30.4.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 155/58


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à gestão do asilo e da migração e que altera a Diretiva 2003/109/CE do Conselho e a proposta de Regulamento (UE) XXX/XXX [Fundo para o Asilo e a Migração]»

[COM(2020) 610 final — 2020/0279 (COD)]

e a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de crise e de força maior no domínio da migração e do asilo»

[COM(2020) 613 final — 2020/277 (COD)]

(2021/C 155/09)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Consulta

Parlamento Europeu, 11.11.2020

Comissão Europeia, 27.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.2.2021

Adoção em plenária

25.2.2021

Reunião plenária n.o

558

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

235/5/25

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Os esforços para assegurar o equilíbrio no tratamento dos pedidos de asilo, a fim de conceder proteção internacional a quem precisa e garantir o regresso efetivo nos restantes casos, devem ser geridos pela União Europeia (UE) no seu conjunto e não como uma matéria da exclusiva responsabilidade de cada Estado-Membro.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reconhece que a migração é um fenómeno humano estrutural e que o asilo e a proteção internacional são direitos fundamentais das pessoas perseguidas e constituem obrigações legais dos Estados partes na Convenção de Genebra ao abrigo do direito internacional. O CESE salienta que é importante proteger os direitos fundamentais e os dados pessoais no âmbito das propostas de regulamento analisadas no presente parecer.

1.3.

O CESE acolhe favoravelmente a melhoria da informação prestada aos requerentes de asilo sobre o processo de pedido previsto nos regulamentos em apreço e sobre os respetivos direitos e obrigações neles previstos, de forma a permitir que os requerentes de asilo defendam melhor os seus direitos. O direito de recurso é reforçado através da definição do âmbito do recurso e da fixação de um objetivo para a adoção de decisões judiciais dentro de um prazo harmonizado. As regras relativas às vias de recurso também foram adaptadas a fim de acelerar consideravelmente e de harmonizar o procedimento de recurso.

1.4.

O CESE constata também com satisfação que o direito à vida privada e familiar e os direitos dos menores não acompanhados são reforçados através do alargamento do âmbito de aplicação do regulamento de modo a incluir os irmãos e as famílias constituídas nos países de trânsito, seguindo os critérios do reagrupamento familiar e aplicando o princípio do interesse superior da criança.

1.5.

O CESE reconhece a importância de conferir às propostas o estatuto jurídico de regulamento, que é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável nos Estados-Membros, em conformidade com os Tratados, e não de diretiva. Contudo, é necessário adotar simultaneamente todos os regulamentos pertinentes propostos para que possam representar uma política de pleno direito: a não adoção de um deles teria um impacto desastroso na aplicação dos restantes. Além disso, o facto de, no passado, alguns Estados-Membros não terem cumprido a legislação vinculativa da UE suscita muitas dúvidas quanto à aplicação de diversas disposições dos regulamentos propostos.

1.6.

O CESE saúda o facto de as propostas resultarem de amplas consultas com as partes interessadas, órgãos de poder local e regional (1), organizações da sociedade civil e organizações não governamentais e internacionais, como o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2) e a Organização Internacional para as Migrações (3), bem como com grupos de reflexão e meios académicos.

1.7.

O CESE enaltece o facto de os regulamentos invocarem os princípios da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades, mas considera que este ónus não é suficientemente equilibrado com um nível correspondente de solidariedade. Em termos simples, a solidariedade no que diz respeito à recolocação não pode ser voluntária. A solidariedade tem de ser vinculativa, sob a forma de recolocações obrigatórias.

1.8.

O CESE partilha da dupla preocupação com a segurança das pessoas que procuram proteção internacional ou uma vida melhor, por um lado, e com o bem-estar dos países nas fronteiras externas da UE, que receiam que as pressões migratórias excedam as suas capacidades, por outro.

1.9.

