11.12.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 429/6


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Medidas eficazes e coordenadas da UE para combater a fraude fiscal, a elisão fiscal, o branqueamento de capitais e os paraísos fiscais»

[parecer de iniciativa]

(2020/C 429/02)

Relator:

Javier DOZ ORRIT

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

20.7.2020

Adoção em plenária

18.9.2020

Reunião plenária n.o

554

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

216/2/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Apesar dos esforços da UE e de muitos governos, da entrada em vigor de importantes diretivas europeias (Diretiva Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo — DBC, Diretiva Antielisão Fiscal — DAF) (1) e do programa de luta contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros (BEPS) da OCDE, o volume da fraude fiscal, da evasão fiscal e do branqueamento de capitais, bem como da elisão fiscal, continua a ser muito importante no que toca às finanças públicas dos países europeus.

1.2

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) propõe a criação de um pacto europeu para combater eficazmente a fraude fiscal, a evasão fiscal, a elisão fiscal e o branqueamento de capitais. O CESE insta a Comissão Europeia a promover uma iniciativa política que envolva os governos nacionais e as demais instituições europeias na consecução desse objetivo, fomentando os consensos necessários para tal e contando com a participação da sociedade civil. A cooperação entre os Estados-Membros deve ser o pilar principal do pacto.

1.3

O CESE insta as instituições europeias e os Estados-Membros a disponibilizar os recursos financeiros e humanos necessários para a aplicação eficaz da legislação europeia em vigor e a assumir o compromisso de adotar as novas medidas legislativas e administrativas necessárias para combater eficazmente os crimes e as práticas abusivas fiscais, o branqueamento de capitais e as atividades dos paraísos fiscais. Tal requer uma avaliação permanente dos resultados da execução de cada medida.

1.4

O CESE considera essencial que os Estados-Membros se comprometam a pôr termo às formas desleais e prejudiciais de concorrência fiscal. O Parecer do CESE sobre «Fiscalidade — Votação por maioria qualificada» (2) reitera igualmente a necessidade de prosseguir o debate sobre a transição progressiva da votação por unanimidade para a votação por maioria qualificada no domínio fiscal.

1.5

A participação ativa da sociedade civil é fundamental para a sensibilização dos cidadãos para a questão dos crimes e das práticas abusivas e para uma tributação justa. A sua cooperação contribuirá para a consecução do pacto e respetiva aplicação. A participação dos empresários e das respetivas organizações é muito importante para o êxito do pacto. Cabe garantir que as medidas legislativas adotadas não afetem indevidamente as empresas que cumprem as suas obrigações fiscais, impondo-lhes encargos administrativos excessivos. Uma ação eficaz e urgente contra os crimes e as práticas abusivas no domínio da fiscalidade gerará os recursos financeiros públicos suplementares necessários para financiar os planos de recuperação da pandemia, a transição ecológica e digital da economia e a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

1.6

A digitalização da economia coloca novos desafios às autoridades fiscais, na medida em que pode criar novos métodos de planeamento fiscal agressivo, crimes financeiros e práticas abusivas. No entanto, a digitalização da economia, através de uma cooperação administrativa mais eficiente e da troca de dados, cria igualmente novas oportunidades para as autoridades fiscais combaterem tais práticas.

1.7

A melhoria dos resultados da luta contra estes crimes e as práticas abusivas exige o reforço da cooperação política, administrativa, policial e judiciária, tanto diretamente entre os Estados-Membros como entre estes e a UE, fortalecendo a base jurídica de tal cooperação e dotando de recursos económicos e humanos suficientes as Unidades de Informação Financeira (UIF), as autoridades fiscais, as estruturas europeias de supervisão e os demais intervenientes nesta luta.

1.8

A fim de melhorar a eficácia das ações, é necessário desenvolver uma visão comum destes crimes e práticas abusivas, das relações entre si e da sua relação com a criminalidade económica e financeira e a corrupção política, bem como do papel necessário dos paraísos fiscais para as facilitar e dissimular. A erradicação das atividades criminosas dos paraísos fiscais devia ser um objetivo prioritário da UE.

1.9

Embora esta política seja necessária em qualquer circunstância, o CESE considera que, dada a situação resultante da pandemia de COVID-19, é imprescindível que ela se torne uma prioridade política e ética da União, dos governos nacionais e da sociedade civil europeia. Quando são necessários tantos recursos financeiros públicos para lidar com as consequências sociais, económicas e sanitárias da pandemia, é inaceitável que um montante considerável destes recursos seja indevidamente desviado para benefício privado de alguns, prejudicando diretamente a grande maioria dos trabalhadores, empregadores, trabalhadores por conta própria, pessoas dependentes e pensionistas que cumprem as suas obrigações fiscais.

1.10

O CESE apoia o novo plano de ação da União para uma política abrangente da União em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo (3) apresentado pela Comissão Europeia em 7 de maio de 2020, e considera que é urgente aplicá-lo. O CESE apoia as medidas propostas para assegurar a aplicação efetiva do atual quadro jurídico de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, o estabelecimento de um conjunto único de regras da UE, a criação de um órgão europeu de supervisão e os demais pilares do plano. A UE e os Estados-Membros devem manter posições comuns em instâncias internacionais, como o Grupo de Ação Financeira — GAFI (OCDE), o G20 e a ONU. O CESE concorda com a opinião da Comissão de que as medidas tomadas devem ter em conta a legislação europeia em matéria de proteção de dados e a jurisprudência sobre a matéria do Tribunal de Justiça, bem como procurar que impliquem o mínimo possível de encargos administrativos e financeiros adicionais para os Estados-Membros e as entidades obrigadas.

