Bruxelas, 15.6.2021

COM(2021) 380 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

O aproveitamento das primeiras lições da pandemia de COVID-19


1.INTRODUÇÃO

O mundo continua a enfrentar uma crise de saúde pública sem precedentes, que causou uma incomensurável perda de vidas humanas, colocou as sociedades sob enorme pressão e desencadeou um dos maiores desafios económicos mundiais da história moderna. À medida que as taxas de vacinação continuam a aumentar e as taxas de infeção diminuem na Europa, a UE tem aplicado um conjunto de medidas e envidado esforços de coordenação para enfrentar a pandemia e atenuar o seu impacto nas nossas sociedades e economias. Ao mesmo tempo, os riscos de propagação da COVID-19 continuam a ser elevados e os níveis diários de infeção a nível mundial são mais do dobro do que eram no ano passado.

O que precede ilustra o facto de, apesar dos progressos, a pandemia ainda não ter terminado. No entanto, mostra também a necessidade e a urgência de continuar a retirar lições desta crise, a fim de dar uma melhor resposta a ameaças novas e emergentes desta pandemia, preparando simultaneamente a futura resposta a novas e diferentes crises sanitárias. Por conseguinte, a presente comunicação centra-se em algumas das primeiras lições no domínio da saúde em função das quais a Europa deve atuar imediatamente. Trata-se, por definição e por necessidade, de um relatório intercalar com base no qual serão retiradas mais lições a longo prazo.

Qualquer exercício desta natureza deve começar por uma análise crítica do que foi feito, do que funcionou bem e do que não funcionou. É necessário reconhecer que, sem a competência e o altruísmo de tantos trabalhadores da linha da frente, a situação teria sido, sem dúvida, ainda mais difícil. Também se deve reconhecer o impacto desigual da crise, sendo os grupos vulneráveis os mais afetados. Esta avaliação honesta é essencial para retirar verdadeiras lições a nível político e estratégico. Pode ajudar a identificar os casos em que foram reveladas fraquezas e fragilidades, em que os sistemas e culturas de preparação e resposta têm de ser reforçados e em que as soluções de emergência podem ser desenvolvidas ou tornadas permanentes.

A verdade subjacente é que, tal como quase todas as regiões e países do mundo, nem a UE nem os Estados-Membros estavam preparados para esta pandemia. Os processos de preparação e planeamento revelaram-se subfinanciados e insuficientemente desenvolvidos, e grande parte da resposta da UE teve de ser ad hoc e temporária. Frequentemente difíceis no início, a coordenação e a cooperação entre os Estados-Membros demoraram algum tempo a ser instauradas e a começar a funcionar. Esta situação consumiu tempo precioso nas fases iniciais da pandemia e mostra que não existiam estruturas adequadas.

Paralelamente, a resposta da UE à pandemia, que continuou a evoluir, incluiu uma vasta gama de iniciativas sem precedentes, concebidas e concretizadas em tempo recorde. Foi sobretudo essa resposta que permitiu salvar vidas e meios de subsistência e ajudar os serviços de saúde. Demonstrou igualmente o valor acrescentado e a necessidade de trabalhar em conjunto enquanto europeus em caso de pandemia ou de outras ameaças transfronteiriças, seja por meio de intervenções de emergência, de vacinas, de aquisições, da produção de bens essenciais ou de liderança e apoio efetivo aos esforços desenvolvidos a nível mundial.

A ação da UE para atenuar o risco de recessão económica grave foi rápida, eficaz e bem coordenada desde o início. Desencadeou, por um lado, os mecanismos existentes de resposta a situações de crise e, por outro, mobilizou enormes recursos. Esta resposta baseou-se fortemente nas lições aprendidas desde a crise financeira de 2008. Com base na experiência adquirida, a UE – os Estados-Membros e as instituições da UE – tomou medidas rápidas e determinantes para proteger a economia quando a crise eclodiu em 2020. As decisões de política monetária e as orientações prospetivas do Banco Central Europeu, que permitiram manter condições favoráveis para todos os setores da economia, bem como a ação das autoridades de supervisão, foram igualmente indispensáveis.

LIÇÕES A RETIRAR: O QUE A RESPOSTA ECONÓMICA NOS ENSINA SOBRE PREPARAÇÃO PARA CRISES

A UE tomou medidas decisivas para combater as consequências económicas da pandemia. Baseou-se, em grande medida, na experiência e nos mecanismos desenvolvidos para fazer face a anteriores desafios e crises no domínio económico e financeiro. No entanto, ficou claro desde o início que se tratava de uma crise que ocorre uma vez em cada século.

Uma abordagem de confiança em três fases:

-Em primeiro lugar, a UE tomou medidas de emergência para mobilizar recursos da UE, incluindo 82 mil milhões de EUR do orçamento da UE [nomeadamente, as iniciativas de investimento de resposta ao coronavírus (CRII e CRII+)], e ativou a cláusula de derrogação de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento e o quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal, para permitir a intervenção dos Estados-Membros em larga escala: em 2020, as medidas nacionais ascenderam a 3 biliões de EUR em apoio orçamental e à liquidez. Estas medidas foram reforçadas pela intervenção do Banco Central Europeu, cuja ação apoiou a estabilidade financeira.

-Em segundo lugar, uma fase de reparação apelou à solidariedade, mobilizando instrumentos da UE no valor de 540 mil milhões de EUR, para amortecer o impacto económico da crise, nomeadamente por meio de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego (instrumento SURE).

-Por último, estamos atualmente na fase de recuperação, tendo sido mobilizados 750 mil milhões de EUR ao abrigo do NextGenerationEU, nomeadamente por meio do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), para estimular os investimentos e as reformas ao longo dos próximos seis anos.

Três características principais da resposta estratégica:

-Rapidez: a Comissão tomou todas as suas decisões em tempo recorde, preservando simultaneamente um controlo democrático adequado. A iniciativa CRII entrou em vigor apenas um mês após ter sido proposta. O novo instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE), de 100 mil milhões de EUR, foi igualmente adotado no prazo de um mês após ter sido proposto e ficou operacional no verão de 2020. O acordo político do Conselho Europeu sobre o NextGenerationEU foi alcançado menos de dois meses após a proposta da Comissão e a Decisão Recursos Próprios foi ratificada apenas cinco meses após o início do QFP correspondente. A título de comparação, as três decisões relativas aos recursos próprios anteriores entraram em vigor mais de dois anos após o início do QFP correspondente;

-Ambição: a resposta económica da UE conciliou diferentes pontos de vista. O NextGenerationEU foi criado como uma medida temporária e extraordinária para fazer face a uma crise extraordinária que diz respeito a todos, o que mostra que a UE está à altura do desafio.

