18.12.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/79


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Livro Branco sobre a inteligência artificial — Uma abordagem europeia virada para a excelência e a confiança

(2020/C 440/14)

Relator:

Guido RINK (NL-PSE), membro da Assembleia Municipal de Emmen

Texto de referência:

Livro Branco sobre a inteligência artificial — Uma abordagem europeia virada para a excelência e a confiança

COM(2020) 65 final

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

Observações gerais

1.

observa que, em 19 de fevereiro de 2020, a Comissão Europeia (a seguir designada «a Comissão») publicou a sua estratégia digital para o período 2020-2025. No Livro Branco sobre a inteligência artificial (a seguir designada «IA»), a Comissão apresenta a sua visão sobre as medidas políticas e os investimentos mais importantes no domínio da IA. Segundo a Comissão, a Europa pode tornar-se um líder mundial no domínio da IA;

2.

recorda que o Livro Branco sobre a IA está relacionado com a Comunicação — Construir o futuro digital da Europa (1) e a Comunicação — Uma estratégia europeia para os dados (2);

3.

assinala que a Comissão pretende adotar uma abordagem para o desenvolvimento e a utilização da IA de uma forma que esteja centrada no ser humano, seja ética, inclusiva e segura e respeite os valores aos quais a UE pretende estar associada;

4.

recorda que o Livro Branco sobre a IA está estruturado em torno de dois eixos principais: promover o desenvolvimento e a implantação da IA e regulamentar os aspetos éticos e a fiabilidade;

5.

congratula-se com o Livro Branco sobre a inteligência artificial — Uma abordagem europeia virada para a excelência e a confiança; reconhece a importância do debate sobre a IA na perspetiva da elaboração das políticas da Comissão neste domínio; salienta, no entanto, que o Livro Branco deveria mencionar explicitamente o papel dos órgãos de poder local e regional enquanto parceiros fundamentais, produtores, utilizadores e promotores da inovação no desenvolvimento da IA;

6.

recorda, neste contexto, o parecer do CR sobre inteligência artificial, de 6 e 7 de fevereiro de 2019 (3);

7.

frisa que a IA já faz parte das nossas vidas e desempenhará um papel cada vez mais importante na transformação das nossas sociedades. O seu potencial para a sociedade, as empresas e os cidadãos europeus é enorme. A inovação no domínio da IA não só contribui para a economia, como também para a resolução dos desafios societais e ambientais;

8.

considera que a implantação da IA é importante não só à escala nacional, mas também, e sobretudo, à escala local e regional. Os órgãos de poder local e regional têm um papel a desempenhar, nomeadamente no fomento dos ecossistemas de IA nas suas próprias regiões e na promoção e realização de investimentos em IA;

9.

sublinha que a IA é um domínio estratégico complexo que não pode ser encarado de forma isolada: está ligado a uma série de outros domínios estratégicos nos quais a Comissão intervém;

10.

assinala que o Livro Branco sobre a IA e as medidas políticas dele decorrentes devem ser encarados em conjunto com a Comunicação — Construir o futuro digital da Europa e a Comunicação — Uma estratégia europeia para os dados, que foram apresentadas em paralelo com a publicação do próprio Livro Branco. Além disso, o Livro Branco enquadra-se numa série de outros domínios estratégicos da Comissão, como a Agenda de Competências para a Europa (4) e a Recomendação relativa a um conjunto de instrumentos comuns à escala da União com vista à utilização de tecnologias e dados para combater a crise da COVID-19 e sair da crise, nomeadamente no respeitante às aplicações móveis e à utilização de dados de mobilidade anonimizados (5);

11.

frisa que as recomendações do CR devem igualmente ser tidas em conta, na medida do possível, no âmbito destes documentos de elaboração das políticas europeias;

12.

congratula-se com a abordagem da Comissão, que consiste, essencialmente, em desenvolver uma IA centrada no ser humano, assim como na ambição de assumir a liderança na definição das normas éticas nesse contexto. Ao fazê-lo, a Comissão salienta, com razão, que os benefícios da IA dependem da confiança do público na IA;