1.11

O CESE solicita à Comissão Europeia que analise a lista atual de jurisdições não cooperantes e coloque a possibilidade de estabelecer critérios suplementares para garantir que todos os paraísos fiscais constam da referida lista. Solicita igualmente a adoção de medidas adequadas para que as empresas e os particulares não possam realizar transações injustificadas com as suas instituições financeiras.

1.12

O CESE congratula-se com a introdução de indicadores fiscais no Semestre Europeu, insta os Estados-Membros a cumprir as recomendações específicas por país nesse domínio e propõe que a Comissão Europeia inclua naquele um procedimento de avaliação da eficiência, equidade, suficiência e bom funcionamento dos sistemas fiscais.

1.13

O CESE solicita que as diretivas europeias abranjam obras de arte e outros ativos de valor elevado, nomeadamente os detidos em portos francos e entrepostos aduaneiros, e que se proceda à abolição progressiva dos regimes de cidadania ou de residência para investimentos, criados em determinados Estados-Membros, bem como que se resolva a falta de transparência das ações ao portador.

1.14

O CESE considera que devem aplicar-se à evasão fiscal as disposições da 5.a Diretiva Branqueamento de Capitais (DBC 5) relativas a um registo central e público dos beneficiários efetivos de sociedades e fundos fiduciários. Apela igualmente à adoção de procedimentos adequados para facilitar o cumprimento, pelas PME, dos requisitos dos registos.

1.15

O CESE apoia uma solução global para a tributação das sociedades com uma importante presença no setor digital, no âmbito do projeto da OCDE, mas, se não for alcançado um acordo até ao final de 2020, a UE deve retomar a sua iniciativa de tributação das grandes empresas da economia digital.

1.16

A Diretiva Antielisão Fiscal (DAF) deve ser revista de modo a incluir regras para o tratamento fiscal no tocante às jurisdições de baixa tributação e o repatriamento de dividendos ou ganhos de capital que não tenham sido tributados no estrangeiro.

1.17

Há que dar apoio financeiro e técnico às UIF nacionais e promover uma estreita cooperação entre elas e as autoridades fiscais, bem como entre as forças policiais nacionais e a Europol, no âmbito da ação penal contra crimes fiscais e financeiros.

1.18

O CESE insta a Comissão a realizar um estudo sobre o papel das empresas de fachada na fraude fiscal, na evasão fiscal, na elisão fiscal e no branqueamento de capitais e, tendo em conta as suas conclusões, a alterar a Diretiva Antielisão Fiscal, a Diretiva Adequação dos Fundos Próprios e a Diretiva Branqueamento de Capitais, a fim de impedir a prática de infrações e a facilitação de práticas abusivas através dessas empresas.

1.19

O CESE convida a Comissão e os Estados-Membros a estudar o conceito de tributação mínima efetiva dos lucros das empresas e a sua eventual aplicação.

1.20

O CESE propõe que os acordos comerciais ou económicos da UE incluam, em conformidade com os princípios e as regras da OMC, um capítulo com cláusulas contra crimes fiscais, o branqueamento de capitais e o planeamento fiscal agressivo e sobre a cooperação entre as administrações fiscais.

2.   Contexto

2.1

A dimensão, na Europa e no mundo, da fraude fiscal, da evasão fiscal, da elisão fiscal e do branqueamento de capitais é muito importante em termos macroeconómicos. É patente a sua dimensão transnacional. Os paraísos fiscais desempenham um papel fundamental na sua concretização, ao acolherem e canalizarem capitais provenientes de grandes empresas e de fortunas pessoais que tenham contornado ou eludido o pagamento de impostos, além dos capitais provenientes da corrupção política e económica e das organizações da economia criminosa.

2.2

Não existe uma definição de paraíso fiscal universalmente aceite, embora em todos eles a tributação seja nula ou muito reduzida, sendo a norma a falta de transparência sobre os clientes e os fluxos. São identificados em listas onde o seu caráter não cooperante resulta da recusa de prestar informações às autoridades fiscais e de cooperar com a justiça. As listas reconhecidas são a da OCDE (4) e as duas da UE relativas ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, bem como à evasão e elisão fiscais (5). A monografia da Finance & Development — F&D (FMI) — estima que a riqueza privada em centros financeiros offshore se situa entre 7 biliões e 8,7 biliões de dólares americanos (6) (8 % a 10 % do PIB mundial).

2.3

O FMI estima que os custos da evasão fiscal para os governos representam cerca de 3 biliões de dólares americanos por ano (7). O Parlamento Europeu (PE) estima que, na UE, ascende a 825 mil milhões de euros (8), e o défice de cobrança do IVA, principalmente devido a fraude, eleva-se a cerca de 147 mil milhões de euros por ano, dos quais 50 mil milhões de euros resultam da fraude transfronteiriça do operador fictício (fraude «carrossel») (9).

2.4

A elisão fiscal nem sempre viola a letra da lei, mas viola certamente o seu espírito. Os paraísos fiscais recebem cerca de 600 mil milhões de dólares americanos por ano resultantes da elisão fiscal relacionada com o imposto sobre as sociedades (10). As perdas da UE oscilam entre 160 mil milhões e 190 mil milhões de euros por ano (11). A elisão fiscal através de seis Estados-Membros prejudica em 42 800 milhões de euros as receitas fiscais dos outros vinte e dois (12). A F&D (FMI) afirma que 40 % do investimento direto estrangeiro (IDE) mundial, cerca de 15 biliões de dólares americanos, se destinam a empresas de fachada (sem qualquer atividade económica), com frequência sob a forma de holdings que agrupam as filiais operacionais. A maioria está sediada em cinco países europeus (13).

