16.9.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 374/58


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de recomendação do Conselho relativa à criação de uma Garantia Europeia para a Infância

[COM(2021) 137 final]

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia da UE sobre os direitos da criança

[COM(2021) 142 final]

(2021/C 374/10)

Relatora:

Kinga JOÓ

Correlatora:

Maria del Carmen BARRERA CHAMORRO

Consulta

Comissão Europeia, 31.5.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Decisão da Mesa

23.3.2021

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

21.6.2021

Adoção em plenária

7.7.2021

Reunião plenária n.o

562

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

231/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O facto de uma em cada quatro crianças na União Europeia (UE) crescer em risco de pobreza e exclusão social é inaceitável e exige uma abordagem europeia coordenada baseada numa política e em quadros jurídicos sólidos, com vista a inverter esta tendência e quebrar o ciclo intergeracional do desfavorecimento. É preciso definir uma meta ambiciosa que vise retirar todas as crianças, e não apenas 5 milhões, da pobreza até 2030.

1.2.

A integração dos direitos da criança na elaboração das políticas é essencial. Praticamente todos os domínios de intervenção afetam as crianças, pelo que é necessária uma abordagem transversal à sociedade para assegurar que as diferentes políticas (relacionadas com a família, a educação, a economia, o mundo digital, o ambiente ou a habitação) produzam efeitos capacitadores e duradouros na saúde e no bem-estar das crianças. É necessário adotar urgentemente uma abordagem integrada e medidas horizontais a nível da UE, nacional, regional e local, a fim de incluir todos os domínios importantes que podem ter impacto nas vidas das crianças, agora e no futuro.

1.3.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) recomenda que os planos de ação nacionais no âmbito da Garantia para a Infância incluam um conjunto de medidas bigeracionais e multigeracionais para desenvolver os apoios destinados às crianças e aos seus pais, uma vez que não é possível abordar a vulnerabilidade de uma criança sem abordar a da sua família. Cumpre apoiar os pais e os cuidadores através de um conjunto de ações: rendimentos adequados, equilíbrio entre vida profissional e pessoal, utilização de licenças de maternidade, paternidade e parentais adequadamente remuneradas, bem como de licenças para assistência à família, regimes de trabalho flexíveis e locais de trabalho favoráveis à família.

1.4.

Os direitos humanos e os direitos da criança são vinculativos para todos os Estados-Membros, como estipulado no artigo 2.o do TUE. É necessário um quadro estratégico mais sólido a nível europeu para os direitos da criança, conforme solicitado por muitas partes interessadas. A sociedade civil organizada, e em especial os serviços sociais, as organizações de defesa das crianças, as organizações das famílias e os prestadores de serviços de ensino formal e não formal, deve ser consultada e adequadamente associada à elaboração dos planos de ação nacionais e aos seus mecanismos de acompanhamento. As ações orientadas são as que melhor podem apoiar uma aplicação efetiva destes dois quadros da UE para pôr fim à pobreza e promover a saúde e o bem-estar das crianças.

1.5.

Apenas 11 países tinham reservado financiamento específico do Fundo Social Europeu Mais (FSE+) para o objetivo de retirar crianças da pobreza, enquanto outros Estados-Membros estavam muito próximos da média da UE no que diz respeito aos dados sobre os riscos de pobreza nas crianças. O CESE recomenda que todos os Estados-Membros reservem dotações do FSE+ para retirar as crianças da pobreza, tomando os 5 % propostos como um valor mínimo. Também é necessário melhorar a recolha de dados desagregados de qualidade, a fim de ajudar a acompanhar os progressos na erradicação da pobreza infantil e da exclusão social.

1.6.

O CESE recomenda que os Estados-Membros concedam acesso gratuito à educação e ao acolhimento na primeira infância, à educação e a atividades em contexto escolar e a cuidados de saúde, ou disponibilizem esses serviços de forma gratuita. Em alternativa, podem assegurar, através de subvenções adequadas, que as crianças acedam a estes serviços essenciais sem encargos financeiros adicionais para as famílias.

1.7.

