4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/26


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a estratégia de mobilidade da UE e as cadeias de valor industriais da UE: abordagem dos ecossistemas automóveis

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/05)

Relator:

Arnaud SCHWARTZ

Correlatora:

Monika SITÁROVÁ

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

29.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

235/1/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que o ecossistema automóvel europeu se pode tornar líder no desenvolvimento e na implantação de soluções de mobilidade sustentável. Por conseguinte, o ecossistema automóvel tem de desenvolver ativamente estratégias para moldar as disrupções e megatendências em curso que afetam o setor automóvel europeu.

1.2.

A fim de reduzir as emissões dos transportes em 90 % até 2050, o CESE espera que a União Europeia (UE) envide esforços para tornar todos os modos de transporte sustentáveis e, simultaneamente, assegure alternativas sustentáveis amplamente disponíveis e acessíveis para os cidadãos da União. É possível alcançar este objetivo mediante uma combinação inteligente de sistemas de propulsão que estabeleça um equilíbrio entre proteção ambiental, utilização eficiente das energias renováveis, viabilidade económica e adesão dos consumidores, respeitando ao mesmo tempo o princípio da neutralidade tecnológica.

1.3.

O CESE sublinha firmemente que a mobilidade individual deve continuar a ser acessível e comportável para todos, em especial os trabalhadores pendulares sem acesso a transportes públicos de qualidade ou outras soluções de mobilidade. É necessário evitar a todo o custo uma polarização social entre as pessoas que podem adquirir um automóvel ecológico e as que não têm condições para o fazer. A este respeito, o CESE adverte que a criação de um sistema de comércio de licenças de emissão paralelo para o setor dos transportes poderá comprometer o apoio público à redução dos recursos fósseis no transporte rodoviário se os grupos com rendimentos mais baixos e os grupos cuja subsistência depende do transporte rodoviário não forem devidamente compensados.

1.4.

O CESE salienta que a indústria automóvel europeia tem sido desde sempre um líder mundial e um motor do crescimento e do emprego. Na transição para o paradigma de um sistema de transporte rodoviário digitalizado e descarbonizado, é importante manter esta posição e desenvolver vias de transformação que lhe permitam dar resposta às tendências disruptivas que a indústria enfrenta atualmente. Para o efeito, deve tirar partido dos seus pontos fortes na tecnologia, da sua mão de obra qualificada, da sua engenharia de craveira mundial, dos seus consumidores exigentes, das suas cadeias de abastecimento sofisticadas, da sua forte cultura de pequenas e médias empresas (PME) e das suas relações laborais construtivas.

1.5.

O lançamento bem-sucedido do projeto importante de interesse europeu comum relativo às baterias demonstrou que a exploração em comum de recursos públicos e privados contribui claramente para o reforço da cadeia de abastecimento da indústria automóvel. Por conseguinte, o CESE está convicto de que é importante ponderar mais projetos importantes de interesse europeu comum neste setor, por exemplo no que diz respeito ao hidrogénio (existe um projeto em preparação), aos automóveis automatizados e conectados, à economia circular, às matérias-primas, etc. É necessário tomar medidas corajosas para fazer face aos estrangulamentos no abastecimento de semicondutores, e a criação de um segundo projeto importante de interesse europeu comum relativo aos semicondutores ajudaria a resolver este problema.

1.6.

O CESE pretende que a UE apoie condições de concorrência equitativas à escala mundial. A Europa deve ter a ambição de manter a sua posição sólida enquanto exportadora na indústria automóvel. Por conseguinte, é necessário adotar medidas para:

promover a reciprocidade nas relações comerciais (acesso ao mercado, contratação pública, investimentos, respeito dos direitos de propriedade intelectual, subvenções);

celebrar acordos bilaterais de comércio livre (incluindo um capítulo sobre a indústria automóvel e o transporte rodoviário);

combater práticas comerciais desleais (subvenções, acordos bilaterais de comércio livre, diferenças de preço do carbono, dumping social e ambiental);

promover a cooperação internacional em matéria de automóveis não poluentes e tecnologias de combustíveis hipocarbónicos.

1.7.

A transformação da indústria automóvel terá um impacto significativo na quantidade e na qualidade dos postos de trabalho necessários. Consequentemente, são necessárias políticas ativas do mercado de trabalho para manter a empregabilidade da mão de obra através, por exemplo, de iniciativas de melhoria de competências e requalificação (como a aliança de competências no setor automóvel), a fim de dotar os trabalhadores das competências necessárias para o futuro. No caso dos trabalhadores que têm de abandonar o setor, importa garantir uma transição harmoniosa para outro posto de trabalho (a par de regimes de reforma antecipada).