13.

insiste, porém, em que o debate sobre as futuras medidas políticas destinadas a reforçar a confiança na IA deve também abordar questões como a propriedade dos dados, os algoritmos, as plataformas e a proteção dos valores da coletividade nas plataformas, bem como a questão de quem, em última análise, mais beneficia das aplicações de IA e de quem paga o seu preço (e se é socialmente aceitável);

14.

salienta que, tendo em conta que a IA é transversal a um grande número de outros domínios estratégicos, existe o risco de que a coerência entre estes domínios estratégicos seja diluída e que esses domínios se desenvolvam isoladamente;

15.

propõe à Comissão que defina um roteiro e uma abordagem para promover a coerência entre os diferentes domínios estratégicos;

Aproveitar as oportunidades

16.

frisa que as políticas europeias devem concentrar-se resolutamente no reforço das redes locais e regionais multidisciplinares que reúnam cidadãos, administrações públicas, instituições de conhecimento e empresas, bem como no investimento (organização e estímulo) nessas redes; considera que os polos de inovação propostos pela Comissão desempenham um papel central neste contexto;

17.

assinala que a IA tem potencial para contribuir para a resolução de desafios societais em domínios como a saúde (o mais importante exemplo recente é a luta contra a crise mundial da COVID-19), a segurança, o clima, a mobilidade e os transportes, o apoio social, a indústria de alta tecnologia, a venda a retalho, a agricultura, o turismo e os serviços públicos;

18.

chama a atenção para o facto de a IA ter potencial para gerar novos postos de trabalho e um novo espírito empresarial. A Comissão reconhece, com razão, que uma condição prévia importante é que os cidadãos possam confiar na tecnologia. Um quadro estratégico da UE assente em valores fundamentais deve criar essa confiança e incentivar as empresas a desenvolver soluções de IA;

19.

concorda que é importante criar condições de concorrência equitativas no mercado europeu. A esse respeito, cumpre conferir especial atenção ao acesso das pequenas e médias empresas (PME) e das empresas em fase de arranque à IA, que são um dos principais motores das economias locais e regionais. Os polos europeus de inovação digital e os futuros quadros regulamentares e políticas desempenham um papel decisivo na promoção da igualdade de oportunidades em matéria de acesso à IA, sobretudo ao ajudarem as micro, pequenas e médias empresas a acederem à IA;

20.

entende que a Comissão está empenhada em utilizar a forte posição da Europa nos mercados industriais e profissionais (já existentes) (6); frisa que esta estratégia não deve ser aplicada em detrimento da produtividade, das capacidades de inovação e do ADN dos ecossistemas locais e regionais;

21.

salienta que os órgãos de poder local e regional já estão empenhados na resolução de um grande número de desafios societais nestes ecossistemas. Podem desempenhar um papel importante na aceleração das inovações que têm um impacto nestes desafios societais;

22.

sublinha que os órgãos de poder local e regional são os mais bem colocados para contribuir para a criação de um ambiente favorável ao aumento do investimento na IA nos próximos anos e ao fomento da confiança na IA nos diferentes elos das cadeias de valor. Tal deve-se ao facto de estarem mais próximos da prática no terreno e de poderem encorajar o desenvolvimento de redes multidisciplinares locais;

23.

considera que será necessário um apoio significativo da UE para impulsionar o investimento público e privado, devendo ser previstos recursos do Programa Europa Digital, do Horizonte Europa e dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento para responder às necessidades dos ecossistemas locais;

24.

