2.2.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 37/57


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Relatório da Comissão Europeia relativo à aplicação de uma parceria estratégica renovada com as regiões ultraperiféricas da UE

(2021/C 37/10)

Relator:

Ángel Víctor TORRES PÉREZ (ES-PSE). Presidente do Governo das Canárias

Texto de referência:

Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento relativo à aplicação da Comunicação da Comissão sobre uma parceria estratégica reforçada e renovada com as regiões ultraperiféricas da UE

COM(2020) 104 final

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

1.

recorda que as regiões ultraperiféricas (RUP), constituídas por um grupo de oito ilhas e arquipélagos repartidos pelas Caraíbas, oceano Índico e oceano Atlântico, e por um território isolado na Amazónia, incluem seis territórios ultramarinos franceses (Guiana, Guadalupe, Martinica, Maiote, Reunião e São Martinho), duas regiões autónomas portuguesas (Açores e Madeira) e uma comunidade autónoma espanhola (ilhas Canárias) que partilham uma série de limitações permanentes resultantes do seu afastamento, isolamento e superfície reduzida, que constituem um obstáculo ao seu desenvolvimento;

2.

saúda o compromisso assumido pela União Europeia (UE) relativamente às regiões ultraperiféricas (RUP), refletido na Comunicação da Comissão — Uma parceria estratégica reforçada e renovada com as regiões ultraperiféricas da UE, de 24 de outubro de 2017 (a seguir designada «a comunicação»), e confirmado pelas conclusões do Conselho dos Assuntos Gerais de abril de 2018, que convidam a Comissão a, em conformidade com o artigo 349.o do TFUE, continuar a trabalhar em medidas específicas para as RUP;

3.

acolhe com satisfação o relatório intercalar (a seguir designado «o relatório»), publicado em março de 2020, que analisa os progressos realizados na aplicação da comunicação;

4.

lamenta, contudo, que o relatório não constitua uma avaliação aprofundada da estratégia para estas regiões nem uma oportunidade para corrigir a ausência de algumas medidas em políticas essenciais para o seu desenvolvimento, como a política de coesão e, em especial, o pilar social da UE;

5.

reconhece a necessidade de adaptar esta estratégia em função das graves consequências resultantes da pandemia de COVID-19, que teve efeitos acrescidos nestes territórios muito dependentes do turismo e das ligações ao exterior, cuja retoma económica deverá ser mais demorada;

6.

sublinha a necessidade de apoiar o setor industrial das RUP nas circunstâncias atuais, e o papel fundamental de um quadro europeu adequado para os auxílios estatais e os instrumentos fiscais, a fim de relançar a competitividade das empresas e fomentar a criação de emprego nessas regiões;

7.

recorda que as questões sociais estiveram sempre no centro dos desafios que se colocam às RUP, agudizados pelos efeitos devastadores da crise atual nos seus mercados de trabalho, o que reforça a necessidade de colocar o crescimento e o emprego no cerne de qualquer estratégia destinada a estas regiões. As RUP necessitam de uma nova abordagem, que inclua uma dimensão social reforçada e a identificação de medidas específicas para fazer face ao contexto atual;

8.

considera positivo o compromisso da Comissão Europeia de trabalhar em parceria com as RUP e realça a importância desta parceria em virtude das dificuldades que estas regiões enfrentam no combate às consequências da pandemia de COVID-19;

9.

recorda a vulnerabilidade destas regiões, muito agravada pela pandemia, e sublinha a necessidade de garantir o tratamento adequado das RUP no âmbito do Plano de Recuperação da UE, em consonância com as realidades e as necessidades regionais;

10.

realça a necessidade de proteger os interesses das RUP na execução da política externa da UE e solicita que o futuro acordo da UE com o Reino Unido tenha em conta o impacto negativo do Brexit nas RUP, atendendo aos efeitos que se farão sentir nestas regiões particularmente vulneráveis;

11.

salienta que, no âmbito da Iniciativa REACT-EU, os projetos financiados nas RUP devem abordar os desafios dos setores mais afetados pela crise da COVID-19 como, por exemplo, o setor do turismo, bem como o reforço dos investimentos nos setores ligados à conectividade, incluindo a digital, à economia verde e azul, e o investimento em competências e aptidões que permitam a criação de emprego e a adaptação às mudanças provocadas pela pandemia;

12.

acolhe favoravelmente o compromisso expressamente assumido pela Comissão de prestar especial atenção às RUP no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, tendo em conta a sua vulnerabilidade às alterações climáticas e às catástrofes naturais e as suas vantagens únicas, como a biodiversidade e as fontes de energia renováveis; espera que sejam adotadas medidas específicas nesse sentido;