1.8.

O CESE solicita um levantamento claro do impacto da transição digital e ecológica do setor, a fim de identificar as regiões e as partes da cadeia de abastecimento mais ameaçadas. Além disso, é necessário acompanhar a evolução da implantação da indústria devido à descarbonização e à digitalização, tendo em conta todas as fases importantes do ciclo de vida. Uma vez que a cadeia de abastecimento da indústria automóvel enfrenta desafios enormes, o CESE considera imperativo criar um mecanismo para uma transição justa destinado a este setor, a fim de aplicar as medidas de acompanhamento necessárias para evitar perturbações sociais e assegurar uma transição socialmente responsável.

2.   Observações gerais

Situação atual

2.1.

A indústria automóvel foi sempre uma pedra angular da indústria da União Europeia e tem ligações importantes com indústrias a montante, como o aço, os produtos químicos e os têxteis, bem como com setores a jusante, como as tecnologias da informação e comunicação, as reparações, os combustíveis, os lubrificantes e os serviços de mobilidade. O setor representa mais de 8 % do produto interno bruto da UE e é responsável por 28 % das despesas totais em investigação e desenvolvimento na UE, e as suas exportações geram um excedente comercial significativo. Contudo, o futuro da indústria automóvel europeia dependerá da sua capacidade para realizar os ajustamentos fundamentais necessários para responder aos desafios sem precedentes que enfrenta atualmente.

2.2.

A indústria automóvel europeia está na antecâmara de um paradigma totalmente novo resultante da transição complexa para uma economia digital e ecológica. Em 28 de novembro de 2018, a Comissão adotou uma visão a longo prazo para uma economia com impacto neutro no clima até 2050, que atribuiu um papel importante ao setor dos transportes nesta transição. O Pacto Ecológico Europeu, de dezembro de 2019, estabelece um quadro estratégico para alcançar a neutralidade climática, solicitando uma redução de 90 % das emissões dos transportes até 2050. Neste contexto, a UE decidiu rever a sua meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa, estabelecida para 2030, para, pelo menos, 55 %. A fim de alcançar este objetivo, a Comissão apresentou em 14 de julho de 2021 o seu pacote Objetivo 55, que revê o Regulamento Partilha de Esforços, a Diretiva Infraestrutura para Combustíveis Alternativos e o Regulamento que estabelece normas de desempenho em matéria de emissões de CO2.

2.3.

A transição dos combustíveis fósseis para a energia hipocarbónica, bem como a mudança da criação de valor acrescentado através da produção em série de automóveis para a prestação de serviços de mobilidade, implicarão uma forte turbulência para a indústria, para as muitas PME nas suas cadeias de abastecimento complexas e para os 13,8 milhões de trabalhadores do setor. Por conseguinte, o grande desafio consistirá em gerir esta transição para as zero emissões líquidas de uma forma socialmente aceitável.

Megatendências disruptivas

2.4.

Globalização. Ao mesmo tempo que desaceleram nos mercados consolidados, as vendas de automóveis crescem em mercados emergentes. Consequentemente, o centro de gravidade económico está a mudar da UE e dos EUA para a Ásia. Atualmente, a China produz em cadeia 26 milhões de automóveis por ano, contra 22 milhões na UE. A China foi também um dos primeiros mercados a produzir veículos elétricos e possui uma indústria de baterias consolidada. O Japão e a Coreia do Sul também estão na linha da frente em matéria de baterias, com uma posição particularmente forte no que diz respeito aos semicondutores. A Europa tem também dificuldades de acesso ao abastecimento ético de matérias-primas como o lítio e o cobalto (1). Além disso, o setor automóvel deve ter em consideração o aumento das tensões geopolíticas.

2.5.