é de opinião que as subvenções devem centrar-se em aplicações de IA específicas que possam ser utilizadas em maior escala. A fim de tirar o máximo partido das oportunidades da IA, ocorre promover os projetos de pequena escala e limitar os encargos financeiros destes projetos, tornando a participação em projetos financiados à escala europeia mais atrativa para os órgãos de poder local e regional;

25.

subscreve a abordagem do desenvolvimento da IA nos polos de inovação digital. Neste contexto, as subvenções para os polos de inovação digital devem centrar-se na promoção dos ecossistemas locais e regionais;

26.

congratula-se com o facto de a Comissão estar empenhada em desenvolver produtos baseados na IA no setor público (7);

27.

considera, no entanto, que o empenho da Comissão no desenvolvimento da IA no setor público não deve, contudo, limitar-se às tecnologias de IA já comprovadas em setores predefinidos. Com efeito, os órgãos de poder local e regional podem desempenhar um papel importante na aceleração das (novas) tecnologias de IA como clientes pioneiros;

28.

insta a Comissão a apelar a todos os órgãos de poder, incluindo os órgãos de poder local e regional, para que realizem avaliações rigorosas do impacto sobre os direitos fundamentais dos sistemas de IA implantados no setor público. Os órgãos de poder devem evitar recorrer a tecnologias de vigilância de IA, especialmente em situações de emergência, antes de se conhecerem os resultados da avaliação de impacto e de serem adotadas as soluções necessárias;

29.

apela para o desenvolvimento de um quadro de contratação pública e de um conjunto de instrumentos jurídicos, como as condições-padrão de contratação, que dão espaço de manobra aos órgãos de poder local e regional e lhes permitem tirar o melhor partido possível das oportunidades que lhes são oferecidas;

30.

sublinha que o valor dos dados reside na reutilização, incluindo em aplicações de IA. A partilha intersetorial cibersegura de dados promove a inovação no domínio da IA; insta a Comissão a aproveitar o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados [Regulamento (UE) 2016/679] e a analisar a pertinência de adotar outro quadro regulamentar específico em matéria de IA para facilitar a partilha e a reutilização fiáveis de dados entre as empresas e as administrações públicas (B2G), especialmente quando pode servir o interesse público, como no caso da pandemia de COVID-19. Neste contexto, ficou igualmente demonstrada a importância da utilização de dados das empresas pelos poderes públicos. Tal potencial deve ser plenamente explorado, atendendo a que tal pode reduzir os encargos administrativos para as empresas, mas também ao facto de que, em muitos casos, nomeadamente em relação à economia das plataformas, esta ser a única forma de os poderes públicos cumprirem as suas obrigações legais;

31.

considera necessário investir à escala europeia numa infraestrutura de base partilhada e cibersegura, na arquitetura de dados e nas normas de qualidade em matéria de segurança, conjuntos de dados e estatísticas. Essa abordagem diminuirá os obstáculos à utilização de aplicações de IA e aumentará a confiança digital, fomentando o desenvolvimento e a utilização da IA;

32.

está firmemente convicto de que as aplicações de IA cujo desenvolvimento tenha sido financiado com fundos públicos devem, na medida do possível, ser postas ao serviço da sociedade. Essas aplicações de IA devem, em princípio, ser desenvolvidas, por exemplo, em condições de fonte aberta, reconhecendo ao mesmo tempo a necessidade de financiamento para esse desenvolvimento;

Legislação e política: uma abordagem de aprendizagem

33.

constata com interesse o progresso efetuado na definição de IA, tal como consta da definição atualizada (8) apresentada pelo grupo de alto nível de peritos independentes para a IA, constituído pela Comissão Europeia; considera que esta definição reflete melhor as capacidades técnicas da IA. Contudo, a definição da IA deve ser um processo contínuo. Deve ter em conta o contexto em que a IA opera, mantendo-se a par da evolução da sociedade neste domínio, e não perder de vista a ligação entre o ecossistema de excelência apresentado pela Comissão e o ecossistema de confiança;

34.

considera que um «sistema de IA» consiste numa combinação de elementos técnicos que liga dados, algoritmos e capacidade computacional às práticas sociais, sociedade, identidade e cultura. A definição deste conjunto sociotécnico dinâmico deve, por conseguinte, ser atualizada regularmente, a fim de refletir com precisão o crescente impacto societal da IA e identificar simultaneamente os desafios e as oportunidades que se prendem com a IA e que mudam rapidamente;