13.

recomenda que se mantenha o equilíbrio necessário entre os objetivos ambientais e os elevados custos sociais que se podem impor às RUP e que, no contexto das negociações internacionais, a Comissão Europeia reconheça as características específicas das RUP e exclua os voos entre as RUP e outros Estados-Membros da UE do regime de comércio de licenças de emissão; estas regiões poderão sofrer um forte impacto negativo na sua situação económica e social se não forem objeto de derrogações nos planos destinados a incluir o transporte marítimo e o transporte aéreo no regime de comércio de licenças de emissão;

14.

congratula-se com o reforço da parceria entre a Comissão, os Estados-Membros e a Conferência de Presidentes das RUP, que permitiu um diálogo proveitoso e permanente, através de plataformas e grupos de trabalho específicos que permitem identificar problemáticas, proporcionar soluções e planear estratégias de adaptação das políticas europeias nas RUP;

15.

saúda o facto de a governação a vários níveis ter permitido que grande parte das propostas da Comissão para o período 2021-2027 incluísse disposições específicas para as RUP;

16.

observa, atendendo aos resultados favoráveis obtidos, que o diálogo reforçado e permanente entre a Comissão Europeia e as RUP tem de prosseguir no trabalho futuro de conceção de políticas adequadas que tenham em conta a realidade destas regiões;

17.

recorda a importância de aplicar o tratamento individualizado proposto pela Comissão Europeia, na sua comunicação de 2017, dada a fragilidade de tais territórios em vários setores;

18.

recorda a necessidade de manter o estatuto jurídico diferenciado das regiões ultraperiféricas no âmbito da Conferência sobre o Futuro da Europa, de modo a permitir que estas regiões possam continuar a integrar-se de forma justa e equilibrada na evolução da UE;

Aproveitar os ativos das regiões ultraperiféricas

Economia azul

19.

recorda que o espaço marítimo das RUP representa uma vantagem considerável, favorável ao emprego, à atividade económica e ao desenvolvimento, que importa proteger e aproveitar;

20.

acolhe com satisfação o estudo da Comissão Europeia intitulado «Realising the potential of the Outermost Regions for sustainable blue growth» [Compreender o potencial das regiões ultraperiféricas para o crescimento azul sustentável] e a inclusão das suas conclusões na comunicação;

21.

remete para o seu parecer, adotado em fevereiro de 2018, no qual sublinhou a necessidade de a UE dotar as RUP de maior apoio financeiro para as ações destinadas a desenvolver os seus recursos marinhos e marítimos e para fomentar investimentos ambiciosos, tendo em conta o potencial de criação de emprego e proteção dos ecossistemas;

22.

considera que a renovação da frota de pesca das RUP continua a estar limitada pela aplicação das normas europeias e reputa necessário um esforço adicional para garantir maior coerência entre as orientações revistas relativas aos auxílios estatais no setor das pescas e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, de modo que a renovação da frota de pesca das RUP possa ser elegível ao abrigo deste último;

23.

recorda que as conclusões do Conselho, de 19 de novembro de 2019, sobre os oceanos e os mares incitam à proteção das RUP, dada a sua vulnerabilidade face às alterações climáticas, sublinhando a importância da política marítima e das pescas para o desenvolvimento de atividades económicas sustentáveis;

24.

lamenta que não tenham sido escutados os pedidos das RUP relativos aos planos de compensação de custos adicionais e apoia o seu apelo para uma aplicação adaptada e flexível dos montantes em causa e das modalidades de execução na matéria;

Agricultura e desenvolvimento rural

25.

recorda que a agricultura constitui um setor vital para a economia e o emprego das RUP, como reconhecido pela UE ao estabelecer um tratamento específico através do Programa de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e à Insularidade (POSEI); sublinha o contributo e o valor acrescentado deste setor durante a crise da COVID-19, contribuindo para garantir a autossuficiência alimentar, favorecendo circuitos curtos e respondendo à forte procura da população;

26.

defende a manutenção das derrogações específicas para as RUP no primeiro pilar da política agrícola comum (PAC), nomeadamente a dissociação e o sistema de redução dos apoios;

27.

lamenta, contudo, que a proposta de Quadro Financeiro Plurianual tenha reduzido, no âmbito do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, o cofinanciamento para as RUP;

28.

constata que a crise da COVID-19 criou um problema grave para a distribuição alimentar nas RUP; rejeita que, no futuro quadro financeiro, se reduza a dotação orçamental da PAC para estas regiões e solicita o restabelecimento das dotações atuais do POSEI;