O desafio do desenvolvimento sustentável. Segundo a visão estabelecida na Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da UE, «[a]té 2030, haverá pelo menos 30 milhões de automóveis sem emissões» nas estradas europeias. Em 14 de julho, a Comissão Europeia propôs que, a partir de 2035, só possam ser comercializados veículos de zero emissões, o que exigirá um forte aumento da percentagem desses veículos na frota (dos atuais 0,2 % para 11 % a 14 % em 2030) (2). A realização dos objetivos do Pacto Ecológico criará vantagens para os pioneiros e apoiará a liderança da Europa nas tecnologias hipocarbónicas e a sua competitividade a nível mundial. Tal implica também investimentos maciços no desenvolvimento de sistemas de tração alternativos (elétricos a baterias, híbridos, a hidrogénio) e combustíveis sem componentes fósseis para os sistemas de tração convencionais que permanecerão ainda por muito tempo na frota. O ritmo da adoção destes sistemas de propulsão e combustíveis depende do quadro regulamentar de apoio e dos períodos de retorno destes investimentos. A Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da UE reconhece a necessidade de «tornar todos os modos de transporte mais sustentáveis». Esta abordagem requer a adoção de veículos com nível nulo ou baixo de emissões, bem como de combustíveis renováveis e hipocarbónicos para o transporte rodoviário, por via navegável e aéreo.

2.6.

Mudança das mentalidades dos consumidores. O comportamento em matéria de mobilidade está a mudar. Uma nova geração de consumidores está menos interessada em possuir um automóvel, já que muitos deles residem em zonas urbanas com sistemas de transporte coletivo bem estabelecidos. Em vez de adquirirem um automóvel, procuram outra solução de mobilidade (partilha de automóveis, veículos de aluguer com condutor, micromobilidade). A pandemia veio reforçar outras tendências já visíveis, como as compras em linha, o trabalho à distância, as videoconferências e os serviços de entrega. Tal resultará numa redução da mobilidade em automóveis particulares e, simultaneamente, no aumento do recurso a furgões comerciais.

2.7.

Aumento da conectividade. As tecnologias digitais visam permitir que os automóveis passem a estar quase permanentemente conectados, o que poderá criar um potencial considerável para novos modelos de negócio baseados em dados. Os automóveis inteligentes estarão equipados com dispositivos de segurança ativa, ludoinformação, serviços de informações sobre o tráfego, comunicação veículo-infraestrutura, etc.

2.8.

A automatização gradual do automóvel. O caminho para os automóveis sem condutor conduzirá a níveis cada vez maiores de funcionalidades de veículos autónomos. A condução automatizada exigirá enormes investimentos em software, redes de comunicação e hardware (radares, lidares, transpônderes). Além disso, criará muitos desafios relacionados com a fiabilidade, o quadro jurídico, o preço, o equipamento rodoviário e as responsabilidades.

2.9.

Digitalização da produção. A indústria automóvel inventou a cadeia de montagem (Ford), os princípios da produção otimizada (Toyota) e as plataformas de produção globalizadas (Volkswagen). Atualmente, está a adotar os princípios da Indústria 4.0, com robotização avançada, cadeias de abastecimento integradas digitalmente, sistemas de fabrico avançado e fabrico aditivo.

Consequências da transformação ecológica e digital

2.10.

Uma indústria automóvel mais pequena, digitalizada e descarbonizada criará um desafio enorme em matéria de emprego. Os veículos elétricos a baterias têm menos componentes e são mais fáceis de produzir, sendo as baterias responsáveis por, pelo menos, 36 % do seu valor acrescentado. Com base numa extrapolação de um estudo recente do Instituto IFO alemão, é possível concluir que 620 000 postos de trabalho estarão em risco na cadeia de valor de sistemas de propulsão convencionais da UE. As soluções podem consistir, em parte, em reformas (antecipadas) (3), por exemplo, ou, mais em geral, numa revolução do futuro do trabalho (4). Por seu turno, a transição gerará também novos postos de trabalho em setores conexos, como a eletrónica de potência, as redes inteligentes, as infraestruturas rodoviárias e de carregamento, as baterias, os novos materiais e os sistemas de propulsão movidos a combustíveis alternativos.

2.11.

Tendência em curso de consolidação e alianças estratégicas (por exemplo, Stellantis, alianças entre a BMW e a Mercedes e entre a Volkswagen e a Ford), a fim de explorar em conjunto a investigação e o desenvolvimento sobre novos sistemas de propulsão ou agrupar a aquisição de componentes. Estas fusões e alianças resultarão sempre em novas estratégias empresariais, numa reavaliação da pegada industrial, na externalização para regiões com custos salariais mais baixos, em programas de redução de postos de trabalho e numa maior pressão sobre os fornecedores. Além disso, a derivação de áreas de negócio consolidadas permite às empresas concentrar recursos nos novos sistemas de propulsão.

2.12.