O CESE concorda que o Regulamento Dublim III não foi concebido para fazer face a situações de pressão migratória ou partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados-Membros, e que o mesmo regulamento não teve em conta a situação da gestão dos fluxos migratórios mistos e a consequente pressão que estes exercem sobre os sistemas de migração dos Estados-Membros.

1.10.

No entanto, a abordagem global do Pacto em matéria de Migração e Asilo baseia-se no controlo nas fronteiras e na prevenção de movimentos secundários. Por conseguinte, aumenta o peso da responsabilidade e as dificuldades para os países de primeira entrada, somando-se às obrigações previstas nas propostas em matéria de triagem prévia e controlo nas fronteiras. Estas obrigações são onerosas para os países em questão, uma vez que aumentam o número de pessoas obrigadas a permanecer nas fronteiras e podem, nesse contexto, ter consequências graves para o bem-estar não apenas dessas pessoas, mas também das sociedades de acolhimento.

1.11.

O CESE considera encorajador o reconhecimento de que é necessário um conceito de solidariedade mais amplo e de que a solidariedade deve ser obrigatória por natureza para garantir uma resposta previsível e eficaz à evolução da situação, caracterizada por uma percentagem crescente de fluxos migratórios mistos para a União, e para assegurar uma partilha equitativa de responsabilidades em conformidade com o Tratado. Contudo, a proposta fica aquém das expectativas relativas a um mecanismo de solidariedade que diminua efetivamente os encargos dos Estados de primeira entrada.

1.12.

O CESE propõe que a política de regresso aos países de origem ora proposta seja sustentada por um sistema de incentivos e desincentivos claros para os países terceiros. Além disso, a política de regresso deve prever um papel e uma intervenção maiores por parte da UE, ao passo que as políticas nacionais podem ajudar nos casos em que o Estado-Membro em causa possa influenciar um determinado país terceiro. É necessário envidar mais esforços no que respeita ao chamado «nexo triplo» de ação humanitária, desenvolvimento e paz nos países de origem dos requerentes de asilo.

1.13.

O CESE apoiaria uma ação imediata e obrigatória, como previsto na proposta da Comissão Europeia, uma vez que um continente tão vasto e próspero como a Europa deve poder contribuir mais para a proteção efetiva dos refugiados.

1.14.

Tendo em conta a natureza voluntária da escolha entre a recolocação e os regressos patrocinados, o CESE aceitaria uma repartição obrigatória das recolocações. Com efeito, se todos os Estados optarem por financiar os regressos mas recusarem as recolocações ou as aceitarem apenas em números muitos reduzidos, a situação atual agravar-se-á nos países de primeira entrada.

1.15.

O CESE teria em especial atenção uma proposta que respondesse à necessidade de criar mecanismos de acompanhamento para supervisionar o procedimento, desde a triagem até ao regresso, e a sua conformidade com os direitos fundamentais. Estes mecanismos poderiam evitar, por exemplo, a utilização das denominadas «expulsões». Além disso, deve ser concedido tempo suficiente para a criação do mecanismo, uma vez que os procedimentos globais propostos no regulamento relativo à triagem e no regulamento relativo aos procedimentos de asilo, bem como os prazos previstos, se afiguram um pouco difíceis de alcançar.

1.16.

O CESE defende que se reforce o regulamento relativo às situações de crise e de força maior, introduzindo disposições legais substantivas em matéria de proteção dos dados pessoais. Além disso, propõe a prorrogação do prazo para a suspensão das obrigações internacionais de um Estado em crise enquanto a crise perdurar.

1.17.

O CESE manifesta o seu ceticismo relativamente à aplicação efetiva das disposições previstas nos regulamentos propostos em apreço, bem como a sua preocupação com a eventualidade de as pessoas que necessitam de asilo não poderem usufruir dos seus direitos devido à disfuncionalidade dos processos previstos.

2.   Antecedentes

2.1.