2.5

Segundo as Nações Unidas, o branqueamento de capitais representa entre 2 % e 5 % do PIB mundial (14). Casos recentes, como o do Danske Bank (com uma estimativa inicial de cerca de 200 mil milhões de euros) (15) ou do Swedbank (37 mil milhões de euros) (16), revelam as insuficiências na luta contra o branqueamento de capitais, apesar das diretivas e do trabalho das autoridades de supervisão.

2.6

Para além do setor financeiro, existem outros canais de branqueamento de capitais: mercados de arte, diamantes e metais preciosos; portos francos, entrepostos aduaneiros e zonas económicas especiais; etc. A rápida evolução tecnológica proporciona novas vias através dos ativos virtuais e da cadeia de blocos. O mesmo se pode dizer dos processos de evasão e elisão fiscais: branqueamento de dividendos e de juros por transações Cum Ex (55 200 milhões de euros); planeamento fiscal agressivo; acordos secretos entre Estados e empresas multinacionais que reduzem substancialmente as suas obrigações fiscais; ou regimes de concessão de cidadania ou de residência para estrangeiros em troca de investimentos. O comércio eletrónico, a economia das plataformas e a economia digital em geral representam novos riscos de facilitação de crimes fiscais e de elisão fiscal, bem como novas oportunidades de acompanhamento e controlo.

2.7

A Comissão Juncker desenvolveu uma atividade muita intensa contra os crimes fiscais e a elisão fiscal: vinte e seis iniciativas legislativas e cinquenta e sete iniciativas de todos os tipos. No tocante ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, destacam-se duas diretivas, a DBC 4 e a DBC 5 (2015 e 2018). A transposição da última foi concluída em janeiro de 2020 e introduz melhorias na identificação dos beneficiários, no intercâmbio de informações e na colaboração entre as UIF, bem como no alargamento do âmbito das entidades visadas, introduzindo simultaneamente o controlo das moedas virtuais. Os resultados práticos não são satisfatórios: persistem muitas deficiências e lacunas, embora a Comissão esteja muito ativa no âmbito das suas competências limitadas (avaliação de 2019) (17). Muito recentemente, o Tribunal de Contas Europeu lançou uma auditoria para avaliar a eficácia das medidas de luta contra o branqueamento de capitais no setor bancário (18), e a Comissão Europeia instaurou ações contra três Estados-Membros no Tribunal de Justiça por incumprimento da DBC 4 (19).

2.8

Em 7 de maio de 2020, a Comissão Europeia apresentou um novo plano de ação para uma política abrangente da União em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo (20), bem como um Regulamento Delegado (21) com a lista de jurisdições não cooperantes nesta matéria. Com base na avaliação tanto das divergências na aplicação da legislação existente como das deficiências graves no cumprimento da regulamentação, e manifestando a intenção de tolerância zero na UE para capitais de origem ilícita, o plano articula-se em torno de seis pilares:

assegurar a aplicação efetiva do quadro atual, começando pela transposição integral das Diretivas Branqueamento de Capitais;

estabelecer um conjunto único de regras da UE por meio de uma diretiva revista e de um regulamento;

estabelecer procedimentos e criar um organismo de supervisão da UE através de uma proposta legislativa;

criar um mecanismo de coordenação e apoio às UIF e interligar os registos nacionais centrais de contas bancárias;

aplicar o direito penal e reforçar o intercâmbio de informações;

reforçar a dimensão internacional do quadro da UE.

No primeiro trimestre de 2021, serão apresentadas quatro propostas legislativas para desenvolver estes pilares.

2.9

O segundo domínio principal da ação da Comissão Europeia foi o da elisão fiscal, relacionado com as iniciativas sobre a tributação dos serviços digitais e a matéria coletável do imposto sobre as sociedades. A sua estratégia visou alcançar uma «tributação eficaz» que fizesse com que as multinacionais pagassem a sua quota-parte no local onde geram valor, em conformidade com o plano de ação BEPS da OCDE, nomeadamente limitando a erosão da matéria coletável do imposto sobre as sociedades através de deduções de juros, direitos e outros benefícios financeiros. A norma principal para este efeito foi a DAF (2016), alterada em 2017 para incluir as assimetrias híbridas (DAF 2) (22). Porém, os seus resultados não podem ainda ser avaliados. Foi igualmente adotada legislação para facilitar a resolução de conflitos decorrentes da dupla tributação (23). Em 2018, foi adotado um novo Regulamento relativo ao controlo das somas em dinheiro líquido que entram ou saem da União (24).

2.10

A Comissão teve em conta a elisão fiscal nas suas iniciativas legislativas relativas à tributação dos serviços digitais e à matéria coletável do imposto sobre as sociedades. Em 2018, propôs duas diretivas relativas à tributação das sociedades com uma presença digital significativa e a um imposto sobre o rendimento das grandes empresas digitais. Em 2016, propôs mais duas diretivas que estabeleceram uma matéria coletável comum do imposto sobre as sociedades (MCCIS) e uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS), sendo esta última muito importante na luta contra a elisão fiscal. Os debates simultâneos a nível da OCDE e a oposição de alguns Estados-Membros atrasaram a adoção das referidas diretivas. Face a esta situação, a Comissão Europeia apresentou uma comunicação (2019), onde propõe o lançamento de um debate para que as decisões em matéria fiscal sejam tomadas por maioria qualificada.