29.

recorda à Comissão Europeia que, nos acordos comerciais que negoceie com países terceiros, deve incluir um capítulo específico que englobe quaisquer questões de especial interesse para as RUP;

30.

subscreve o apelo das RUP para a prorrogação, para além de 2020, do mecanismo de estabilização relativo aos acordos bilaterais de importação de bananas celebrados com os países andinos e centro-americanos, tornando a sua ativação automática quando um destes países ultrapassar o limiar que lhe foi atribuído;

Biodiversidade

31.

congratula-se com o facto de o Pacto Ecológico da Comissão reconhecer o elevado valor da biodiversidade única das RUP, bem como as ameaças das alterações climáticas como um dos principais fatores da perda de biodiversidade;

32.

considera positiva a inclusão de convites à apresentação de propostas no Programa LIFE 2014-2020 destinados especificamente à preservação, conservação e valorização da biodiversidade e à adaptação às alterações climáticas nas RUP;

Economia circular

33.

solicita à Comissão Europeia que, nas suas medidas relativas à economia circular, tenha em conta a especificidade das RUP, que se caracterizam pelo isolamento e afastamento e enfrentam uma grande pressão devido aos modelos económicos baseados predominantemente no turismo;

34.

espera que uma plataforma ad hoc permita desenvolver medidas adequadas para o controlo da entrada e saída de resíduos nas RUP, contribuindo para uma gestão adequada dos resíduos e apoiando o objetivo destas regiões de se transformarem em regiões «sem resíduos»;

35.

reconhece a complexidade e o elevado custo da gestão dos resíduos nas RUP, bem como a necessidade de apoiar investimentos no domínio das infraestruturas, nomeadamente através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), de modo a promover a transição para uma economia circular;

Alterações climáticas

36.

apoia o compromisso das RUP com os objetivos da UE para alcançar a neutralidade climática em 2050 e recorda a vulnerabilidade destas regiões às alterações climáticas;

37.

entende que as ambições do Pacto Ecológico Europeu são compatíveis com o disposto na comunicação; congratula-se com a referência específica ao Pacto Ecológico e espera que esta referência constitua um incentivo à transição justa das RUP para uma economia com impacto neutro no clima;

38.

solicita que todas as medidas relacionadas com a redução de emissões de carbono sejam avaliadas e abordadas de forma global, procurando um equilíbrio justo entre o imperativo ambiental e a necessidade de assegurar a acessibilidade dos cidadãos e preservar a economia local;

39.

realça a necessidade de adaptar melhor os critérios de elegibilidade do Fundo para uma Transição Justa e incluir a realidade da ultraperiferia na visão estratégica a longo prazo da UE em matéria de adaptação às alterações climáticas;

Transição energética

40.

congratula-se com as medidas a favor das RUP incluídas na Diretiva Energias Renováveis e com a iniciativa de energia limpa para as ilhas da UE e incentiva a Comissão a prosseguir os esforços neste sentido;

41.

recorda que as RUP são as únicas regiões dependentes de combustíveis fósseis, com sistemas energéticos isolados que não podem ser interligados com as redes europeias, e lamenta que o Mecanismo Interligar a Europa não se ajuste à sua situação específica; considera que as RUP devem ser incluídas no Mecanismo para uma Transição Justa e beneficiar de medidas que apoiem a sua transição energética para combustíveis limpos;

Investigação e inovação

42.

saúda o compromisso assumido pela Comissão relativamente às RUP no domínio da inovação, que implica aproveitar o seu potencial enquanto laboratórios de soluções inovadoras para aceder à excelência e reforçar as cadeias de valor;

43.

congratula-se com o lançamento de uma ação de coordenação e apoio específica, no atual programa Horizonte 2020, destinada às RUP e salienta a necessidade de ter em consideração as conclusões da ação preparatória FORWARD na elaboração dos futuros programas-quadro de investigação, desenvolvimento e inovação, conforme anunciado na comunicação;

Assuntos sociais, emprego, educação e formação

44.

considera que a Comissão deve ter em conta as RUP nas iniciativas que apresentará no âmbito do plano de ação para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, promovendo a igualdade de oportunidades, o acesso ao mercado de trabalho, condições de trabalho justas e a proteção e inserção social;

45.

salienta o enorme impacto da crise provocada pela pandemia de COVID-19 no emprego nas RUP, bem como o aumento significativo dos níveis de pobreza, devido à quebra na atividade económica e à redução do volume de negócios em setores fundamentais, e realça a necessidade de continuar a reforçar os instrumentos específicos de apoio à criação de novos nichos de atividade e à manutenção do emprego nos setores tradicionais;