A crise de 2015 veio revelar deficiências estruturais e lacunas importantes na conceção e na aplicação da política europeia em matéria de asilo e migração, incluindo o sistema de Dublim, que não foi concebido para assegurar uma partilha sustentável da responsabilidade pelos requerentes de proteção internacional em toda a UE. As Conclusões do Conselho Europeu de 28 de junho de 2018 apelaram para uma reforma do Regulamento de Dublim com base num equilíbrio entre responsabilidade e solidariedade no que diz respeito às pessoas desembarcadas na sequência das operações de busca e salvamento.

2.2.

O Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, apresentado em conjunto com a proposta de regulamento relativo à gestão do asilo e da migração, pretende representar um novo começo no domínio da migração com base numa abordagem abrangente da gestão da migração. A presente proposta cria um quadro comum para a gestão do asilo e da migração a nível da UE, dando um importante contributo para a abordagem abrangente, e procura promover a confiança mútua entre os Estados-Membros.

As crises migratórias recentes salientam, em especial, os desafios a seguir descritos.

2.2.1.

Ausência de uma abordagem integrada para a aplicação da política europeia em matéria de asilo e migração:

ausência de condições equitativas para todos os Estados-Membros, dificultando os esforços para garantir o acesso aos procedimentos, a igualdade de tratamento, a clareza e a segurança jurídica.

2.2.2.

Ineficiências nacionais e ausência de harmonização na UE na gestão do asilo e da migração:

desafios da correlação entre regresso e asilo;

utilização limitada de programas de regresso voluntário assistido;

ausência de procedimentos simplificados à chegada;

atrasos no acesso ao procedimento de asilo aplicável e lentidão do tratamento dos pedidos;

dificuldades na utilização do procedimento de fronteira.

2.2.3.

Ausência de um mecanismo de solidariedade amplo e flexível:

a recolocação não é a única resposta eficaz para a questão dos fluxos migratórios mistos.

2.2.4.

Ineficiências no sistema de Dublim:

não há partilha de responsabilidades sustentável ao abrigo do atual sistema;

as atuais regras em matéria de transferência de responsabilidades contribuem para movimentos não autorizados;

o tratamento dos dados é ineficiente;

as ineficiências processuais do sistema de Dublim levam à criação de encargos administrativos.

2.2.5.

Ausência de mecanismos específicos para abordar situações de crise extrema:

é difícil para a UE garantir o acesso ao procedimento de asilo ou outros procedimentos nas fronteiras durante situações de crise extremas.

2.2.6.

Ausência de um sistema justo e eficaz para o exercício dos direitos fundamentais e dificuldades na definição de novas vias legais para o asilo e na abordagem eficaz das causas da migração, incluindo questões humanitárias, de desenvolvimento e de paz.

2.3.

Espera-se que as propostas abordem estes desafios da forma a seguir descrita.

2.3.1.

Um sistema de gestão da migração mais eficiente, escorreito e harmonizado:

uma abordagem abrangente para uma gestão eficiente do asilo (proposta de regulamento que cria um quadro comum para a gestão do asilo e da migração a nível da UE);

um procedimento escorreito de asilo e regresso e uma utilização simplificada dos procedimentos acelerados e procedimentos de fronteira;

uma fase de triagem coordenada, eficaz e rápida (proposta de regulamento que introduz a triagem dos nacionais de países terceiros detidos por ocasião da passagem ilícita das fronteiras externas, desembarcados na sequência de operações de busca e salvamento ou que requerem proteção internacional nos pontos de passagem de fronteira).

2.3.2.

Uma abordagem mais justa e mais abrangente da solidariedade e da recolocação:

um mecanismo de solidariedade que preveja uma solidariedade obrigatória de âmbito mais vasto (proposta de regulamento relativo à gestão do asilo e da migração).

2.3.3.

Regras simplificadas e mais eficientes para uma gestão robusta da migração:

uma definição mais vasta e mais justa dos critérios de responsabilidade, limitando a cessação e a transferência de responsabilidade (proposta de regulamento relativo à gestão do asilo e da migração);

recolha e tratamento mais eficientes dos dados, permitindo a contagem de requerentes e não de pedidos, com uma categoria específica para operações de busca e salvamento (Regulamento Eurodac reformulado);

melhoria da eficiência processual (proposta de regulamento relativo à gestão do asilo e da migração).