-Coerência: no âmbito da resposta económica da UE, foram aplicadas políticas orçamentais e monetárias que se reforçam mutuamente. Importa notar que a resposta económica da UE também alcançou um equilíbrio entre a resposta a curto prazo e os imperativos a mais longo prazo. As prioridades da Comissão para a definição da agenda antes da crise foram integradas na recuperação e na conceção do NextGenerationEU, nomeadamente com base no Pacto Ecológico Europeu, na transição digital e no elemento social da recuperação.

Três lições aprendidas para a futura resposta no domínio da saúde:

-O papel decisivo da coordenação da UE: as respostas nacionais coordenadas, sob a forma de medidas de política orçamental, e o importante papel desempenhado pelo orçamento da UE e pelos planos de recuperação e resiliência contribuirão para compensar o impacto assimétrico da crise e permitirão que a UE cresça de forma homogénea. Esta ação comum da UE no domínio da economia refletiu o papel essencial da ação comum da UE em domínios como as vacinas, mas pode tirar partido das experiências e dos mecanismos desenvolvidos para fazer face a desafios anteriores no domínio económico e financeiro, pelo que não necessitou de ser improvisada.

-Resiliência do sistema de coordenação das políticas da UE: o reforço da resiliência das economias nacionais, do mercado único e dos ecossistemas industriais da UE é um elemento fundamental da resposta política. A resposta a crises económicas e financeiras anteriores permitiu à UE estar muito mais preparada para responder às consequências económicas, com instrumentos como a cláusula de derrogação de âmbito geral ou a União Bancária. A política de saúde da UE não dispunha de instrumentos deste tipo já existentes, que pudessem ser desencadeados em momentos de crise.

-Papel da UE na cena mundial: o peso da economia da UE e do euro tem sido fundamental para aumentar a resistência da UE aos choques, nomeadamente à crise económica desencadeada pela pandemia. A forte interdependência entre as economias da UE e o resto do mundo também se tornou, uma vez mais, evidente, tendo ficado patente, mais que nunca, a importância das cadeias de abastecimento mundiais. A cooperação mundial no domínio da saúde deve recorrer à mesma combinação de compromisso multilateral e de utilização do peso global da UE, para dar a melhor resposta possível a uma eventual crise sanitária, dando continuidade à abordagem da Equipa Europa.

Devemos agora aprender com este exemplo, transformando as ações de emergência em mudanças estruturais para uma resposta coordenada a futuras crises sanitárias desta natureza. Devemos transformar o que aprendemos ao longo dos últimos dezoito meses numa abordagem mais sistemática, num sistema coordenado que permita antecipar e detetar os riscos mais cedo, melhorar o planeamento de contingências e dar uma resposta conjunta mais rápida e eficaz.

Por conseguinte, a presente comunicação centra-se na preparação e na capacidade de resposta no domínio da saúde. Começa por apresentar uma visão global do decurso dos acontecimentos até à data, antes de retirar as dez primeiras lições da crise sanitária em função das quais a UE deve agir. Contribuirá para o debate dos dirigentes no Conselho Europeu de junho, será apresentada ao Parlamento Europeu e a Comissão dar-lhe-á seguimento, no segundo semestre de 2021, com resultados concretos.

2.APRENDER COM A EXPERIÊNCIA – O DECURSO DOS ACONTECIMENTOS ATÉ À DATA

Quando a Organização Mundial da Saúde declarou uma pandemia mundial, em 11 de março de 2020, o vírus já se tinha instalado na Europa. Esta situação foi agravada pela falta – ou supressão – de informações partilhadas pelas autoridades chinesas no início do surto. Sem poder contar com um sistema sólido da UE para declarar uma situação de emergência e desencadear a coordenação necessária, os governos já estavam a tentar ajustar-se à realidade, tendo-se revelado difícil responder de forma rápida, coerente e eficaz.

Houve uma clara insuficiência em termos de preparação e de planeamento para uma pandemia, com poucos instrumentos já existentes para reagir rápida e eficazmente assim que a pandemia eclodiu. Tal verificou-se a nível mundial, europeu, nacional e local, mas foi talvez mais percetível na Europa, poupada pelas epidemias e surtos epidémicos que eclodiram noutras partes do mundo nas últimas décadas. As tentativas de conter a propagação do vírus encerrando as fronteiras internas foram descoordenadas e tiveram um efeito limitado ou contraproducente, enfraquecendo cadeias de abastecimento vitais, ao passo que as proibições temporárias de exportação de bens essenciais apenas conduziram a mais escassez. Acresce que, a nível mundial, os fluxos comerciais de produtos e materiais críticos foram dificultados pelas restrições impostas às exportações e pelo facto de os países terceiros terem favorecido a produção nacional.

Na fase inicial, tornou-se imediatamente claro que os sistemas de saúde se encontravam sobrecarregados. A primeira vaga revelou as limitações dos sistemas de saúde dos Estados-Membros no respeitante a profissionais de saúde, falta de camas hospitalares, equipamento médico, material e medicamentos, deixando os profissionais de saúde sobrecarregados e todo o sistema sob enorme pressão 1 . As tentativas para atenuar estas lacunas por meio de uma maior solidariedade em matéria de cuidados intensivos ou de equipamento médico demonstraram a necessidade e o valor da coordenação entre os Estados-Membros, por exemplo, destacando equipas e mobilizando recursos para ajudar as zonas mais afetadas. No entanto, estes esforços foram frequentemente dificultados pela falta de dados fiáveis ou comparáveis.