2.11

A cooperação entre as autoridades fiscais e outras instituições dos Estados-Membros, através da troca automática de informações fiscais (AEOI (25)), e a transparência são fundamentais. Foram aprovadas seis diretivas relativas à cooperação administrativa (DCA). Entre a primeira, a Diretiva 2011/16/UE do Conselho (26), e a última, a Diretiva (UE) 2018/822 do Conselho (27), foi alargada a obrigação de divulgar os beneficiários efetivos de contas, ativos financeiros e transações, bem como de todos os produtos, incluindo seguros e dividendos. Registaram-se progressos no tocante aos requisitos para a troca automática de informações sobre acordos fiscais e as informações financeiras das grandes empresas discriminadas por país (CBCR (28)). A utilização de informações financeiras e outras para as ações penais contra as infrações foi regulada pela Diretiva (UE) 2019/1153 do Parlamento Europeu e do Conselho (29).

2.12

A Comissão Juncker atacou os acordos secretos de alguns Estados-Membros com empresas multinacionais, segundo os quais estas só pagam impostos àqueles. Conseguiu igualmente introduzir indicadores fiscais no Semestre Europeu. As últimas recomendações específicas por país (REP) indicam que, em alguns Estados-Membros, a aplicação da legislação não é satisfatória no que respeita ao planeamento fiscal agressivo ou à identificação dos beneficiários efetivos. Existe grande margem para melhorias em matéria de cooperação entre os Estados-Membros. Apesar de alguns progressos, não existe uma redução generalizada dos níveis de fraude fiscal, branqueamento de capitais e elisão fiscal, sendo que se assiste a um aumento em alguns casos, nomeadamente nos fluxos de capital para empresas de fachada.

2.13

Nos últimos cinco anos, o CESE adotou vinte e cinco pareceres sobre estes temas, tendo, globalmente, apoiado as medidas propostas pela Comissão. Em alguns casos, ultrapassou o seu nível de exigência, alinhando-se com a posição do PE.

3.   Observações e recomendações na generalidade

3.1

A crise provocada pela pandemia de COVID-19, a mais grave desde o final da Segunda Guerra Mundial, tem de estar no centro de qualquer reflexão e proposta económica e social. No que se refere ao presente parecer, parece claro que uma redução drástica do volume económico dos crimes fiscais e da elisão fiscal proporcionaria aos Estados-Membros, e à própria UE, uma parte dos recursos financeiros necessários para fazer face ao impacto da pandemia na saúde, na economia e na sociedade. O CESE considera que a participação das instituições europeias, dos governos nacionais e da sociedade civil na adoção de todas as medidas necessárias para levar a cabo ações permanentes e eficazes contra os crimes fiscais e a elisão fiscal é agora, mais do que nunca, um imperativo político e moral incontornável. É uma questão urgente.

3.2

O objeto principal do presente parecer parte de uma visão global e das opiniões expressas em pareceres anteriores do CESE, visando apresentar propostas que tornem a luta contra estes crimes mais eficaz. Há que ter em conta as relações entre os diversos crimes fiscais e entre eles e a elisão fiscal, através de canais comuns que confluem nos paraísos fiscais.

3.3

O CESE reconhece a vontade da Comissão Europeia e do PE de promoverem iniciativas contra os crimes fiscais, a evasão fiscal e a concorrência fiscal desleal, e lamenta que algumas das iniciativas principais, como as que afetam o imposto sobre as sociedades, a fraude ao IVA e o planeamento fiscal agressivo, estejam bloqueadas ou possam ser alteradas por alguns Estados-Membros e pela falta de cooperação entre eles.

3.4

O CESE propõe a promoção de um pacto europeu para combater eficazmente a fraude fiscal, a evasão fiscal, a elisão fiscal e o branqueamento de capitais. O CESE insta a Comissão Europeia a promover uma iniciativa política que envolva os governos nacionais e as demais instituições europeias na consecução do referido pacto. A cooperação entre os Estados-Membros deve ser um dos pilares do pacto.

3.5

A aplicação eficaz do pacto deverá permitir à UE e aos seus Estados-Membros obter recursos suplementares aos proporcionados pelo crescimento, a fim de financiar os planos de recuperação da crise provocada pela pandemia, a transição ecológica e digital das suas economias e a aplicação de um Pilar Europeu dos Direitos Sociais sólido. No respeito pela soberania fiscal dos Estados-Membros, o CESE insta os responsáveis políticos da UE e os governos nacionais a chegarem a um consenso sobre o conteúdo do pacto proposto pelo CESE, com a responsabilidade e a generosidade requeridas pelo momento trágico que vivemos. Na opinião do CESE, a criação de um consenso sobre um pacto europeu contra os crimes fiscais, a elisão fiscal, o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo deve basear-se:

a)

no compromisso dos Estados-Membros e das instituições europeias de adotar todas as medidas legislativas e administrativas suplementares necessárias para combater eficazmente esses crimes e práticas abusivas;

b)

no reforço da vontade política de cooperação entre os Estados-Membros e com as instituições da UE, conducente ao estabelecimento de procedimentos eficazes de cooperação administrativa, policial e judiciária para alcançar os objetivos do pacto;

c)

no compromisso dos Estados-Membros de pôr termo à concorrência fiscal desleal e de desbloquear as diretivas relacionadas com os objetivos do pacto;

d)

na participação das organizações da sociedade civil no pacto.

3.6

A participação das organizações da sociedade civil neste acordo e a criação de uma consciência social avançada no domínio fiscal são essenciais. Os cidadãos europeus reclamam recursos suficientes para a prestação de serviços públicos de qualidade — por ora, na saúde e na investigação, em particular —, bem como sistemas de proteção social suficientes. Os empresários que cumprem as suas obrigações fiscais — a maioria — querem pôr termo à evasão fiscal e à elisão fiscal de algumas empresas, que constituem uma forma de concorrência desleal.