2.3.4.

Um mecanismo específico para abordar situações de crise extrema (proposta de regulamento relativo à resposta a situações de crise).

2.3.5.

Defesa mais eficaz dos direitos fundamentais dos migrantes e dos requerentes de asilo (4).

3.   Observações sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à gestão do asilo e da migração e que altera a Diretiva 2003/109/CE do Conselho e a proposta de Regulamento (UE) XXX/XXX [Fundo para o Asilo e a Migração]

3.1.

O pacto em matéria de migração e asilo salienta corretamente as incoerências existentes entre os sistemas de asilo e de regresso dos Estados-Membros e sublinha a necessidade de reforçar a solidariedade dentro da UE, através da superação das dificuldades na execução, e de melhorar e intensificar a cooperação com países terceiros. Contudo, não é claro se o princípio da solidariedade voluntária e seletiva ajudará a resolver as principais dificuldades de coordenação da última década, especialmente tendo em conta que os encargos recaem desproporcionadamente sobre os Estados de primeira entrada.

3.2.

Conforme salientado no Parecer SOC/649 (5) do CESE, ao abrigo do novo mecanismo de solidariedade, os Estados-Membros poderiam participar na recolocação ou no regresso patrocinado de pessoas em situação irregular. O CESE tem dúvidas quanto à exequibilidade deste mecanismo, que se baseia numa hipotética solidariedade voluntária. Não é feita qualquer referência aos incentivos que seriam necessários para persuadir os Estados-Membros a participar neste mecanismo, especialmente tendo em conta a recusa de alguns deles em participar no programa de recolocação anterior (6) e a ausência de uma obrigação expressa. Este mecanismo «baseado na solidariedade» pode também ter o efeito inverso, recolocando a pessoa em causa no Estado-Membro patrocinador, se o regresso não for efetivado no prazo de oito meses, o que criaria lacunas de responsabilidade no que diz respeito aos direitos dos repatriados. Além disso, de acordo com o mecanismo de solidariedade proposto, os Estados-Membros são incentivados a não participar na recolocação — a opção mais premente, difícil e onerosa — e a optar, em vez disso, pelo regresso (7). Por conseguinte, é necessário adotar medidas de solidariedade vinculativas sob a forma de ações obrigatórias, tal como previsto na comunicação da Comissão Europeia.

3.3.

O CESE acolhe favoravelmente a redução, de cinco para três anos, dos prazos para garantir o estatuto de residente de longa duração às pessoas que beneficiam de proteção internacional, quando decidirem permanecer no Estado-Membro que lhes concedeu essa proteção. O objetivo é, claramente, facilitar a integração nas comunidades locais, embora se possa considerar como uma limitação da mobilidade dentro da UE, confirmando assim que o ónus permanece sobre os países de primeira entrada.

3.4.

O CESE saúda o conceito proposto de partilha equitativa de responsabilidades, mas considera que não existe equilíbrio suficiente entre este ónus e um nível de solidariedade que lhe corresponda.

3.5.

O CESE acolhe favoravelmente as medidas que visam melhorar a coordenação entre estratégias nacionais em matéria de políticas de asilo e de regresso, mas lamenta que tenham sido apresentadas mais propostas sobre a coordenação dos instrumentos de regresso do que sobre a coordenação em matéria de asilo e de procedimentos de receção de refugiados.

3.6.

O CESE observa as dificuldades que os países da UE enfrentam para assegurar regressos efetivos, bem como a vontade da Comissão de avançar para um sistema europeu comum e eficaz de regressos. A proposta assenta na melhoria do apoio operacional aos regressos e prevê a nomeação de coordenadores nacionais responsáveis pelos regressos. O CESE lamenta que os problemas relacionados com o funcionamento dos programas de regresso não estejam devidamente identificados (8). Por este motivo, esta abordagem, considerada de importância estratégica, fica dependente da vontade de colaborar dos países terceiros, quer de origem, quer de trânsito. Por conseguinte, a UE deve assumir um papel maior em relação a uma política de regresso global.