À medida que a crise se ia desenvolvendo, a UE demonstrou ser capaz de dar uma resposta eficaz a todos os níveis. Abandonando cada vez mais as ações unilaterais em favor da convergência de decisões, desenvolveu uma vasta gama de respostas políticas, adaptando e atualizando a sua ação às diferentes fases da pandemia. A abordagem comum relativamente às vacinas ilustra esta atitude, que também se aplica a novas iniciativas numa série de outras políticas. A iniciativa «corredores verdes» 2 manteve a integridade das cadeias de abastecimento, assegurando o fornecimento de alimentos e de medicamentos no mercado único, e a abordagem comum para avaliar as taxas de infeção em diferentes regiões contribuiu para aumentar a coerência na imposição de testes e quarentenas. Foram rapidamente tomadas iniciativas nos domínios fiscal e aduaneiro, para apoiar o fornecimento de equipamento médico e de proteção vital, tendo a UE formulado diretrizes para a circulação segura nas fronteiras dos trabalhadores fronteiriços e dos trabalhadores sazonais. As regras da política de coesão da UE foram alteradas com uma celeridade sem precedentes, permitindo aos Estados-Membros redirecionar rapidamente os fundos da UE para financiar as necessidades críticas do setor dos cuidados de saúde.

Mais recentemente, a proposta da Comissão relativa a um certificado COVID digital da UE foi aprovada e aplicada em tempo recorde, abrindo caminho ao levantamento das restrições à livre circulação e à retoma do turismo e das viagens. Esta iniciativa demonstrou igualmente a utilidade de melhorar a interoperabilidade transfronteiras dos sistemas de informação e dos fluxos de dados.

Um dos domínios de resposta fundamentais a avaliar é a abordagem adotada em relação ao desenvolvimento, aquisição e produção de vacinas. Aprendendo com a resposta inicialmente desarticulada à crise, a Comissão apresentou, em junho de 2020, uma Estratégia da UE para as Vacinas comum 3 . Tornou possível, assim, apoiar e acelerar o desenvolvimento e a produção em grande escala. As negociações com os produtores de vacinas foram por vezes difíceis, mas a abordagem assegurou o acesso de todos os Estados-Membros a vacinas contra a COVID-19, numa escala que permitiu a disponibilização de vacinas atual, bem como exportações para mais de cem países em todo o mundo. Os 27 Estados-Membros decidiram unir forças e mandatar a Comissão para executar tarefas que eram tradicionalmente consideradas competências nacionais.

Tratou-se de um passo essencial para superar a pandemia em conjunto e, se não tivesse sido dado, os Estados-Membros estariam a competir entre si por menos doses, de menos produtores. Teríamos assistido a variações significativas na velocidade de vacinação e teríamos enfrentado maiores riscos de disparidades, de variantes e de perturbações das viagens. Em vez disso, à data, mais de metade dos adultos europeus receberam uma dose e mais de um quarto da população adulta está completamente vacinada. Embora reste ainda muito por fazer, trata-se de uma conquista comum histórica em tempo recorde, que permite retomar de forma gradual, contínua e segura as atividades sociais e económicas, bem como apoiar os nossos parceiros internacionais 4 .

Ao mesmo tempo, este êxito não esconde as dificuldades encontradas, nomeadamente em relação ao aumento da capacidade de fabrico e de produção e à dependência das cadeias de abastecimento mundiais. Tal deveu-se, em parte, à ausência de uma abordagem integrada permanente em matéria de investigação, desenvolvimento, autorização de comercialização, produção e fornecimento. Embora, desde então, esta lacuna tenha sido corrigida no que respeita às vacinas contra a COVID-19, é necessária uma solução a mais longo prazo para fazer face a futuras ocorrências ou crises no domínio da saúde.

3. AS DEZ LIÇÕES DA COVID-19 PARA A POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA

Aprender com qualquer crise começa por uma reflexão honesta sobre o passado e o presente, com vista a melhorias futuras. Neste sentido, as dez lições descritas no presente relatório centram-se no que é necessário melhorar e no que é possível fazer melhor no futuro. As dez lições não são exaustivas nem mutuamente exclusivas – proporcionam simplesmente uma primeira visão geral do que já sabemos que pode ser feito para assegurar uma resposta mais eficaz no domínio da saúde.

Primeira lição: uma deteção e uma resposta mais rápidas dependem de uma vigilância mundial mais forte e de dados mais comparáveis e completos 

Tal como com qualquer surto de uma nova doença infecciosa, a deteção precoce é essencial para conter com êxito a propagação da doença e diminuir o seu impacto nas pessoas, nas economias e nas sociedades, tanto a nível local como mundial. Os sistemas de vigilância na Europa e em todo o mundo permitem uma deteção mais rápida e uma notificação mais atempada a terceiros, bem como uma gestão muito mais informada de uma pandemia em curso. Permitem igualmente a peritos de todo o mundo investigar e efetuar análises de risco sobre novos vírus e prever o seu potencial impacto ou grau de ameaça.

A COVID-19 tornou evidente o papel essencial destes sistemas de vigilância, que conseguiram detetar relatos sobre focos de casos de pneumonia preocupantes já em 31 de dezembro de 2019. A publicação da sequência genómica, em meados de janeiro, permitiu dar início ao trabalho de desenvolvimento de testes, tratamentos e mesmo de vacinas.

No entanto, a pandemia demonstrou igualmente as limitações dos sistemas de vigilância atuais, cuja eficácia depende dos dados que os alimentam. Nas primeiras semanas após o primeiro caso, a falta de dados comparáveis e completos impediu a plena realização de grande parte das avaliações de ameaças e entravou a investigação científica. Perdeu-se tempo crítico para detetar a verdadeira escala, velocidade e gravidade da epidemia, o que teve como consequência atrasos nas decisões fundamentais em toda a Europa e no resto do mundo. A coordenação global demorou, por esse motivo, demasiado tempo a ser implementada. Tal como concluiu o Painel Independente para Preparação e Resposta à Pandemia, o atual sistema internacional de alerta «não funciona com rapidez suficiente quando confrontado com um agente patogénico respiratório de rápida evolução».

Por esta razão, é necessário criar um novo sistema de vigilância mundial, com as ferramentas necessárias e um ambiente aberto, que possibilite a partilha de dados o mais precocemente possível. Deverá centrar-se numa maior cobertura das redes de vigilância em partes do mundo onde existem lacunas, bem como facilitar o intercâmbio de dados comparáveis com maior rapidez.