Diluição das fronteiras entre a indústria automóvel e o setor das tecnologias da informação. As tecnologias da informação entrarão em todas as fases da cadeia de abastecimento. Os dados tornar-se-ão uma nova matéria-prima e uma fonte de rendimento. Está em curso uma reconfiguração da indústria a nível mundial, com novos intervenientes que irrompem na indústria: prestadores de serviços de mobilidade (Uber), gigantes das tecnologias da informação (Google, Apple, Baidu), produtores de chipes (Intel, NXP, STM), produtores de baterias (Panasonic, CATL, LG) ou fabricantes de equipamento de origem emergentes (Tesla).

2.13.

O valor acrescentado pode mudar do centro da indústria automóvel (os fabricantes de equipamento de origem) para outras partes da cadeia de abastecimento, uma vez que a quota-parte das tecnologias da informação em percentagem do valor acrescentado aumentará necessariamente em detrimento dos componentes mecânicos.

2.14.

É provável que se crie cada vez mais valor acrescentado em serviços de mobilidade, como os veículos de aluguer com condutor, a boleia organizada, a coviaturagem e muitos serviços digitais, como as aplicações de navegação, a ludoinformação, a publicidade e os sistemas avançados de auxílio ao condutor. Tal criará novos modelos de negócio: enquanto os fabricantes de equipamento de origem veem a indústria automóvel como um mercado de 100 milhões de veículos, as plataformas digitais encaram-na como um mercado em que se pode vender anualmente o equivalente a 16 biliões de quilómetros.

2.15.

A estrutura do emprego no setor será totalmente reformulada. Serão necessárias novas competências e experiência (eletrónica, eletroquímica, novos materiais, tecnologias da informação) e, paralelamente, registar-se-á uma queda da procura de competências mecânicas tradicionais. Dotar a mão de obra dessas competências será um desafio significativo para a indústria automóvel.

2.16.

As megatendências acima referidas reforçar-se-ão todas mutuamente. Embora seja amplamente consensual que a disrupção transformadora já começou, todas as partes interessadas devem ter como prioridade tornar a transição social para os transportes descarbonizados mais gradual, organizando uma transição justa. Para ser aceite, a mobilidade sustentável deve ser comportável para todos.

3.   Controlo da transformação

Ambiente: mudança de rumo no sentido da sustentabilidade

3.1.

A fim de reduzir as emissões dos transportes em 90 % até 2050, a UE deve procurar tornar todos os modos de transporte sustentáveis e, simultaneamente, assegurar alternativas sustentáveis amplamente disponíveis e acessíveis para os cidadãos da União. É possível alcançar este objetivo mediante uma combinação inteligente de sistemas de propulsão que estabeleça um equilíbrio entre proteção ambiental, utilização eficiente das energias renováveis, viabilidade económica e adesão dos consumidores, respeitando ao mesmo tempo o princípio da neutralidade tecnológica. Tal exige uma combinação de diferentes estratégias:

redução das emissões de CO2«do depósito às rodas» (48 V, híbridos, eletricidade, hidrogénio, motores de combustão interna mais eficientes, etc.);

redução das emissões de CO2«do poço às rodas». É necessário apoiar o desenvolvimento de eletrocombustíveis e biocombustíveis conformes com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e com os critérios de sustentabilidade estabelecidos na Diretiva Energias Renováveis (5) para evitar impactos no uso do solo, na biodiversidade e nas florestas;

uma estratégia coordenada para cidades limpas (por exemplo, através da descarbonização do transporte até ao «quilómetro final», de soluções inovadoras de micromobilidade ou das viagens intermodais);

redução das emissões ao longo do ciclo de vida (fabrico e reciclagem);

redução da intensidade das emissões do setor dos transportes (soluções de transporte inteligentes, mobilidade partilhada). Deve estar disponível uma solução de mobilidade sustentável para cada necessidade de transporte (transporte de mercadorias a grande distância com recurso a biocombustíveis e a combustíveis sintéticos ou hidrogénio, sistemas de propulsão elétricos a baterias para entregas urbanas até ao «quilómetro final»), respeitando o princípio da neutralidade tecnológica;

incentivos à reconversão baseada na substituição do motor de combustão interna por um motor elétrico ou complementado (em formato híbrido) com motores no cubo da roda;

redução do peso dos veículos recentemente comercializados (6).

3.2.