3.7.

O CESE considera que a solidariedade deve ser automática. As obrigações de solidariedade dos Estados de primeira entrada são desproporcionadas. Os procedimentos continuam a ser complexos e morosos e a não oferecer garantias de recolocação. Existem apenas procedimentos de fronteira obrigatórios, sem um mecanismo de partilha automático. As medidas exigidas aos Estados-Membros são o reforço das infraestruturas (tendas, assistência material, etc.), do apoio financeiro ou dos regressos voluntários. Não existem critérios precisos sobre a forma de contribuição de cada país. Uma vez que este método não é eficaz — apenas aumenta a pressão sobre o Estado de entrada — e que a sua aplicação é morosa (oito meses), existe um risco de fuga dos requerentes. É necessário um mecanismo mais automático que permita uma melhor distribuição dos requerentes por todos os Estados-Membros.

3.8.

De igual forma, o CESE propõe que a existência de três categorias diferentes de emergências (casos de pressão ou ameaça de aumento da pressão, casos de crise e casos de operações de busca e salvamento) para efeitos de solidariedade não seja uma solução prática. Os Estados-Membros terão de pedir apoio numa das três categorias. A Comissão determinará se o pedido é válido (mediante 21 critérios de avaliação) e solicitará a outros países assistência prática, que poderá assumir duas formas principais: recolocação e patrocínio do regresso. Trata-se de um processo disfuncional e moroso: primeiro, é necessário solicitar a solidariedade, depois é elaborado um parecer e, mais tarde, os países podem prestar apoio solidário voluntário até ser tomada a decisão relativa à solidariedade obrigatória. Mesmo no caso da solidariedade obrigatória, a decisão da Comissão depende de um comité especial, que, se emitir um parecer desfavorável, impede a adoção de quaisquer medidas.

3.9.

Segundo o CESE, além da falta de precisão das definições apresentadas (principalmente no regulamento relativo a situações de crise e de força maior), o conceito de pressão migratória não é claramente definido, apesar de ser frequentemente referido ao longo do texto proposto do regulamento.

3.10.

Embora a ideia dos regressos pelos Estados-Membros com base nas suas relações com países terceiros possa ser apelativa, poderá também não funcionar, tendo em conta que as condições no país de origem podem mudar ou que os países em questão podem simplesmente proibir os regressos. Existe também o problema da criação, em última análise, de condições de detenção; é inevitável que as pessoas que aguardam o regresso permaneçam na fronteira, transformando o país de primeira entrada num grande centro de pré-partida. Na prática, não é sequer garantido que a aceleração dos procedimentos (prevista no regulamento relativo à triagem) tenha um impacto real de aumento do número de regressos, já que estes dependem sobretudo da cooperação com países terceiros com os quais a UE ainda não estabeleceu negociações nem acordos (por exemplo, no que diz respeito à emissão de vistos). Tal faz aumentar as possibilidades de violação dos direitos humanos, mas também a pressão exercida sobre as comunidades locais.

3.11.

O CESE entende que o país responsável pelo pedido de asilo — que constitui a pedra angular do novo procedimento de gestão do asilo — poderá ser determinado como o país onde um imigrante tem um ou mais irmãos, onde trabalhou ou estudou ou onde foi emitido um visto. Este alargamento dos critérios é positivo, mas apenas confirma o pesado ónus que ainda recai sobre os países de primeira entrada.

4.   Observações sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de crise e de força maior no domínio da migração e do asilo

4.1.

O CESE acolhe favoravelmente a introdução de uma componente relativa às situações de crise e de força maior no domínio da migração e do asilo. No entanto, o CESE considera que as próprias definições não são claras nem adequadas. Este facto, a par da ausência ou existência de indicadores objetivos, compromete a segurança jurídica.