A nível europeu, deve ser criado um novo sistema europeu de recolha de informações sobre pandemias, com base no atual Sistema de Alerta Rápido e de Resposta e numa atualização do Sistema Europeu de Vigilância 5 , para a gestão e o intercâmbio de dados em tempo real, integrado no novo sistema mundial. Deverá centrar-se na comunicação atempada de informações pelos Estados-Membros, desde sinais precoces de potenciais ameaças – incluindo pandemias, bioterrorismo e ameaças mistas – a dados concretos sobre casos, exposições, fatores de risco, consequências sanitárias e capacidade de prestação de cuidados de saúde. Neste contexto, o estabelecimento de ligações entre as autoridades de saúde pública permitirá uma gestão coordenada das reservas e camas hospitalares, bem como uma rápida reafetação do pessoal. Permitiria partilhar análises da situação atualizadas, com base em fontes de dados inovadoras, tal como a monitorização das águas residuais, que está a ser implementada atualmente 6 . Permitirá também um rastreio de contactos mais rápido e eficaz, bem como a possibilidade de os processos clínicos e dados dos doentes os acompanharem além-fronteiras. Tal deve ser também integrado na iniciativa mais ampla de criação de um espaço europeu de dados de saúde. A ligação, sem descontinuidades, dos dados clínicos e de saúde pública, nomeadamente através da partilha segura de processos clínicos eletrónicos, permite obter uma imagem em tempo real da situação epidemiológica e da capacidade de resposta.

Lição retirada:

-A UE deve liderar os esforços para conceber e implementar um novo sistema de vigilância mundial sólido, baseado em dados comparáveis e completos.

-Criação, em 2021, de um sistema europeu de recolha de informações sobre pandemias novo e melhorado

Segunda lição: os pareceres científicos claros e coordenados facilitam as decisões políticas e a comunicação pública

Embora a elaboração de políticas e as mensagens públicas durante a pandemia da COVID-19 continuem a apoiar-se nos pareceres científicos mais recentes, os primeiros meses da crise revelaram o nível desigual de investigação e aconselhamento nos diferentes Estados-Membros, bem como as diferentes abordagens adotadas para prestar e utilizar esse aconselhamento. As provas eram, assim, fragmentadas, por vezes contraditórias e muitas vezes confusas, como consequência das diferentes mensagens públicas dos diferentes Estados-Membros.

A necessidade de partilhar conhecimentos e competências e de harmonizar mensagens e aconselhamento levou a Comissão Europeia a criar um painel consultivo sobre a COVID-19, composto por epidemiologistas e virologistas de diferentes Estados-Membros. Este painel continua a contribuir para as orientações da UE sobre medidas de gestão dos riscos coordenadas e baseadas em dados científicos. Outros novos grupos, como a plataforma de aconselhamento científico da UE sobre a COVID-19, proporcionaram um fórum para o intercâmbio entre pares e coordenação entre consultores científicos junto dos governos nacionais, complementando o trabalho do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC).

O êxito destes grupos não esconde a necessidade de uma maior coordenação a nível da UE em matéria de pareceres científicos, bem como de comunicação coerente e factual. É necessário colmatar o fosso entre a ciência e a elaboração de políticas, e é necessário que a UE comunique diretamente com o público por meio de uma voz científica qualificada, tal como foi feito com êxito em países da Europa e de todo o mundo.

Para tal, um novo Epidemiologista Principal Europeu contribuiria para reunir epidemiologistas de alto nível dos Estados-Membros, para formular recomendações políticas baseadas em dados concretos à Comissão e servir de ponto de comunicação com o público em períodos de crise.

Lição retirada:

-A UE deve nomear um Epidemiologista Principal Europeu e criar uma estrutura de governação correspondente até ao final de 2021.

Terceira lição: a preparação necessita de investimento, escrutínio e revisão constantes

Uma lição geral que a Europa deve ter em conta é que a preparação e o planeamento não foram tão sólidos, financiados ou abrangentes quanto seria necessário. Embora existissem muitos planos de preparação, os sistemas e infraestruturas para os atualizar e pôr em funcionamento nem sempre correspondiam aos requisitos necessários. Tal como em muitas outras partes do mundo, um subfinanciamento histórico e sistémico da preparação prejudicou significativamente os primeiros esforços de resposta em muitas partes da Europa. Esta crise demonstrou que o custo da inação é muito superior ao custo de um investimento eficaz e sistemático na preparação e no planeamento, nomeadamente na prospetiva estratégica.

Para aprender com esta pandemia, é necessária uma nova abordagem sistémica da preparação. O ponto de partida é o aumento do investimento, por exemplo, com orçamentos específicos para apoiar iniciativas como a constituição de reservas a nível nacional e da UE. Devem ser realizadas revisões e auditorias periódicas para garantir que as ameaças, as tendências e os riscos mais recentes são tidos em conta e que existem capacidades caso seja necessário desencadear planos de preparação.

Para este fim, a Comissão elaborará um relatório anual sobre o estado de preparação que revele a evolução geral do cenário de risco na Europa e o estado de preparação. Abrangerá as pandemias e outras emergências sanitárias, juntamente com outros cenários realistas que a UE poderá ter de enfrentar num futuro próximo. Tais cenários incluem atentados ou acidentes químicos, biológicos, radiológicos e nucleares, terramotos de grande magnitude, catástrofes ambientais ou tecnológicas, ou um apagão generalizado. Para elaborar o relatório, a Comissão recorrerá a todos os conhecimentos especializados e autoridades competentes nestes domínios.

Lição retirada:

-A Comissão Europeia deve elaborar um relatório anual sobre o estado de preparação, a apresentar ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu.

Quarta lição: os instrumentos de emergência devem estar disponíveis e ser mais rápidos e fáceis de ativar 

Uma característica marcante da pandemia foi a crescente utilização de diferentes instrumentos de emergência necessários para dar resposta à crise. Tais instrumentos incluem o Instrumento de Apoio de Emergência, os acordos prévios de aquisição de vacinas e o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia, na resposta a emergências e repatriamentos. Embora estes instrumentos tenham sido utilizados com êxito, a pandemia realçou a importância de dispor de medidas temporárias e excecionais rápidas, operacionais e flexíveis, prontas para serem ativadas, a fim de permitir que a UE reaja tão rapidamente quanto necessário.