O CESE recomenda que os Estados-Membros, quando da elaboração dos seus planos nacionais ao abrigo da Garantia para a Infância, especifiquem o grupo etário visado, se for caso disso, e recorda que os direitos da criança se aplicam a todas as pessoas com menos de 18 anos de idade. Este aspeto é particularmente importante para assegurar a complementaridade de quadros como a Garantia para a Infância e a Garantia para a Juventude, no interesse dos beneficiários.

1.8.

O CESE insta a Comissão a colocar a Estratégia sobre os Direitos da Criança num nível de coordenação horizontal com outras estratégias europeias recentemente aprovadas, como as estratégias para a igualdade de género, para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ, para os ciganos e para os direitos das pessoas com deficiência.

2.   Introdução

2.1.

Os direitos da criança são os direitos humanos de todas as pessoas com menos de 18 anos de idade. A proteção dos direitos da criança é um objetivo da União Europeia consagrado no artigo 3.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia e no artigo 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. O Conselho da Europa promove e protege os direitos humanos das crianças com base na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e na Estratégia sobre os Direitos da Criança (2016-2021) e outras normas jurídicas aplicáveis. Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) das Nações Unidas, todas as pessoas com menos de 18 anos de idade, em todo o mundo, gozam dos mesmos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, independentemente da sua origem étnica, do seu género, da sua religião, da sua língua, das suas competências, do seu estatuto migratório, da sua orientação sexual ou qualquer outro estatuto. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas também se aplicam neste contexto.

2.2.

Em 4 de junho de 2007, foi lançado um Fórum sobre os Direitos da Criança, realizado anualmente. Esta plataforma permite o diálogo entre as instituições da UE e outras partes interessadas e acompanha anualmente a ação da UE no domínio dos direitos da criança. O CESE adotou, em 2010, o Parecer — Pobreza Infantil e Bem-estar das Crianças (1) e, em 2011, o Parecer — Programa da UE para os direitos da criança (2), nos quais instou os Estados-Membros a apoiarem as crianças de todas as formas possíveis.

2.3.

Em 20 de fevereiro de 2013, a Comissão adotou recomendações destinadas a reforçar os direitos da criança, reduzir a pobreza infantil e melhorar o bem-estar das crianças (3). Em 24 de novembro de 2015, o Parlamento Europeu instou a Comissão e os Estados-Membros da UE a introduzirem a Garantia para a Infância e programas de apoio e oportunidades para os pais saírem de situações de exclusão social e integrarem o mercado de trabalho (4). Em 13 de dezembro de 2017, o Parlamento, o Conselho e a Comissão proclamaram o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS), que também abrange o «acolhimento e apoio a crianças» (5) (princípio 11). O PEDS consagra igualmente o direito à proteção contra a pobreza e o direito a medidas específicas destinadas a promover a igualdade de oportunidades. A título de seguimento, em julho de 2020, a Comissão encomendou um estudo de viabilidade (6) e, em agosto de 2020, lançou consultas públicas sobre a Garantia para a Infância e sobre a execução de uma Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança.

2.4.

Em 24 de março de 2021, com o apoio do Parlamento Europeu (7), a Comissão adotou a primeira estratégia global da UE sobre os direitos da criança para 2021-2024, bem como uma proposta de recomendação do Conselho relativa à criação de uma Garantia Europeia para a Infância.

3.   Observações na generalidade relativas à Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança e à proposta da Comissão sobre a Garantia Europeia para a Infância

3.1.

A Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança é um quadro estratégico baseado nos direitos que integra os direitos da criança como questão transversal nas políticas e na legislação da UE. A proposta de recomendação do Conselho relativa à Garantia Europeia para a Infância é juridicamente vinculativa e contém um conjunto claro de ações de execução, metas e medidas que a UE deve acompanhar atentamente. O CESE acolhe favoravelmente as duas propostas, convicto de que a sua aplicação apoiará os esforços a nível europeu e nacional no sentido de promover o bem-estar das crianças e reduzir a pobreza infantil.

3.2.

As crianças são os membros mais vulneráveis da nossa sociedade e não podem combater sozinhas o risco de pobreza e exclusão social. A violência contra as crianças, em todas as suas formas, é um problema comum. A pandemia de COVID-19 conduziu a um aumento de algumas formas de violência, conforme indicado pelas forças policiais e outros serviços tradicionais, como as linhas de apoio para crianças em muitos Estados-Membros, que enfrentam um número crescente de casos (8). Na UE, 18 milhões de crianças, ou seja, 22,2 % de todas as crianças, cresciam em risco de pobreza e exclusão social em 2019, segundo dados do Eurostat, e este número deverá aumentar devido às consequências socioeconómicas da pandemia (9). Uma em cada quatro crianças na UE cresce em famílias em situações precárias que precisam de apoio para quebrar o ciclo da pobreza intergeracional.