35.

observa que a salvaguarda dos direitos fundamentais, dos direitos dos consumidores, da transparência na utilização das componentes técnicas e das regras em matéria de responsabilidade e segurança dos produtos é, segundo a Comissão, o elemento mais importante do ecossistema de confiança. Estes elementos constituem a base para um futuro quadro regulamentar da UE em matéria de IA;

36.

chama a atenção para o facto de a aprendizagem automática no setor da IA se basear na programação humana, o que pode dar origem a preconceitos em grande escala; insta, por conseguinte, a UE a implementar mecanismos para garantir a igualdade e a inclusão, independentemente do género, da raça e da visão de mundo, no desenvolvimento e nas aplicações da tecnologia de IA;

37.

chama a atenção para o facto de o direito penal proporcionar uma oportunidade importante de definição de normas para combater as graves violações dos direitos fundamentais dos cidadãos e a sua vigilância ilícita e secreta através de aplicações de IA;

38.

partilha da opinião da Comissão de que as aplicações de IA já são regulamentadas por um quadro amplo e de elevada qualidade de atos legislativos e princípios éticos da UE. São exemplos importantes os atos legislativos relativos à segurança e à responsabilidade pelos produtos, aos direitos dos consumidores, aos direitos fundamentais, à luta contra a discriminação e ao direito à proteção dos dados pessoais;

39.

frisa que é necessário reconhecer que o quadro legislativo existente não está especificamente adaptado às aplicações de IA, o que significa que existe atualmente uma lacuna jurídica. É necessário examinar cuidadosamente os domínios em que é necessária regulamentação adicional para reforçar a confiança dos cidadãos na IA. Um elemento central de qualquer futuro quadro regulamentar aplicável à IA é a introdução de salvaguardas para garantir que a IA está isenta de preconceitos e não reproduz a discriminação em razão do género, da etnia, da idade, da deficiência ou da orientação sexual;

40.

salienta também que a utilização da IA não deve discriminar nem fragilizar nenhuma língua oficial da UE e que os dados e parâmetros linguísticos devem estar disponíveis em todas as línguas oficiais da UE;

41.

insiste ainda na importância de uma codificação sensível às questões de género e apela à participação equitativa de todos os géneros na conceção, execução, avaliação e debate sobre a ética e as normas em matéria de tecnologias relacionadas com a IA. A promoção da participação das raparigas e das mulheres no domínio da ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática (CTEAM) é essencial para a sua plena integração em processos relacionados com a IA, em particular, e na economia digital em geral;

42.

sublinha que este quadro regulamentar deve assegurar um número suficiente de elementos essenciais anteriormente mencionados e, ao mesmo tempo, proporcionar espaço e flexibilidade para a inovação. A este respeito, é necessário estar ciente dos desafios colocados pela explicabilidade e pelo funcionamento dos sistemas de IA, bem como dos seus resultados e impactos sociais;

43.

observa que a IA não é uma tecnologia autónoma, estando ligada a outras ciências e tecnologias, incluindo as ciências do comportamento, a computação quântica, a Internet das coisas, a implantação de redes 5G e 6G, os modelos de negócio e as plataformas digitais;

44.

entende que é necessário considerar-se que a IA é uma tecnologia em desenvolvimento que ainda não atingiu a sua plena maturidade e que ainda não está totalmente integrada na sociedade;

45.

assinala que os representantes e os responsáveis políticos e a sociedade enfrentam, por conseguinte, um desafio fundamental: como podemos garantir um equilíbrio favorável entre os efeitos e os impactos desejados e não desejados? E como podemos garantir que continue a haver espaço suficiente para explorar as oportunidades oferecidas pela IA e reforçar a confiança dos cidadãos na IA? Com os progressos alcançados no domínio das aplicações de IA, especialmente os algoritmos preditivos, em muitas instituições públicas e governamentais (autoridades judiciárias, autoridades de aplicação da lei, autoridades militares, etc.), é urgente adotar um quadro regulamentar que preveja o critério estrito da necessidade e da proporcionalidade, que preveja garantias e soluções adequadas e que defina claramente as responsabilidades e a responsabilização, bem como uma supervisão pública adequada;