Uma vez que a celeridade é essencial, a pandemia revelou a necessidade de uma abordagem mais sistemática destes instrumentos. Para tal, importa tomar uma decisão política clara e decisiva sobre quando desencadear uma resposta a situações de crise, bem como sobre o conjunto de instrumentos a utilizar nessas situações. Essa resposta poderia incluir a ativação automática do Instrumento de Apoio de Emergência, para permitir o financiamento de resposta a emergências, ou outros mecanismos que permitam apoiar rapidamente a investigação, o desenvolvimento, o fabrico e a aquisição de contramedidas essenciais. Poderia igualmente assegurar uma abordagem mais coordenada da partilha de informações e da tomada de decisões no que diz respeito a medidas de saúde pública.

O conjunto de instrumentos deve incluir medidas direcionadas para setores específicos. Em 2022, será apresentada uma proposta relativa a um Instrumento de Emergência do Mercado Único, a fim de dar uma resposta rápida e flexível ao impacto de qualquer crise no mercado único. A proposta incluirá a possibilidade de, ao abrigo da legislação relativa aos contratos públicos, acelerar as negociações em caso de extrema urgência e de possibilitar outras aquisições em nome dos Estados-Membros, para além da atual limitação às contramedidas médicas. Em consonância com a estratégia para um espaço Schengen plenamente funcional e resiliente 7 , a Comissão proporá iniciativas para criar um quadro estável para a coordenação, por parte da UE, das medidas de controlo das fronteiras internas e externas. Proporá igualmente um plano de contingência para os transportes e a mobilidade, a fim de tirar partido da experiência adquirida com o êxito do quadro dos corredores verdes, de modo a que possam ser adotadas medidas, se necessário, na eventualidade excecional de medidas temporárias bloquearem o tráfego nas fronteiras internas.

Lição retirada:

-Estabelecer um quadro para a ativação de um Estado de Emergência de Pandemia da UE e um conjunto de instrumentos para situações de crise

Quinta lição: as medidas coordenadas devem tornar-se um hábito para a Europa

Muitas das respostas iniciais à pandemia da COVID-19 caracterizaram-se por decisões unilaterais e falta de coordenação. Esta situação conduziu a abordagens muito diferentes e unilaterais nas intervenções dos Estados-Membros no domínio da saúde. As restrições destinadas a conter o vírus também foram alteradas com muita frequência, registando-se uma variedade considerável de políticas e metodologias de teste. Esta situação afetou a confiança do público, bem como o cumprimento das medidas em vigor, reduzindo a sua eficácia.

Embora os Estados-Membros se tenham centrado em medidas unilaterais durante os primeiros dias do surto de COVID-19 na Europa, verificou-se uma evolução gradual no sentido de uma maior solidariedade e cooperação, à medida que se tornaram claros os limites das abordagens puramente nacionais.

No entanto, é evidente que a coordenação foi demasiado lenta e ineficaz, em parte devido ao facto de as informações e os conhecimentos especializados estarem dispersos por vários grupos de trabalho interinstitucionais. É claramente necessário reforçar a cooperação interinstitucional, racionalizar o processo de tomada de decisões e combinar melhor os conhecimentos especializados necessários com suficiente autoridade, para assegurar decisões atempadas e informadas durante uma crise. A designação do principal grupo ou entidade de cada instituição a ativar durante uma crise e o estabelecimento de métodos de trabalho eficientes entre as mesmas poderiam contribuir para assegurar uma forte coordenação interinstitucional. Para tal, é necessário apoio político inequívoco dos chefes de Estado e de Governo no Conselho Europeu.

Como primeiro passo para melhorar a coordenação das medidas de saúde pública em toda a UE, a Comissão Europeia apresentou, em novembro de 2020, um conjunto de propostas sobre a criação de uma União Europeia da Saúde 8 . Estas propostas irão reformular o quadro jurídico de resposta às ameaças transfronteiriças para a saúde e reforçar o mandato de resposta a situações de crise do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), o que reforçará a comunicação e a vigilância de dados. Os planos de preparação nacionais e da UE serão objeto de relatórios e auditorias periódicos. As capacidades do ECDC para apoiar os Estados-Membros na preparação e resposta serão reforçadas e a EMA terá um papel mais importante no acompanhamento e na atenuação das carências.

Lições a retirar:

-Reforçar a coordenação e os métodos de trabalho do principal grupo de contacto ou entidade de cada instituição a ativar durante uma crise. O pacote legislativo União Europeia da Saúde deve ser adotado rapidamente – antes do final do ano.

Sexta lição: são necessárias parcerias público-privadas e cadeias de abastecimento mais reforçadas para os equipamentos e medicamentos críticos

A pandemia tornou clara a necessidade de aumentar a resiliência das cadeias de abastecimento importantes para a segurança de numerosos bens essenciais. No domínio da saúde, gerou um aumento da procura de produtos essenciais, tais como medicamentos, ventiladores e máscaras. As cadeias de abastecimento mundiais estiveram sob grande pressão. A concorrência pelos produtos provocou carências e desigualdades, criando simultaneamente obstáculos significativos ao planeamento de uma resposta eficaz, à medida que o vírus se instalava. Como resultado, nos primeiros meses da pandemia, registou-se na Europa uma escassez de testes e de materiais para a sua realização, de pessoal devidamente formado e, em alguns casos, de equipamentos de laboratório. Além disso, o aumento global da produção de vacinas resultou em estrangulamentos relativamente aos principais materiais e ingredientes de produção. Esta situação revelou uma série de dependências excessivas, bem como a fragilidade dos processos de produção a nível mundial, especialmente no setor dos produtos médicos e farmacêuticos 9 .

A UE tomou uma série de medidas para fazer face a estas vulnerabilidades, desde as aquisições conjuntas 10 de equipamento de proteção individual à constituição de reservas de ventiladores e de máscaras. Um centro de coordenação do equipamento médico ajudou a adequar a oferta à procura nacional e foi lançado um sistema de monitorização para prever a escassez de medicamentos 11 . Foi criado um grupo de trabalho para a expansão industrial, para resolver os estrangulamentos na cadeia de abastecimento e promover parcerias industriais. Um mecanismo temporário de autorização das exportações proporcionou transparência nos fluxos comerciais de vacinas, mantendo simultaneamente as cadeias de abastecimento abertas e permitindo que a Europa permanecesse o líder mundial das exportações de vacinas.