3.3.

As crianças deram a sua opinião sobre os direitos e o futuro que desejam num inquérito denominado «Our Europe. Our Rights. Our Future (10)» [A nossa Europa. Os nossos direitos. O nosso futuro], que contribuiu para moldar quer a Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança, quer a Garantia para a Infância. No total, cinco organizações de defesa dos direitos da criança recolheram as opiniões de mais de 10 mil crianças. As conclusões deixaram claro que as opiniões das crianças devem ajudar a conceber os quadros e prioridades económicos, sociais, jurídicos e estratégicos da UE.

3.4.

A Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança adota uma abordagem holística, tendo como objetivo principal construir uma vida melhor para as crianças na UE e em todo o mundo em seis domínios importantes: i) participação das crianças na vida política e democrática da UE; ii) inclusão socioeconómica, educação e saúde; iii) prevenção e proteção contra todas as formas de violência e discriminação; iv) justiça adaptada às crianças; v) as crianças na era digital; e vi) a dimensão global dos direitos da criança. A proposta de recomendação do Conselho relativa à criação de uma Garantia Europeia para a Infância centra-se na inclusão socioeconómica e no acesso das crianças necessitadas a um conjunto de serviços essenciais: educação e acolhimento na primeira infância, educação e atividades em contexto escolar, acesso a cuidados de saúde, acesso a uma alimentação saudável e habitação adequada. Contribui para a Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança, com ênfase nas crianças que vivem na UE.

3.5.

A estratégia insta a uma participação mais inclusiva e sistémica das crianças aos níveis local, nacional e da UE. Para o efeito, será utilizada uma nova Plataforma Europeia para a Participação das Crianças, que será criada em parceria com o Parlamento Europeu e as organizações dos direitos da criança, com vista a garantir uma maior participação das crianças no processo de tomada de decisões.

3.6.

A estratégia insta a que as crianças cresçam sem violência e sem exploração. As crianças podem ser vítimas, testemunhas ou autoras da violência. Segundo relatórios da Organização Internacional do Trabalho, muitas crianças são exploradas no mercado de trabalho e usadas para trabalho forçado, incluindo exploração sexual e prostituição. A estratégia solicita também uma justiça adaptada às crianças e salienta que os processos judiciais devem ser adaptados à sua idade e às suas necessidades, considerando em primeiro lugar o interesse superior da criança. Deve ser assegurado o acesso à justiça para as crianças, a fim de promover o pleno reconhecimento e exercício dos direitos da criança e de preservar ao mesmo tempo a eficiência dos processos judiciais, nomeadamente através da formação especializada de oficiais de justiça.

3.7.

O ambiente familiar é essencial para que as crianças prosperem. Na sua Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025, a Comissão assinala que a partilha equitativa das responsabilidades de assistência aos filhos entre os progenitores tem um papel essencial na inclusão social das crianças. A pandemia de COVID-19 teve um impacto socioeconómico desproporcionado nas mulheres, e cabe aos progenitores trabalharem em conjunto, mais do que nunca, como equipa, para defender o interesse superior da criança. A aplicação quer da Garantia para a Infância, quer da Estratégia sobre os Direitos da Criança deve ser associada a iniciativas fundamentais no âmbito do PEDS, como a transposição da Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida da UE.

3.8.

Existe uma grande variedade de modelos de família na UE, incluindo as famílias arco-íris com um ou mais membros LGBTIQ. Em conformidade com a Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ 2020-2025 da Comissão, as crianças de famílias arco-íris devem ser protegidas, principalmente em situações transnacionais em que, devido às diferenças existentes no direito da família entre Estados-Membros, os laços familiares podem deixar de ser reconhecidos quando estas famílias cruzam as fronteiras internas da UE. Em conformidade com a Estratégia sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2021-2030, as crianças com deficiência devem ter o mesmo direito a ser incluídas na comunidade, dispondo das mesmas escolhas de que usufruem todas as outras. Conforme previsto no Quadro Estratégico da UE para a Igualdade, a Inclusão e a Participação dos Ciganos para 2020-2030, é necessário abordar a mobilidade social ascendente das crianças ciganas. Importa promover desde tenra idade a prevenção da discriminação com base na orientação sexual, na identidade ou expressão de género e caráter sexual, na deficiência ou na origem étnica.