3.7

O CESE subscreve a posição do PE segundo a qual «[…] a equidade fiscal e o combate determinado à fraude fiscal, à evasão fiscal, ao planeamento fiscal agressivo e ao branqueamento de capitais têm um papel central a desempenhar na criação de uma sociedade justa e de uma economia forte, e defende, simultaneamente, o contrato social e o Estado de direito» (30). Por conseguinte, observa com preocupação a dimensão do diferencial de tributação que estes crimes e práticas abusivas provocam nas receitas fiscais, bem como a evolução recente em matéria de tributação, com a transferência da carga fiscal do setor financeiro para a economia real e para os rendimentos do trabalho, fazendo com que as PME suportem uma carga fiscal mais elevada do que as multinacionais.

3.8

A introdução de indicadores fiscais nos relatórios por país no âmbito do Semestre Europeu constituiu um passo em frente. No entanto, a avaliação dos seus resultados demonstra que o funcionamento das UIF, a troca automática de informações e a cooperação entre autoridades fiscais não são satisfatórios em alguns Estados-Membros da UE, não só no tocante ao branqueamento de capitais, mas também à evasão fiscal e à elisão fiscal. O CESE congratula-se com a introdução de indicadores fiscais no Semestre Europeu, insta os Estados-Membros a cumprirem as recomendações específicas por país nesse domínio e propõe que a CE inclua naquele um procedimento de avaliação da eficiência, da equidade, da suficiência e do bom funcionamento dos sistemas fiscais.

3.9

O CESE apoia o novo plano de ação para uma política abrangente da União em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo e considera que deve ser aplicado com urgência. Defende a criação de um organismo europeu de supervisão, que reforce ao máximo a cooperação entre as autoridades fiscais e as UIF dos Estados Membros e disponha de alguns poderes diretos para controlar e investigar as entidades visadas em todos os domínios, bem como de recursos humanos e tecnológicos suficientes para se adaptar à evolução constante da criminalidade. Insta a Comissão a ponderar, como forma mais adequada de alcançar este objetivo, a criação de uma agência europeia para combater a criminalidade fiscal, económica e financeira e o branqueamento de capitais, bem como para fiscalizar o cumprimento da legislação e a eficácia das ações das administrações. O CESE considera necessário que a UE fale a uma só voz nas instâncias internacionais, como o Grupo de Ação Financeira — GAFI (OCDE), o G20 e a ONU. O CESE entende que a Comissão deve ajudar os Estados-Membros através da criação de mecanismos de formação, como a Academia Fiscal Europeia, tal como proposto no seu parecer sobre o programa Fiscalis (10/2018) (31).

3.10

O quadro jurídico da luta contra o branqueamento de capitais deve permitir o acesso a informações sobre os titulares de contas, empresas e fundos fiduciários, respeitando as regras em matéria de proteção de dados e a jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito. Cabe assegurar a proteção dos profissionais sujeitos à obrigação de comunicar práticas suspeitas de branqueamento. O CESE congratula-se com o facto de o plano de ação propor um novo regime de proteção para os autores de denúncias e solicita que este não seja adiado para dezembro de 2021. O Comité concorda com a opinião da Comissão segundo a qual se deve procurar que as medidas adotadas impliquem o mínimo possível de encargos financeiros e administrativos adicionais para os Estados-Membros e as entidades obrigadas.

3.11

As medidas de controlo a terceiros incluídas na 5.a Diretiva Branqueamento de Capitais só serão eficazes se a lista de países de risco elevado for realista. O CESE solicita uma metodologia transparente e clara, bem como períodos de avaliação mais curtos. Considera que a nova lista, com apenas vinte países e territórios, deve ser aprovada o mais rapidamente possível e completada com outros países, nomeadamente os que estiveram no centro de escândalos recentes. Lamenta ainda os obstáculos criados por alguns países da UE em matéria de acesso a informações sobre transações com paraísos fiscais.

3.12

A lista do Ecofin (2017) de paraísos fiscais associados à evasão e à elisão fiscais foi atualizada em fevereiro último. Ao contrário de outras listas, tem a vantagem de abranger tanto as jurisdições que não aceitam a troca automática de informações como as que oferecem um regime fiscal especial às empresas. O facto de a lista europeia excluir os paraísos fiscais na UE é passível de críticas. No entanto, nas REP no âmbito do Semestre Europeu, a Comissão advertiu alguns Estados-Membros por reduzirem as matérias coletáveis de outros Estados-Membros. Embora a ameaça de fazer parte da lista negra tenha um potencial dissuasor relacionado com a reputação, as sanções não são suficientemente eficazes.

3.13

Para que as jurisdições incluídas na lista realizem as reformas necessárias, o CESE propõe que, após a próxima revisão, o regulamento seja alterado no sentido de proibir as transações financeiras entre a UE e as jurisdições em incumprimento. As medidas também têm de visar as empresas que fogem aos impostos. Uma medida eficaz seria não conceder auxílios públicos relacionados com a crise da COVID-19 a empresas que efetuem transações não justificadas com as jurisdições constantes da lista, tal como alguns Estados-Membros fizeram. O CESE apela igualmente para que se pondere a pertinência de excluir tais empresas de contratos públicos.