A Comissão pretende criar um sistema de comércio de licenças de emissão paralelo para os transportes rodoviários e os edifícios. A fixação de um preço para as emissões dos transportes rodoviários equivalerá a uma tributação dos combustíveis (neste caso, porém, com base numa maioria qualificada). As receitas serão utilizadas para compensar as pessoas que precisam de um veículo com motor de combustão interna para trabalhar ou porque não dispõem de opções de transporte alternativas. Uma vez que a conceção de um mecanismo de compensação deste tipo será extremamente complexa e que o aumento dos preços dos combustíveis afetará de forma desproporcionada os grupos com rendimentos mais baixos, o CESE não está convencido de que este seja o caminho a seguir, uma vez que comprometerá o apoio do público à ação climática. Em vez disso, os esforços para reduzir os custos do ciclo de vida dos sistemas de propulsão alternativos e o custo dos combustíveis com nível baixo ou nulo de emissões de carbono afiguram-se uma forma mais adequada de tornar os transportes hipocarbónicos comportáveis para muitos.

3.3.

Importa dar prioridade aos chamados «desertos de carregamento». Atualmente, estão disponíveis 213 000 estações de carregamento na UE, em que 70 % das mesmas se concentram em três países (Países Baixos, Alemanha e França). Tendo em conta que o objetivo é alcançar 1 milhão de carregadores públicos até 2025 e 3 milhões até 2030, existe um fosso enorme a colmatar em matéria de desenvolvimento de infraestruturas (na Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da UE estima-se que os investimentos adicionais necessários em infraestruturas de carregamento e abastecimento de combustíveis hipocarbónicos ascendam a 130 mil milhões de euros por ano, durante a próxima década). Por conseguinte, o CESE apoia a introdução de objetivos obrigatórios. No âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o projeto emblemático «Recarregamento e Abastecimento» apenas incentiva os Estados-Membros a acelerarem a implantação de pontos de recarregamento e abastecimento como parte dos seus planos de recuperação. É importante dedicar especial atenção às habitações, à preparação de redes para uma maior integração dos veículos elétricos, à interoperabilidade das infraestruturas de carregamento, ao desenvolvimento de serviços de carregamento inteligentes (por exemplo, através do equilíbrio da carga) e ao abastecimento de combustíveis renováveis e hipocarbónicos. Os veículos comerciais pesados totalmente elétricos estão a tornar-se uma realidade e, por conseguinte, merecem também uma ênfase específica.

3.4.

Enquanto não for alcançada a paridade dos preços entre os veículos convencionais e os veículos elétricos (prevista para 2025-2027), serão necessários incentivos financeiros para apoiar a entrada dos veículos hipocarbónicos no mercado. Estes incentivos podem ser financeiros (subvenções, reduções de impostos e sistemas de desmantelamento) ou não financeiros (faixas prioritárias, isenções de portagem ou lugares de estacionamento reservados), incluindo um quadro regulamentar coerente para a promoção de investimentos em combustíveis hipocarbónicos. Importa dedicar especial atenção à ecologização das frotas de automóveis, já que esta pode ser uma alavanca importante para acelerar a transição e também contribuirá para a criação de um mercado de veículos usados com nível nulo ou baixo de emissões de carbono.

3.5.

Apoio ao desenvolvimento da economia circular no ecossistema automóvel: reciclagem, reutilização e retransformação de automóveis e peças. É importante aplicar também os princípios da economia circular para aumentar a quantidade de matérias-primas recicladas disponíveis para a indústria e reduzir a dependência das importações. Contudo, estudos recentes indicam que os materiais reciclados apenas atingirão uma escala de mercado adequada dentro de uma década, no final da vida útil dos veículos elétricos. Por conseguinte, é necessário ser realista e compreender que a extração primária é fundamental, pelo menos na década de 2020. Neste sentido, a diversificação das cadeias de abastecimento, bem como uma estratégia de exploração mineira ecológica e ética devem garantir a segurança do abastecimento. Além disso, a futura revisão da Diretiva 2000/53/CE (7) relativa aos veículos em fim de vida deverá ter em conta a eletrificação dos veículos e a necessidade de desenvolver os mercados de materiais secundários.

Economia: manter e desenvolver na UE toda a cadeia de abastecimento da indústria automóvel

3.6.