3.9.

A proposta relativa à Garantia prevê orientações e recursos para os Estados-Membros no apoio às crianças necessitadas, atendendo à forte correlação entre a exclusão social infantil e a falta de acesso a serviços essenciais. As crianças vulneráveis incluem i) as crianças sem-abrigo ou em situação de privação habitacional grave; ii) as crianças com deficiência; iii) as crianças com antecedentes migratórios; iv) as crianças pertencentes a minorias raciais ou étnicas (em especial os ciganos); v) as crianças que vivem em estruturas de cuidados alternativos (sobretudo institucionais); e vi) as crianças em situações familiares precárias.

3.10.

A Garantia é um quadro estratégico que orienta as ações dos 27 Estados-Membros através de planos de ação nacionais centrados na aplicação da Garantia que visam agregados familiares com crianças em risco de pobreza e exclusão social. A recomendação tem de ser adotada pelo Conselho da UE, seguindo-se um prazo de seis meses para os Estados-Membros elaborarem planos de ação nacionais no quadro da Garantia para a Infância. A proposta salienta que, embora a garantia do acesso aos serviços seja uma parte importante da luta contra a exclusão social infantil, terá de ser integrada numa abordagem mais ampla e num quadro favorável de política social e familiar.

3.11.

A estratégia formula recomendações para a ação a nível da UE e nacional, em diferentes políticas e programas de financiamento com impacto na saúde e no bem-estar das crianças, como os fundos da UE, a migração, os cuidados de saúde, a habitação, a educação, a economia, o ambiente e a transformação digital.

3.12.

A Comissão dará conta da evolução da estratégia a nível da UE e nacional no Fórum Europeu sobre os Direitos da Criança, que se realiza anualmente. No final de 2024, será realizada uma avaliação da estratégia, com a participação das crianças. A Comissão acompanhará a evolução da Garantia através de vários instrumentos, incluindo o Semestre Europeu.

3.13.

Os planos de ação nacionais devem incluir dados transparentes sobre a utilização de fundos da UE e nacionais, bem como um calendário de atividades. Os Estados-Membros podem utilizar fundos da UE para apoiar as suas ações, em especial o FSE+ e o Next Generation EU. O FSE+ tem um objetivo específico pertinente para este domínio e dedica fundos à luta contra a pobreza infantil. Segundo o novo regulamento, os Estados-Membros da UE com taxas médias de pobreza infantil superiores à média da UE em 2017-2019 (23,4 %) terão de afetar pelo menos 5 % dos seus recursos financeiros ao abrigo do FSE+ à luta contra a pobreza infantil.

4.   Observações na especialidade sobre a Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança

4.1.

A Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança é um quadro da União Europeia muito necessário para proteger os direitos da criança e capacitar as crianças. Ao passo que os adultos podem votar e têm acesso a vias de recurso e procedimentos formais para apresentar queixa se os seus direitos forem violados, as crianças estão muitas vezes excluídas de tais mecanismos. Por conseguinte, as crianças não têm voz no processo de tomada de decisões e os seus interesses podem permanecer invisíveis para os governos se não houver esforços conscientes e sistemáticos para proteger e promover esses interesses.

4.2.

A participação significativa das crianças, para ser o mais eficaz possível, implica mudanças generalizadas nas estruturas políticas e institucionais, assim como nas atitudes, nos valores e nas práticas culturais, no sentido do reconhecimento das crianças como cidadãs e partes interessadas. Para incentivar a participação das crianças e fazer ouvir as suas vozes e os seus anseios, é necessário capacitar tanto as crianças como os adultos, designadamente através de atividades não formais oferecidas por intervenientes da sociedade civil dentro e fora do contexto escolar. A Conferência sobre o Futuro da Europa constitui uma excelente oportunidade para materializar a participação das crianças, e o CESE também estudará formas de integrar progressivamente uma maior participação das crianças.