Estas medidas ad hoc melhoraram o acesso dos europeus a bens essenciais e permitiram à UE tirar o máximo partido da possibilidade de trabalhar em grande escala. No entanto, revelaram igualmente o enorme défice de conhecimentos, no início da pandemia, no respeitante às capacidades de produção e à potencial procura dos Estados-Membros, bem como a profunda dependência das cadeias de abastecimento mundiais. Esta situação salienta a necessidade de conseguir acompanhar e definir as prioridades e capacidades do mercado em matéria de equipamento médico essencial a cada etapa, da investigação e desenvolvimento à produção e abastecimento.

Para o efeito, é essencial uma nova Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA), que assegure uma melhor preparação e resposta da UE em termos de contramedidas médicas que permitam fazer face a ameaças transfronteiriças graves para a saúde. Tal permitiria reforçar as informações comerciais e as prospeções de mercado. Reforçaria igualmente as capacidades de desenvolvimento, produção e distribuição na UE – integradas nos esforços nacionais e no setor privado – apoiadas por instrumentos flexíveis de financiamento e de aquisição. Ao congregar as capacidades existentes para aumentar a escalabilidade na UE, permitiria, em última análise, que os Estados-Membros tivessem acesso a vacinas e terapêuticas mais cedo e em maior escala. O trabalho da HERA teria também uma forte dimensão internacional, cooperando com outros parceiros e regiões.

No cerne desta abordagem, e aprendendo com a resposta à crise, está a necessidade de conjugar os esforços públicos e privados para incentivar a investigação de ponta e a inovação radical no setor da saúde e farmacêutico, tornando-o mais resiliente. Tal pode ser feito, por exemplo, através de um Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (PIIEC) 12 centrado no desenvolvimento de novas gerações de produtos farmacêuticos ou de tecnologias de fabrico revolucionárias. A Comissão está preparada para apoiar os projetos dos Estados-Membros e da indústria relativos a um eventual PIIEC no setor farmacêutico e a assegurar a coordenação sempre que necessário.

A crise revelou igualmente a necessidade de melhorar o nosso conhecimento sobre as capacidades de fabrico que poderiam estar disponíveis caso ocorra uma crise de saúde pública. Para tal, a Comissão desenvolverá uma plataforma de cartografia interativa, para apoiar a análise das cadeias de abastecimento e eventuais estrangulamentos. Este ano, será lançado um projeto-piloto no âmbito do programa EU4Health. A UE deve utilizar estas informações para abordar as vulnerabilidades e dependências da cadeia de abastecimento e para reforçar a capacidade de fabrico de ingredientes e materiais essenciais para a produção de vacinas e terapêuticas, para fazer face às crises sanitárias. Será lançado um convite à manifestação de interesse para o mecanismo FAB da UE, para garantir que a UE dispõe de capacidade suficiente para produzir 500 a 700 milhões de doses de vacinas por ano, devendo metade destas doses estar pronta nos primeiros seis meses de pandemia.

Lição retirada:

-Uma Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA) deverá estar operacional no início de 2022.

- Deve ser criado o mais cedo possível um Projeto Importante de Interesse Europeu Comum no domínio da saúde para promover inovações radicais no setor da saúde e farmacêutico, tornando-o mais resiliente.

Sétima lição: uma abordagem pan-europeia é essencial para tornar a investigação clínica mais rápida, mais ampla e mais eficaz

Tendo em conta que a pandemia continua, é fundamental que os Estados-Membros façam tudo o que estiver ao seu alcance para acelerar a aprovação dos ensaios clínicos das vacinas e terapêuticas. Uma abordagem fragmentada e dividida dos ensaios clínicos em toda a Europa desde o início da pandemia tem dificultado os esforços para rastrear e analisar as variantes. Esta situação foi agravada pela falta de sequenciação e de capacidade de testagem na maioria dos Estados-Membros em várias fases da pandemia.

Tendo em conta que as variantes podem constituir o principal obstáculo ao fim da pandemia na Europa, a necessidade de ensaios clínicos de maiores dimensões e mais coordenados tornou-se ainda mais premente a curto e médio prazo. Para reforçar estas capacidades e apoiar a partilha de dados abertos e os estudos de coortes, a Comissão apoiou uma nova rede de ensaios clínicos de vacinas e terapêuticas a nível da UE, denominada VACCELERATE, financiada no âmbito do Horizonte 2020. O estabelecimento de uma plataforma permanente, em grande escala, flexível e dotada de recursos adequados para os ensaios multicêntricos, contribuiria para uma abordagem estruturada dos ensaios clínicos da UE em crises futuras. Este apoio reforçado e esta simplificação dos ensaios clínicos poderiam, por exemplo, ser um instrumento importante na luta contra o cancro ou outras doenças.

Para além dos ensaios clínicos, a UE deve continuar a basear-se na sua sólida base de investigação. No âmbito do programa Horizonte 2020, a vertente «Doenças Infecciosas» do instrumento InnovFin foi fundamental para financiar projetos muito arriscados, mas promissores, por parte de empresas que desenvolvem vacinas, tratamentos e tecnologias de diagnóstico para a COVID-19. O seu orçamento de 400 milhões de EUR financiou, nomeadamente, os candidatos a vacinas da BioNTech e da CureVac. No entanto, devido à estrutura dos instrumentos de investigação da UE, esse apoio não estava ligado a futuros contratos públicos da UE ou dos Estados-Membros. No futuro, uma abordagem mais concertada e flexível no âmbito da nova HERA ajudará a garantir que os investimentos essenciais em investigação estejam mais ligados a contratos públicos.