Promover a colaboração industrial. Os orçamentos avultados no domínio da investigação e desenvolvimento (neste momento, 60 mil milhões de euros por ano) atualmente investidos para desenvolver uma mobilidade descarbonizada, conectada, automatizada e partilhada requerem a colaboração industrial e parcerias público-privadas. Neste contexto, a introdução de parcerias de inovação ao abrigo do quinto agregado (clima, energia e mobilidade) do Horizonte Europa (parcerias em matéria de hidrogénio limpo, baterias, mobilidade conectada e automatizada, transportes rodoviários sem emissões e promoção da transição urbana) merece total apoio. Além disso, as alianças industriais sob a égide da Comissão Europeia (relativas, por exemplo, às baterias, ao hidrogénio e às matérias-primas, bem como a aliança anunciada para a cadeia de valor dos combustíveis renováveis e hipocarbónicos) proporcionam uma plataforma ampla e aberta para a definição de roteiros estratégicos e a coordenação da investigação e desenvolvimento, dos investimentos e da introdução de novas inovações no mercado. Por último, o agrupamento de recursos públicos e privados em projetos importantes de interesse europeu comum reforçará claramente a cadeia de abastecimento da indústria automóvel na Europa, reduzirá as dependências estratégicas e promoverá a dupla transição ecológica e digital. Importa ponderar novos projetos importantes de interesse europeu comum, relativos aos automóveis conectados e automatizados, à economia circular, à integração dos sistemas energéticos, ao abastecimento de matérias-primas, à economia dos dados ou aos semicondutores.

3.7.

Desafios do desenvolvimento de uma cadeia de valor sustentável e circular das baterias (8) na UE. O fabrico local das baterias e das pilhas de combustível tem de ser um objetivo crucial da UE. As alianças da UE relativas às baterias e ao hidrogénio merecem ser apoiadas e ter recursos suficientes à sua disposição. Estas alianças industriais devem mobilizar investimentos maciços em instalações de produção e criar milhares de postos de trabalho na Europa. Será necessário evitar as fraturas atualmente visíveis entre as regiões da Europa.

3.8.

A megatendência dos automóveis conectados e automatizados poderá conduzir a uma mudança do valor acrescentado da venda e manutenção de veículos para novos modelos de negócio disruptivos baseados em serviços de dados e na mobilidade como serviço. O ecossistema automóvel deve estar preparado para entrar e assegurar a sua presença nestes novos modelos de negócio. Tal exigirá normas tecnológicas e de regulamentação tendo em vista a prestação de novos serviços de mobilidade inovadores, como o pagamento em função da utilização, a publicidade baseada na localização e as atualizações ou manutenção de veículos à distância. A construção de um espaço europeu de dados da mobilidade também será fundamental para garantir a liderança europeia nos serviços de mobilidade digital. Será igualmente necessário implantar a infraestrutura de comunicações digitais necessária e conceber roteiros para aumentar os níveis de automatização (incluindo um quadro para ensaios em larga escala, acesso a dados e uma nova abordagem da homologação de veículos). Além disso, importa avaliar o impacto a longo prazo da automatização crescente dos veículos, em especial nos postos de trabalho e em questões éticas, já que este aspeto será importante para garantir a aceitação social. Por último, uma vez que o transporte de mercadorias se poderá intensificar no futuro (devido ao comércio eletrónico), é necessário desenvolver soluções de mobilidade inteligentes para os transportes com base na organização multimodal do transporte, na eficiência em termos de custos (combinações de veículos de grande capacidade) e em modos de transporte sustentáveis, utilizando soluções de automatização e conectividade na cadeia logística.

3.9.

As tecnologias inteligentes e soluções digitais baseadas no «paradigma Indústria 4.0» devem apoiar a integração dos sistemas de produção e contribuir para os tornar mais flexíveis. Ao se reforçarem os sistemas de produção ao longo de toda a cadeia de abastecimento (e não apenas a integração dos processos de produção ao nível das empresas) será possível tornar as cadeias de abastecimento da indústria automóvel mais resistentes e reforçar a competitividade. Importa apoiar a digitalização criando um espaço de dados industriais para o setor. Contudo, estas tecnologias também implicam uma maior automatização com impacto negativo no emprego, a que é necessário dar resposta.

3.10.

Apoiar condições de concorrência equitativas à escala mundial. A Europa deve ter a ambição de manter a sua posição sólida enquanto exportadora na indústria automóvel. Por conseguinte, é necessário adotar medidas para:

promover a reciprocidade nas relações comerciais (acesso ao mercado, contratação pública, investimentos, respeito dos direitos de propriedade intelectual, subvenções);

celebrar acordos bilaterais de comércio livre (incluindo um capítulo sobre a indústria automóvel e o transporte rodoviário);

combater práticas comerciais desleais (subvenções, acordos bilaterais de comércio livre, diferenças de preço do carbono, dumping social e ambiental);

promover a cooperação internacional em matéria de automóveis não poluentes e tecnologias de combustíveis hipocarbónicos.

