos consultivos internos de acompanhamento, avaliação e aplicação dos acordos

5.1.

A UE depara-se atualmente com uma crescente exigência, por parte da sociedade civil e dos parceiros sociais, de um diálogo inclusivo e democrático, não apenas durante a elaboração dos acordos comerciais, mas também durante a respetiva aplicação (15). Embora louvando os esforços envidados pela Comissão no sentido de proporcionar espaços de debate e participação, o CESE considera indispensável melhorar os procedimentos de acompanhamento, avaliação e aplicação desses acordos.

5.2.

Na opinião do CESE, os instrumentos consultivos — os grupos consultivos internos (GCI) — criados para acompanhar a aplicação e o cumprimento dos compromissos constantes dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, e, no futuro, da integralidade dos acordos comerciais, não respondem de forma satisfatória aos objetivos traçados. Esses grupos consultivos internos apresentam lacunas relacionadas quer com os critérios que regem a sua composição, quer com a falta de regras claras para o seu funcionamento.

5.3.

Na sequência das recomendações políticas formuladas no documento oficioso dos grupos consultivos internos da UE (16) e da recente análise dos GCI da UE e dos países parceiros (17), a eficácia dos grupos consultivos internos pode ser classificada em quatro níveis distintos, em função da capacidade de assegurar:

1)

a sua operacionalidade;

2)

a partilha de informações;

3)

o acompanhamento dos acordos;

4)

o impacto político.

5.3.1.

No que diz respeito à operacionalidade, embora os GCI — graças à função crucial de secretariado desempenhada pelo CESE — se encontrem em funcionamento na UE, o mesmo só é verdade para alguns dos países parceiros (18). Nos países parceiros nos quais foram constituídos, os GCI apresentam claros problemas de natureza organizativa — devido a uma manifesta falta de recursos financeiros (19) —, bem como problemas no que toca à representatividade e à representação equitativa das partes interessadas, bem como à independência das organizações que deles fazem parte (20).

5.3.2.

Quanto à capacidade de partilha de informações dos intervenientes que participam nos GCI, parece existir também uma clara distinção entre os GCI da UE e os dos países parceiros no que toca à troca generalizada de informações. Exceção feita a algumas divergências, nos GCI da UE existe, de um modo geral, uma boa troca de informações entre os participantes no diálogo, ao passo que nos GCI dos países parceiros se verificam tensões entre os membros do setor empresarial e os representantes de outros setores. No entanto, em ambos os casos os GCI registam relações insatisfatórias com os respetivos governos (o chamado diálogo vertical). Por outro lado, existe também a necessidade de um diálogo transnacional — entre os GCI da UE e os dos países parceiros — mais estruturado e aprofundado, principalmente durante o encontro transnacional anual da sociedade civil, mediante a organização de reuniões específicas entre os GCI ao abrigo de um mesmo acordo.

5.3.3.

No que se refere ao acompanhamento dos acordos, embora este constitua o principal objetivo dos GCI, importa reconhecer que raramente o mesmo é efetuado. A incapacidade de assegurar o acompanhamento, a aplicação e o cumprimento do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável decorre principalmente da ausência de recursos específicos afetados ao acompanhamento, bem como à falta de vontade e à desresponsabilização dos governos. Neste contexto, importa claramente saudar a pressão que tanto a Comissão como os GCI da UE exercem sobre os governos dos países parceiros, para que estes assumam uma maior responsabilidade durante a fase de acompanhamento (21). O facto de a OIT e a OCDE elaborarem um relatório de informação — não vinculativo — permitiria aos GCI dispor de uma base fiável para avaliar o acordo comercial.

5.3.4.

Atendendo aos resultados obtidos até à data, o impacto político dos GCI — ou seja, a sua capacidade de influenciar a aplicação de acordos que abrangem o comércio e o desenvolvimento sustentável — é inequivocamente insuficiente. A Comissão deveria definir critérios mais ambiciosos para que os governos tenham em conta as recomendações dos GCI; além disso, embora as posições dos GCI sejam vinculativas, carecem de força executória e de um envolvimento permanente destes grupos no processo contencioso (22).

5.4.

Com base nestas considerações, o CESE considera adequado um processo de reforma profunda dos GCI, de modo a colmatar as lacunas descritas (nos pontos 5.3.1 a 5.3.4).

5.5.

O CESE salienta a necessidade de criar — para todos os tipos de acordos negociados — um único organismo de participação da sociedade civil e dos parceiros sociais (o grupo consultivo interno reformado) capaz de proceder ao acompanhamento da aplicação e cumprimento dos acordos e a uma avaliação dos resultados (23).

5.5.1.

Deverá tratar-se de um organismo comum e perfeitamente operacional para ambas as partes no acordo (UE e países parceiros), que abranja todos os aspetos do acordo, privilegiando aqueles que têm um impacto na aplicação do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável.

5.5.2.