4.3.

Uma criança é um indivíduo e um membro de uma família e comunidade, com direitos e responsabilidades adequados à sua idade e fase de desenvolvimento, que goza do direito à qualidade de vida. Os pais e os cuidadores são fundamentais no desenvolvimento cognitivo, físico e emocional da criança. Uma relação afetiva e de apoio entre os pais (ou avós) e as crianças constitui um elemento essencial do bem-estar e da resiliência infantil. As relações entre irmãos também desempenham um papel fundamental no desenvolvimento das crianças. Esta relação é ainda mais importante para as crianças em cuidados alternativos, pelo que os irmãos e as irmãs devem poder permanecer juntos, a menos que tal seja contrário aos seus interesses. As políticas devem dar prioridade ao investimento nas crianças e nas suas famílias e assegurar a prestação de um apoio adequado e de elevada qualidade através de uma abordagem multigeracional sistémica destinada a ajudar as famílias a criarem os filhos com recurso a competências parentais positivas.

4.4.

A iniciativa, proposta na estratégia, que apoia o desenvolvimento e o reforço de sistemas integrados de proteção das crianças deve ser complementada por medidas que visem prevenir todas as formas de violência contra as crianças. A violência sofrida ou testemunhada na infância pode ter consequências duradouras no desenvolvimento físico, emocional e psicológico das crianças. É necessário um plano que integre todos os níveis de governo, da UE ao nível municipal, para prevenir e combater a violência contra crianças, e que lute contra a exposição a todas as formas de violência, maus-tratos e negligência, incluindo a violência física e psicológica, a violência sexual, a violência em linha e a violência doméstica, institucional e escolar. Importa abordar as vulnerabilidades que se intersetam, nomeadamente os riscos acrescidos para as raparigas, as crianças (principalmente do sexo feminino) com deficiência e as crianças que vivem em situações vulneráveis e agregados familiares propensos à violência. No caso de menores que sejam autores de atos de violência, é igualmente necessário, para além de processos judiciais adaptados às crianças, um contexto institucional adaptado às crianças para facilitar a sua plena reinserção social. As linhas de emergência e outros serviços geridos por ONG para apoiar as crianças e as famílias devem receber financiamento regular de modo a assegurar a sua sustentabilidade e eficácia.

4.5.

Os direitos da criança devem também ser abordados em esferas de influência fundamentais com impacto no bem-estar das crianças e das suas famílias. Os responsáveis políticos devem integrar de forma sistemática os direitos da criança na avaliação do impacto de uma iniciativa suscetível de afetar as crianças e os seus direitos. Neste contexto, quando estão em causa os direitos da criança nas relações com países terceiros, é importante atuar de forma rápida e eficaz sempre que necessário. Esta é a abordagem global adotada pela estratégia, que deve estar no centro do processo de aplicação e avaliação. Além disso, na aplicação da estratégia, os Estados-Membros devem poder aproveitar um conjunto de boas práticas já existentes noutros países que produziram resultados positivos.

4.6.

As crianças constituem o grupo menos responsável pelas alterações climáticas mas mais afetado pelo seu impacto. A estratégia menciona o impacto da crise ambiental e climática nas crianças, mas deve ir mais longe, assegurando que as políticas e a legislação em matéria de ambiente têm como ponto de partida a saúde física e mental das crianças, a fim de reduzir a sua exposição aos perigos ambientais. As crianças são mais sensíveis e vulneráveis do que os adultos aos riscos ambientais.

4.7.

É provável que a próxima geração assista a uma fusão total das suas vidas em linha e fora de linha. A estratégia adota a seguinte abordagem: integrar os direitos da criança no mundo digital de forma a orientá-los para o futuro. Atualmente, cada vez mais crianças utilizam dispositivos digitais, em idades cada vez mais precoces. Precisamos de ambientes digitais acessíveis que, por defeito, funcionem para todas as crianças, com uma regulação forte que permita uma Internet mais segura apoiada pela educação para a cidadania digital. As crianças têm direito a aceder a informações em linha provenientes de diversas fontes, sem estarem sujeitas a algoritmos inteligentes ou modelos de negócio publicitários que conduzem a uma informação de baixa qualidade.

4.8.