3.11.

O apoio à harmonização técnica a nível mundial no âmbito da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas deve ser reforçado. É necessário tomar medidas corajosas para resolver os estrangulamentos no abastecimento de semicondutores na indústria automóvel. A procura de semicondutores continuará a aumentar, uma vez que os automóveis são cada vez mais dispositivos eletrónicos. Neste contexto, o CESE apoia plenamente a proposta, apresentada na mais recente comunicação sobre a política industrial, no sentido de desenvolver um conjunto de instrumentos para reduzir e evitar dependências estratégicas da Europa. Além disso, o objetivo, estabelecido nas orientações europeias para a digitalização, de duplicar a quota de mercado da Europa nos semicondutores a nível mundial, de 10 % para 20 %, merece total apoio. A criação de um segundo projeto importante de interesse europeu comum relativo aos semicondutores contribuirá certamente para o cumprimento deste objetivo. Os Estados-Membros devem também cumprir a sua promessa de despender 20 % do Mecanismo de Recuperação e Resiliência no âmbito da COVID-19 na transição digital. As outras medidas possíveis incluem a captação de investimento direto estrangeiro e a instituição de uma cooperação estratégica entre as empresas da indústria automóvel e os produtores de semicondutores. Por fim, o Observatório das Tecnologias Críticas deve acompanhar atentamente as muitas outras dependências estratégicas na indústria automóvel: matérias-primas, hidrogénio, baterias, energias renováveis, tecnologias de computação em nuvem, etc.

3.12.

É necessário abordar o impacto do novo cenário automóvel no mercado de substituição. O mercado de substituição automóvel, que emprega quatro milhões de pessoas, deverá enfrentar uma mudança estrutural profunda resultante da diminuição das vendas, da eletrificação, da menor procura de combustíveis, das vendas em linha e da diminuição da manutenção. O setor terá de se reinventar enquanto prestador de serviços de mobilidade: atualização de automóveis, manutenção preventiva, veículos de aluguer com condutor, coviaturagem e desenvolvimento de modelos de negócio na micromobilidade. Importa ultrapassar os conflitos de interesses no acesso a dados a bordo dos veículos e criar uma plataforma interoperável e normalizada para permitir que o mercado de substituição desenvolva serviços baseados em dados (como o diagnóstico à distância, a atualização de software ou a manutenção preventiva).

Sociedade: gerir a mudança e garantir uma transição socialmente justa

3.13.

A transformação da indústria automóvel terá um impacto enorme na quantidade de postos de trabalho necessários para o fabrico de automóveis e dos seus componentes, bem como nos perfis profissionais exigidos pelo novo paradigma. Por conseguinte, as políticas do mercado de trabalho devem centrar-se em manter ou aumentar a empregabilidade da mão de obra através da aprendizagem ao longo da vida e em criar vias flexíveis entre o mundo da educação e o mundo do trabalho (por exemplo, sistemas de formação em alternância, mercados da aprendizagem funcionais e certificação da aprendizagem não formal). A mobilidade interna dos trabalhadores nas empresas deve ser promovida através da melhoria de competências e da requalificação, a fim de os dotar das competências necessárias para o futuro (diminuição do trabalho manual e aumento acentuado das competências digitais, com especial ênfase na engenharia de software e de eletrónica). Iniciativas setoriais europeias, como a DRIVES e a ALBATTS, e a nova aliança de competências no setor automóvel constituem instrumentos fundamentais para dar resposta ao desafio das competências.

3.14.

No caso dos trabalhadores que têm de abandonar o setor, importa organizar uma transição harmoniosa para outro posto de trabalho. Estes trabalhadores deverão ter acesso aos novos empregos que serão efetivamente criados em setores emergentes, como as tecnologias da informação, as redes 5G, a eletrónica de potência, as infraestruturas de carregamento, a produção de energias renováveis, as redes inteligentes, as estradas inteligentes, os serviços de mobilidade, as baterias, os combustíveis alternativos, o armazenamento de energia e a produção e distribuição de energia elétrica. Este processo será bastante complexo, uma vez que, provavelmente, estes postos de trabalho serão criados noutros locais e noutros momentos, com conjuntos de competências diferentes em relação aos empregos que vão desaparecer. É necessário garantir a segurança dos rendimentos durante a transição. É possível evitar os despedimentos coletivos também através de sistemas de reformas antecipadas, desemprego parcial e redução de horário. Importa garantir um diálogo social adequado, a fim de poder antecipar a mudança oportunamente e evitar perturbações e conflitos sociais.