46.

frisa que os órgãos de poder local e regional devem desempenhar um papel importante na formulação da legislação e das políticas em matéria de IA. Estão mais próximos dos cidadãos e, por conseguinte, dispõem de informações mais úteis do que os governos nacionais. Os órgãos de poder local e regional devem, por conseguinte, ser mais estritamente associados à elaboração das políticas e da legislação decorrentes do Livro Branco;

47.

subscreve o ponto de vista da Comissão de que, dada a rápida evolução da IA, o quadro regulamentar deve deixar espaço para fazer face a desenvolvimentos futuros. Tal exige não só atos e processos legislativos adaptáveis, mas também uma atitude crítica por parte da Comissão no que diz respeito ao funcionamento do seu próprio sistema, bem como à inovação social desse sistema;

48.

insiste, neste contexto, em que os órgãos de poder local devem ter flexibilidade suficiente para realizar experiências (incluindo a «prototipificação de políticas») e aprender a conceber políticas para enfrentar estes desafios fundamentais da forma mais eficaz e eficiente;

49.

insta a Comissão a desenvolver um quadro de ação processual destinado a utilizar plenamente as regras já existentes, mas também a prosseguir, ao longo do tempo, o desenvolvimento da política futura e do quadro regulamentar da UE em matéria de IA. Este quadro de ação também deve coordenar os esforços à escala europeia, nacional e regional e assegurar a cooperação entre os setores privado e público. Para o efeito, a criação de uma Agência da UE da Inteligência Artificial contribuiria para a supervisão e a coordenação eficazes das questões relacionadas com a IA entre todos os níveis de governação, desde o europeu ao local;

50.

apoia a abordagem da Comissão de introduzir uma regulamentação complementar para a IA de alto risco;

51.

considera, no entanto, que os principais critérios para determinar se a IA é «de alto risco» são, por um lado, a medida em que o ser humano pode influenciar a tomada de decisões e, por outro, o impacto dessas decisões nos direitos e no comportamento real dos cidadãos;

52.

apela para que a legislação e as políticas futuras abordem, em particular, a questão da transparência e da explicabilidade dos algoritmos e a responsabilização (9), a equidade e a responsabilidade das pessoas que utilizam a IA, especialmente se essa utilização afetar os direitos e o comportamento dos cidadãos;

53.

assinala que os cidadãos têm o direito de saber, através de linguagem simples, com base em que dados e algoritmos os seus direitos ou os seus comportamentos são afetados, para que possam defender-se de forma justa e, se necessário, gozar de uma proteção jurídica eficaz. Além disso, o sistema de decisão deve prever a possibilidade de que um dossiê seja tratado por um ser humano. O papel das autoridades deve ser destacado sempre que adequado;

54.

considera que a utilização de tecnologias de IA também é altamente pertinente no que se refere às condições de trabalho e ao bem-estar dos trabalhadores; subscreve, para o efeito, o apelo dos parceiros sociais europeus para que a minimização e a transparência dos dados, a par de regras claras sobre o tratamento de dados pessoais, limitem o risco de vigilância intrusiva e de utilização abusiva dos dados pessoais (10), a fim de assegurar o respeito da dignidade humana; neste contexto, concorda com a importância de permitir que os representantes dos trabalhadores abordem questões relacionadas com os dados, o consentimento, a proteção da privacidade e a vigilância, associando a recolha dos dados a uma finalidade concreta e transparente e garantindo a transparência quando os sistemas de IA são utilizados em procedimentos de recursos humanos;

55.

concorda com os requisitos previstos pela Comissão em matéria de dados de treino. A conservação de registos é um meio de verificar o cumprimento das regras; considera, no entanto, que os encargos administrativos associados devem ser tão limitados quanto possível;

56.