Lição retirada:

-Criar uma plataforma da UE de ensaios clínicos multicêntricos em larga escala

Oitava lição: a capacidade de fazer face a uma pandemia depende de um investimento contínuo e acrescido nos sistemas de saúde

A pandemia revelou a fragilidade estrutural dos sistemas de saúde. Embora os Estados-Membros tenham enfrentado desafios diferentes, alguns desafios foram comuns. Entre estes contam-se a falta de capacidade de resposta ante emergências, a velocidade com que os sistemas de saúde se tornaram plenamente operacionais e o consequente impacto significativo na luta contra outras doenças ou na prestação de outros serviços de saúde. O facto de os sistemas de saúde terem podido ajudar tantas pessoas deveu-se à dedicação, ao sacrifício e à liderança de numerosos profissionais de saúde em toda a UE. Embora seja um testemunho do trabalho desenvolvido pelos profissionais envolvidos, tal não esconde o facto de os sistemas de saúde na Europa terem de se tornar mais resilientes e de os serviços de saúde e os esforços de prevenção e preparação em matéria de saúde pública terem de ser mais bem integrados.

Em primeiro lugar, importa assegurar que o investimento na capacidade e eficácia dos sistemas de saúde, incluindo o investimento em melhores condições de trabalho e na atratividade das profissões da saúde e da prestação de cuidados, é intensificado. O programa EU4Health, os fundos da política de coesão e o Mecanismo de Recuperação e Resiliência proporcionam oportunidades de financiamento fundamentais para impulsionar o investimento nas funções e capacidades de saúde pública. A Comissão congratula-se com o facto de os Estados-Membros terem proposto, nos seus Planos de Recuperação e Resiliência, uma vasta gama de reformas e de investimentos no domínio da saúde, a fim de reforçar a resiliência, a qualidade, a acessibilidade e a eficiência. Trata-se, nomeadamente, de uma ênfase nos investimentos que contribuem para a transição digital, nas infraestruturas, nas competências e na transferência da prestação de cuidados de saúde para a telemedicina. Para o efeito, o processo do Semestre Europeu pode também apoiar a avaliação periódica da resiliência dos sistemas nacionais de saúde e os fundos de coesão da UE podem apoiar mudanças estruturais e melhorias de capacidade.

Lição retirada:

- Convém ajudar os Estados-Membros a reforçar a resiliência global dos sistemas de saúde, como parte dos seus investimentos na recuperação e na resiliência.

Nona lição: a preparação e resposta a pandemias é uma prioridade mundial para a Europa

A evolução da pandemia mostrou claramente que só uma reação a nível mundial pode dar uma resposta a longo prazo ao vírus. Ao mesmo tempo que a Europa atinge os seus objetivos de vacinação e que alguns Estados-Membros começam a inocular crianças, outras partes do mundo não têm acesso às vacinas de que necessitam. Esta situação aumenta o risco de propagação da pandemia e de desenvolvimento e circulação na Europa de novas variantes potencialmente resistentes à vacinação. Trata-se de uma questão de solidariedade e de interesse próprio. Estas lições aplicam-se a qualquer pandemia mundial e exigem a mobilização de instrumentos políticos, financeiros e diplomáticos.

Desde o início, a UE e os seus Estados-Membros trabalharam em conjunto. Envidaram esforços conjuntos para, nomeadamente, repatriar cidadãos da UE bloqueados no estrangeiro. Também coordenaram esforços por meio da abordagem «Equipa Europa», para liderar a solidariedade internacional e mobilizar instrumentos financeiros num quadro flexível. Esta abordagem permitiu à UE estar na vanguarda dos esforços internacionais para combater a pandemia.

A UE trabalhou no sentido de estabelecer e apoiar os instrumentos de partilha de vacinas com os países de rendimento médio e inferior, o Acelerador ACT e o mecanismo COVAX. A Equipa Europa continua a ser um dos maiores apoiantes do mecanismo COVAX, tendo autorizado um financiamento de cerca de 3 000 milhões de EUR, incluindo 1 300 milhões do orçamento da UE, e a UE prometeu doar 100 milhões de doses de vacinas antes do final do ano. Ofereceu igualmente ajuda humanitária e ajudou a fornecer material médico às populações situadas em zonas de difícil acesso.

A UE também teve um papel preponderante na manutenção das cadeias de abastecimento e do comércio, sendo exportadas cerca de metade das doses de vacinas produzidas na UE. No entanto, outras partes do mundo optaram por uma abordagem mais limitada e fechada, tendo o bloqueio das exportações de vários países provocado graves atrasos na produção de vacinas a nível mundial. A UE deve estar pronta a reagir mais rapidamente a tais ações, mas continuará sempre determinada a cooperar a nível mundial. Neste espírito, a UE defende uma ação multilateral no âmbito da Organização Mundial do Comércio, para manter cadeias de abastecimento abertas e reduzir os obstáculos ao comércio, bem como a adoção de uma abordagem holística do problema da distribuição equitativa de vacinas, incluindo no que diz respeito à propriedade intelectual. A nossa vizinhança também exige uma atenção especial. A atividade transfronteiriça foi particularmente afetada pelo acesso desigual a vacinas e equipamento médico. Os parceiros da nossa vizinhança imediata deveriam ser associados aos esforços da UE para aumentar o estado de preparação e resposta, incluindo a futura HERA, continuando simultaneamente a receber apoio para o reforço das capacidades, o acompanhamento, a formação e as adaptações estruturais das infraestruturas.

Ao mesmo tempo, a pandemia revelou as fragilidades do sistema internacional e da cooperação mundial. O sistema de segurança sanitária mundial não conseguiu proporcionar os dados e a orientação com a rapidez e a autoridade necessárias para que o confinamento tivesse sido uma estratégia realista para a maioria dos países. As restrições de viagem não foram moldadas por um quadro comum preexistente. O que precede demonstra a necessidade de reforçar a arquitetura de segurança sanitária mundial, e a UE está a liderar um esforço à escala mundial para reforçar e reformar a OMS. Para orientar a ação atual e futura em prol da saúde mundial, juntamente com a Presidência italiana do G20, a Comissão convocou a Cimeira Mundial da Saúde, na qual muitos líderes mundiais assinaram a Declaração de Roma.

Para apoiar estes esforços multilaterais, é igualmente necessário fazer mais a nível bilateral, não só com parceiros dos países vizinhos como da África, da Ásia e da América Latina. As novas parcerias de preparação para pandemias contribuirão para melhorar o intercâmbio de informações e de boas práticas, bem como para assegurar abordagens comuns de preparação e resposta e uma ação coordenada em caso de crise. Trata-se de prestar apoio continuado ao reforço dos sistemas de saúde, à cobertura universal de saúde, bem como de reforçar a produção local de produtos de saúde, por exemplo, através da iniciativa Equipa Europa para a produção e o acesso a vacinas, medicamentos e tecnologias da saúde em África.