3.15.

É necessário um levantamento claro do impacto da transição digital e ecológica do setor, a fim de identificar as regiões e as partes da cadeia de abastecimento mais ameaçadas. Não devem surgir novas fraturas sociais entre os países da Europa Ocidental e Oriental, nem entre o sul e o norte da Europa. Além disso, é necessário acompanhar a evolução estrutural da indústria devido à descarbonização e à digitalização. Importa examinar atentamente os eventuais progressos na utilização da biomassa, uma vez que há aqui igualmente oportunidades para a criação de novos empregos, velando, ao mesmo tempo, por permanecer dentro dos limites ecológicos.

3.16.

Todas as partes interessadas (empresas, sindicatos, organizações de polos empresariais, autoridades, agências do mercado de trabalho ou organismos de desenvolvimento regional) nas regiões de produção automóvel devem trabalhar em conjunto, de forma intensiva, na elaboração de planos abrangentes de reconversão regional.

3.17.

Importa evitar o desperdício de ativos nas cadeias de abastecimento da indústria automóvel, assegurando um apoio atempado e adequado para as muitas PME que não dispõem de recursos (humanos e financeiros) para reconfigurar as suas atividades e evoluir para modelos de negócio mais prometedores.

3.18.

A mobilidade individual deve continuar a ser acessível e comportável para todos, em especial os trabalhadores pendulares sem acesso a transportes públicos de qualidade ou outras soluções de mobilidade. É possível alcançar este objetivo prevendo uma compensação pelo preço mais elevado dos sistemas de propulsão alternativos e dos combustíveis com nível baixo ou nulo de emissões de carbono que podem ser utilizados num automóvel convencional. É necessário evitar a todo o custo uma polarização social entre as pessoas que podem adquirir um automóvel ecológico e as que não têm condições para o fazer.

3.19.

Conclusão. A indústria automóvel europeia tem sido desde sempre um líder mundial e um motor do crescimento e do emprego. Na transição para o paradigma de um sistema de transporte rodoviário digitalizado e descarbonizado, é importante manter esta posição e desenvolver vias de transformação que lhe permitam dar resposta às tendências disruptivas que a indústria enfrenta atualmente. Para o efeito, deve tirar partido dos seus pontos fortes na tecnologia, da sua mão de obra qualificada, da sua engenharia de craveira mundial, dos seus consumidores exigentes, das suas cadeias de abastecimento sofisticadas, da sua forte cultura de PME e das suas relações laborais construtivas. O ecossistema automóvel europeu deve tornar-se líder no desenvolvimento e na implantação de soluções de mobilidade sustentável. Por conseguinte, o ecossistema automóvel tem de desenvolver ativamente estratégias para moldar as disrupções e megatendências em curso que afetam o setor automóvel europeu. Uma vez que a cadeia de abastecimento da indústria automóvel enfrenta desafios enormes, o CESE considera imperativo criar um mecanismo para uma transição justa destinado a este setor, a fim de aplicar as medidas de acompanhamento necessárias para evitar perturbações sociais e assegurar uma transição socialmente responsável.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_2312

(2)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão «Sustainable and Smart Mobility» [Mobilidade sustentável e inteligente], SWD(2020) 331, p. 248.

(3)  Oliver Falck, Nina Czernich, Auswirkungen der vermehrten Produktion von elektrisch betriebener Pkw auf die Beschäftigung in Deutschland, Instituto IFO, maio de 2021. https://www.ifo.de/DocDL/ifoStudie-2021_Elektromobilitaet-Beschaeftigung.pdf

(4)  https://eeb.org/library/escaping-the-growth-and-jobs-treadmill/

(5)  Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (JO L 328 de 21.12.2018, p. 82).

(6)  Os veículos com menos de 1 000 kg/mais de 1 500 kg correspondiam, respetivamente, a 36 %/7 % das vendas em França, em 1998, e a 15 %/16 % em 2019 (Eurostat).

(7)  Diretiva 2000/53/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de setembro de 2000, relativa aos veículos em fim de vida (JO L 269 de 21.10.2000, p. 34).

(8)  Neste contexto, o parecer descreve pormenorizadamente o papel do regulamento europeu relativo às baterias (JO C 220.9.6.2021, p.128).