3.14

As multinacionais operam a nível mundial sob uma direção comum, mas as regras fiscais são adotadas a nível nacional, não tendo em conta a sua interação com regras de outros países, e criam, por vezes, situações de concorrência fiscal. Certas jurisdições aprovam regimes fiscais que reduzem as matérias coletáveis de outras jurisdições. Este facto, juntamente com a queda generalizada das taxas, levou os países a efetuarem um nivelamento por baixo em matéria fiscal para atrair IDE, criando lacunas e assimetrias jurídicas. Muitas multinacionais reestruturam as suas atividades de forma a reduzir significativamente a sua fatura fiscal. Para este fim, recorrem a determinadas transações intragrupo, transferindo artificialmente boa parte das despesas para as jurisdições com uma carga fiscal média ou elevada, ao passo que os lucros são declarados em jurisdições com níveis reduzidos ou nulos de tributação, com as quais concluem acordos fiscais secretos. A transferência de lucros pelas grandes empresas da economia digital é particularmente fácil neste contexto. O CESE espera que a aplicação das regras BEPS e das Diretivas DAF permita alterar esta situação. Ainda é cedo para avaliar os resultados. A bem da sua eficácia, é imprescindível a cooperação de todos os Estados-Membros, objetivo principal do pacto europeu.

3.15

A UE é um espaço vulnerável à elisão fiscal (32). A mobilidade de capitais, mercadorias e pessoas no mercado interno contrasta com a falta de coordenação das políticas fiscais. Na sequência da crise de 2008, os progressos em matéria de governação económica centraram-se no controlo das despesas. A situação alterou-se nos últimos anos, mas a coordenação das políticas fiscais continua a ser insuficiente. A introdução de indicadores fiscais no Semestre Europeu permitiu identificar os sistemas fiscais de determinados Estados-Membros como prejudiciais.

3.16

Em 2009, o G20 lançou um processo de cooperação para combater a evasão fiscal e a elisão fiscal. A OCDE aprovou uma nova norma mundial para o intercâmbio de informações, a Norma Comum de Comunicação (NCC), baseada na troca automática de informações. A maioria das jurisdições internacionais comprometeu-se a aplicá-la a partir de janeiro de 2018. Está pendente uma avaliação global do seu cumprimento.

3.17

Na UE, a AEOI é regida pela DCA, revista várias vezes para se alinhar com a NCC. A DCA alargou a obrigação de AEOI às pessoas singulares e coletivas e aos principais tipos de rendimentos, mas tem lacunas que cumpre corrigir. A informação sobre o titular efetivo de ativos e fundos e de veículos intermédios opacos (certos fundos fiduciários ou trusts, empresas de fachada, fundações, etc.) continua por resolver, como revelado no escândalo dos «Documentos do Panamá». A questão das «ações ao portador», cujo titular não é conhecido publicamente e que ainda existem em certos países, também está pendente. O âmbito de aplicação da DCA deve ser alargado a obras de arte e a outros ativos de elevado valor situados em portos francos e entrepostos aduaneiros. Cabe igualmente resolver o problema dos regimes de obtenção de cidadania e de residência através de investimento, propostos por 19 Estados-Membros e amiúde utilizados para cometer infrações fiscais.

3.18

O plano de ação BEPS da OCDE é a iniciativa global de combate à erosão da base tributável e à transferência de lucros. Os relatórios de execução sobre cada uma das suas quinze ações diferem na sua natureza jurídica. Algumas são boas práticas, outras têm o estatuto de normas mínimas, vinculando os Estados a integrarem o seu conteúdo no respetivo direito das sociedades. Determinadas questões fundamentais, como a tributação da economia digital ou a distribuição de direitos de tributação por país, continuam por resolver a nível mundial. Certos países e organizações da sociedade civil criticaram o processo BEPS e apelaram para que a reforma da estrutura fiscal internacional fosse transferida para o Comité de Peritos em Matéria Fiscal da ONU. O CESE considera que a OCDE deve concluir o seu trabalho e colaborar com o comité das Nações Unidas para que as suas conclusões sejam partilhadas e universais.

3.19

As Diretivas DAF são elementos essenciais da estratégia da UE de combate à elisão fiscal. Asseguram que os Estados-Membros aplicam de forma coordenada os relatórios BEPS e reforçam o seu estatuto jurídico, sujeitando o seu cumprimento ao controlo pelo Tribunal de Justiça da UE. Em alguns casos, as suas regras antiabuso vão mais longe do que as regras BEPS, nomeadamente em matéria de tributação à saída, regras sobre sociedades estrangeiras controladas, normas antidispositivos híbridos ou o estabelecimento de uma cláusula geral antiabuso. No entanto, não foram incluídas cláusulas de investimento devido à oposição de alguns países, apesar de a Comissão e a maioria dos Estados-Membros o terem defendido.

3.20

As investigações da Comissão sobre acordos fiscais secretos concluídos entre algumas grandes multinacionais e os governos de determinados Estados-Membros da UE destacaram a importância dos processos de elisão fiscal por eles facilitados: taxas de tributação que variam entre 0,05 % e 2 % sobre os lucros transferidos de outros países europeus. Em resposta, a UE reviu a DCA, a fim de tornar obrigatória a comunicação automática de qualquer acordo fiscal transfronteiras assinado por um Estado-Membro.

3.21

Uma reforma mais recente da DCA alargou a troca automática às informações de base sobre grandes empresas (33), discriminadas por país (relatórios CBCR (34)), em conformidade com as orientações da Ação 13 do projeto BEPS. No entanto, estas informações continuam a não ser públicas. A Comissão propôs uma revisão da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (35) em matéria de contabilidade, a fim de permitir a publicação dos relatórios por país. O CESE considera que tal se deve aplicar, pelo menos, às empresas que recebem auxílios estatais.