apoia o ponto de vista da Comissão de que o objetivo de uma IA fiável, ética e centrada no ser humano só pode ser alcançado através da garantia de um envolvimento adequado dos seres humanos em aplicações de IA de alto risco;

57.

insiste em que a futura legislação e o controlo da conformidade devem aplicar-se a todo o ciclo de vida da aplicação de IA;

58.

subscreve o ponto de vista da Comissão de que a supervisão humana contribui para garantir que a autonomia humana não é posta em causa; solicita, no entanto, à Comissão Europeia que avalie os riscos éticos, em especial os relacionados com os preconceitos na utilização da IA, e propõe soluções claras;

59.

solicita que a regulamentação em matéria de IA tenha em conta o impacto ambiental a curto e a longo prazo da utilização destas tecnologias ao longo de todo o seu ciclo de vida e ao longo de toda a cadeia de abastecimento;

60.

tomou conhecimento do projeto de relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu (11); em particular, tomou nota da consideração de que cada Estado-Membro deve criar uma autoridade nacional de controlo responsável por assegurar, avaliar e controlar o cumprimento do ato legislativo, assim como por permitir o debate e o intercâmbio de pontos de vista em estreita cooperação com as partes interessadas e a sociedade civil;

61.

subscreve o ponto de vista da Comissão de que será necessária uma avaliação prévia e objetiva da conformidade para verificar e garantir o cumprimento dos requisitos obrigatórios aplicáveis a aplicações de alto risco;

62.

concorda com a Comissão que as implicações decorrentes da utilização de sistemas de IA de identificação biométrica à distância podem variar consideravelmente em função da finalidade, do contexto e do âmbito da utilização;

63.

solicita a criação de um quadro de qualidade vinculativo e unívoco para orientar as aplicações de IA intrusivas. Este quadro deve centrar-se em normas e práticas que impeçam a discriminação e a estigmatização ilícitas de pessoas e de grupos da população; apoia a intenção da Comissão de lançar um amplo debate sobre esta matéria;

64.

considera que, a par da legislação, a ética desempenha um papel importante na conceção da IA (ethics-by-design, em português «ética desde a conceção»). Importa ter presente que a ética não está associada a uma ferramenta técnica específica (por exemplo, a IA), mas faz parte do contexto social e regulamentar em que a ferramenta técnica é aplicada;

65.

considera que uma abordagem que vá além da mera elaboração de legislação em matéria de IA de alto risco beneficiará qualquer política futura para o ecossistema de confiança. A política futura requer uma abordagem sociotécnica contínua e sistemática, que analise a tecnologia de todos os pontos de vista e por vários prismas. No que diz respeito à elaboração de políticas e à regulamentação, tal exige uma abordagem multidisciplinar através da qual responsáveis políticos, representantes de diferentes domínios do mundo académico, parceiros sociais, empresas e órgãos de poder local e regional cooperam e acompanham continuamente a evolução da situação, divulgando os resultados de forma igualmente transparente;

Desenvolvimento de conhecimentos

66.

assinala que, a fim de promover a transição para uma sociedade em que a IA desempenha um papel importante, importa alargar as próximas propostas relativas a uma Agenda de Competências atualizada e a um Plano de Ação para a Educação Digital a todo o percurso de aprendizagem, desde o ensino básico ao ensino secundário, ao ensino secundário de formação profissional, ao ensino superior de formação profissional, ao ensino universitário e à aprendizagem ao longo da vida. Os programas curriculares em matéria de educação digital devem promover a cidadania ativa, reforçar o pensamento crítico e capacitar as pessoas desde tenra idade para interagir cada vez mais com a IA;

67.