46.

solicita que se adotem medidas destinadas a aumentar a participação das RUP em todas as ações do Programa Erasmus+ e se promova a cooperação e os intercâmbios de mobilidade entre as pessoas e as organizações destas regiões e de países terceiros, em especial países seus vizinhos;

47.

espera que o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização preveja a flexibilidade necessária para a concessão de apoios nos casos em que um processo de reestruturação importante tenha um impacto significativo na economia destas regiões;

Acessibilidade para a competitividade, o empreendedorismo e a integração no mercado único

48.

chama a atenção para o enorme impacto da crise atual na acessibilidade por via aérea destes territórios isolados e para a necessidade de manter a conectividade nos níveis anteriores à crise, dada a total dependência destas regiões face ao transporte marítimo e aéreo;

49.

solicita que o afastamento, o isolamento geográfico e a dispersão territorial das RUP sejam tidos em conta na conceção, adoção e execução das políticas destinadas a reduzir o défice de acessibilidade física e digital ao mercado da UE e também a nível intrarregional e inter-regional;

50.

recorda que a acessibilidade por via aérea é também um elemento essencial para a competitividade do setor do turismo, que constitui o principal motor económico de muitas destas regiões e está a ser particularmente atingido pelas consequências da pandemia de COVID-19; insta, por conseguinte, a Comissão a ter em conta este aspeto aquando da definição das políticas destinadas a melhorar a acessibilidade física das RUP;

51.

congratula-se com a realização do estudo sobre as necessidades em matéria de conectividade das RUP e com o facto de a Comissão ter tido em consideração a sua falta de conectividade e a sua dependência de portos e aeroportos, propondo medidas no âmbito do FEDER e do Mecanismo Interligar a Europa; considera, porém, que estas medidas não são suficientes e que é necessário adaptar a política de transportes à realidade da ultraperiferia;

52.

assinala a importância de investimentos para limitar o congestionamento dos nós urbanos e promover os modos de transporte terrestre sustentáveis;

53.

considera pertinente prever apoios no âmbito do Mecanismo Interligar a Europa para a implantação de redes de base, nomeadamente com cabos submarinos, para assegurar a ligação das RUP nos respetivos Estados-Membros, entre Estados-Membros e entre a União e países terceiros;

Integração regional nos espaços geográficos

54.

recorda à Comissão que a integração regional das RUP nos respetivos espaços geográficos continua a ser um objetivo prioritário e que os programas de cooperação territorial europeia são um instrumento fundamental para o alcançar; por conseguinte, considera indispensável manter o esforço financeiro destinado a estes programas, bem como o desenvolvimento operacional da nova componente relativa às RUP, sem, no entanto, limitar o acesso destas regiões às outras componentes e às correspondentes dotações financeiras;

55.

lamenta a redução da taxa de cofinanciamento na Europa para as RUP, no quadro do Regulamento CTE-Interreg para o período 2021-2027, em contradição com a importância estratégica conferida pela Comissão Europeia, desde 2004, ao reforço da integração regional das RUP no seu contexto geográfico;

56.

insta a Comissão a apoiar projetos estratégicos comuns de cooperação com todas as RUP, no âmbito do programa Interreg;

57.

recorda à Comissão o seu compromisso de aplicar uma solução específica, simples e clara, que permita a programação conjunta do FEDER e dos instrumentos financeiros dos países terceiros vizinhos; lamenta que esta solução específica continue por definir e insta a Comissão a resolver definitivamente esta questão no período de programação 2021-2027;

Migração

58.

salienta que as RUP, entre outras, se encontram na primeira linha de entrada de imigrantes irregulares oriundos dos países vizinhos mais próximos e alerta para o impacto significativo da gestão dos fluxos migratórios em todas as suas políticas públicas, principalmente no que respeita à aplicação de medidas de acolhimento ou de acompanhamento de menores não acompanhados;

59.

recorda o compromisso da Comissão de prestar apoio às RUP para gerir de forma sustentável o problema da migração e solicita que sejam previstas medidas específicas através do Fundo para o Asilo e a Migração para o período financeiro 2021-2027;

Conclusão

60.

insta a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho a terem em conta as RUP nos debates sobre o futuro da Europa e na elaboração das políticas europeias futuras, assegurando uma aplicação plena e efetiva do artigo 349.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Bruxelas, 10 de dezembro de 2020.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Apostolos TZITZIKOSTAS