O CESE considera que todos os acordos assinados devem incluir um protocolo sobre o funcionamento dos grupos consultivos internos, de modo a criar um quadro institucionalizado robusto, que determine as regras de funcionamento dos grupos aplicáveis a ambas as partes do acordo (UE e países parceiros) e que preveja:

a)

os critérios subjacentes à seleção dos elementos dos GCI, com vista a assegurar a sua independência e representatividade, bem como uma representação equitativa das partes interessadas (veja-se o ponto 4.3.3);

b)

o compromisso de garantir a participação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) nos GCI, na qualidade de observador externo, de modo a possibilitar o acompanhamento da aplicação das convenções da organização no contexto dos acordos de comércio livre, recorrendo ao mecanismo de supervisão interna e disponibilizando às partes nas negociações um relatório específico que incida nos eventuais problemas relacionados com a aplicação das normas sociais do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Além disso, a participação da (OCDE) permitirá acompanhar, através dos pontos de contacto nacionais e dos governos interessados, a aplicação das orientações destinadas às empresas multinacionais, sobretudo a jusante da cadeia de aprovisionamento. No entanto, as avaliações realizadas por esses organismos não serão vinculativas para o GCI;

c)

a atribuição, ao GCI, de um papel efetivamente ativo na implementação, no que se refere a todas as matérias do acordo, dos procedimentos de resolução dos litígios apresentados pelos GCI ao alto responsável pela execução da política comercial;

d)

um calendário que estabeleça planos de execução vinculativos e exequíveis para os compromissos previstos no acordo, com prazos claros para o respetivo cumprimento;

e)

a atualização do guia para concretizar os compromissos assumidos no acordo, adotando um conjunto de indicadores qualitativos e quantitativos com base nos quais se procederá ao acompanhamento in itinere e à avaliação de impacto ex post do acordo;

f)

a data-limite para a conclusão da avaliação de impacto ex post independente do acordo, para cada uma das partes interessadas no acordo (UE e países parceiros), caso as partes considerem oportuno antecipar o prazo de 5 anos;

g)

o número de reuniões que cada grupo consultivo interno deve realizar, ao longo do ano, para cada parte interessada no acordo (UE e países parceiros);

h)

a realização obrigatória de uma reunião anual entre os GCI da UE e do país parceiro;

i)

o compromisso de realizar em Bruxelas uma reunião anual dos GCI da UE e dos países parceiros, com a participação ativa de todos os intervenientes dos GCI;

j)

o compromisso de criar uma plataforma em linha que permita sensibilizar os participantes dos grupos consultivos internos para a importância da aprendizagem mútua entre GCI, trocar informações — por exemplo, sobre temas específicos (direitos laborais, direitos humanos, impacto das regras da agricultura biológica no comércio, etc.) —, partilhar eventuais boas práticas e criar cursos de formação específicos em linha para os participantes nos GCI;

k)

um calendário das reuniões que permita à Comissão, ao Parlamento Europeu e ao Conselho estar a par dos trabalhos do GCI;

l)

os recursos financeiros necessários para o funcionamento dos GCI;

m)

o compromisso de redação de um relatório anual sobre o funcionamento dos respetivos GCI. Nesse relatório, os GCI poderão definir prioridades e formular recomendações para a aplicação do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável que a Comissão Europeia deverá incorporar nas prioridades da UE para a aplicação do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável; caso não o faça deverá justificar a sua rejeição;

n)

o compromisso de atribuir ao CESE a função de organização do GCI no que se refere à UE e à reunião transnacional dos GCI da UE e dos países parceiros. Neste contexto, o secretariado do CESE prestará assistência técnica na escolha da composição dos GCI dos países parceiros (ver os critérios no ponto 4.3.3), ajudando as presidências dos GCI a definir a ordem do dia, a gerir as reuniões, a redigir as atas, a apresentar relatórios às instituições da UE e à sociedade civil e a assumir a responsabilidade de transmitir as informações necessárias.

5.5.3.

Os indicadores do acompanhamento in itinere, que devem garantir o cumprimento dos compromissos previstos no acordo, terão um papel fundamental e visarão as dimensões económica/comercial, social, ambiental e de segurança sanitária.

5.5.4.

O CESE considera que, devido ao processo de reforma dos GCI, o CESE assumirá um papel primordial, que exigirá a devida adaptação dos recursos humanos e financeiros. Por esse motivo, o CESE reitera o seu apelo às autoridades orçamentais para que prevejam — após a implementação da reforma — uma dotação adicional compatível com as despesas correntes previstas pela Comissão, para ajudar os grupos consultivos internos a desempenharem as atividades previstas, tanto em termos quantitativos como qualitativos.

Bruxelas, 23 de março de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2021) 66 final.

(2)  Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de novembro de 2022, sobre a revisão da política comercial da UE [2020/2761(RSP)].

(3)  JO C 105 de 4.3.2022, p. 148.; JO C 105 de 4.3.2022, p. 40; JO C 364 de 28.10.2020, p. 53; JO C 364 de 28.10.2020, p. 160; JO C 159 de 10.5.2019, p. 28.