Por último, é igualmente necessário ter em conta a concorrência geopolítica durante as pandemias. A resposta à pandemia também tem sido frequentemente interpretada, ou destacada, como uma competição entre adversários ou sistemas. Alguns intervenientes internacionais apresentaram a firmeza da sua reação como uma prova da sua força e credibilidade, ao passo que a desinformação foi utilizada para desacreditar ou desestabilizar regiões. Esta situação salienta a necessidade de uma maior unificação das mensagens e da comunicação sobre a resposta da UE a nível mundial.

Lição retirada:

-Continuar a liderar a resposta mundial à pandemia, enquanto «Equipa Europa», por meio do mecanismo COVAX, da partilha de vacinas e da abertura à exportação

-Reforçar a arquitetura de segurança sanitária mundial, nomeadamente assumindo a liderança no reforço da OMS

-Desenvolver parcerias de preparação para uma pandemia com parceiros fundamentais

Décima lição: deve ser desenvolvida uma abordagem mais coordenada e sofisticada da desinformação

Desde o início da pandemia, a informação errada e a desinformação agravaram um desafio de comunicação já premente, ao divulgar informações perigosas, alimentando as hesitações em relação à vacinação e contribuindo para a ansiedade geral e a polarização através de teorias da conspiração. O que precede espelha um questionamento e uma desconfiança continuados e prolongados relativamente à ciência e aos peritos.

A rapidez com que a informação errada e a desinformação se propagaram no início da pandemia demonstra a necessidade de ter disponível uma capacidade de desencadear medidas específicas de combate a estes riscos. Para tal, é necessário envolver todos os principais intervenientes, incluindo as plataformas, os publicitários e os meios de comunicação social, bem como ter plenamente em conta a necessidade de proteger os direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Estes esforços devem ser complementados pelo reforço e coordenação da comunicação europeia em situações de crise.

A pandemia também ilustrou a ameaça decorrente de campanhas de manipulação da informação e de ingerência estrangeira, utilizadas para minar a confiança nos processos e instituições políticos 13 . Estas campanhas visaram igualmente países da nossa vizinhança.

Em junho de 2020, a Comissão apresentou um conjunto de medidas imediatas para resolver a situação, a fim de tornar a ação da UE mais eficaz e de incentivar as plataformas a assumirem mais responsabilidades 14 . Foi então proposta uma abordagem prospetiva, no Plano de Ação para a Democracia Europeia e no Regulamento Serviços Digitais, para a luta contra a desinformação em linha e a manipulação da informação 15 . Essa abordagem deve ser apoiada por capacidades para combater as campanhas estratégicas de informação errada e de desinformação a nível local, nacional e europeu, bem como na nossa vizinhança. Estas ações devem ser plenamente aplicadas e operacionalizadas pelos intervenientes em causa, tanto públicos como privados. A plena coordenação entre as instituições da UE pode também tirar partido do potencial da UE para propagar a ação contra a desinformação de forma mais eficaz.

Lição retirada:

-Alargar ainda mais os instrumentos para uma melhor coordenação a fim de detetar e reagir a campanhas de desinformação a nível da UE

4.CONCLUSÃO

A resposta determinada da UE à pandemia de COVID-19 continua e tem sido caracterizada por uma velocidade, âmbito, ambição e solidariedade sem precedentes – tanto na UE como com os nossos parceiros internacionais. Esta resposta foi mais eficaz quando demonstrámos a capacidade de trabalhar em conjunto para encontrar soluções comuns, seja em matéria de vacinas, de investimentos na recuperação ou de proteção do nosso mercado único. Foi menos eficaz quando faltou coordenação e foram tomadas medidas unilaterais, muitas vezes devido à necessidade de desenvolver estruturas e soluções novas ou ad hoc.

As crises têm sido frequentemente catalisadoras de uma União Europeia mais forte nos domínios em que é mais necessária. A Conferência sobre o Futuro da Europa constituirá uma oportunidade para ouvir os cidadãos e debater sobre o rumo a tomar. Embora não possamos prever todos os pormenores de cada crise que possa surgir, podemos criar quadros para tornar a nossa resposta mais eficaz e as nossas estruturas mais resilientes. O presente documento responde ao pedido do Conselho Europeu de elaboração de um relatório sobre as lições retiradas, representando o próximo passo para garantir não só a reparação dos danos causados por esta crise mas também a preparação para um futuro melhor.

(1)

     https://ec.europa.eu/health/sites/default/files/state/docs/2020_healthatglance_rep_en.pdf.

(2)

     COM(2020) 1897 final, de 23 de março de 2020.

(3)

     COM(2020) 245 final, de 17 de junho de 2020.

(4)

     COM(2021) 129 final, de 17 de março de 2021.

(5)

  https://www.ecdc.europa.eu/en/publications-data/european-surveillance-system-tessy .

(6)

     Na sequência da Recomendação da Comissão sobre a monitorização sistémica das águas residuais, COM(2021) 1925, de 17 março de 2021.

(7)

     COM(2021) 277 final, de 2 de junho de 2021.

(8)

     COM(2020) 727 final, COM(2020) 726 final e COM(2020) 725 final, de 11 de novembro de 2020.

(9)

     https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/653626/EXPO_STU(2021)653626_EN.pdf.

(10)

     As aquisições conjuntas incluíram encomendas de luvas e fatos de proteção integral, proteção ocular e respiratória, ventiladores, equipamento de laboratório, medicamentos utilizados em unidades de cuidados intensivos, etc.

(11)

   https://ec.europa.eu/health/sites/default/files/state/docs/2020_healthatglance_rep_en.pdf.

(12)

     Ver COM(2014/C 188/02), de 20 de junho de 2014.

(13)

     https://euvsdisinfo.eu/eeas-special-report-update-short-assessment-of-narratives-and-disinformation-around-the-covid-19-pandemic-update-december-2020-april-2021/?highlight=special.

(14)

     COM(2020) 790 final, de 3 de dezembro de 2020.

(15)

     Este aspeto foi ainda sublinhado nas recentes Orientações para reforçar o Código de Conduta sobre Desinformação, COM(2021) 262, de 26 de maio de 2021.