4.2.

O CESE salienta que o regulamento relativo às situações de crise e de força maior, embora constitua uma janela de oportunidade para uma solidariedade vinculativa, incide em medidas de apoio processual e não em medidas de solidariedade de emergência. A solidariedade é posta em causa pelos procedimentos complexos e burocráticos necessários para a aplicar. É evidente que, numa situação de crise ou de pressão, as recolocações têm de ser asseguradas. Além disso, devem ser tomadas medidas para evitar que os Estados-Membros cheguem a uma situação de crise.

4.3.

O CESE assinala que a instituição de procedimentos e mecanismos para abordar situações de crise e de força maior no domínio da migração e do asilo também deve ser compatível com os direitos fundamentais e com os princípios gerais da União, bem como com o direito internacional.

4.4.

O CESE congratula-se com o facto de, em momentos de crise, o Estado-Membro que ativa o mecanismo ter a possibilidade de suspender as suas obrigações internacionais (por exemplo, para tratar pedidos de asilo) até três meses. Além disso, este prazo deve ser prorrogável enquanto a crise perdurar. Poderá ser útil clarificar a forma como as situações de crise serão determinadas e definir parâmetros de referência claros para quando a capacidade de um país está/poderá vir a ficar sobrecarregada.

4.5.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta que visa conceder aos Estados-Membros o tempo adicional necessário para resolver as situações de crise e, ao mesmo tempo, garantir um acesso eficaz e imediato aos procedimentos e aos direitos pertinentes, permitindo à Comissão autorizar a aplicação do procedimento de gestão de crises de asilo e do procedimento de gestão de crises de regresso durante um período de seis meses, que pode ser prorrogado para o período máximo de um ano. Após o termo do período em questão, os prazos prorrogados previstos nos procedimentos de gestão de crises de asilo e de regresso não devem ser aplicáveis a novos pedidos de proteção internacional.

4.6.

No entanto, o CESE considera que o âmbito limitado da proposta, ou seja, o alargamento ou a aceleração dos procedimentos, enfraquece a função deste mecanismo, a aplicar em caso de medidas de solidariedade de emergência.

4.7.

O CESE considera que a referida proposta pode representar uma oportunidade para legitimar a solidariedade vinculativa, mas constata que ela não está incluída no dispositivo do regulamento em questão. Por conseguinte, o CESE entende que a proposta deve ser integrada no dispositivo do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à gestão do asilo e da migração e que altera a Diretiva 2003/109/CE do Conselho e a proposta de Regulamento (UE) XXX/XXX [Fundo para o Asilo e a Migração], a fim de evitar quaisquer incertezas e eliminar o risco de o referido ato não ser adotado, uma vez que os regulamentos em apreço são interdependentes.

Bruxelas, 25 de fevereiro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Por exemplo, o «Berlin Action Plan on a new European Asylum Policy» [Plano de ação de Berlim relativo a uma nova política de asilo europeia], de 25 de novembro de 2019, assinado por 33 organizações e municípios.

(2)  «UNHCR Recommendations for the European Commission’s proposed Pact on Migration and Asylum» [Recomendações do ACNUR para a proposta do Pacto em matéria de Migração e Asilo da Comissão Europeia], janeiro de 2020.

(3)  «IOM Recommendations for the new European Union Pact on Migration and Asylum» [Recomendações da OIM para o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo da União Europeia], fevereiro de 2020.

(4)  SWD(2020) 207 final.

(5)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 15.

(6)  Acórdão nos processos apensos C-715/17, C-718/17, C-719/17, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa.

(7)  Infelizmente, não existem salvaguardas contra a eventualidade de alguns governos decidirem tornar-se intervenientes principais em matéria de regressos, no âmbito de uma mobilização populista contra migrantes e refugiados.

(8)  Comunicação COM(2017) 200 final.