3.22

Uma proposta de grande relevo da Comissão no domínio da fiscalidade das empresas visa a harmonização da matéria coletável do imposto sobre as sociedades. Na sua primeira fase de aplicação (MCCIS), o cálculo da base tributável seguiria regras comuns. Na sua segunda fase (MCCCIS), os lucros e as perdas registados pelas filiais de uma empresa ou grupo multinacional em cada Estado-Membro seriam consolidadas a nível da UE. O saldo líquido resultante seria repartido entre os diferentes países em que a empresa exerce a sua atividade e tributado de acordo com uma fórmula predeterminada (ativos, vendas e emprego). Espera-se que, graças à consolidação, uma grande parte das operações de planeamento fiscal agressivo seja neutralizada. O CESE concorda com uma tributação baseada numa fórmula ponderada que tenha em conta a localização das vendas, do emprego e dos ativos. O valor dos direitos de propriedade intelectual e de outros ativos imateriais deve ser rigorosamente avaliado.

3.23

De acordo com a Comissão e a OCDE, o desafio da captação de receitas dos novos modelos de negócio da economia digital pelas regras fiscais em vigor conduziu, em diferentes situações e países, a uma subtributação das empresas digitais em comparação com as empresas tradicionais. A Comissão aprovou (em março de 2018) duas propostas de diretiva relativas à tributação da economia digital (36), em conformidade com o trabalho da OCDE a concluir em 2020. Uma diretiva prevê uma solução provisória, enquanto a outra estabelece uma solução definitiva. A solução provisória prevê um imposto de 3 % sobre as vendas de serviços digitais por grandes empresas (e não sobre os lucros ou no local em que o valor é criado). Está bloqueada no Conselho. Atualmente, a Comissão está orientada para uma solução global no âmbito do projeto da OCDE, mas, se não for alcançado um acordo até ao final de 2020, retomará a sua iniciativa de tributação das grandes empresas da economia digital.

3.24

Tanto a Comissão como o CESE (37) assinalaram a necessidade de lançar um debate sobre as condições necessárias para abandonar progressivamente a regra da unanimidade em favor da votação por maioria qualificada em matéria fiscal. Os prazos para essa alteração podem ser mais curtos ou mais longos, consoante a sensibilidade dos Estados-Membros ao imposto sobre o qual pretendam legislar.

3.25

O CESE considera que os enormes desafios colocados à UE e a todos os seus Estados pela crise resultante da pandemia de COVID-19 são incompatíveis com qualquer tipo de tolerância relativamente a infrações que prejudicam o crescimento económico e as finanças públicas. Defende igualmente a necessidade de reforçar a cooperação e a solidariedade entre os Estados-Membros, as instituições da UE e os setores da sociedade civil europeia.

4.   Observações e recomendações na especialidade

4.1

Recomenda-se o alargamento da solução prevista pela 5.a Diretiva Branqueamento de Capitais à evasão fiscal, a fim de obrigar os países a estabelecerem um registo central e público dos titulares efetivos de sociedades e fundos fiduciários. Deve igualmente estabelecer-se um procedimento adequado para identificar o proprietário efetivo por detrás de uma empresa situada fora da UE. Todos os registos devem funcionar de forma adequada e proporcionada, a fim de facilitar o trabalho das empresas no cumprimento das regras e, em especial, das PME, que devem beneficiar de serviços de apoio.

4.2

A necessidade de conhecer os beneficiários efetivos de todas as empresas e fundos fiduciários deve ser alargada aos titulares de ações ao portador. O CESE solicita à Comissão que avalie a possibilidade de criar um procedimento para este fim e, caso tal não seja possível, que proíba esta prática na UE.

4.3

Cumpre colmatar as restantes lacunas da DCA, a fim de alargar a troca automática de informações a obras de arte e a outros bens de valor elevado detidos em portos francos, entrepostos aduaneiros e zonas económicas especiais.

4.4

Os Estados-Membros devem ser instados a eliminar progressivamente os regimes de obtenção de cidadania ou de residência através de investimento, que facilitam a criminalidade fiscal. Esta é a posição do Parlamento Europeu e do CESE, no seu Parecer SOC/618 (38). Enquanto perdurarem, devem ser adotadas as medidas de controlo necessárias para assegurar que os investidores cumprem as suas obrigações fiscais.

4.5

É necessário introduzir medidas acordadas no âmbito da OCDE e do quadro integrado para a assistência técnica no que se refere à afetação das receitas fiscais a jurisdições de mercado, como a Índia e a China. A Diretiva DAF deverá ser revista de modo a incluir regras sobre o tratamento fiscal no tocante às jurisdições de baixa tributação, em especial no que se refere ao repatriamento de dividendos ou de ganhos de capital de filiais no estrangeiro quando estes não tenham sido tributados a um nível mínimo no estrangeiro.

4.6

Em consonância com a petição incluída na resolução do Parlamento Europeu, de março de 2019 (39), o CESE convida a Comissão e os Estados-Membros a estudarem o conceito de tributação mínima efetiva dos lucros das empresas e a sua eventual aplicação.

4.7

Deve reforçar-se a cooperação entre os organismos de supervisão e as autoridades fiscais dos Estados-Membros, em especial no domínio dos crimes fiscais e do branqueamento de capitais, bem como promover o reforço da cooperação entre a Europol e as autoridades policiais nacionais.

4.8

Deve prestar-se apoio financeiro e técnico às UIF nacionais, para que possam desempenhar eficazmente as suas funções.

4.9

O enorme volume de capital que circula através de empresas de fachada na UE exige uma resposta firme dos decisores políticos. O CESE insta a Comissão a realizar um estudo sobre o papel das empresas de fachada na fraude, evasão e elisão fiscais (desde a aplicação da DAF e da DAF 2), bem como no branqueamento de capitais, e a adotar, à luz das suas conclusões, todas as medidas necessárias para impedir que tais crimes e práticas abusivas ocorram através deste tipo de empresas. As Diretivas DAF, a Diretiva Adequação dos Fundos Próprios e a DBC devem, se for caso disso, ser alteradas.