As crianças — desde tenra idade — podem tornar-se vítimas da ciberintimidação, que pode provocar problemas de saúde mental graves ou mesmo fatais. As crianças também podem ser vítimas de abusos sexuais em linha, como ocorreu, mais do que nunca, durante o período de confinamento, no qual se assistiu a um aumento significativo da pornografia infantil partilhada na Internet (11). Prevenir e combater qualquer forma de violência em linha é fundamental para a segurança das crianças na Internet.

4.9.

Todos os meios de comunicação social e anunciantes devem respeitar os direitos das crianças, em especial as mais pequenas, e as crianças devem ser protegidas enquanto consumidoras. Este aspeto é particularmente importante no que diz respeito a uma alimentação saudável que seja economicamente comportável e proveniente de fontes ambientalmente sustentáveis. A estratégia propõe o desenvolvimento de boas práticas e de um código de conduta voluntário para reduzir a comercialização de produtos com elevado teor de gordura, açúcar e sal destinados a crianças. É necessário elaborar políticas coerentes, efetuar controlos legislativos mais rigorosos das informações sobre os produtos e prestar informações sobre a segurança e a comercialização dos alimentos, com vista a limitar a publicidade a alimentos e bebidas pouco saudáveis.

5.   Observações na especialidade sobre a Garantia Europeia para a Infância

5.1.

A pobreza infantil, a privação, a discriminação e a exclusão são alguns dos obstáculos mais graves à aplicação dos direitos da criança; consequentemente, o CESE saúda a ênfase que a Garantia Europeia para a Infância coloca nestes domínios, associada a uma meta em matéria de pobreza, no âmbito do PEDS, que consiste em retirar pelo menos 5 milhões de crianças da pobreza até 2030. Trata-se de um passo em frente significativo, mas o CESE insta todos os Estados-Membros a apresentarem, nos seus planos de ação no quadro da Garantia para a Infância, metas qualitativas e quantitativas para além da meta da Comissão Europeia, tendo em consideração o impacto da COVID-19. Estes planos de ação devem ser associados a documentos jurídicos e estratégicos já existentes adotados no âmbito do acompanhamento previsto na CDC.

5.2.

O estudo sobre a viabilidade de uma Garantia para a Infância analisou as vantagens de uma abordagem dual que proporcionasse a todas as crianças, incluindo as mais necessitadas, acesso a serviços (12). Sempre que necessário, as crianças que enfrentam mais obstáculos ao acesso devem receber apoio adicional e direcionado para garantir o seu acesso através de mecanismos automáticos que evitem qualquer forma de estigmatização. Tal deve aplicar-se a todas as áreas de serviços destacadas na Garantia para a Infância, mediante uma abordagem abrangente e interseccional, a fim de assegurar que todas as crianças têm as mesmas oportunidades e o mesmo começo de vida, independentemente do seu contexto familiar ou das suas origens, ou das suas necessidades individuais, em plena consonância com a transição para serviços de acolhimento de boa qualidade, baseados na família e na comunidade.

5.3.

Na sua declaração conjunta, de 2020, sobre a prestação de serviços de acolhimento de crianças na UE, os parceiros sociais salientaram que todas as crianças têm direito ao acesso a educação e acolhimento na primeira infância de elevada qualidade e inclusivos, que lhes permitam um bom começo de vida, tendo em conta as metas de Barcelona e a sua futura revisão. Tal não implica qualquer obrigatoriedade: os pais devem ter liberdade para se pronunciarem sobre o que entendem ser o interesse do seu filho antes da idade do ensino obrigatório. Contudo, deve existir continuidade entre os cuidados prestados pelas famílias nos primeiros meses ou anos da vida de uma criança e uma educação e acolhimento na primeira infância profissionais e adaptados às necessidades individuais, à medida que as crianças entram no sistema educativo e os pais regressam ao mercado de trabalho ou à formação.

5.4.