apela para que as medidas educativas e de formação se centrem também no reforço das competências digitais dos cidadãos e dos profissionais, tanto no âmbito do sistema de ensino como da formação profissional contínua. Prevê-se que a revolução digital aumente significativamente o número de pessoas empregadas em profissões pertinentes no domínio digital. Paralelamente, a aprendizagem tecnológica em IA ao longo da vida é essencial não só para as profissões técnicas provenientes dos estudos em CTE(A)M, mas também para todos os trabalhadores (incluindo os das administrações públicas), que necessitarão de conhecimentos em IA em muitos outros domínios de atividade. Por conseguinte, a formação deve centrar-se não só nas necessidades atuais do mercado de trabalho relacionadas com a IA, mas também na literacia tecnológica de todos os trabalhadores, o que permite a adaptação a uma abordagem de longo prazo das necessidades de formação no domínio da IA;

68.

sublinha que a formação dos representantes e dos responsáveis políticos, não só sobre a utilização da IA, mas também sobre disposições e normas éticas, é crucial e contribuirá para um processo de decisão democrático eficaz; recomenda ações de formação que impliquem a atualização de um nível relativamente elevado e tem dois objetivos: (1) ser capaz de comunicar com o mercado em condições equitativas e (2) gerir o impacto da IA na sociedade e no processo democrático;

69.

assinala que, a fim de assegurar que a IA reflete os nossos direitos e valores fundamentais e evitar uma programação discriminatória em razão do género, é fundamental diversificar o setor da tecnologia e incentivar os estudantes, especialmente as raparigas, a inscreverem-se em cursos nos domínios das CTE(A)M;

Governação a vários níveis e parcerias público-privadas

70.

concorda que é necessária uma abordagem europeia comum da IA para atingir uma escala suficiente e evitar a fragmentação do mercado único;

71.

salienta, no entanto, que uma abordagem europeia da governação deve basear-se numa sociedade aberta, integradora e descentralizada, em que todos têm a possibilidade de participar, ser criativos e ser empreendedores;

72.

defende que a questão principal que se coloca aqui é saber como associar efetivamente os representantes políticos, os cidadãos e as PME ao desenvolvimento de aplicações de IA e à definição de normas éticas e regulamentares na matéria e de que forma a compreensão do retorno esperado dos ecossistemas pode desempenhar um papel na (re)calibração das políticas e regulamentações;

73.

destaca o papel importante das redes descentralizadas de cidadãos e as economias locais na participação dos representantes políticos, dos cidadãos e das empresas no desenvolvimento de aplicações de IA e na definição de normas éticas e regulamentares na matéria. Com efeito, a força das comunidades e redes descentralizadas reside na cooperação aberta, interligada e orientada local e regionalmente que promove a inovação e o desenvolvimento de novas economias;

74.

considera que o futuro quadro de ação europeu deve coordenar os esforços à escala europeia, nacional e regional, promover a partilha de conhecimentos e assegurar a cooperação entre os setores público e privado. Para tal, é necessária uma governação a vários níveis que interligue as redes locais, regionais, nacionais e europeias.

Bruxelas, 14 de outubro de 2020.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Apostolos TZITZIKOSTAS


(1)  COM(2020) 67 final.

(2)  COM(2020) 66 final.

(3)  SEDEC-VI/046 (JO C 168 de 16.5.2019, p. 11).

(4)  COM(2016) 381 final.

(5)  Recomendação (UE) 2020/518.

(6)  Livro Branco sobre a IA, capítulo 2.

(7)  Capítulo 4, secção F.

(8)  https://ec.europa.eu/newsroom/dae/document.cfm?doc_id=56341

(9)  Maranke Wieringa, What to account for when accounting for algorithms [Quais são as responsabilidades quando se é responsável pelos algoritmos?], Universidade de Utreque, 20 de janeiro de 2020.

(10)  Acordo-quadro autónomo dos parceiros sociais europeus sobre a digitalização (https://www.etuc.org/system/files/document/file2020-06/Final%2022%2006%2020_Agreement%20on%20Digitalisation%202020.pdf).

(11)  Projeto de relatório do relator Ibán García del Blanco, de 21 de abril de 2020, que contém recomendações à Comissão sobre o quadro dos aspetos éticos da inteligência artificial, da robótica e das tecnologias conexas [2020/2012(INL)].