4.10

O CESE propõe que, nos próximos acordos comerciais, de investimento ou de parceria económica da UE, ou quando da revisão dos acordos em vigor, se pondere aditar, em conformidade com os princípios e as regras da OMC, um capítulo fiscal que inclua os resultados do projeto BEPS da OCDE e cláusulas sobre a luta contra a fraude e a evasão fiscais, o planeamento fiscal agressivo e o branqueamento de capitais, bem como sobre a cooperação entre as administrações fiscais.

Bruxelas, 18 de setembro de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Aqui, e no resto do texto, serão utilizadas siglas, quando existam.

(2)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 90.

(3)  C(2020) 2800 final.

(4)  Na lista do GAFI, «High-Risk Jurisdictions» [Jurisdições de risco elevado], são referidos apenas dois países (Coreia do Norte e Irão). Na lista do GAFI, «Jurisdictions under Increased Monitoring» [Jurisdições sob monitorização reforçada], estão incluídos dezoito países. Ambas foram atualizadas em 21 de fevereiro de 2020.

(5)  Na lista do Regulamento Delegado (UE) 2020/855 da Comissão, de 7 de maio de 2020 (JO L 195 de 19.6.2020, p. 1), figuram vinte territórios de risco elevado relacionados com o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. A lista revista de jurisdições não cooperantes em matéria de evasão e elisão fiscais inclui doze, a que se acrescentam outras vinte sujeitas a vigilância.

(6)  Lipton, D.: «Shining a Light» [Foco no lado oculto da economia], p. 4; e Shaxson, N.: «Tackling Tax Havens» [Combater os paraísos fiscais], p. 7, citando Zucman G. (2017). FMI, F&D, setembro de 2019.

(7)  Bhatt, G.: «Editor’s Letter», FMI. FMI. Ibidem, p. 2.

(8)  Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de março de 2019, sobre crimes financeiros e a elisão e a evasão fiscais, pt. 24.

(9)  PE, ibidem, pts.142 e 143.

(10)  Shaxson, N.: «Tackling Tax Havens» [Combater os paraísos fiscais]. FMI, ibidem, p. 7.

(11)  PE, ibidem, pt. 19.

(12)  PE, ibidem, pt. 328.

(13)  Damgaard, J., Elkjaer, T., Johannesen, N.: «The Rise of Phantom Investments» [A ascensão dos investimentos-fantasma], pp. 11-13. FMI, F&D, setembro de 2019.

(14)  Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e a Criminalidade (UNODC), «Money Laundering and Globalization» [O branqueamento de capitais e a globalização].

(15)  PE, ibidem, pts. 236 e 237.

(16)  PE, ibidem, pt. 235. Financial Times, 23 de março de 2020.

(17)  COM(2019) 360 final, 370 final, 371 final e 372 final de 24 de julho de 2019. De especial interesse é o COM(2019) 373 final — Relatório sobre a avaliação de casos recentes de alegado branqueamento de capitais envolvendo instituições de crédito da UE.

(18)  Em 11 de junho de 2020: https://www.eca.europa.eu/pt/Pages/DocItem.aspx?did=53979

(19)  Em 2 de julho de 2020: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/IP_20_1228

(20)  C(2020) 2800.

(21)  Regulamento Delegado (UE) 2020/855 da Comissão, de 7 de maio de 2020.

(22)  A Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho (DAF) (JO L 193 de 19.7.2016, p. 1) entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020 nos Estados-Membros que não possuíam legislação própria (em 2024 nos restantes Estados-Membros). A Diretiva (UE) 2017/952 do Conselho (JO L 144 de 7.6.2017, p. 1) (DAF 2) entrará em vigor em 1 de janeiro de 2022.

(23)  Diretiva (UE) 2017/1852 do Conselho (JO L 265 de 14.10.2017, p. 1).

(24)  Regulamento (UE) 2018/1672 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 284 de 12.11.2018, p. 6).

(25)  Em inglês: Automatic exchange of information — AEOI.

(26)  Diretiva 2011/16/UE do Conselho (JO L 64 de 11.3.2011, p. 1).

(27)  Diretiva (UE) 2018/822 do Conselho (JO L 139 de 5.6.2018, p. 1).

(28)  Em inglês: Country by country reporting — CBCR.

(29)  JO L 186 de 11.7.2019, p. 122.

(30)  PE, ibidem, pt. 328.

(31)  Parecer sobre o «Programa Fiscalis 2021-2027» (ECO/470) (JO C 62 de 15.2.2019, p. 118).

(32)  Cobham A. e Garcia-Bernardo J., «Time for the EU to close its own tax havens» [É tempo de a UE fechar os seus próprios paraísos fiscais], Tax Justice Network, 4 de abril de 2020.

(33)  Local onde se situam os trabalhadores, as vendas, os lucros declarados e os impostos pagos.

(34)  Em inglês: Country by country reporting — CBCR.

(35)  JO L 182 de 29.6.2013, p. 19.

(36)  COM(2018) 147 final — Proposta de diretiva que estabelece regras relativas à tributação das sociedades com uma presença digital significativa; COM(2018) 148 final — Proposta de diretiva relativa ao sistema comum de imposto sobre os serviços digitais aplicável às receitas da prestação de determinados serviços digitais.

(37)  COM(2019) 8 final — Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE.

(38)  Parecer sobre «Regimes de cidadania e de residência para os investidores na União Europeia» (SOC/618) (JO C 47 de 11.2.2020, p. 81).

(39)  PE, ibidem, pts. 78 a 85.