No que diz respeito às crianças de grupos etários superiores (ou seja, dos 15 aos 18 anos), é necessário garantir a coerência entre a Garantia para a Infância e a Garantia para a Juventude, identificando possíveis sobreposições, assegurando uma afetação clara dos orçamentos e desenvolvendo medidas adequadas à idade e diferenciadoras nos planos de ação nacionais para apoiar as crianças e os pais e, dessa forma, assegurar transições harmoniosas entre a educação e o emprego. Tal inclui informações sem estereótipos para as crianças sobre o mundo do trabalho, a fim de as preparar para as realidades do emprego, e incentivos à participação das crianças nos estudos em ciência, engenharia e matemática, principalmente para as raparigas, incentivando também os rapazes a procurar profissões nos cuidados de saúde e no ensino.

5.5.

A desigualdade no acesso a cuidados de saúde é moral e socialmente injusta. Colide com o direito fundamental dos doentes ao mais elevado nível de saúde, incluindo saúde mental; além disso, tem um custo humano e é também oneroso do ponto de vista da sustentabilidade económica das despesas públicas. Além dos riscos para a saúde, observou-se uma diminuição do bem-estar emocional e mental das crianças como consequência da pandemia de COVID-19, tendo muitas crianças sofrido problemas de ansiedade, devido à falta de informação e à incerteza quanto à situação atual, sentido solidão ou tido ideias suicidas. Nestas situações é essencial prestar assistência médica de elevada qualidade e apoio à saúde mental.

5.6.

Em média, 5,4 % das crianças em idade escolar (dos 6 aos 16 anos) na Europa vivem em agregados familiares sem condições financeiras para pagar um computador ou uma ligação à Internet. Combater a pobreza infantil e familiar ao abrigo da Garantia para a Infância implica também lutar contra a privação digital. O indicador de privação material severa das estatísticas do rendimento e das condições de vida na UE (13) deve incluir pelo menos uma variável de privação digital. Um em cada quatro europeus não é capaz de iluminar, aquecer ou arrefecer adequadamente o seu domicílio — o que contribui para a morte de 100 mil pessoas todos os anos. De acordo com o relatório da Rede Europeia em matéria de Política Social, publicado no outono de 2020, a pobreza energética afeta não só os agregados familiares com baixos rendimentos mas também uma grande proporção de agregados com rendimentos médios num número significativo de Estados-Membros. A qualidade de vida e as opções de vida das crianças, assim como as suas condições de saúde, são afetadas pelo seu acesso à energia. Por uma questão tanto de justiça social como de justiça ambiental, a pobreza energética das crianças deve ser combatida no âmbito da Garantia para a Infância, em coordenação com as ações no quadro do princípio 20 do PEDS.

5.7.

Após a adoção célere da recomendação do Conselho, os planos de ação nacionais no âmbito da Garantia para a Infância devem ser alinhados com a abordagem em três vertentes prevista na Recomendação 2013/112/UE da Comissão (14) relativa ao investimento nas crianças (acesso a recursos adequados, acesso a serviços de qualidade economicamente comportáveis e o direito das crianças à participação), e devem ser elaborados em consulta com as crianças e as suas famílias e com as organizações da sociedade civil, reforçando o diálogo civil nacional, regional e local. As organizações que prestam serviços de apoio, quer sejam públicas ou sem fins lucrativos, devem ser incluídas nas partes interessadas que participam no processo da Garantia para a Infância, a par dos parceiros sociais ligados às áreas dos serviços, a fim de garantir condições de trabalho dignas e o acesso das crianças a serviços da máxima qualidade.

5.8.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de coordenadores nacionais da Garantia para a Infância, dotados de recursos e mandatos adequados, responsáveis por coordenar e acompanhar a aplicação da recomendação. Um sistema eficiente será essencial para introduzir mecanismos de coordenação intergovernamentais (aos níveis nacional e infranacional) para desenvolver, aplicar e acompanhar o bem-estar das crianças e reduzir a pobreza infantil e a exclusão social. É necessário assegurar que as abordagens integradas a nível nacional se traduzem em abordagens integradas a nível regional e local e que existem mecanismos eficazes para assegurar sinergias entre elas. Todos os indicadores pertinentes devem ser desagregados a nível local, sempre que possível, para permitir uma visão mais clara das disparidades territoriais e um melhor planeamento e acompanhamento da aplicação da recomendação.

5.9.