(4)  JO C 105 de 4.3.2022, p. 148; JO C 105 de 4.3.2022, p. 40; REX/530 — Avaliação do papel da sociedade civil nas estruturas de participação no âmbito do Acordo Comercial União Europeia-Colômbia/Peru/Equador, relator: Giuseppe Iuliano; JO C 364 de 28.10.2020, p. 160; JO C 47 de 11.2.2020, p. 38; REX/503 — Rumo a um acordo de associação UE-Mercosul, relator: Josep Puxeu Rocamora, correlator: Mário Soares.

(5)  Artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001.

(6)  Carta por meio da qual a Comissão recusou o acesso ao documento elaborado pela organização Les Amis de la Terre, 2019 [b]: https://www.asktheeu.org/fr/request/7049/response/23196/attach/3/Signed%20letter.pdf?cookie_passthrough=1, consultada em 30.7.2020, p. 2.

(7)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 73, documento citado.

(8)  ClientEarth, Fern, Veblen Institute, La Fondation Nicolas Hulot pour la Nature et l’Homme e Federação Internacional dos Direitos do Homem.

(9)  Decisão no processo 1026/2020/MAS relativo à não finalização, pela Comissão Europeia, de uma «avaliação do impacto na sustentabilidade» antes da conclusão das negociações comerciais UE-Mercosul.

(10)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 38, documento citado.

(11)  JO C 105 de 4.3.2022, p. 148, documento citado; REX/532 JO C 364 de 28.10.2020, p. 160, documento citado.

(12)  Março de 2021, União Europeia, «Study Reviewing DG Trade Civil Society Dialogue» [Estudo que analisa o diálogo entre a DG Comércio e a sociedade civil], Tetra Tech — Deloitte.

(13)  JO C 105 de 4.3.2022, p. 40; JO C 105 de 4.3.2022, p. 148; JO C 159 de 10.5.2019, p. 28.

(14)  Quando uma reunião, ou uma parte da mesma, é realizada nos termos da «regra da Chatham House», os participantes são livres de utilizar as informações obtidas, sob reserva de não divulgar nem a identidade nem a filiação do(s) orador(es) ou de quaisquer outros participantes.

(15)  «Non-paper from the Netherlands and France on trade, social economic effects and sustainable development» [Documento informal dos Países Baixos e de França sobre o comércio, as consequências sociais e económicas e o desenvolvimento sustentável].

(16)  «Non-paper: Strengthening and Improving the Functioning of EU Trade Domestic Advisory Groups» [Documento informal: reforçar e melhorar o funcionamento dos grupos consultivos internos no âmbito das negociações comerciais da UE], setembro de 2021.

(17)  Martens, D., Potjomkina, D. e Orbie, J., 2020, «Domestic Advisory Groups in EU trade agreements — Stuck at the Bottom or Moving up the Ladder?» [Os grupos consultivos internos no âmbito dos acordos comerciais da UE — Estagnação ou evolução?],Friederich Ebert Stiftung — Universidade de Gante.

(18)  É o caso do Peru, onde, atendendo à falta de vontade do Governo peruano de criar um GCI específico, as organizações da sociedade civil instituíram um GCI «sombra», que infelizmente não foi reconhecido pela UE. Martens, D., et al., 2020, documento citado.

(19)  O CESE assegura o secretariado de todos os GCI da UE. Cerca de 78 % (36/46) dos inquiridos dos GCI da UE consideram que o secretariado prepara devidamente as reuniões dos GCI. No entanto, a maioria dos GCI de países terceiros não recebe o mesmo tipo de apoio para efeitos de organização e preparação do respetivo trabalho. O grosso do seu trabalho é, muitas das vezes, realizado pelo seu presidente (e, por vezes, pelos vice-presidentes), que não dispõe de muito tempo para se consagrar a tais atividades. Martens, D., et al. Documento citado, p. 16.

(20)  É o caso do GCI da Coreia do Sul, que, embora tendo registado progressos consideráveis, apresenta ainda lacunas em termos de representatividade e independência. Martens, D., et al., 2020, documento citado.

(21)  No âmbito do acordo UE-Coreia, a pressão política conduziu a uma denúncia oficial e o painel de peritos pronunciou-se sobre o facto de o país não respeitar as convenções da OIT.

(22)  JO C 105 de 4.3.2022, p. 40.

(23)  JO C 159 de 10.5.2019, p. 28.


 

Figura 1

As diferentes fases de negociação (roteiro)

Image 1C2902022PT1110120220323PT0003.0001201212Figura 1As diferentes fases de negociação (roteiro)Figura 2As diferentes fases de negociação (roteiro)

Figura 2

As diferentes fases de negociação (roteiro)

Image 2C2902022PT1110120220323PT0003.0001201212Figura 1As diferentes fases de negociação (roteiro)Figura 2As diferentes fases de negociação (roteiro)