A pandemia de COVID-19 veio destacar desafios já existentes e necessidades imediatas para muitas famílias em situações precárias que, provavelmente, serão as mais afetadas pelas consequências que a pandemia produzirá a longo prazo no plano económico, educativo, sanitário e do bem-estar. As lacunas e a falta de coordenação entre sistemas foram agravadas. A deterioração das condições económicas e sociais aumentou o risco de abandono de crianças. O encerramento de estabelecimentos de ensino criou sérias dificuldades a muitos pais e cuidadores. O absentismo aumentou o risco de abandono escolar das crianças de grupos marginalizados e criou especiais dificuldades para as crianças com deficiência, incluindo deficiência intelectual. É essencial que os ambientes escolares proporcionem a todas as crianças, sempre que necessário, as mesmas oportunidades e apoio orientado.

5.10.

Os serviços familiares podem desempenhar um papel essencial de apoio às famílias para fazer face a esta situação (15). O apoio às famílias no seu papel fundamental passa por colmatar as lacunas na educação, na formação, na inclusão social, nas competências parentais, no bem-estar psicológico, no acesso a serviços, no emprego e nos rendimentos, olhando também para além da política social. Por conseguinte, o CESE reitera o seu apelo a um pacto para os cuidados na Europa, que assegure a prestação de serviços de maior qualidade para todos ao longo do ciclo de vida (16). A saúde e o bem-estar das crianças dependem de políticas familiares universais do século XXI, em que as crianças são tratadas de igual forma independentemente das estruturas familiares.

5.11.

O diálogo social contribui para o desenvolvimento de ferramentas práticas para tornar o acolhimento de crianças mais acessível e economicamente comportável, por exemplo criando fundos conjuntos através de convenções coletivas para apoiar projetos de acolhimento de crianças que abordem necessidades específicas dos progenitores trabalhadores em setores específicos, como os cuidados prestados a crianças com doenças e deficiências e os cuidados disponibilizados fora dos horários normais. Por conseguinte, é muito importante ter em conta a declaração conjunta dos parceiros sociais, que afirma que a escassez de serviços de acolhimento de crianças durante as férias e em períodos pós-escolares na Europa é um dos principais entraves ao trabalho a tempo inteiro para pais com filhos em idade escolar. A cooperação entre os serviços de acolhimento de crianças a tempo inteiro e a esfera sociocultural, como os clubes desportivos, as escolas de música e as iniciativas culturais, é fundamental. A atividade física e a educação cultural contribuem enormemente para o desenvolvimento físico, social, emocional e cultural das crianças.

Bruxelas, 7 de julho de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 44 de 11.2.2011, p. 34.

(2)  JO C 43 de 15.2.2012, p. 34.

(3)  JO L 59 de 2.3.2013, p. 5.

(4)  Resolução do PE (2015) sobre a redução das desigualdades, com especial atenção à pobreza infantil (JO C 366 de 27.10.2017, p. 19), n.o 46.

(5)  Proclamação Interinstitucional sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

(6)  Estudo sobre a viabilidade de uma Garantia para a Infância, relatório final (em inglês).

(7)  Resolução do PE (2021) sobre os direitos da criança tendo em vista a Estratégia da UE sobre os direitos da criança.

(8)  OMS Europa, «The rise and rise of interpersonal violence — an unintended impact of the COVID-19 response on families» [O aumento contínuo da violência interpessoal — um impacto indesejado da resposta à COVID-19 nas famílias] (2020).

(9)  UNICEF, «Supporting Families and Children Beyond COVID-19 — Social protection in high-income countries» [Apoio às famílias e às crianças para além da COVID-19 — proteção social em países de rendimento elevado] (2021).

(10)  UNICEF, “Children speak up about the rights and the future they want” [As crianças dão a sua opinião sobre os direitos e o futuro que desejam] (2021).

(11)  JO C 10 de 11.1.2021, p. 63.

(12)  Estudo sobre a viabilidade de uma Garantia para a Infância, relatório final.

(13)  Este indicador está a ser substituído por um indicador de privação material e social grave.

(14)  Recomendação da Comissão, de 20 de fevereiro de 2013, Investir nas crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade (JO L 59 de 2.3.2013, p. 5).

(15)  OCDE, «Looking beyond COVID-19: Strengthening family support services across the OECD» [Um olhar para além da COVID-19: reforço dos serviços de apoio familiar em toda a OCDE].

(16)  JO C 220 de 9.6.2021, p. 13.